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Bernardo Maciel, CEO da consultora Yunit, defende uma simplificação fiscal e lamenta o "tabu das grandes empresas".
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Bernardo Maciel, CEO da consultora Yunit, defende uma simplificação fiscal e lamenta o "tabu das grandes empresas".

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Bernardo Maciel, CEO da consultora Yunit, defende uma simplificação fiscal e lamenta o "tabu das grandes empresas".

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Bernardo Maciel: "O PRR é mais uma evidência da nossa não vontade de sermos eficazes"

CEO da consultora Yunit defende que prioridade do Governo deve ser simplificação do regime fiscal das empresas e lamenta que PRR seja mais um exemplo de complexidade que pode originar "nados mortos".

O Orçamento do Estado para 2024 não desiludiu Bernardo Maciel, até porque o CEO da Yunit não tinha grandes expectativas sobre o documento. Em entrevista ao Observador, o responsável pela consultora de gestão especializada no apoio ao investimento e à capitalização das empresas lamenta que essa seja a prática vigente do Governo de António Costa.

O responsável deixa várias críticas ao intrincado sistema de benefícios e incentivos direcionado às empresas, que acaba por “desgastar recursos” e desviar o foco do investimento. A simplificação fiscal, defende, deveria ser a prioridade do Executivo, de forma a dar “uma agilidade e uma flexibilidade aos empresários para poderem focar-se no desenvolvimento do seu negócio e não estarem preocupados com estas taxas, taxinhas, descontos, incentivos e benefícios”.

Ao invés desta “cura”, aponta, o Orçamento traz apenas “pequenos paliativos”, como a redução das tributações autónomas, incentivos fiscais para cedência de casas a trabalhadores, atualização de ajudas de custo ou a redução do IRC para startups. Bernardo Maciel acredita que o Governo está a contar com o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para dar um “estímulo adicional” à economia, mas critica a falta de “eficácia” na gestão dos processos. “A primeira coisa feita com o PRR foi que todos os novos organismos que passaram a tratar este dinheiro criaram as suas próprias plataformas. À data de hoje não é possível fazer pedidos de pagamento de reembolso dos incentivos”, exemplifica.

Oiça aqui a entrevista a Bernardo Maciel.

“Há alguns tabus em tratar o tema das empresas”

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A proposta de Orçamento do Estado para 2024 foi recebida pelo setor empresarial com algum desalento. O Governo esqueceu-se das empresas no Orçamento?
Eu não tinha muita expectativa, confesso. Há um contexto dos últimos anos, seja da lógica que este Governo tem seguido, de algum cuidado com o controlo orçamental, que tem sido prática, e também o que vinha dos últimos anos, como o efeito da pandemia, o aumento do custo de vida, etc. Havia aqui uma necessidade, diria do ponto de vista social, de atacar alguns pontos. A área empresarial fica sempre muito aquém, não esperava grande intervenção, ainda que fizesse sentido haver alguns pontos relevantes, nomeadamente no IRC, no estímulo ao investimento. Mas também acredito que o Governo está com a expectativa das duas muletas, PRR e Portugal 2030, para criar esse estímulo adicional.

Acha que o que ficou definido no acordo de rendimentos, que tinha sido assinado dias antes com alguns sindicatos e alguns patrões, acabou por matar, digamos assim, outras pretensões que os empresários pudessem ter para o Orçamento?
O acordo de rendimentos era uma visão um bocadinho mais pessoal e social de corrigir alguns temas que tínhamos para trás. No tema do salário mínimo era relevante haver uma correção do ponto de vista da aproximação das médias europeias, e o facto de envolver as empresas, sobretudo privilegiando, via incentivo fiscal, algum aumento médio da massa salarial das empresas, é também interessante. Houve uma compensação nos impostos indiretos para compensar, passo a redundância, esse estímulo. Mas eu diria que é preciso mais vontade política para tratar o tema das empresas, para que não esteja condicionado ao tratamento dos rendimentos.

Essa vontade política que tem faltado, é uma questão ideológica?
Feliz ou infelizmente a ideologia vai norteando muito pouco. Salvo alguns casos, como o tema dos residentes não habituais. A ideologia vai se manifestando em alguns pequenos sinais. Há alguns tabus em tratar o tema das empresas, dos lucros, das grandes empresas, dos benefícios fiscais sem ser uma espécie de filigrana e uma manta de renda de bilros para tratar benefícios e incentivos diferentes. Portugal tem uma das taxas mais altas de IRC e tem ao mesmo tempo uma das menores coletas a nível europeu. Há aqui uma complexidade do sistema que não facilita. E há algum tabu em relação a alguns temas, em tratar de frente os estímulos à economia e que fazem arrastar depois tudo o que é o país do ponto de vista do desenvolvimento.

Em relação ao IRC, que é um dos temas que mais interessa às empresas, na concertação social as confederações propuseram o pacto fiscal com uma série de medidas, e a redução transversal do IRC constava entre elas. Mas ao contrário do ano passado, este ano a reivindicação passou quase despercebida. Acha que é uma luta perdida com este Governo?
Acredito que não teremos grandes mexidas. Não querendo fazer aqui comentário político, mas à medida que nos vamos aproximando de um conjunto de ciclos eleitorais, a probabilidade de mexer em temas que afetam a população, enquanto indivíduos, nomeadamente tratar empresas numa lógica de incentivo e estímulo, não é uma política habitual e, portanto, acredito que é um tema perdido naquilo que é diretamente o tratamento do IRC.

Em quanto é que seria ideal nesta altura para as empresas uma descida do IRC?
Mais do que a valorização, acho que há um conjunto de indicadores que podiam ser alavancas do crescimento e do investimento. Há uma discriminação negativa das grandes empresas aumentando o IRC. Há uma nota nova em relação às startups mas diria que é mais uma tendência do que o impacto para a atividade económica. O que me faria sentido era exatamente o contrário. Era incentivar a que as empresas crescessem. Há o tabu das grandes empresas. E aí sim, se calhar por uma questão política. Mas poderia haver um incentivo à concentração e à associação de pequenas e médias empresas, beneficiando as empresas no escalão do IRC, mesmo que mantivessem o estatuto de PME. Para não entrarmos nesta lógica das grandes empresas com este anátema negativo e a diabolização que existe. Portanto, isso poderia ser um estímulo bastante interessante para que as empresas pudessem criar escala.

Nós temos um problema tradicional em Portugal que tem que ver com a nossa dimensão. A capacidade das nossas empresas competirem a nível internacional, que é a única forma de subsistirem, obriga a escala, obriga a dimensão, obriga a inovação, obriga a investigação e desenvolvimento. E isto é um conjunto de características que, quer se queira quer não, as grandes empresas têm. Para além de que, do ponto de vista prático, acabam por ser as empresas que pagam melhores salários. Haver este estímulo, tratar de uma forma direta os incentivos via IRC, nomeadamente o investimento em equipamento produtivo, o investimento em investigação e desenvolvimento, era realmente relevante.

"Há o tabu das grandes empresas. E aí sim, se calhar por uma questão de política. Mas poderia haver um incentivo à concentração e à associação de pequenas e médias empresas, beneficiando as empresas no escalão do IRC, mesmo que mantivessem o estatuto de PME".
Bernardo Maciel, CEO da Yunit

“Há bancos com ofertas de crédito para o pagamento de impostos”

Está previsto neste orçamento o regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas. Vai ajudar a resolver alguma coisa?
O incentivo é mais um estímulo. E isso, obviamente, é bem-vindo, entendendo que, apesar de tudo, não é diferenciador. As empresas recorrem a financiamento tipicamente por falta de capacidade para investir e para ter liquidez. E há alguns temas mais instrumentais que, se conseguirmos tratar com legislação, podem ajudar as empresas a gerir os ciclos de financiamento mais a médio e longo prazo. Há muito endividamento das empresas. E se for ver a oferta de serviços bancários, há bancos com ofertas de crédito para o pagamento de impostos, que é uma coisa impensável na gestão tesouraria de uma organização, precisar de um financiamento para pagar o IVA mensal ou o IVA trimestral. Isso mostra bem a fragilidade que existe nas empresas, não do ponto de vista de modelo de negócio e de resultados, que também pode haver, mas sobretudo de liquidez que se nota por um conjunto de coisas como os pagamentos especiais por conta. As retenções agora baixam qualquer coisa, é um pequeno estímulo à liquidez. Dando também uma nota positiva, o rigor orçamental, e até o equilíbrio entre receita e despesa, tem trazido melhores notações da dívida da República. Consequentemente, a dívida do financiamento dos bancos e, logo, a das empresas. São pequenos sinais.

Mas o tema da liquidez obriga as empresas a recorrer muito a financiamento. A forma como nós não tratamos bem do ponto de vista legislativo, a dívida das faturas, os prazos médios de pagamento. Repare, alguns regimes anglo saxónicos, ao fim de cinco dias, se a fatura não foi devolvida, é um título executivo. Isso acelera muito o pagamento das empresas. Prazos de pagamento de 60, 90, 100 dias e depois, eventualmente, recorrer a tribunais… é uma eternidade para que as empresas possam ter liquidez. E isso é tudo uma dinâmica que faz com que tenhamos que tratar com pequenos paracetamóis para criar este estímulo para que as empresas possam estar mais bem capitalizadas.

Bernardo Maciel lamenta o fim do regime dos residentes não habituais sem estudos que comprovem a sua ineficácia.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Este incentivo é curto?
Sim, é um sinal de reforço da capitalização, mas não é totalmente eficaz. Por exemplo, o Banco Português de Fomento (BPF) teve um reforço de verbas para a capitalização das empresas. Numa altura em que o BPF está em reestruturação ou estruturação, organização e reorganização, o que faz com que esses instrumentos financeiros, que em números redondos foram mais de 1.100 milhões de euros para a capitalização das empresas — os instrumentos diretos através de sociedades de capital de risco e fundos de investimento –,  não estejam a chegar de forma ágil às empresas. Quando seria um valor e uma dimensão muito relevante.

Em relação ao BPF, não tem sido fácil o seu arranque. Que papel ainda pode ter?
O papel do Banco de Fomento, em tese, na sua génese, é um papel muito interessante e importante para complementar o financiamento e a capitalização das empresas. É verdade que também surgiu tudo numa fase complexa. Na altura em que é criado o Banco Português de Fomento temos os temas todos da economia internacional, temos o PRR, temos a própria lógica da organização de juntar as diferentes entidades. Tivemos um tema de compliance, de administrações que foram sendo nomeadas e, portanto, tudo o que tinha que correr mal correu mal ao mesmo tempo.

Acredito que, porque os instrumentos estão desenhados, estão pensados, estão a ser relançados novamente, que terá seguramente um papel muito relevante para a capitalização das empresas. E alguns instrumentos que já havia atrás, nomeadamente as linhas ADN (Apoio ao Desenvolvimento de Negócio) e as linhas para a concentração de empresas para crescimento no mercado, podem fazer a diferença face ao papel da banca comercial em financiamentos de médio e longo prazo específicos para o investimento.

O que havia para correr mal, já correu mal?
Espero que sim.

Já falámos do acordo de rendimentos. Um acordo que deixou de fora a CIP, que apresentou as suas próprias pretensões e não foi atendida. Sendo uma organização tão representativa, que sinal dá esta ausência às empresas sobre o acordo?
O tema da concertação social e o alinhamento de todos os parceiros é importante, para o país, para as diferentes áreas da sociedade. A CIP é obviamente uma associação relevante. Eu não domino as dinâmicas associativas para perceber a discordância perante o acordo. Há um posicionamento estratégico que também às vezes vai acontecendo, seja dos partidos, seja das organizações sindicais, seja das associações empresariais. Pelo que vi da CIP, foi mais uma discordância por aquilo que faltava no documento. Era importante pela dimensão e até pelo papel histórico que a CIP foi tendo ao longo dos diferentes governos nos últimos anos, na anterior presidência. E também pode ter que ver com uma dinâmica nova que a CIP tenha pela saída do António Saraiva e da entrada do novo presidente. Pode ter uma lógica diferente de tratamento dos temas.

Penso que terá sido a não acomodação de um conjunto de sugestões que a CIP fez o facto de não estar alinhada. Apesar de tudo, é sempre um sinal importante para o país haver acordos, numa altura em que vamos vendo por essa Europa fora discordância a vários níveis, até em formações de Governo. Apesar de tudo, é alguma paz — fazendo uma declaração de interesses, não tenho qualquer tipo de alinhamento político e partidário — mas acho que, apesar de tudo, são importantes estes sinais para as empresas. Muitas vezes fala-se de instabilidades e de volatilidades na economia e no país. Por exemplo, o tema da inflação e dos juros. Para as empresas e os empresários o relevante é a previsibilidade do que vem à frente. Obviamente que é preferível financiamento barato do que financiamento caro, mas as empresas vão conseguindo acomodar nos preços de venda os custos inerentes à produção, nomeadamente o financiamento. Infelizmente para as famílias isso não é possível. Incorporar imediatamente no mês seguinte um aumento  de uma taxa de juro na sua remuneração enquanto trabalhador. As empresas conseguem acomodar. O que é relevante aqui é a previsibilidade que a atividade à frente tenha para as empresas poderem fazer os seus planos de investimento. Haver um acordo dá alguma confiança sobre as regras estabelecidas, nomeadamente os aumentos. O incentivo que há ao aumento da massa salarial das empresas apesar de tudo é uma indicação interessante.

Uma das propostas da CIP, que foi muito falada, era o décimo quinto mês, isento de impostos. As empresas estão em condições de aplicar uma medida destas?
Acho que temos de distinguir os setores de atividade e tipologia de empresas. Estamos sempre com este lastro do período da pandemia e o arranque da guerra, e agora uma segunda possível guerra, mais a inflação… é um contexto onde a aplicação de qualquer aumento de gastos tem impacto. Agora, temos dinâmicas de empresas que estão mais expostas à dependência do mercado interno ou empresas que estão mais ligadas às dinâmicas internacionais e que conseguiram reorientar-se nessas novas cadeias de distribuição nesta lógica do comércio internacional, que, de facto, nos últimos anos mudou consideravelmente. Para estas mais dinâmicas não haverá dificuldade em incrementar. Nós queremos ser competitivos internacionalmente em preço, em produto e em produtividade. Temos de ter também rendimentos relevantes, seja de estímulo, seja para termos competitividade e recrutamos os quadros mais relevantes. É um caminho que tem que ser feito. As empresas que têm enfrentado mais dificuldades, que estão mais expostas à concorrência que têm menos diferenciação, menos vantagens competitivas, têm dificuldades a toda a linha. Qualquer impacto das taxas de juro do último ano e meio tem pesado muito em empresas onde o limite da rentabilidade estava muito ali no no zero.

Esta medida era uma espécie de alerta para a necessidade de desagravamento fiscal das empresas?
O desagravamento fiscal, mais do que isso, o escalonamento que temos no IRS com pequenos escalões, faz com que a tributação seja realmente pesada. Há depois um conjunto de incentivos e benefícios que aligeira de alguma forma mas o rendimento disponível das famílias não é fantástico. Pôr todo o ónus do lado das empresas… e quando comparamos o rendimento líquido, o rendimento líquido pago aos colaboradores e o custo total que a empresa tem que suportar, mais do que duplica esse valor. Portanto, o impacto nas empresas de custo total para poder aumentar qualquer euro na remuneração líquida, que é o que no final permite ir às compras, tem uma sobrecarga muito grande. Tudo o que possa ajudar a trazer mais benefícios às pessoas com menor impacto nas empresas, seja por redução do imposto, seja pelo benefício fiscal que foi hoje criado para o aumento da massa salarial, é interessantíssimo.

Regime fiscal das empresas é “uma complexidade tramada”

Os incentivos fiscais para as empresas que cedam casas aos trabalhadores, a atualização das ajudas de custo, a redução das tributações autónomas são suficientes para compensar subidas dos salários?
São pequenas medidas, que eu acho de curto alcance, de curto impacto. Não são manifestações de orientação estratégica. Não sou particularmente defensor desta nossa lógica fiscal. É o que temos historicamente. Não é deste Governo, é da forma como construímos o nosso regime fiscal, de taxas altas e depois muito incentivo, muito benefício intrincado, complexo, difícil, que no caso das empresas obriga a desgastar recursos para perceber isto. Acho muito complicado um empresário lidar com o tema fiscal ou maximizar os benefícios fiscais reorientando o investimento em função disso, sem ter um apoio relevante. Acho complexa esta forma de atuar, é preferível menos intervenção, impostos mais neutros, deixarem as empresas fazerem o seu caminho, decidirem os seus investimentos e, pontualmente, haver alguma orientação nas intenções, por exemplo no tema da sustentabilidade e da fiscalidade verde. Estes exemplos que dá são pequenos paliativos, pequenos sinais. Vamos ficar pelas tendências, mas não atacam o que é relevante.

E não contribuem para a simplificação necessária.
Duvido que reoriente a estratégia de uma empresa a médio e longo prazo. Pensando em planos a dois, três anos de qualquer empresário [duvido] que isto tenha de facto impacto. É mais o que vai acontecendo ao longo do ano e depois chegando ao último trimestre, ‘espera lá, deixa-me cá ver como é que eu consigo maximizar aqui alguns incentivos, olhar para os benefícios fiscais’. Porque estamos a falar de 99% do tecido empresarial de PME, que não têm capacidade de, em permanência, acompanhar estas dinâmicas. Simplificando o regime fiscal, presumo que no final do dia — e há vários estudos que o dizem — dá a mesma coleta ao Estado. Dava era uma agilidade e uma flexibilidade aos empresários para poderem focar-se no desenvolvimento do seu negócio e não estarem preocupados com estas taxas, taxinhas, descontos, incentivos, benefícios. É uma complexidade tramada.

O ministro das Finanças diz que este é um orçamento prudente e que, por isso, responde ao atual momento de incerteza, agravado pelo conflito entre Israel e o Hamas. Por um lado, porque aposta mais na procura interna. É também essa a impressão das empresas? É sensato seguir este caminho ou sentem falta, precisamente tendo em conta o atual contexto, de outras medidas?
Os empresários procuram simplicidade no processo de investimento e em lidar com a máquina do Estado. Não se vê no Orçamento do Estado investimento público ou incentivos ao investimento privado. Estará a contar com as muletas PRR para investimento público e Portugal 2030 para o investimento privado. Mas não se nota essa orientação. A relação das empresas com o Estado exige agilidade dos órgãos das instituições, das agências públicas. Nos incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento, as decisões demoram um ano e meio. Onde metade das empresas só faz a dedução fiscal do SIFIDE após a aprovação disto. Estamos a falar de um ano e meio em que pode ter o cashback de liquidez. Ou seja, esta interação é complexa. Não é competência ou incompetência das pessoas. É, sobretudo, falta de recursos. E não se vê essa orientação para agilizar os processos do lado do Estado.

E há desistências por causa dessa complexidade?
Torna complexo. É um instrumento que faz com que, durante um determinado ano fiscal, as empresas orientem os seus investimentos em investigação e desenvolvimento. A declaração é submetida em maio do ano seguinte. A decisão vem no final do ano civil seguinte, ou seja, no final de 2023 estamos a tratar as decisões do ano fiscal de 2021. Quando isto tem impacto no pagamento de imposto e na liquidez que isso possa representar para as empresas. Porque primeiro há o pagamento de imposto e depois há dedução dos benefícios fiscais. Estamos a falar de um valor relevante que não está ao serviço das empresas. O tema da gestão financeira tem que ver com cash flows, com a disponibilidade de recursos financeiros. Quando falamos de uma lógica de pagamento, retenções de impostos, com uma devolução ou um acerto ou um benefício a posteriori entre seis e 18 meses, claro que tem impacto porque são as empresas a financiar o Estado, quando deveria ser o Estado, no limite, a permitir financiamento para as empresas. Isto vira completamente o que é suposto ser a regra do jogo.

O CEO da Yunit considera as medidas para as empresas que constam no OE "pequenos paliativos"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Teria sido importante, neste Orçamento, ter mais medidas viradas para alavancar as exportações?
Por um lado, há as dinâmicas de incentivo para ganhar capacidade, o exemplo que dava há pouco do estímulo para as empresas crescerem. Não digo para serem todas grandes empresas, mas é dar incentivos para que as empresas possam crescer. Por outro lado, há o tratamento do mercado internacional e as exportações. Os poucos instrumentos que o Governo vai tendo para o tema da internacionalização têm sido os fundos comunitários. Não tem havido concursos ligados ao apoio à internacionalização há anos. Portanto, isto são pequenos instrumentos que incentivam de uma forma muito direta a procura de clientes, a ida a feiras, a presença internacional, o marketing internacional. São de facto financiamentos relevantes para as empresas que querem estar a competir, num período de tempo que vimos de um baralha e volta a dar do comércio internacional em que se altera muito a lógica das cadeias internacionais, que obrigam as empresas a estar muito perto dos seus clientes, dos seus possíveis novos clientes, a reorientar as estratégias e a reorientar os seus mercados de destino. E isso são instrumentos muito relevantes. Nunca são investimentos muito altos, mas fazem muita diferença no plano de internacionalização das empresas. E este mecanismo não está a ser usado.

E no pós-pandemia essa lógica mudou um bocadinho.
Começou com o Brexit, ainda antes da pandemia, porque estávamos felizmente expostos ao mercado do Reino Unido, que é um mercado relevante. Houve um estímulo aí. Depois temos o impacto da pandemia. Por um lado o tema assistencialista, do apoio ao pagamento de salários. Mas o repensar a lógica internacional, onde é que o meu produto hoje vai fazer sentido, o que é que aconteceu nestas cadeias de abastecimento, com o aumento de custos da logística dos transportes dos contentores, houve a necessidade de repensar todas essas lógicas. Este crescimento, no final do governo Trump, da bipolarização Estados Unidos/ China mexe com as dinâmicas do comércio internacional. Alguma ideia que foi passada a nível europeu de uma regionalização do comércio internacional, que também tem muito que se lhe diga por perigoso que possa também significar, mas que para as nossas empresas, apesar de tudo, foi um sinal interessante. Temos empresas pequenas, médias com uma capacidade técnica muito interessante em alguns setores, como moldes, plásticos, metalomecânica, onde as grandes indústrias europeias contratavam parcialmente em Portugal e houve um crescimento interessante. Mas depois isto não foi agarrado do ponto de vista estratégico.

Porquê?
Na minha ótica simplista de ver as coisas, porque se dá prioridade a coisas às quais não deve ser dada prioridade. Não querendo discutir o custo que significa para as pessoas, as horas foram gastas nos últimos dias a discutir 25 euros de IUC… O valor absoluto que isso significa e o que não é tratado num conjunto de outras coisas ou aquilo que nem sequer é medido por outras decisões, como é o caso dos residentes são habituais. O impacto que isso pode significar do ponto de vista de dinâmica económica não é medido. Dar atenção às coisas que não são relevantes tem esta dificuldade.

Referiu o IUC e eu pergunto-lhe se acha que esta aposta na procura interna pode ficar comprometida pelo aumento dos impostos indiretos. Além do IUC, o tabaco, as bebidas e até o final do IVA zero podem resultar numa retração do consumo?
Os impostos indiretos têm a capacidade e a vantagem de, quando comparados com os impostos diretos, serem mais diretos ao ponto. Vão afetar o consumo e há orientações, gostemos ou não. Tem esse lado bondoso se o objetivo é ter um determinado volume de impostos. Há de facto impactos dos impostos indiretos, nomeadamente uma retração do consumo. Ou seja, podemos estar a contar com o aumento de impostos para que haja maior coleta do imposto indireto, mas chegar a um limite em que reduz o consumo e sai o tiro pela culatra e não há a coleta que se espera que se espera ter.

O governo anunciou a criação de um fundo virado para o futuro, onde vai colocar o valor dos excedentes orçamentais. Como é que avalia a criação deste fundo? Pode ser positivo ou devíamos estar a usar esse dinheiro noutras coisas, por exemplo, na redução da dívida?
Em teoria, poupar para investir mais tarde é sempre saudável. Conseguir uma folga orçamental, pequena ou grande, que nos permita mais tarde fazer um conjunto de reestruturações ou reinvestir do ponto de vista público é sempre interessante.

Há também alguns indicadores que vão dizendo que o crescimento da Europa a Leste, ainda mais do que o que já foi crescendo nos últimos anos, pode ter um impacto relevante nos fundos comunitários, que Portugal tem tentado aproveitar e tem sido um beneficiário líquido. Portanto, prevendo uma diminuição a prazo, é prudente ter aqui alguma folga. Agora, quando falamos em fundos soberanos… temos o norueguês e temos o angolano. No meio disto sabemos que pode ser um instrumento de apoio ao investimento público, que obrigaria a um pacto de regime relevante. Pode ser que se faça um aeroporto com esse dinheiro.

É um pacto de regime que pode ser interessante para um conjunto de investimentos estratégicos. Pode fazer com que nos centremos no que é relevante, porque depois o dia a dia castiga-nos e faz-nos tratar de temas menos relevantes.

Quem também anunciou um fundo semelhante foi a Irlanda, mas este financiado com as receitas fiscais extraordinariamente elevadas que o país obtém das multinacionais que aí se instalaram. Devíamos seguir mais esse exemplo irlandês?
A virtude de estarmos numa comunidade tão diversa assim e num espaço comunitário em que são alinhadas várias regras é a partilha de exemplos e os impactos que esses exemplos podem trazer. Um exemplo simples é o tema dos incentivos aos não residentes. Os estímulos ao investimento direto estrangeiro são coisas que recorrentemente os diferentes países fizeram nos últimos 50 ou 60 anos e, portanto, percebe-se aqui de forma mais mais alargada e com um contexto histórico o impacto de determinadas medidas na sociedade e na economia.

Estes exemplos são sempre relevantes quando pode haver este tipo de partilha. Portanto, haver esta lógica de um fundo que permite investir mais tarde, obviamente que é interessante. Mas deixar de ter comida à mesa para investir mais tarde… Relativamente a tentar reduzir a dívida pública, acho que seria um exercício interessante, poder acomodar mais a redução da dívida pública, porque ainda estamos perante taxas de juros relevantes, o que impacta claramente também no Orçamento do Estado. Tem sido feito um esforço. Penso que não é o suficiente.Tem sido feito um esforço. Penso que não é o suficiente. Também o investimento na redução da despesa pública, e não do investimento público, não há sinal nenhum nesse sentido. E dessa renda extra que o orçamento possa ter acomodado poderia ser usada para reduzir o peso da despesa pública, que continua a ser muito relevante e a crescer todos os dias.

"Há bancos com ofertas de crédito para o pagamento de impostos, que é uma coisa impensável na gestão tesouraria de uma organização, precisar de um financiamento para pagar o IVA mensal ou o IVA trimestral. Isso mostra bem a fragilidade que existe nas empresas."

É preocupante?
É preocupante porque é uma despesa que tem que ser paga, quer se queira quer não queira e quem paga sempre são os impostos diretos, indiretos, a não existência de benefícios, a não existência de incentivos que tem que pagar a despesa pública. Quanto a isso não há volta a dar, infelizmente.

Fim do regime dos residentes não habituais sem estudos é “medida populista”

Já mencionámos o fim do regime dos residentes não habituais e falávamos da atração de investimento. É um sinal contrário no que toca a este objetivo?
Penso que no último ano fiscal estariam cerca de 75 mil pessoas, ou contribuintes [abrangidos]. O que eu acho que não há, ou pelo menos não são conhecidos, são estudos e justificações objetivas para valorizar o impacto deste tipo de regime e a sua extinção depois. A não justificação disto faz-nos acreditar que é uma medida populista, porque está enfiada no pacote dos temas que prejudicam os custos da habitação em Portugal, que é real. Nos últimos tempos começa a ser demasiado evidente o tema da habitação para a sociedade portuguesa, e este é um dos temas que está diabolizado e, portanto, é simples de tratar do ponto de vista político. Falta é a sua objetividade. Atribuir a 75 mil pessoas este benefício fiscal, que têm que estar em solo português 180 dias por ano, que se gastarem cerca de dez mil euros durante este período estamos a falar de 750 milhões de euros de consumo, o IVA que isto também não implica…

Voltamos ao IUC e ao impacto que isto tem. Não ser medido isto, não perceber o efeito de arrastamento que um residente não habitual pode trazer ao país, seja no seu consumo, nos seus comportamentos, seja em eventuais investimentos que possa fazer, faz com que estas sejam medidas avulsas e seguramente instrumentos de comunicação que depois não trazem reflexos. O problema é sobretudo não ser medido. O que é que me preocupou no argumentário? Foi a forma veemente com que o senhor primeiro-ministro numa entrevista recente diz quanto é que este grupo de pessoas tinha de dedução anual. O que não foi posto no prato da balança é em quanto é que contribui anualmente, seja em IRS, a parte que é paga, seja em tudo que eu falava antes. E pior: estes senhores não têm o apego pessoal, emocional, prático que nós temos. Portanto podemos deixar de dar os tais mil e tal milhões de euros de benefício fiscal, deixamos é ter o mesmo em receita da noite para o dia. Quando o tema é tratado desta forma ligeira preocupa-me sempre.

E este fim pode ter impacto na atração de Portugal de outros investimentos?
Bastante. Portugal tem feito um caminho muito interessante nos últimos anos. Do ponto de vista estratégico o turismo foi uma das principais evidências. Até em diferentes governos de diferentes cores partidárias. Tem sido feito um caminho muito interessante de comunicação. O país ganhou um élan que nunca tivemos no passado. Começou a mexer primeiro com cidadãos, com geografias, com mercados interessantes.

É verdade que depois há um conjunto de factos no planeta que nos beneficiaram. A Primavera Árabe ajudou-nos, os movimentos todos internacionais fizeram com que o turismo fosse mais curto do ponto de vista geográfico e a Europa privilegiou-nos enquanto destino turístico. Foi alargando aos mercados americanos mais recentemente, e à América Latina também. Portugal foi redescoberto pelo planeta, sendo alvo de mais investimento. Temos um regime fiscal interessante, mas complexo. O problema é a complexidade disso, insisto. Temos incentivos ao investimento via fundos comunitários. Temos uma relação privilegiadíssima com os países da CPLP, portanto uma lógica da lusofonia. Temos a lógica da União Europeia, temos a nossa localização geográfica. É todo um conjunto de coisas positivas. Mas depois há estas pequenas coisas que podem pôr em causa todo o trabalho que vai sendo feito de atração, de consolidação de Portugal como destino estratégico para empresas e para pessoas. Estas pequenas armas de arremesso político-partidárias acabam por ser pouco relevantes e por criar ruído desnecessário.

Antes de terminarmos queria falar do PRR. Tem havido críticas sobre a execução dos fundos e o seu real impacto na economia e nas empresas. Soube-se que algumas das agendas mobilizadoras perderam empresas. Mas o Governo tem garantido que os próximos dois anos vão ser de aceleração da execução. Ainda vamos a tempo de apanhar este comboio?
O PRR é mais uma evidência da nossa não vontade em sermos eficazes e eficientes no tratamento destas coisas. É obviamente uma arma fundamental, começou por se chamar bazuca pelo impacto, em contexto de guerra não será a melhor metáfora. Mas é, de facto, um valor muito relevante para a nossa economia.

Percebo a decisão estratégica de ter investimento público, porque precisávamos de fazer um conjunto de reformas, e as empresas virem alavancadas depois, porque são os prestadores destes serviços e destes fornecimentos ao Estado. Percebo isso. O que me faz confusão é a alteração de um conjunto de regras que já havia. Dou um exemplo prático: para os incentivos, as empresas utilizam o balcão dos fundos comunitários. Conhecem as empresas, as entidades consultoras, é muito simples e é conhecida a utilização daquele instrumento. A primeira coisa feita com o PRR foi que todos os novos organismos que passaram a tratar este dinheiro criaram as suas próprias plataformas. À data de hoje não é possível fazer pedidos de pagamento de reembolso dos incentivos. A taxa de execução que tem sido comunicada, pelo menos do lado das empresas, é uma taxa de execução irreal, que é medida por adiantamentos feitos ad hoc das instituições, sem haver o contra valor do investimento feito, o que é perigoso, porque não se percebe que o dinheiro está realmente na economia.

Depois, do ponto de vista prático, houve um conjunto de incentivos à descarbonização e eficiência energética já em 2022, no primeiro semestre. As decisões estão a sair agora. Se as empresas estavam a aguardar a aprovação para fazerem os investimentos, veja o que aconteceu à maior parte dos fornecimentos e ao preço. Aquilo que ontem custava 100 hoje já não custa 100. Se as empresas não esperaram pela decisão para começar o investimento ou se descapitalizaram ou foram à banca. Veja que financiamento é que estes investimentos tiveram. Aquilo que são medidas interessantes, estrategicamente relevantes, que tocam os pontos certos, acabam por dar uns nados mortos.

Há demasiadas barreiras?
Demasiadas barreiras, demasiada burocracia, demasiadas entidades, pouca flexibilidade, excesso de desconfiança e também fraca auditoria, portanto, não funciona. Ainda há muito caminho para fazer.
Tocou no tema das agendas mobilizadoras, que eu acho que, apesar de tudo, foi o que funcionou melhor. Se calhar porque o senhor primeiro-ministro tomou como bandeira ele próprio a condução daquele mecanismo. Tem algumas dificuldades, sobretudo de governance nas diferentes entidades. Mas, apesar de tudo, teve alguma celeridade face a todos os outros, se calhar porque foi o próprio primeiro-ministro que segurou essa bandeira. Os outros incentivos… é muito complicada a sua implementação.

O que é que a discussão na especialidade ainda poderá trazer a mais, ou a menos, ao Orçamento do Estado?
Dada a qualidade da retórica da discussão desta semana não espero nada de positivo. Tendo em conta a maioria parlamentar, não espero grandes alterações à proposta. Pode haver um outro ponto que pode estar a ser guardado mais como estratégia do que como um tema negocial. Se quisessem envolver ou acomodar algumas medidas, tirando as estratégicas como é o IRS, tirando o tapete à oposição, diria que está tudo previsto. Não espero nada de extraordinário.

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