Índice
Índice
Jeff Bezos descolou do Texas num foguetão, flutuou no espaço dentro de uma cápsula durante quatro minutos, viu a curvatura da Terra e voltou a tocar a Terra dez minutos depois, num momento celebrado em apoteose por amigos, familiares e membros da Blue Origin, batendo recordes que ficarão na história da exploração espacial. Um deles foi precisamente a altitude a que chegou, que, ao contrário do que aconteceu com Richard Branson, não deixa margem para dúvidas de que alcançou o espaço.
O foguetão New Shepard foi o primeiro a viajar ao espaço com tripulação totalmente civil, tendo sido controlado remotamente pela equipa da Blue Origin. Além disso, Bezos conseguiu a proeza de ultrapassar os 86 quilómetros de altitude do concorrente (e que só na perspetiva das autoridades americanas significa atingir o espaço). O foguetão de Bezos passou os 100 quilómetros, cruzando a linha de Kármán.
Mas foram mais os recordes da viagem desta terça-feira: a bordo da cápsula levou consigo, além do seu irmão Mark, Wally Funk e Oliver Oliver Daemen, que com 82 e 18 anos, respetivamente, se tornaram na pessoa mais velha e mais nova da história a chegar ao espaço.
A viagem desta terça-feira era aguardada com alta expectativa, não só devido aos riscos associados a uma viagem suborbital, mas também pela emoção e adrenalina que uma que uma ida ao espaço gera, o que fez com que o momento, transmitido em direto, fosse acompanhado em todo o mundo. Com milhares de pessoas colocadas aos ecrãs nos quatro cantos do mundo, tudo correu como o previsto e os quatro turistas espaciais tiveram a possibilidade de experimentar a gravidade zero no espaço e de vislumbrar a beleza da curvatura do planeta.
No final da viagem, Jeff Bezos admitia ter ficado fascinado com a “beleza e a fragilidade” da Terra vista do espaço, numa viagem para a qual as expectativas eram elevadas, mas que ainda assim foram “ultrapassadas”. E, como Bezos acredita que o futuro passa pelo espaço, o bilionário prometeu tornar as viagens espaciais mais acessíveis para toda a gente.
O primeiro recorde da Blue Origin: a primeira viagem civil sem piloto até espaço
Depois de um investimento de centenas de milhões de dólares ao longo dos últimos 20 anos, e de 15 testes bem sucedidos (sem passageiros) do New Shepard — o foguetão batizado em homenagem de Alan Shepard, primeiro norte-americano a chegar ao espaço em 1961 —, a Blue Origin decidiu dar o passo seguinte, e enviar pessoas para o espaço, escolhendo o dia 20 de julho, quando se assinam precisamente 52 anos da primeira viagem do homem à Lua.
Never gets old! Third consecutive landing for this booster. #NSFirstHumanFlight pic.twitter.com/E26ZJW9vd0
— Blue Origin (@blueorigin) July 20, 2021
Acresce que, para voar, o New Shepard não precisa de qualquer piloto a bordo, uma vez que todo o processo é gerido de forma remota, através de uma equipa da Blue Origin que controla todos os passos a partir de computadores. No caso da Virgin Galactic, o voo até ao espaço necessita da presença de um piloto no interior na nave — além de Richard Branson, recorde-se, voaram dois pilotos e mais três membros da equipa da empresa —, sendo que a viagem de há nove dias demorou cerca de uma hora, uma vez que o avião foguetão foi transportado por uma nave-mãe antes de descolar, um processo que levou cerca de 45 minutos.
Beautiful launch from West Texas this morning. #NSFirstHumanFlight pic.twitter.com/JUpRA7PHvv
— Blue Origin (@blueorigin) July 20, 2021
Com 12 minutos de atraso, e depois de todas as verificações de segurança antes de o voo começar, o New Shepard descolou do Texas às 14h12 e atingiu uma velocidade três vezes superior à do som. Dois minutos depois da descolagem, a cápsula onde estavam os passageiros soltou-se do foguetão, com a tripulação a experimentar, durante cerca de quatro minutos, a sensação de gravidade zero — desapertaram os cintos, flutuaram, foram até à janela e espreitaram a curvatura da terra, entre momentos de grande diversão, captados em vídeo.
“Who wants a Skittle?”: New footage from inside the capsule shows how Jeff Bezos, Mark Bezos, Wally Funk and Oliver Daemen spent their time in space https://t.co/5C820HM4EM pic.twitter.com/excCMRm1Zg
— CBS News (@CBSNews) July 20, 2021
Depois disso, e enquanto o New Shepard já descia rapidamente em direção ao Texas, onde viria a aterrar na vertical, a cápsula foi descendo, diminuindo progressivamente a velocidade, sobretudo após serem ativados três paraquedas. A aterragem, às 14h22, foi bem sucedida, pondo fim à viagem e dando início às celebrações — estava concluído, com sucesso, o primeiro voo sem pilotos com uma tripulação totalmente civil.
Picture perfect landing in the West Texas desert! #NSFirstHumanFlight pic.twitter.com/UXQvzBkq6P
— Blue Origin (@blueorigin) July 20, 2021
O sonho de Wally Funk e o bilhete de última hora Oliver Daemen: a mais velha e o mais novo a chegarem ao espaço
Mas a viagem de Bezos até ao espaço não ficou para a história apenas por ter ido mais alto, até porque a tripulação escolhida pelo dono da Blue Origin não foi ao acaso. Além de ter convidado o seu irmão mais novo, Mark Bezos, Jeff Bezos fez questão de que, na sua primeira viagem ao espaço, estivesse presente Wally Funk, uma piloto que desde a década de 1960 sonhava em ser astronauta.
Apesar de ser inspetora de segurança aérea do National Transportation Safety Board (NTSB) e inspetora da Federal Aviation Administration (FAA), de ser piloto desde os 19 anos e de ter ensinado mais de três mil pessoas a voar, Wally Funk nunca teve a oportunidade de ir ao espaço. Esteve perto de o fazer, quando fez parte de um programa de treino dado aos astronautas da NASA, mas, por ser mulher, foi impedida de ser astronauta e viajar até ao espaço.
Sessenta anos depois, Wally Funk, hoje com 82 anos, conseguiu concretizar o seu sonho e, além disso, entrou para a história, tornando-se na pessoa mais velha a viajar até ao espaço. E já anseia pelo momento em que poderá voltar. “Foi fantástico. Quero ir novamente — e rápido!”, afirmou Funk. “Esperei muito tempo para finalmente lá chegar [ao espaço]. Adorei. Nós os quatro divertimo-nos muito”, acrescentou.
E, além de levar a bordo a pessoa mais velha a viajar até ao espaço, o voo da Blue Origin entrou para a história também por ter o mais jovem astronauta de sempre. Oliver Daemen é um jovem holândes de 18 anos, que vai estudar Física e quer pilotar naves até ao espaço, e que teve a oportunidade de viajar no New Shepard após uma oferta do seu pai.
Este lugar no voo de Bezos foi leiloado e, inicialmente, foi atribuído a uma outra pessoa — cuja identidade não foi revelada —, que pagou 28 milhões de dólares pelo bilhete. Mas acabou por desistir à última hora e a viagem foi atribuída à segunda pessoa que fez a licitação mais elevada, o pai de Daemen, embora o valor pago não tenha sido revelado.
“Pareceu tão natural, como se tivéssemos destinados a fazer isto. Fomos os primeiros, mas espero que muitas mais pessoas o possam fazer, porque esta experiência deve ser partilhada com mais pessoas. É fantástico”, afirmou Daemen.
Jeff Bezos vs Richard Branson. Quem chegou, afinal, ao espaço?
Com a viagem desta terça-feira, e numa ótica da competição entre bilionários na corrida ao espaço, Jeff Bezos conseguiu bater o recorde de Richard Branson em termos de altitude e, numa discussão em que não há consenso, em última instância, o fundador da Blue Origin pode ter sido o único dos dois a chegar, realmente, ao espaço.
De acordo com o governo norte-americano, o espaço sideral começa após 50 milhas (pouco mais de 80 quilómetros) de altitude acima do nível do mar. Outras organizações internacionais, como a Federação Aeronáutica Internacional, no entanto, consideram que o espaço apenas começa após as 60 milhas de altitude (pouco mais de 100 quilómetros).
Ora, há nove dias, Richard Branson e a sua tripulação voaram até uma altitude de 86 quilómetros, o suficiente para chegar ao espaço na perspetiva do governo norte-americano e da NASA, mas não atravessando a linha de Kármán — Jeff Bezos, por seu turno, voou até uma altitude superior a 100 quilómetros, não existindo, nesse sentido, discussão sobre se chegou ou não ao espaço.
Para Rui Moura, professor do Instituto Geofísico e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, o facto de a nave da Virgin Galactic não ter voado mais alto deve-se sobretudo a “questões técnicas” relacionadas com o “desenvolvimento do motor”, uma vez que a nave “só tem velocidade e energia cinética” para subir até aquela altitude.
“Não quer dizer que no futuro [a Virgin Galactic] não consiga aumentar um bocadinho [a altitude], mas, para já, por uma questão de estarem numa fase de desenvolvimento, querem fazer tudo com segurança”, explica o especialista ao Observador, admitindo que Jeff Bezos acabou por sair vencedor nesta corrida, embora, na sua ótica, “ambos os voos tenham sido espaciais”.
Apesar das picardias, os bilionários têm negado qualquer competição na corrida ao espaço, e, depois de aterrar, Jeff Bezos recebeu uma mensagem especial de Richard Branson, que considerou o a viagem “impressionante”.
Well done @blueorigin, @jeffbezos, Mark, Wally and Oliver. Impressive! Very best to all the crew from me and all the team at @virgingalactic
— Richard Branson (@richardbranson) July 20, 2021
“Vamos construir um caminho para o espaço”, garante Bezos, prometendo proteger a Terra, o “único planeta bom”
Com duas viagens ao espaço bem sucedidas — a da Virgin Galactic e da Blue Origin — o turismo espacial começa a ser uma realidade cada vez mais próxima, e as duas empresas garantem ter uma vasta lista de interessados em adquirir um bilhete para viajar até ao espaço.
Isso mesmo reforçou Jeff Bezos na conferência de imprensa no final da viagem, anunciando que a procura pelas viagens ao espaço está a ter uma “procura muito, muito elevada” e que a empresa está prestes a chegar aos 100 milhões dólares em vendas privadas. A Blue Origin, no entanto, não revela qual o preço que está a pedir pelas viagens ao espaço, mas anunciou que, quem estiver interessado, deve enviar um e-mail à empresa, que tenciona fazer pelo menos mais duas viagens ao espaço este ano e muitas mais já em 2022.
Certo é que o preço de uma viagem de pouco mais de 10 minutos ao espaço para ver a curvatura da Terra não é acessível à esmagadora maioria das pessoas e essa é uma das críticas que têm sido feitas aos bilionários que estão na apostar no turismo espacial, considerado um luxo, para prazer de um grupo restrito de pessoas.
Além disso, Bezos também tem sido criticado por investir centenas de milhões de dólares no turismo espacial enquanto uma parte dos seus trabalhadores, nomeadamente da Amazon, têm ordenados baixos — além da fuga aos impostos durante alguns anos por parte do fundador da Amazon e da Blue Origin.
https://www.instagram.com/tv/CRje0TBHGPS/?utm_medium=copy_link
As críticas, no entanto, não demovem Jeff Bezos, que não tem dúvidas de que o futuro passa pelo espaço, embora sublinhe que a prioridade deva ser proteger a Terra, o “único planeta bom do sistema solar” e do qual é preciso “cuidar”, indo ao encontro da ideia que já defendeu no passado — a de enviar as indústrias poluentes para o espaço e salvaguardar a Terra.
“Vamos construir um caminho para o espaço, para que os nossos filhos e netos possam construir o futuro. Não se trata de fugir da Terra. Este é o único planeta bom no sistema solar e temos de cuidar dele. Quando se vai ao espaço e se vê quão frágil ele é, o que queremos é tomar conta dele”, garante Jeff Bezos.
Enquanto estas ideias, que parecem utópicas, começam a ser discutidas, a grande aposta de Bezos, no futuro próximo, parece mesmo ser o turismo espacial. E o bilionário promete tornar as viagens ao espaço mais acessíveis para todos, dando como exemplo o que aconteceu com as viagens comerciais de avião. Realidades que parecem distantes, mas, garante Bezos quando recorda a viagem desta terça-feira, “é assim que começam”.