Artigo originalmente publicado em fevereiro e que agora recuperamos face aos resultados do Brexit. Com a vitória do ‘leave’, que tanto defendeu, Boris Johnson pode tornar-se o próximo primeiro-ministro do Reino Unido. Neste texto ele é ainda referido com o cargo que então ocupava: mayor de Londres.
Boris Johnson é o rosto pelo “não” do referendo britânico, mas é mais do que isso. É o presidente da Câmara de Londres e não está simplesmente a fazer uma campanha pelo “não” — está a fazer uma campanha para chegar a primeiro-ministro e suceder a David Cameron. É o homem que acha que a vitória de um “não” é a vitória do seu “sim” até ao número 10 de Downing Street e o homem que já passou por muitos ofícios e abalou a Grã-Bretanha com muitas polémicas.
O mayor de Londres decidiu este fim de semana que iria fazer campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia no referendo britânico, contrariando David Cameron, o primeiro-ministro que criou as condições para que o referendo aconteça, mas que defende a continuidade do país na UE. A decisão de Boris agitou o Reino Unido e deu novo fôlego aos eurocéticos. A declaração teve repercussões imediatas. Uma delas foi a queda da libra, que desvalorizou como não acontecia desde 2010. A outra pode prender-se com o futuro político de Boris Johnson.
O homem que já foi jornalista, diretor da revista Spectator, ministro-sombra, deputado e agora presidente da maior câmara do país tem ambições políticas, mas para muitos pode ter hipotecado o seu futuro ao assumir a dianteira da campanha pelo “não”. A jogada é de alto risco e o próprio sabe-o, mas quem vaticina o passo em falso é o próprio pai de Boris, que acredita que a posição do filho foi um erro que lhe pode custar o futuro político. Stanley Johnson, reconhecido antigo deputado conservador, acha que Boris pode muito bem estar a pôr um ponto final nas suas ambições ao assumir-se a favor do “não” à continuidade na União Europeia. “Não consigo pensar numa jogada melhor para pôr fim à carreira do que a que ele fez ontem”, disse Stanley.
Esta não é a primeira vez que Boris esteve a um passo do precipício político. O político irreverente que quer suceder a David Cameron esteve muitas vezes no centro da polémica, e o próprio já matou o seu caminho político várias vezes para depois o reinventar. Foi Boris que, depois de escândalos sobre infidelidade e de declarações controversas, chegou a jogar na lotaria das probabilidade e dizer que teria “mais hipóteses de reencarnar como Elvis Presley ou numa azeitona do que ser primeiro-ministro”.
Boris tem feito o seu caminho e tem muitas semelhanças com alguns políticos portugueses. Foi jornalista, correspondente em Bruxelas no Telegraph e, dizem, chegou a ser o preferido de Margaret Thatcher. A proximidade com a Dama de Ferro não será alheia aos artigos que escreveu anos a fio mostrando no jornal inglês o seu euroceticismo, ao escrever sobre as políticas de Bruxelas e moldando o pensamento de muitos britânicos. Ainda hoje muitos ingleses admitem que a opinião de Boris os influencia.
A decisão de Boris tem, no entanto, raízes mais fundas que vão até às suas influências políticas. Conta no livro O Fator Churchill, a biografia de Winston Churchill que escreveu no ano passado, que tem orgulho em ter nascido enquanto o histórico primeiro-ministro britânico ainda era vivo. Foi apenas um ano. Boris tem 51 e Churchill morreu há cinquenta, com 90 anos. No livro, Boris fala da personalidade de Churchill como quem fala de um ídolo. E terá sido a Churchill que Johnson foi buscar inspiração para defender o que agora defende para a Grã-Bretanha.
“No universo de Churchill, a Grã-Bretanha era evidentemente uma potência europeia, talvez a maior potência europeia, mas o seu papel mundial não se restringia a isso. Queria uma Europa unida e defendia que a Grã-Bretanha tivesse um papel importante na concretização dessa feliz união num continente que já vira tantas tragédias. Mas esse papel seria de patrocinador, de testemunha, mais do que de parte contraente”, escreveu sobre o posicionamento europeu do antigo primeiro-ministro.
Mas Boris não é (e não foi) só política. É também um homem de muitos casos e muitas polémicas. O Observador conta-lhe alguns dos mais conhecidos.
“O Islão é o problema” e os jihadistas são “obcecados por pornografia”
As duas opiniões ficaram gravadas na pedra, por diferentes motivos. Decorria o ano de 2005 e Boris Johnson ainda era o diretor da Spectator logo após os atentados ao metro de Londres de julho. Passava uma semana dos atentados e Boris escrevia “Só não lhe chamem guerra“. Nesse artigo, o diretor da revista discorria sobre o que levava homens nascidos ou criados em Inglaterra a atentarem contra os seus conterrâneos e o que podia o país fazer para o evitar.
Na sua argumentação, Boris Johnson defendia que a guerra do Iraque “não criou o problema dos assassinos fundamentalistas do Islão”, contudo, acrescentava, a guerra aguçou “o ressentimento sentido por essas pessoas neste país e deu-lhes um novo pretexto”.
“A guerra do Iraque não pôs o veneno no nosso sistema sanguíneo, mas, sim, a guerra ajudou a potenciar esse veneno”, escrevia.
Nesse mesmo artigo, Boris Johnson fazia uma afirmação: “O Islão é o problema”. E ia mais longe, defendendo que era a “fé” que teria de ser “compatível com os valores britânicos”. Concluía: “Isso significa começar por eliminar o primeiro tabu e aceitar que o problema é o Islão. O Islão é o problema. Para qualquer leitor não-muçulmano do Corão, Islamofobia – medo do Islão – parece uma reação natural e, na verdade, exatamente o que o texto pretende provocar”.
Uma declaração polémica que foi usada vezes sem conta para o confrontar com algumas das suas ideias e propostas, como por exemplo neste artigo do Guardian (de 2009) ou neste debate sobre o que propunha para a comunidade muçulmana na campanha para a reeleição.
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Boris Johnson nunca se conteve ao falar sobre o fundamentalismo islâmico ou sobre jihadismo. Uma das últimas declarações do presidente da câmara de Londres a ficar na história foi quando disse em entrevista ao Sun que os jihadistas eram obcecados por pornografia por terem dificuldade em relacionarem-se com mulheres. A descrição baseava-se num perfil saído de um relatório do MI5 e ia mais longe. Boris explicava que os terroristas não passavam de jovens à procura de auto-estima e que mais não eram do que “graves onanistas”.
A entrevista foi dada uma semana depois de Boris ter visitado as tropas britânicas no Iraque, que lutam contra o Estado Islâmico, e de ter tirado uma foto com uma arma automática AK47 (pode ver a foto aqui).
Mas as polémicas de Boris Johnson não ficam por aqui. Donald Trump afirmou que havia áreas de Londres onde não se podia ir por causa dos muçulmanos. A intenção do candidato às primárias do Partido Republicano era argumentar que os muçulmanos deviam ser expulsos dos Estados Unidos. Ora, o que lhe disse Boris? “A única razão para não ir a algumas partes de Nova Iorque é o risco real de encontrar Donald Trump”.
Chamou-lhes “bêbedos de Liverpool” e culpou-os pela tragédia de Hillsborough. Depois, pediu desculpa
Um dos muitos casos que envolveu Boris Johnson tem a ver com um artigo na Spectator, quando era diretor, sobre a tragédia de Hillsborough. O desastre aconteceu em abril de 1989 no estádio de Hillsborough, antes de um jogo de futebol entre o Liverpool e o Nottingham Forest, e provocou a morte de 96 pessoas e a quase 800 feridos. A Inglaterra tinha um problema com o crescimento do hooliganismo e ainda vivia no rescaldo de um acidente com adeptos do Liverpool, o desastre de Heysel, que levou à interdição do clube inglês das competições durante seis anos. Ora, o editorial da Spectator em 2004 defendia que os adeptos bêbedos dos reds eram em parte responsáveis pelo que aconteceu.
Dizia na coluna que era preciso que se tivesse a noção do “papel no desastre de adeptos bêbedos, que na parte de trás da multidão, inconscientemente, tentou forçar o seu caminho para o campo”. O editorial não era assinado, mas Boris assumiu-o e acabou por ser demitido do cargo de ministro-sombra do Partido Conservador, um cargo que ocupava ao mesmo tempo que era diretor da revista.
Mais tarde, um inquérito independente concluiu que o desastre aconteceu devido à sobrelotação do estádio e a decisões de segurança que eram alheias aos adeptos.
Depois de conhecidas as conclusões, já em 2012, Boris Johnson, entretanto fora eleito presidente da Câmara de Londres, pediu desculpa pelo editorial. Disse Johnson que estava “contente” por o relatório independente ter provado que a culpa não era dos adeptos embriagados e esperava que as famílias conseguissem ter algum conforto com os resultados do relatório de peritos independentes.
Antes reencarnar em Elvis do que ganhar a Cameron. O abalo dos casos amorosos
Além da política e das declarações bombásticas, o presidente da Câmara de Londres também costuma aparecer nas capas das revistas cor-de-rosa. A sua vida pessoal tem sido atribulada, com vários casos de infidelidade pelo meio. Depois do último escândalo, quando uma amiga de longa data apareceu a jurar que o seu casamento terminara porque ela tinha um filho de Boris Johnson, o próprio ironizou com o seu futuro político: “Tenho mais hipóteses de reencarnar como Elvis Presley ou numa azeitona do que ser primeiro-ministro”. Seis anos depois, o cenário parece ter mudado, mas a vida pessoal de Boris não abrandou.
Este escândalo de 2010 começou com uma manchete do Daily Mail que dizia que o mayor se tinha envolvido com uma amiga de longa data, consultora de arte, que afirmava que Boris era o pai da sua filha de meses. Mas os casos de adultério já vinham de trás. Boris divorciou-se da primeira mulher, Allegra Mostyn-Owen, depois de a ter traído com Marina Wheeler, com quem viria a casar e com quem tem quatro filhos.
Tem sido uma relação com altos e baixos. Durante o tempo em que foi diretor da Spectator, conta-se a história do caso que teve com uma das editoras, Petronella Wyatt, filha do político trabalhista Woodrow Wyatt, e que levou a jornalista a fazer um aborto de um filho de Boris. Durante um tempo, Marina e Boris mantiveram-se afastados por causa das repercussões do caso. Mais tarde, Boris terá tido um caso com a jornalista Anna Fazackerley, contam os jornais cor-de-rosa ingleses.