“Isto está muito mau”, reconhece Sebastião Correia. Ao balcão do seu emblemático restaurante, “O Bifanas”, a dois passos da Grand Place, lamenta: “Há dias em que perdemos 50% a 60% do volume de negócios habitual. Na primeira semana após os atentados não tivemos clientes”.
Um mês após os ataques terroristas no aeroporto e numa estação de metro de Bruxelas, a situação ainda está muito longe do normal. A cidade vive dias de depressão económica. De acordo com o editorial do jornal belga Le Soir, a capital belga está a viver “o seu período mais sombrio desde a 2ª Guerra Mundial”.
“Isto nunca aconteceu. É uma crise histórica”, diz ao Observador Rodolphe Van Weyenbergh, da Associação de Hotéis de Bruxelas. “Há dias em que se trabalha normalmente, outros em que não se faz nada”, queixa-se Paulo Tomás, administrador da Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa.
Menos gente nas ruas
E, de facto, basta andar pelas ruas do centro. As marcas que os atentados e a insegurança provocaram são visíveis no comércio. Em pleno dia útil, o centro tem gente e os comércios atendem clientes, mas não tantos como é habitual. Na Boulevard Anspach, avenida pedonal e uma das mais importantes da capital, vêm-se menos pessoas, longe do frenesim que era habitual existir antes dos atentados. Depois, há ruas meio desertas, com menos turistas. Há lojas com gente, mas outras quase vazias.
A Grand Place continua a atrair as atenções dos turistas belgas e internacionais. “Mas há muito menos gente”, diz um vendedor, cujo negócio de plantas e flores ocupa uns bons metros quadrados da calçada da praça mais famosa da Bélgica. A uns 300 metros, junto à mítica estátua de bronze do Manneken Pis (que representa, de facto, um rapaz a urinar para uma bacia), tem-se a impressão de que há menos excursões. “Depende do momento do dia”, diz a empregada de uma loja de chocolates, mesmo em frente do Manneken Pis.
Cafés, cervejarias e restaurantes no coração da cidade ainda estão longe de voltar a uma situação de normalidade. Continua a haver patrulhas da polícia e de militares fortemente armados um pouco por toda a cidade, e veículos e camiões do exército estacionados em pontos sensíveis.
A Praça da Bolsa permanece transformada num imenso memorial às vítimas dos atentados de 22 de março. As notícias dão conta, com tristeza, de que nos hospitais de Bruxelas ainda há 44 feridos, dos quais 23 nos cuidados intensivos.
A “marcha contra o terrorismo e o ódio”, no domingo passado, juntou apenas 10 mil pessoas. É certo que já passaram algumas semanas dos atentados e isso poderá ter desmobilizado alguns. Mas muita gente sente medo.
Volume de negócios em quebra
As associações profissionais de empresas e comércios deram esta semana uma conferência de imprensa e os resultados que apresentaram são alarmantes: uma maioria de comerciantes, hotéis e restaurantes da capital registou uma quebra de 40% do volume de negócios no último ano. E receia-se a perda de 10 mil postos de trabalho.
Paulo Tomás, da Câmara de Comércio Belgo-Portuguesa, garante que a situação também está a atingir cerca de 20% a 30% do volume de negócios de comércio portugueses, um pouco por toda a cidade. Muitos portugueses fornecem clientes belgas, que estão eles próprios afetados pela situação. “Nunca vi nada assim”, afirma Sebastião Correia, a viver na Bélgica há 32 anos. “De todas as crises, esta é a pior”, garante, sem hesitações.
Perante este cenário negro, os representantes das federações empresariais, comerciais e hoteleiras de Bruxelas falam de “calamidade económica” e de “desastre social”. A crise, explicam, deve-se não só aos ataques de 22 de março mas também à situação de alerta máximo que Bruxelas viveu no seguimento dos atentados de Paris. Durante vários dias a cidade esteve deserta, metro parado, comércios e museus fechados, escolas e universidades encerradas, espetáculos cancelados, muitos bruxelenses em casa.
As federações empresariais culpam ainda os poderes políticos pelos difíceis acessos ao centro: o facto de várias ruas do coração da cidade terem sido transformadas em zona pedonal e de alguns dos principais túneis de Bruxelas estarem fechados para obras, complica os acessos. Estes efeitos, conjugados, provocam o caos no trânsito em vários bairros da cidade, o que dissuade muitos de saírem de casa.
Por outro lado, o metro, que é utilizado por parte da população para sair à noite, ainda não está a funcionar normalmente. Por razões de segurança fecha às 22h00, quando antes dos atentados encerrava às 00h30.
Entretanto, a taxa de ocupação de hotéis caiu a pique nas últimas semanas. Ao Observador, o porta-voz da Associação de Hotéis de Bruxelas garante que “um mês após os atentados, os hotéis continuam a registar uma perda de mais de 40% do volume de negócios”. A situação deve-se também ao encerramento do aeroporto de Bruxelas durante várias semanas. O aeroporto já está a operar, mas ainda não a 100%. Para os hotéis de Bruxelas, é fundamental que o aeroporto retome o normal funcionamento.
“Sem acessos não há turistas”, explica Rodolphe Van Weyenbergh. “Todos os segmentos estão a ser atingidos, quer os hotéis independentes, quer as grandes cadeias. E não é só em Bruxelas.”
Na área da cultura, o impacto é igualmente importante. O Museu das Belas Artes da Bélgica confirma que há menos gente a visitar as suas coleções. O principal museu da cidade teve de fechar portas durante três dias a seguir aos atentados. No serviço de imprensa explicam que “muitos grupos internacionais decidiram adiar as suas reservas” de visitas. Sobretudo porque muitos voos foram cancelados, devido à situação do aeroporto.
A sala de espetáculos Ancienne Belgique, na zona pedonal do coração da cidade, registou “uma grande redução de vendas” de bilhetes, reconhece Kevin McMullan. E, depois, houve muitas pessoas que compraram entradas, mas acabaram por não assistir aos concertos, o que teve impacto financeiro em termos de venda de bebidas e merchandising.
No seguimento dos atentados de Bruxelas, a sala cancelou um concerto e adiou outros dois. Mas, diz o responsável pela imprensa, após os atentados de Paris a situação foi ainda mais complicada, porque o estado de alerta máximo em Bruxelas durou vários dias e a AB, como é conhecida esta sala emblemática, cancelou e adiou vários concertos durante muitos dias. “É uma sala parecida com o Bataclan em termos de programação e público”, explica.
Voltar à normalidade
Todos os protagonistas pedem o regresso à normalidade da cidade e sublinham a importância de voltar a ter o metro e o aeroporto a funcionar a 100%. Duas notícias simbólicas foram conhecidas esta sexta-feira: a estação de Maelbeek deverá reabrir na próxima segunda-feira, e desde esta tarde que já há ligações de comboio ao aeroporto.
Entretanto, os diferentes níveis de poder político (federal, regional, municipal) parecem começar a perceber a gravidade da situação e vão reagindo. As autoridades decidiram abrir ao trânsito duas importantes avenidas da zona pedonal do centro, o que poderá favorecer o regresso de consumidores.
E também já foram tomadas várias medidas de apoio, em termos de cotizações sociais ou de ajudas financeiras, por exemplo. Mas os setores em crise pedem um esforço maior.
As autoridades municipais apelam à solidariedade dos cidadãos e pedem que voltem a frequentar os comércios, os restaurantes e as atividades culturais do centro. Mas, em causa, está sobretudo a imagem de Bruxelas e o estatuto de cidade segura para viver e conviver, amiga do turismo e do consumo.
“Há esperança que isto possa melhorar”, diz Paulo Tomás. “Os portugueses que nos venham visitar. Aqui há o melhor chocolate e a melhor cerveja do mundo.”