Carlos Carreiras entrou nesta conversa com a Vichyssoise, na rádio Observador, a partir da Câmara de Cascais que lidera desde 2013. Está a preparar-se para a última candidatura ao cargo executivo que diz ser o único que está disponível para exercer. Depois disso quer ir arranjar forma de ter “uma reforma serena” e, por isso, “voltar novamente a trabalhar”. E se dúvidas houvesse, garante: se vencer estas eleições, é para ficar os quatro anos.
O social-democrata não poupa críticas a Rui Rio e admite até “tristeza” com o rumo da atual liderança do partido. Apesar disso, não equaciona afastar-se ou concorrer numa candidatura independente e contra o seu partido de sempre. “O PSD faz parte do meu património pessoal, aprendi-o com o meu próprio pai”.
Quanto ao futuro de Rui Rio, Carreiras deixa uma ressalva: “Rui Rio tem condições para ser muito melhor primeiro-ministro que António Costa”. Mas há um pormenor. “O problema é que para se ser primeiro-ministro tem que se ganhar eleições”, recorda.
Depois do aviso de Rui Rio, tem-se portado bem ou é um dos que se arrisca a perder o apoio do partido nas próximas autárquicas?
Tenho 59 anos, este ano passo para a condição de sexagenário. Infelizmente, já não tenho o meu pai vivo e não consigo compreender como é que há uma afirmação dessa natureza por parte do presidente do partido. Não me vai condicionar absolutamente em nada e continuarei a ter exatamente a mesma atitude que sempre tive desde a fundação do PSD.
Acha que houve desconsideração de Rui Rio pelos autarcas?
Não, é uma atitude recorrente que não é compreensível. Aliás, é um dos motivos que me afastam desta liderança é esta arrogância e esta prepotência que permanentemente o presidente do partido tem. E em vez de se dirigir para a política nacional, afirmando um projeto alternativo e criticando as medidas do atual Governo, prefere atacar militantes e dirigentes do próprio PSD. É algo que não se consegue compreender e não é desta forma que as próprias lideranças se conseguem afirmar.
A troca de galhardetes começou com umas declarações suas sobre como a “posição de Rio é nefasta [para o país] e derrotista [para o partido]”. Depois disso, Rio desencantou Carlos Moedas como candidato à Câmara de Lisboa. As suas declarações envelheceram mal?
A primeira afirmação, quando a disse foi quando o líder do partido, de forma extemporânea, veio propor o adiamento das eleições autárquicas justificando que não ia estar concluído o processos de vacinação, não ia haver condições para que se pudessem realizar autárquicas no período entre o final de setembro e o princípio de outubro. E isso denotava um derrotismo à partida, especialmente para o próprio país. Nessa altura, já havia operadores turísticos que estavam a anular oferta, nomeadamente na área do turismo e da hotelaria que têm sido tão massacradas. Portanto fazer essas declarações nessa altura era não só extemporâneo como negativas para o país. E eram incompreensíveis, porque se há período em que a situação pandémica se manifesta aceitável é o final do verão e não o pico do inverno.
A escolha de Carlos Moedas não é uma demonstração de que Rui Rio afinal, como disse aqui numa entrevista ao Observador, sabe o que está a fazer?
Carlos Moedas é uma boa escolha e não quero aqui assumir nenhuma atitude provocatória. Mas o artigo que escrevi também podia induzir que o processo estava atrasado e também serviu para alertar o líder do partido, que imediatamente veio responder com a apresentação de 100 candidaturas. Carlos Moedas em Lisboa e Fernando Negrão para Setúbal são dois excelentes candidatos e dois excelentes presidentes de câmara.
Mas com essa animosidade tão grande face à direção do partido podia decidir ir a votos como independente. Ou isso não está nos seus planos?
Não, nunca esteve na minha cabeça. Era uma completa incoerência porque seria fazer o mesmo que eu critiquei a muitos dirigentes do partido atuais e, especialmente, até ao próprio presidente do partido. É quase uma atitude de clubismo. O PSD faz parte do meu património pessoal, aprendi-o com o meu próprio pai, que mesmo antes do 25 de Abril já tinha atividade política, e depois também influenciado pela atitude inspiradora de Francisco Sá Carneiro. Nunca admitiria ir contra os meus como vi fazer outros dirigentes do partido que hoje têm responsabilidades na direção nacional. E realiza-me muito ser presidente de câmara e autarca aqui em Cascais. São aliás as únicas funções executivas para que estou disponível. Mesmo com esta tristeza, isso não me levaria a ter uma atitude de ressabiamento e apresentar-me contra o PSD.
Recentemente, em entrevista ao Observador, Rui Rio acusou-o de ter sido incompetente na gestão do processo autárquico de 2017, quando foi coordenador estratégico do PSD, numas eleições em que o partido teve um péssimo resultado e que motivaram até a saída de Pedro de Passos Coelho. Consegue reconhecer que cometeu erros?
Claramente que sim. Mas isso também decorre dos próprios estatutos do partido. Ou se quer respeitar a carta magna do PSD ou então segue-se um outro processo qualquer que não respeita as linhas fundamentais de organização do partido. E essas linhas indicam que esta escolha é corresponsabilidade das estruturas locais concelhias, das estruturas distritais e também da direção nacional, que tem homologar ou não homologar o que é proposto.
Considera que a direção do PSD tem desrespeitado esses mesmos estatutos?
Em alguns casos não, mas também há formas de ter essa atitude por parte dos órgãos nacionais, sem desrespeitar as estruturas distritais e concelhias.
Mas se diz que em alguns casos não, é porque noutro sim… há desrespeito pelos estatutos.
Sim, o mais evidente de todos foi com Nuno Freitas, em Coimbra, que era proposto pela concelhia e pela distrital e a comissão política nacional impõe um nome que não é o que está nos estatutos.
Mantendo-se o atual calendário político, Rui Rio terá de enfrentar eleições internas em janeiro de 2022. Acredita que o atual líder tem condições para se manter à frente do partido?
Não quero estar a antecipar nem a fazer especulações dessa natureza. Rui Rio tem um mandato dado pelos militantes, reafirmado em segundas eleições. Portanto, tem é de cumprir o seu mandato e quando chegar à data de realizar novas eleições logo se verá e que alternativas existem.
Critica a atitude de Rui Rio face a militantes e dirigentes do partidas. Mas frases como a que disse ainda recentemente à Renascença e ao Público onde defendeu que “Passos Coelho é presente e não passado” ajudam? Não é estar sempre a colocar ali uma sombra de oposição?
Não, era uma resposta a dizer que Passos Coelho não é passado. Felizmente está vivo e de boa saúde. É um homem novo e tem todo um percurso para fazer ainda no futuro.
E aponta-o, nessa futuro, para a liderança do PSD?
Serei sempre um apoiante incondicional de Pedro Passos Coelho e estarei sempre na primeira linha, no primeiro minuto, na primeira chamada que ele entender fazer. Mas também reforcei que é uma situação em que não vale a pena pressioná-lo num sentido ou noutro. Primeiro porque ele não se deixa influenciar e responde à sua consciência e à leitura que faz do que pode ser a sua mais valia para o país. E tem de ser um ato de vontade do próprio. Ninguém vai para estas funções empurrado porque se o for fará seguramente um mau mandato.
Não é o primeiro, nem será o último a insistir na questão do regresso de Pedro Passos Coelho. Isto em termos de perceção pública e política não pode passar a imagem de que o PSD está condenado a esperar até ao regresso do seu ex-líder? Isso não enfraquece a imagem do partido?
Acho que não. Em primeiro lugar não há nenhuma insistência minha, deixe-me corrigir a sua afirmação.
São várias vozes a pedir o mesmo, em diversos momentos.
Isso quanto muito pode é transmitir, de facto, que a tal liderança atual do partido não se tem vindo a afirmar e, portanto, é mais um problema que tem de ser corrigido e que todos esperam que possa ser corrigido. As divergências que tenho em relação à liderança do PSD neste momento não são de conteúdo, são de forma.
Então, no seu entender, o que é que tem faltado a Rui Rio para se afirmar como uma alternativa a António Costa?
Falta trabalhar, falta a proximidade às estruturas do partido, falta motivar as próprias estruturas do partido. São, a meu ver, falhas que depois são reforçadas com ataques às próprias estruturas, aos próprios militantes e até a ex-dirigentes do partido. Isto não é um clima favorável.
Está a dizer que falta planeamento e ambição a Rui Rio?
Isso é uma constatação, transmitida e reforçada pelos estudos de opinião que vão sendo publicados e realizados. Essa alternativa [ao Governo] não está ainda assumida, nomeadamente pelos próprios portugueses.
A atual direção do PSD parece acreditar que as autárquicas, e o desgaste da pandemia, vão acabar por precipitar a queda de António Costa. Rui Rio pode ser o homem certo no momento certo? O líder do PSD tem condições para vencer António Costa em eleições?
Já o referi também publicamente. Considero que Rui Rio tem condições para ser muito melhor primeiro-ministro que António Costa. Não tenho qualquer tipo de dúvida sobre essa matéria. O problema é que para se ser primeiro-ministro tem que se ganhar eleições. Que é o que se faz até conseguir evidenciar perante os portugueses que temos uma alternativa, uma possibilidade de criar desenvolvimento social, económico e ambiental. E isso não tem acontecido. As poucas ideias que surgem, em termos dessa alternativa, são completamente abafadas pelo ataque que o presidente do partido ou alguns vice-presidentes do partido fazem às estruturas partidárias e aos próprios militantes do PSD.
Não me parece muito otimista em relação às hipóteses do PSD liderado por Rui Rio voltar ao poder.
Sabe que, hoje em dia, um mês é o longo prazo. Estamos ainda, pelo menos, a dois anos de distância das próximas eleições legislativas.
Assume então que António Costa terá condições para chegar ao fim desta legislatura.
Sou favorável a que se cumpram os mandatos e a legislatura para que se está mandatado. O país não pode permanentemente não cumprir mandatos. Enquanto português faço votos para que a legislatura vá até ao fim. Pode fazer-se até lá um caminho em que se vá apresentando e consolidando essa mesma alternativa. Acho que o PSD está mais que a tempo de fazer e não ficar numa frase que Rui Rio já referiu também de que ‘o poder não se conquista, alguém o perde’. Considero que o PSD, mais cedo que mais tarde, tem de inverter essa lógica e isso faz-se unindo, agregando, chamando todos à própria discussão e não hostilizando, não ofendendo nem criticando. Os partidos da oposição em Cascais imediatamente pegaram nessa frase de Rui Rio, a dizer que eu era incompetente, para dizer que ‘se o próprio líder do partido diz isso em Cascais os eleitores têm de votar de forma diferente’. Isto para dar um exemplo objetivo e prático, dos partidos da oposição aproveitarem esse tipo de argumentos dados pelo meu próprio partido.
E quanto ao seu futuro, se for recandidato nestas eleições autárquicas consegue assegurar que vai cumprir o mandato até ao fim?
Isso é daquelas respostas que estou mais que preparado. Em todas as eleições que fui, todos os meus opositores disseram que eu não ia até ao fim. O que é certo é que alguns deles é que acabaram ao fim de poucos meses por abandonar o mandato que lhes foi dado pelos eleitores de Cascais. Quando vou a eleições, quando digo que sou favorável a cumprir mandatos, também o aplico a mim próprio.
Como bom conhecedor dos bastidores do PSD sabe que o que por lá se diz é que tem um acordo com Miguel Pinto Luz para deixar a presidência a meio do mandato, à semelhança do que fizeram António Costa e Fernando Medina em Lisboa. Isto é mentira?
Está a misturar duas coisas que acho que não são misturáveis. António Costa e Medina foi porque António Costa concorreu e ganhou como secretário-geral do PS e isso eu não tenho nenhuma ambição de querer fazer uma coisa dessas. Quero ainda ter tempo de vida útil para poder sair da política, voltar à minha atividade profissional. Tenho estado a viver daquilo que foi possível ter como rendimentos antes de entrar na política, estou a ir à poupança que fui formulando. Também não tenho a pretensão de ter uma reforma rica, de ser uma pessoa rica, mas gostaria de ter uma reforma serena, portanto tenho que voltar novamente a trabalhar. Como há pouco já disse, este ano faço 60 anos, não tenho assim tanto tempo para poder cumprir este desígnio que é meu e da família também.
Isso quer dizer que faz mais um mandato ou nem isso?
Tenho plena capacidade de fazer mais um mandato, permitir-me-ão que utilize esta minha liberdade de anunciar quando é que me recandidatarei, já que tenho intenção de me recandidatar. Ao recandidatar-me tenho um projeto que precisa de ser concluído, consolidado e isso não consigo fazer em dois anos de mandato, os mandatos são de quatro anos.
Temos de avançar para a segunda parte da nossa refeição, o “Carne ou Peixe”. Preferia dar uma volta na roda gigante de Cascais com Rui Rio ou António Costa?
Nunca andei na roda gigante de Cascais.
Mas se tivesse que andar uma primeira vez?
Não andava porque eu tenho vertigens, não me metia numa coisa dessas.
Preferia passar uma tarde na praia do Tamariz com Jerónimo de Sousa ou com Catarina Martins?
Claramente mudava de praia. Essa não é, de todo, a minha praia. Temos tão boas praias em Cascais que iria para qualquer uma das outras praias para não ter essas companhias.
Preferia acertar com uma bola de hóquei em António Capucho ou Gabriela Canavilhas?
Eu não sou belicista nem sou violento.
Era sem querer…
Sem querer acertei, infelizmente, em alguns jogadores quando jogava hóquei em patins, mas não sou
Sem querer e devagarinho..
Ambos se portaram muito mal comigo, mas não tenho aqui um sentimento de vingança. Esta pandemia também me veio ajudar muito a melhorar enquanto homem, hoje tenho uma visão sobre a vida muito diferente daquela que tinha há uns anos. Se calhar há uns anos era capaz de acertar com a bola nos dois, mas neste momento não tenho essa perspetiva.
Quando em Cascais reabrisse a discoteca 2001 quem preferia convidar para uma noite a desconfinar, mas obviamente com muita calma. Marcelo Rebelo de Sousa ou Cavaco Silva?
Os dois, são duas figuras, dois políticos que me merecem a maior da consideração e que teria todo o gosto. Talvez o atual Presidente da República pudesse ser um pouco mais divertido que o ex-Presidente da República, mas convidaria os dois com todo o gosto.