É um fim de ciclo para Carlos Carvalhas e para o PCP. Número dois de Álvaro Cunhal e, mais tarde, secretário-geral do PCP durante 12 anos, o histórico dirigente comunista vai deixar o Comité Central comunista neste XXI Congresso, mas sempre com uma garantia: “Quando for chamado a dar o meu contributo darei.”
Não sem antes, no entanto, falar sobre o ciclo político que aí vem e o papel do PCP nesse processo. Em entrevista à Rádio Observador, Carvalhas garante que os comunistas não estão condenados a apoiar o PS e que estão dispostos a romper mesmo que isso possa significar a ascensão de uma maioria de direita. “Uma política de direita com o PS ou uma política de direita pela direita é uma política de direita”, atenta.
Para já, ainda assim, o PCP está dentro do barco e ajuda a salvar o Orçamento do Estado para 2021. Era isso ou duodécimos, assume Carvalhas. Os comunistas agiram com “responsabilidade”.
O PCP, ao contrário do Bloco de Esquerda, ajudou a viabilizar o Orçamento do Estado. O partido está preparado para ser corresponsabilizado pela crise económica e social?
A decisão do partido é coletiva, pesando todos os prós e os contras. O partido não toma decisões a pensar nas consequências eleitorais ou a fazer cálculos oportunistas, mas sim a pensar no que é bom e mau para o país. Foi perante avaliação que o PCP decidiu viabilizar responsavelmente o Orçamento do Estado.
E esta era única posição possível e aceitável para o PCP.
Podia ter votado contra e estaríamos agora em duodécimos numa situação pandémica e em graves dificuldades. Sabe-se que o PS acompanhou várias propostas do PCP, algumas delas bastantes positivas e que foram arrancadas a ferros, o que mostra o que seria este Governo socialista sozinho. Cabe depois ao povo ajuizar.
Jerónimo de Sousa dizia no início do dia que o PCP era uma força de oposição. Perante a divisão do Parlamento em dois blocos distintos — um de esquerda e outro de direita — o PCP não está condenado a apoiar o PS sob pena de precipitar a ascensão de uma maioria de direita ao poder?
Não.
Não há esse dilema?
Na altura em que o PCP verificar que a política não serve que é melhor chumbar o Orçamento fá-lo-á. Sem dúvida. Uma política de direita com o PS ou uma política de direita pela direita é uma política de direita.
Esse momento ainda não chegou. Presumo que o PS continue num bom caminho.
Não está totalmente no bom caminho. O PS viu-se obrigado a ceder a algumas propostas que são bastante positivas neste quadro.
Porque assistimos a isso quando o PEC IV preferiram chumbar o Governo de José Sócrates…
E haveria o PEC V.
E não há o risco de existir uma nova maioria de direita agora com o apoio do Chega?
As situações objetivas são assim. A correlação de forças numa determinada altura pode determinar isso.
Não teme que António Costa tenha a tentação de precipitar uma crise política para tentar uma maioria absoluta?
Não faço especulações políticas. Pode acontecer. Se acontecer, António Costa terá de assumir responsabilidade.
Acredita que o Governo vai resistir até ao fim da legislatura? Isto numa altura em que o PCP é o único garante da estabilidade do Governo.
Não é o único. Com o andar da carruagem poderão aparecer outros partidos a tomar posições de apoio.
Acha que o Bloco pode voltar?
Não falo pelo Bloco de Esquerda, nem faço suposições. Creio que estas questões não são sempre rígidas e que muitas vezes há evoluções.
O PCP também pode evoluir no sentido de deixar de apoiar o PS.
Como sabe tomámos uma posição crítica primeiro em relação ao Orçamento no quadro geral, e depois fomos mudando de opinião na medida em que o PS foi dando passos em relação às nossas propostas
Já percebemos que não se quer comprometer.
Não faço futurologia
Mas sabe ler os sinais. O PS terá a mesma disponibilidade para negociar com o PCP que teve neste Orçamento?
Depende das correlação de forças e também das imposições da União Europeia. Se o PS continuar atado às imposições e se não for batendo o pé, o corredor por onde passa é cada vez mais estreito.
Presume-se que a flexibilidade das regras europeias que existiu neste Orçamento não se repita no próximo.
Não sei se não haverá. A realidade é muita forte e a própria União Europeia teve de pôr de lado as suas regras. Tudo depende do futuro quadro e não faço futurologia.
Há 30 anos, exatamente neste pavilhão Paz e Amizade, em Loures, foi escolhido como secretário-geral-adjunto de Álvaro Cunhal. Podemos sair daqui com uma solução semelhante?
Não sei.
Seria útil?
Não sei.
Terá certamente uma opinião.
E não vou avançar nada num congresso que está a decorrer. Esperemos 24 horas.
Neste congresso, vai deixar de fazer parte do Comité Central do partido. É um fim de ciclo para si?
As pessoas não são eternamente jovens. Hºá quatro anos tinha pedido insisti para sair e agora voltei a pedir. Saio de comum acordo e vou continuar a dar o meu contributo persistente e continuado. Vou fazer aquilo que sempre estudar questões que gosto e quando for chamado a dar o meu contributo darei.