O antigo presidente do PS Madeira defende que não há alternativa à marcação de eleições antecipadas na Região Autónoma da Madeira mas ao contrário de Paulo Cafôfo acha que este “não é o momento para pedir ao Presidente da República que atue” e que Marcelo Rebelo de Sousa só deve tomar posição a partir de 24 de março, data a partir da qual pode usar a ‘bomba atómica’.
Em entrevista ao Observador, no programa “O Sofá do Parlamento”, Carlos Pereira defende que o Chefe de Estado “deve ser coerente para não fragilizar a posição” e acrescenta que este “terramoto político decapitou o maior partido da Madeira”, numa referência ao PSD.
Quanto à expectativa para as legislativas de 10 de março, Carlos Pereira acredita que Pedro Nuno Santos já ultrapassou os erros que marcaram a sua passagem pelo governo e destaca as bases lançadas na habitação e na saúde. Candidato pelo circulo de Lisboa, Carlos Pereira diz que ficou fora das listas da Madeira “por decisão do presidente” mas recusa ser um paraquedista.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com Carlos Pereira]
Carlos Pereira: “O maior partido da Madeira ficou decapitado”
“É bom que o Presidente tenha consciência dos desafios”
No continente, o PS defendeu que a maioria tinha estabilidade para continuar a governar e na Madeira pede eleições antecipadas. Isto não é uma incoerência?
A Madeira e os madeirenses vivem um momento particular. A Madeira é uma região pequena e tendo em conta o aparato, com detenções, criou-se uma grande preocupação e até alguma vergonha mas sobretudo medo quanto ao futuro. Há um clima tenso na região e os madeirenses estão muito preocupados e queria pedir aos políticos com intervenção nestas matérias que tenham isso em consideração porque precisamos de um caminho alternativo. Quanto à questão, o Presidente da República não pode intervir mas ao mesmo tempo estamos perante um terramoto político que levou a uma espécie de decapitação do maior partido da Madeira, o PSD, levando à demissão do presidente. São precisas soluções e neste momento apenas o representante da República e o presidente da Assembleia Legislativa podem “tomar conta da situação” e encontrar soluções que permitam criar um mínimo de condições para que a vida executiva continue até que o Presidente da República possa destituir a assembleia.
Marcelo Rebelo de Sousa não tem legitimidade para deixar a maioria na assembleia legislativa da Madeira cumprir o seu mandato? É que neste caso, ao contrário do continente, as eleições nem seis meses têm
O que o PS tem vindo a dizer, e inclui-se num racional razoável, é que o Presidente da República deve usar o mesmo critério porque me parece importante que exista coerência nas decisões de um ator político como o Presidente da República. Nas atuais condições, em que o presidente do Governo Regional já se demitiu, o PS tem pedido é que a mesma decisão seja tomada.
Isso não pode abrir um precedente para o que vai acontecer aqui no continente? Ou seja: não corremos o risco de um cenário de ingovernabilidade no continente poder vir a provocar eleições de ano a ano ou de seis em seis meses
Estamos numa situação muito complexa no país todo. No continente, nos Açores e agora na Madeira e isso é um desafio grande para o Presidente da República. É bom que o Presidente tenha consciência de todos os desafios em cima da mesa, e com certeza que tem, e é muito importante que possa usar esta coerência para não fragilizar a própria imagem, descredibilizar as instituições e fragilizar as decisões que toma. É por isso que não faz muito sentido nesta altura estarmos a exigir ao Presidente da República, que tem seis meses em que não pode atuar, que atue. Isso é fazer “pequenas reformas na constituição” para cada ocasião e isso fragiliza a posição geral do Presidente.
Marcelo Rebelo de Sousa só devia tomar posição a partir de 24 de março? Data a partir do qual pode dissolver o Parlamento
Sim, quando tem esse poder. Esse é o meu ponto de vista. Cumprindo a Constituição e não violando-a. Ao mesmo tempo, deve ir acompanhando a realidade da Madeira, ver como é que os diferentes atores políticos se estão a posicionar, percebendo qual é a dimensão do problema e podendo depois tomar uma decisão que responda aos anseios, medos e expectativas da população. O Presidente da República não responde aos anseios dos partidos que estejam no poder ou na oposição. O que se exige do Presidente é que compreenda o que se está a passar e que consiga fazer a análise certa e séria para que a partir de 24 de março possa definir o caminho, com ou intervenção do Presidente. A minha opinião é que não é possível depois dessa data não encontrar um momento em que a Madeira não tenha que ir a eleições, tendo em conta o estado em que a região está.
E Paulo Cafôfo é o melhor candidato que o PS pode ter? Tendo em conta que já falhou uma vez a eleição para presidente do Governo regional.
O Paulo Cafôfo é hoje presidente do PS Madeira, legitimamente eleito e é o candidato que o PS tem para apresentar. É um bom candidato para ganhar eleições.
“Com ‘geringonça’ é possível garantir estabilidade”
Nos cenários de governabilidade. A seguir às eleições a AD pode ganhar sem maioria e já disse que recusa falar com o Chega. Pedro Nuno Santos também já afirmou claramente que não viabilizaria um governo minoritário da AD. Isso não é um erro? Não força o PSD a ter que olhar para o Chega?
Temos sido muito claros e consistentes sobre isso. Há momentos em que temos que definir o caminho que queremos seguir e voltamos à coerência para sermos levados a sério. O PS tem consciência da situação do país, compreende a necessidade de estabilidade e sabe que é o único partido que pode, neste momento, criar condições para evitar que o Chega chegue ao poder. A campanha que está a ser feita é de que o PS a única forma de evitar que o Chega se sente à mesa do conselho de ministros.
Mas pode fazê-lo ao viabilizar um governo de Luís Montenegro
Mas é que o PS é também o único partido que pode, sem maioria absoluta, avançar com relativa tranquilidade para um modelo que já foi testado em 2015, não é novo, não é nenhuma experimentação e que até correu bem. Com esse modelo é possível garantir estabilidade. Esses cenários que temos são muito consistentes e é nesses que temos que nos concentrar.
O Bloco de Esquerda tem pressionado Pedro Nuno Santos para um acordo prévio às eleições de 10 de março. O PS não devia dar esse sinal ao Bloco?
O PS tem feito o que normalmente faz quando se apresenta a eleições: apresenta-se para ganhar e ser Governo. Não deve mudar de postura nesta fase. O PS está a apresentar medidas, soluções e estratégias com o objetivo de governar. Numa fase de resultados eleitorais, depois das eleições, veremos em que ponto é que estamos e nessa altura conversaremos com os partidos políticos que estão mais próximos da nossa perspetiva de governação.
“Os erros cometidos por Pedro Nuno Santos foram assumidos”
Pedro Nuno Santos vai se estrear no papel de candidato a primeiro-ministro. Não teme que estejam demasiado presentes na cabeça dos portugueses os erros que cometeu no Governo?
Os erros cometidos por Pedro Nuno Santos foram assumidos pelo próprio e foram retiradas consequências, com uma grande dignidade e sentido de responsabilidade. Essa fase está ultrapassada e ficaram marcas muito significativas da forma como Pedro Nuno Santos esteve no Governo que ultrapassam esses erros. Na habitação, por exemplo, as propostas para a criação de um grande parque público de habitação nasceram com Pedro Nuno Santos, tal como as propostas para a ferrovia. O concurso para a alta velocidade é um grande projeto para Portugal e foi uma prioridade para Pedro Nuno Santos que escolheu a ferrovia como fulcral para o desenvolvimento e coesão do país.
Falou na habitação, setor que foi alvo de uma manifestação este fim-de-semana, mas também a saúde está com problemas ou até a educação. Como é que o PS mantém que “melhor que o PS só o PS”. Isto não revela uma falta de adesão à realidade?
Não é falta de adesão à realidade. Na habitação o problema é sério, temos consciência disso e Pedro Nuno Santos tem dito isso: o caminho está a ser traçado, há matérias em curso mas há muito a fazer. A habitação não é um problema só de Portugal. Temos que acelerar mais as medidas, ser mais eficazes nas medidas mas não é um problema como consequência da governação do PS. Foi o PS em primeiro lugar que colocou a habitação na ordem do dia em 2016. Hoje todos os partidos colocam a questão nos programas. Na saúde, quando olhamos para as alternativas da AD percebemos algo que nos deixa inquietos e até preocupados. A AD propõe desistir do investimento no SNS. Temos investido como nunca e até me pode dizer: mas isto está tudo pior do que estava mas os números dizem-nos que não está pior, está melhor. Temos é mais procura e mais necessidades para resolver. O programa da AD é entregar essas soluções ao privado e desistir do SNS. Essa não é a nossa linha de intervenção.
O Carlos Pereira foi três vezes eleito deputado pelo círculo eleitoral da Madeira. Desta vez vai ser candidato por Lisboa. Não o incomoda este paraquedismo?
Neste caso não me parece que estejamos a falar de paraquedismo. Eu fui três vezes cabeça-de-lista pela Madeira, escolhido pelo meu partido, o PS Madeira. Este é um pormenor importante: as listas da Madeira são escolha exclusiva do PS Madeira, não é como no plano nacional em que o secretário-geral tem uma quota nacional. Aqui não há quota. O PS Madeira e o seu líder achou que devia fazer uma remodelação da lista e não contar comigo. É absolutamente legitimo, está no seu direito e não tenho nada a opor mas o secretário-geral do PS achou que era útil a minha experiência e o meu contributo não só em prol da Madeira mas do país em geral e convidou-me para as listas e aceitei com total naturalidade.