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Carlos Ruiz Zafón: "A literatura é uma amante cruel"

O escritor catalão morreu a 19 de junho de 2020, aos 55 anos. Nesta entrevista, feita a propósito do lançamento de "O Labirinto dos Espíritos", confessava-nos a "desgraça" que é viver entre os livros.

[esta entrevista foi originalmente publicada a 18 de dezembro de 2016 e atualizada a 19 de junho de 2020, após a morte de Carlos Ruiz Zafón]

15 anos depois de A Sombra do Vento, Carlos Ruiz Zafón (1964-2020) acabava a saga da família Sempere com O Labirinto dos Espíritos. Barcelona, livros e livreiros, histórias de amor não reveladas e vidas trocadas pela guerra continuavam a fazer parte do imaginário do catalão. Foi para conhecer melhor o último capítulo desta famosa série que, em dezembro de 2016, entrevistámos o autor.

9789896578497 - O Labirinto dos Espíritos

“O Labirinto dos Espíritos”, de Carlos Ruiz Zafón (Planeta)

Muitas vezes usa-se o tempo como o construtor do cânone, como o grande separador entre a boa e a má literatura. Diz-se que o tempo nos ensina o que se deve ler e o que se deve esquecer. A série “Cemitério dos livros esquecidos” contraria essa ideia?
Eu acho que sim. Acho que isso se diz, mas um pouco levianamente. Ao longo da História já se esqueceram momentaneamente coisas que não deviam ser esquecidas. Em geral, o mais razoável é não tomar por certo tudo o que nos dizem. Quando alguém diz uma coisa dessas tem normalmente um motivo para dizê-lo, e há que ser crítico em relação a tudo o que nos dizem, a tudo o que nos querem fazer crer. Temos de nos perguntar o que é que as pessoas pretendem com aquilo que nos dizem, senão, damos por certas coisas que não o são, mas que correspondem só a interesses de outro tipo. O cemitério dos livros esquecidos é uma metáfora e uma invectiva aos leitores pelo respeito a toda a literatura, a todos os livros, a todas as pessoas, a todas as ideias, à memória e à identidade. Portanto, ainda que às vezes haja livros que nos pareçam pouco importantes, podem importar a outro leitor e vice-versa. No mínimo, é bom manter a mente aberta e sermos nós próprios a determinar o que se deve ler e o que deve ser esquecido. Obrigado a quem diz “não, estes é que devem ser lidos”, mas serei eu a decidir o que deve ser esquecido e recordado.

Mas porque é que é preciso manter secreto o cemitério dos livros esquecidos?
Bom, neste caso é para proteger estes livros, porque como há gente que quer que os livros sejam esquecidos, que quer destruí-los, por vezes é preciso protegê-los. Por muito conhecimento e inteligência que haja, há também sempre quem queira destruir os livros. Por isso é que, no caso do cemitério dos livros esquecidos, há os protetores que se responsabilizam por eles e querem salvá-los da destruição.

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Mesmo que a melhor forma de garantir a sobrevivência de um livro seja dá-lo a conhecer…
Claro. Isto funciona como uma reserva. Todos os protetores são livreiros, com livrarias abertas ao público, que põem nas mãos dos leitores livros que lhes recomendam; mas este é um lugar em que se protegem alguns livros e se evita que se percam.

O segredo transmite-se de pais para filhos, explicam-se quais são as regras, como funciona este lugar, quais são as responsabilidades; é uma forma de tradição: ninguém sabe bem desde quando é que existe, mas há sempre um guardião, que vela constantemente pelos livros, e uma série de pessoas que o protegem e asseguram que os livros não desaparecem e não são destruídos. Já houve muitos períodos na História em que se destruíram livros, pelo que pelo menos no cemitério nunca serão destruídos. Por isso é que, ainda que haja alturas da História em que o melhor parece ser que se dê a conhecer um sítio destes, há sempre a possibilidade de voltar a isto. Por isso é que se mantém este refúgio, como uma caixa-forte do conhecimento, da imaginação e da palavra.

De pai para filho, como uma tradição, é esta a forma de transmissão da literatura?
Sim, acaba por ser. Nós aprendemos por aqueles que cá estiveram antes de nós. Esses educam-nos e transmitem-nos os seus valores e aquilo que absorvemos é consequência do que muitas gerações nos deixaram, da mesma maneira que também nós deixaremos. Por isso é que me parece tão importante este sentido de responsabilidade, de compromisso; porque aquilo que nós fazemos faz o mundo que existe. Nestes livros aparece muito o tema do que os pais legam aos filhos, as consequências morais das ações de uns nas vidas dos outros; isto para mostrar que as coisas não acontecem porque sim, que há uma sequência entre o que fazemos e a vida dos que estão à nossa volta. O mesmo acontece com os livros e o conhecimento.

"Lamentavelmente, como a literatura é uma provação e uma vocação, costuma ser dura com aqueles que a escolhem. Quem desfruta da obra são os outros, não o escritor. Para muitos autores é um caminho difícil, duro, que não traz satisfação material imediata e acaba por ser uma vida de sacrifício."

Quem é que o levou ao cemitério dos livros esquecidos?
No meu caso não havia uma grande tradição de interesse pela literatura, julgo que fui sozinho, que me arrastei até lá pelos meus pés. Foi algo que senti desde pequeno, que me interessava pelos livros e pela literatura. Procurei por mim mesmo este mundo, e fui-me educando neste sentido, de escolher os autores e os livros que me interessavam. Gostava de ter tido alguém que me levasse e orientasse, mas não; e quando não há ninguém, quando a vida não o proporciona, temos de ser nós a ir à procura.

Lembrei-me, a propósito do “Cemitério”, de uma tese de Bacon. Ele dizia que o público em geral costuma ler coisas pouco profundas e com menos interesse, pelo que acaba por passar de geração para geração um cânone imerecido. O verdadeiro cânone estaria assim submerso debaixo de um falso cânone vigente…
Bom, essa é uma visão um pouco extrema. Temos tendência a olhar para as coisas de um modo apocalíptico que não é muito objetivo. Não me parece que seja necessariamente assim; claro que muitas coisas valiosas se perdem, lamentavelmente, mas o próprio mecanismo da vida, que está para lá de nós, seleciona: há, em todos os géneros, muitos clássicos que merecem ser clássicos. Em todas as áreas há muita coisa perdida, sim, muita coisa que merecia mais reconhecimento, certo, mas ainda assim… Preocupa-me, de facto, que com tanta criação não se dê o devido valor às coisas, é difícil sobreviver nos dias de hoje, mas a obra de Shakespeare continua viva, tem força suficiente para isso. Essa é uma visão que têm alguns intelectuais que vem mais de não serem reconhecidos do que de outra coisa. É a visão de quem se sente pouco valorizado ou esquecido e se consola com isso.

Porém, os grandes escritores ficcionados que aparecem na sua obra, Carax, David Martín, são escritores malditos. Não é isso que acontece com eles? Porquê esta aura marginal, esquecida, como se a literatura dependesse do pouco reconhecimento?
Isso é também uma reflexão sobre o mundo da literatura, sobre como é a vida dos escritores. Na literatura ou nas artes não há uma recompensa imediata, acaba-se mesmo por pagar um preço por fazê-las. Carax teve uma vida trágica por causa dos seus livros e nem chega a receber como fruto a satisfação por eles; David Martín está a perder a razão por causa da escrita; Victor Mataix é uma vítima da história do momento e uma amálgama do que aconteceu a muitos criadores e intelectuais ao longo do século XX por essa Europa fora. Tiveram as vidas destruídas por motivos políticos, por motivos obscuros que se mascaravam de políticos, vinganças pessoais, e outros desse calibre. Foi o que aconteceu a tantos e tantos criadores, em Espanha e na Europa, que tiveram um destino trágico por causa do que se estava a passar na altura. Não significa que a vida de um literato tenha de ser assim; no entanto, lamentavelmente, como a literatura é uma provação e uma vocação, costuma ser dura com aqueles que a escolhem. Quem desfruta da obra são os outros, não o escritor. Para muitos autores é um caminho difícil, duro, que não traz satisfação material imediata e acaba por ser uma vida de sacrifício.

A literatura precisa de sofrimento…
Não sei se precisa ou se vem com ela. Quem se dedica à criação artística assume um risco. É difícil sobreviver neste mundo, ganhar a vida nele e só se se corresponde de facto a uma vocação é que se entende que alguém escolha este modo de vida. De outra forma, pode ir para advogado das companhias petrolíferas, que lhe vão pagar muito bem. Há outros, porém, que querem fazer coisas diferentes com a sua vida. Fazem o que têm a fazer e acontece o que acontecer. A literatura, infelizmente, é dura, porque funciona como uma amante cruel. Por nós nos apaixonarmos por ela, não quer dizer que ela se apaixone por nós. Torna-se uma relação difícil, claro.

É o que acontece com Daniel Sempere.
Sempere está apaixonado pela literatura, mas quando tenta, quando está de volta da história da família, angustiado, não sabe o que há-de fazer. Isto porque querer muito não significa que se torne real. E neste sentido a literatura é cruel. Podemos andar de volta dos livros sem conseguir escrevê-los.

O mundo literário está cheio disso mesmo.
Está, cheio. E algumas pessoas conseguem estar bem com isso e outras não tanto. Depende também do maior ou menor grau de frustração, de desejo… Vê-se também na música e nas artes plásticas mas na literatura parece-me mais complicado. O nível daquilo que se põe na literatura e daquilo que retorna está muito desequilibrado. Por isso temos depois as pessoas frustradas, cheias de sentimentos de amargura, e que sentem que aquilo que é uma parte de si mesmo – porque é indivisível a pessoa da sua obra – não o dignifica plenamente. Isto muda as pessoas, ficam feridas, não se sentem realizadas. Isto gera ressentimento, inveja, porque uma pessoa se está a entregar de corpo e alma a algo que não resulta.

Isso nota-se em Daniel Sempere, como dissemos, mas ainda mais em Mauricio Valls…
Mauricio Valls é um homem profundamente medíocre, com uma ambição e uma vaidade desmedidas. Pelo seu próprio talento nunca vai conseguir nada e destrói e rouba a vida dos demais para conseguir glória e reconhecimento. Quer que toda a gente o aplauda e quer tornar-se um homem muito poderoso escalando sobre os cadáveres de outras pessoas; aproveita-se do regime, usa o momento político para realizar esta fantasia da vaidade e para se ver como um grande homem de letras. “Don Mauricio, a luz do Ocidente”, medalhas, diplomas, “é o maior, é o guia”, mas isto é uma espécie de fantasia monstruosa de soberba, de alguém que no fundo não tem nada.

Porque é que acha que homens tão poderosos, como Mauricio Valls ou Ubach, mesmo depois de todo o seu reconhecimento, querem ser conhecidos como escritores?
Parece-me que como a literatura tem uma parte que requer um grande esforço criativo, há, quiçá, uma vaidade, que leva a crer que merecemos o aplauso e a atenção dos outros. Isto é necessário para criar, de outra forma não conseguiríamos, mas torna-se difícil de equilibrar. Julgo que em muitos outros meios artísticos existe menos esta vaidade; a própria criação, o exercício do que fazem, já compensa mais. Em literatura, não sei porquê, por algum motivo, tenho visto repetidamente esta vaidade, este ego, e sobretudo o ressentimento e a inveja. Porquê? Não sei muito bem, mas é assim. Assim, o que quis fazer neste livro foi uma reflexão, não só sobre as luzes, mas também sobre as sombras deste mundo literário. Isto existe, e personagens como Mauricio Valls são uma amálgama de muitas outras que existem e que se encontra na vida pública espanhola – mesmo na actual. Não basta criar a obra, porquê? E isto interessa-me como drama Humano.

Ubach também funciona assim?
Ubach não tem tanto uma ânsia de glória literária, mas quer passar à História como um grande benfeitor. É um banqueiro corrupto enriquecido pela guerra civil, quase um criminoso de guerra, que quer ser conhecido como um grande homem, um pai da pátria. Isto é um caso interessante porque se vê em pessoas que alcançaram um grande poder; não basta o poder, não basta a riqueza. Há algo que é sempre mais forte que é a vaidade. O que mais se anseia, mais que todo o poder e riqueza, é a admiração. Porquê?

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Carlos Ruiz Zafón estreou-se nos livros em 1993

Di-lo no seu livro: vivemos enquanto há pessoas que se lembram de nós…
É parte da Natureza Humana, se vivemos enquanto nos recordam, claro que queremos ser recordados. Há pessoas, porém, que têm maior ânsia do que outras. Há quem se contente em ser lembrado pelos seus, mas também há gente que quer ser lembrada pelo mundo inteiro. Querem que se fale deles, que lhes deem medalhas e façam homenagens. Porquê? Não sei. Faz parte da Natureza Humana. É interessante e é um dos temas explorados no Labirinto dos Espíritos.

Ao mesmo tempo, há outra forma de viver, que é a do meio literário de Carax. Estes têm quase um desprendimento em relação à sua imagem. Carax até a quer destruir.
Sim, sim. Carax é um homem que está a tentar destruir-se a si mesmo por remorso. Sente-se culpado pelo que aconteceu a muita gente e então odeia-se e tenta destruir-se. Quase se destrói, aliás, no incêndio que o desfigura. Mas mais do que isso, como é que um escritor se destrói a si mesmo? Destrói a sua obra, que é mais ele do que ele próprio. Por isso Carax quer destruir todos os seus livros para se destruir a si mesmo. Só quando Daniel e Fermín começam a investigar é que o ajudam a redimir-se e a perceber que não se pode destruir. É aí que ele percebe que o que tem de fazer é ajudar Daniel e de facto ajuda-o antes de desaparecer.

O seu meio literário em Barcelona, na juventude, seria deste género?
Bem, Barcelona é um pouco a capital do mundo literário em Espanhol. Não só de Espanha, mas dos países de língua espanhola. É lá que está a indústria, as grandes editoras, e isso reflete-se: eu via este mundo desde jovem e quis passar algo desta relação com os editores, entre os escritores, para os livros. Em alguns casos é quase uma caricatura, noutros não, há um pouco de tudo. David Martín tem dois editores que são dois vigaristas que estão inspirados em dois editores que existem em Barcelona, são um retrato um pouco ácido e satírico deles e de outras personagens. No fim do labirinto dos espíritos há uma homenagem às pessoas que fizeram parte da história destes livros — com nomes trocados, etc., mas são pessoas que existem e tiveram que ver com a história. Assim, fiz uma dupla homenagem, metaliterária, a quem esteve vinculado a estes livros.

Esta série do “Cemitério dos livros esquecidos” é sobre o meio literário, mas também sobre uma geração perdida. De tertúlias interrompidas pela guerra – havia por exemplo em Madrid a Ballena Alegre – de amizades perdidas. Em Barcelona a guerra também destruiu a vida literária?
Destruiu muitas coisas. Barcelona era um pouco a capital do bando vencido, pelo que foi muito castigada. E o que aconteceu com Espanha é que quando acabou a guerra civil, em 39, começou pouco depois a segunda guerra mundial na Europa. Até ao ano 41 ou 42 havia quem pudesse acreditar que o fascismo ia conquistar a Europa; a partir de 42 via-se claramente que a Alemanha ia perder a guerra, que era uma questão de tempo. Ora, Franco, que era sobretudo um homem muito pragmático, ao princípio acreditava que podia agir com a impunidade da História. Quando acabou a guerra civil houve uma grande vingança; quando se começa a entrar nos anos quarenta, Franco percebe que o equilíbrio de forças mundial mudou e tem de se transformar no ditador amigo dos americanos. Mas estes primeiros anos foram terríveis, com grande repressão.

Sempre que se fala de Espanha usa-se a metáfora das duas Espanhas. Tem uma clara preferência por uma segunda Espanha, feita pelos grandes Homens da rua, ciganos, mendigos…
A imagem das duas Espanhas inquieta-me um bocado, porque vem de uma certa mitificação em que cada uma das partes se vê a si própria como a boa. Prefiro dizer que o que há em Espanha é uma grande parte de gente honesta, que tenta levar uma vida digna sem destruir ninguém e que é castigada e explorada. Isto existe em todos os níveis e em todos os lugares. Eu tento pensar nisto: em como algumas pessoas escalam as estruturas do poder, vindas de todos os lados, sem que haja uns bons e uns maus; há, mais do que duas Espanhas, algumas pessoas que escalam sempre e outras que fazem um esforço por ganhar a vida honradamente.

Mas há pelo menos um interesse estético pela vida esquecida, por uma Barcelona que não é a do turismo.
Sim, claro. Julgo até que a alma destas histórias é a cidade de Barcelona. Nos últimos 10, 15 anos, a perceção que se tem de Barcelona, com todos os visitantes, é a de uma cidade turística, de festa. Há cafés, hotéis, as coisas são bonitas e ai que bem, vamos para a festa. Isto não é Barcelona. É como pretender que Lisboa seja as lojas de turistas que há no Bairro Alto; também fazem parte, claro, mas não são Lisboa e não são Barcelona. Barcelona é um caso extremo disto porque nos últimos anos se transformou num parque temático de si mesma, mas na realidade a História e a essência da cidade são muito diferentes disto. Por isso tentei passar para estes livros aquilo que para mim é a essência de Barcelona, que vai para lá das lojas de turistas que vendem sombreros mexicanos.

"Nos últimos 10, 15 anos, a percepção que se tem de Barcelona, com todos os visitantes, é a de uma cidade turística, de festa. Há cafés, hotéis, as coisas são bonitas e ai que bem, vamos para a festa. Isto não é Barcelona. É como pretender que Lisboa seja as lojas de turistas que há no Bairro Alto."

A sua é uma Barcelona mais gótica.
Sim, é uma Barcelona gótica. É uma estilização, quis fazer de Barcelona uma personagem, mais do que um cenário. Tem este lado menos óbvio, barroco, quase expressionista, necessário para estas histórias. É uma Barcelona literária, claro, não se trata de uma crónica ou de uma reportagem.

É a Barcelona de Català-Roca?
Um pouco. Català-Roca é o grande fotógrafo da Catalunha do século XX, não só da Catalunha mas da Espanha, tem grandes fotografias fora de Barcelona, em Madrid…

… a capa de A Sombra do Vento é de Madrid.
Sim, tem fotografias impressionantes dos anos 50 em Madrid. Era um homem com grande talento de composição, para captar a atmosfera, e escolhemos as fotografias dele para os livros porque tinham um certo ponto de conexão. Ele toma a realidade e constrói uma Barcelona estilizada, expressionista, que forma redes pela cidade. Isso que se pode fazer com a fotografia, usar a imagem para criar algo, foi também o que tentei fazer com estes livros. Criar imagens, criar todo um imaginário novo que se sobrepõe à realidade que já conhecemos.

O resultado, como diz no seu livro Català-Roca quando quer fotografar Alicia, é uma Barcelona de luz e sombra.
Exacto. É uma criatura de luz e sombra, que se pode moldar através da luz. Alicia é também assim e por isso é que Català-Roca, que é um homem com um olho fora do normal, encontra Alicia de fugida e lhe diz: um dia tenho de fotografá-la, mas agora não, que vejo que está muito ocupada. Quando estiver livre, posso fotografá-la. Viu nela algo que escapou a todos, porque isso também é o Català-Roca, que vê as coisas como elas são e as retrata para lá do exterior.

O que é que pertence a Carlos Ruiz Zafón em Julián Sempere? Pergunto-o porque Julián aparece como o autor do Cemitério dos livros esquecidos
Há algumas coisas, sim, mas há personagens que têm muito mais de mim: Julián Caráx, Fermín Romero de Torres e, noutros aspetos, Alicia. Julian Sempere também tem algo meu porque acaba por ser a destilação de todas as personagens, transforma-se no testemunho de todos os que entram na história. Tem muitas coisas de mim mesmo, mas é uma personagem diferente, tinha de refletir também os seus pais, as suas circunstâncias, pelo que acaba por haver personagens que estão mais próximas de mim do que Julián Sempere. É mais parecido comigo quando é ainda pequeno, sempre a observar tudo à sua volta, a captar coisas que admiram os adultos. O livro de Julián Sempere acaba por ser mais um jogo, uma síntese que explica porque é que os quatro livros são como são, e entra na metaliteratura, confundindo a ficção com a realidade: não fica claro quem escreve o cemitério dos livros esquecidos.

E agora? O que é que se segue?
Espero que venham outras histórias, novos mundos, novas personagens, mas ainda não estou a trabalhar em nada. De momento estou à espera, acabei este livro no Verão passado e passei tanto tempo de volta deste imaginário que preciso de alguma margem para que alguma história decida que é a sua vez.

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