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“Vou fazer o que ainda não foi feito”. Podia ser Pedro Abrunhosa a cantar no rádio do carro, mas não. É Joaquim Raposo, 63 anos, candidato do PS à câmara de Oeiras, que na última semana de agosto entrou no Carpool Autárquicas do Observador. Chegou cedo e com muitas sugestões para o percurso. Estava pronto para mostrar os (muitos) projetos de obras que tem para o concelho. Orgulha-se de dizer que é a candidatura com “mais projetos” e que tem contas feitas para cada um. Fala no coletivo, diz que gosta de distribuir os louros pela equipa. Depois de comer uma tarte de amêndoa, a “especialidade da casa” no café junto ao mercado de Algés, troca umas palavras com o seu número três da lista, que é o “cérebro criativo” da candidatura, e seguimos viagem. “Estes carros até são bastante espaçosos para duas pessoas”. O dia está chuvoso, por isso, desta vez, o calor excessivo é um problema a menos.
Autarca histórico — dinossauro, na gíria –, Joaquim Raposo esteve à frente da câmara da Amadora durante 16 anos e, depois de uma interregno obrigatório de quatro anos, volta a candidatar-se. Desta vez na vizinha Oeiras. Por três motivos: primeiro, porque quando foi viver para a Amadora nos finais da década de 1950, a Amadora era uma freguesia de Oeiras; segundo, porque “não se volta ao local onde já se foi feliz”; e terceiro porque quem se habitua a ser autarca não quer outra coisa. “Quem está numa autarquia como presidente de câmara dificilmente escolhe outro sítio onde se sente mais realizado”, diz. Ser deputado à Assembleia da República não o preenche da mesma maneira, admite.
Engravatado, mas descontraído, engana-se volta e meia no nome do concelho — diz Amadora, em vez de Oeiras. “Não acontece muito, mas às vezes…” é inevitável. A verdade é que Joaquim Raposo chega ao mediático e disputado combate autárquico de Oeiras sem muitas hipóteses de vencer: o histórico de resultados do PS em Oeiras não sopra a seu favor, assim como não o favorece o facto de haver dois adversários de peso: o atual presidente da câmara Paulo Vistas, e o ex-autarca de Oeiras Isaltino Morais, que liderou o concelho durante 24 anos. Três nomes de peso para o mesmo lugar.
Mas Joaquim Raposo conta com o PS, “a máquina do PS, os votos dos militantes do PS” e o “estado de graça” de que goza atualmente o PS, para vingar nas urnas. Por isso, pede aos socialistas para acreditarem na sua vitória e para “não ficarem em casa”. Em todo o caso, já tem os cenários estudados para o caso de não vencer a câmara: aceita integrar o executivo, “independentemente” de ser liderado por Isaltino ou por Vistas, dá-se bem com os dois, mas recusa uma vereação com pelouros.
Habitação. Balcão de arrendamento e isenção de IMI por 10 anos
Não conhece os caminhos e estradas na palma da mão, como certamente conhece as ruas da Amadora. Uma saída errada na rotunda ou uma viragem à direita quando era para a esquerda, culpa nossa. Reconhece que o truque é rodear-se das pessoas certas, porque o resto, visão e vontade, diz que não lhe falta. “Não tenho nenhum complexo em copiar bons projetos e aplicá-los, porque acho que tudo é útil desde que seja no sentido de melhoria”, diz, elogiando, aqui ou ali, a obra deixada por Isaltino Morais e Paulo Vistas em Oeiras. “As grandes coisas estão todas feitas praticamente, não estão é acabadas e como tal não funcionam, por isso é que eu digo que o meu lema é fazer o que não foi feito”, explica.
Pelo caminho não faltam exemplos, e vai apontando:
— Isto é uma saída de quem vem da CRIL para Algés. Está fechada, toda pronta, mas fechada há 20 anos. É das tais coisas que é preciso fazer. Ou seja, praticamente não é precisamente fazer nada, é só terminar a via para permitir que as pessoas não tenham que ir ao Dafundo para dar a volta para Algés.
— …Aqui é mais uma via que está fechada, quem vem de lá para entrar aqui não consegue. É preciso ser feito.
— Olhe, esta zona aqui, aconselho a ir por aqui para ver o exemplo que isto é. Isto é um terreno de terra batida cheio de buracos por todo o lado, temos aqui um projeto de 750 lugares de estacionamento.
Acessibilidades, sobretudo a ligação de Oeiras com Lisboa, transportes e habitação são alguns dos problemas que identifica como prioritários — a par da criação de mais parques infantis e de lazer que sirvam os vários pontos do concelho. Joaquim Raposo faz o retrato de Oeiras como um concelho envelhecido que não consegue fixar os jovens que todos os dias chegam vindos de fora para trabalharem nos parques empresariais de Oeiras. “Falta-lhes habitação e falta-lhes condições, porque um jovem não tem habitação a preços que possa suportar, não só na compra como no arrendamento”, diz.
Memórias da Amadora. "Oh Pedro [Passos Coelho], quem é presidente da câmara sou eu"
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Na primeira vez que concorreu à Câmara da Amadora, em 1997, o candidato do PSD ao mesmo lugar era…Pedro Passos Coelho. Ganhou Joaquim Raposo, sem maioria, e integrou no seu executivo quatro vereadores da CDU e dois do PSD. Mas nenhum deles foi Passos Coelho, que não aceitou pelouros. Ou melhor, até quis um, do “Planeamento Estratégico”. Mas era um pelouro de tal forma importante que “era o mesmo que dizer que não queria pelouro nenhum”.
“Eu tive de dizer ‘oh Pedro, quem é presidente da câmara sou eu’. Pedir-me aquele pelouro era a mesma coisa que dizer ‘eu não quero pelouro nenhum, mas é ele que vai ter de me dizer que não mo dá'”, conta Raposo agora, 20 anos depois.
Duas décadas depois da disputa eleitoral, Joaquim Raposo diz que ainda tem um “relacionamento de respeito mútuo” com aquele que viria a ser primeiro-ministro e agora líder do partido da oposição.
O que é que propõe fazer para resolver o problema da falta de habitação a preços acessíveis?
É preciso fazer habitação a custos controlados para jovens, acionar os mecanismos das cooperativas, que desapareceram. É preciso criar um balcão de arrendamento da Câmara Municipal em que a câmara — além de fazer o contrato com os próprios proprietários –, também faz a ligação com os inquilinos e ao mesmo tempo, se tiver de financiar, financiará a renda. Porque o importante é fixar as pessoas no concelho.
A questão dos parques empresariais é que, além de não serem muito acessíveis, em termos de trânsito, não estão bem servidos de comércio e serviços complementares. Concorda com a ideia de tornar estes parques empresariais não só “trabalhatórios” mas também dormitórios?
Concordo. Não podemos ter apenas parques industriais e empresariais que funcionem apenas durante o dia e depois à noite é o deserto. Têm de ser acompanhadas de um conjunto de infraestruturas, nomeadamente habitação, equipamentos, comércio, creches, ou seja, têm de ter vida permanente. Uma empresa só tem a ganhar se os seus funcionários não tiverem aquela preocupação, de manhã e ao fim da tarde, de andarem a correr para ir buscar a criancinha. Estas questões da fixação de jovens são possíveis de resolver, é preciso haver incentivos nomeadamente à compra a custos controlados, por exemplo através do IMI. Não vejo problema na isenção do IMI por dez anos…
Vai propor então a isenção de IMI por dez anos?
Vou propor a isenção por dez anos, assim como vou propor a questão da habitação a custos controlados, vou propor o apoio à renda e vou propor também apoios às empresas que criem emprego, e sobretudo que criem emprego aos jovens do concelho de Oeiras.
A taxa mínima e máxima do IMI é definida pelo Orçamento do Estado, portanto, há um limite entre 0,3% e 0,5%. As isenções só são permitidas até um determinado valor do imobiliário, 125 mil euros.
Estamos a falar de isenções, e quanto ao valor da casa é evidente que estamos a falar de habitação para jovens, que nunca serão habitações muito caras. Os jovens não ganham assim tanto para terem uma habitação tão cara… São questões perfeitamente enquadradas do ponto de vista da lei, não vejo esse problema.
Pós-eleições. “Estou a contar com o estado de graça do PS. Se perder fico como vereador, sem pelouros”
Interrompe o raciocínio para mostrar as estradas sem passeios ou as vias cuja circulação é interrompida devido ao trânsito, mas retoma facilmente ao ponto onde tinha ficado. Pede-nos que façamos “as perguntas todas”, garante que responde a tudo. Experiência política não lhe falta. Quadro socialista, Joaquim Raposo é dirigente nacional do PS, membro da comissão política nacional, velho amigo de José Sócrates, atualmente deputado à Assembleia da República e presidente da Assembleia Municipal da Amadora. Admite que houve tempos em que não precisou do PS, mas agora não é o caso: conta com a máquina do partido para ter um bom resultado em Oeiras — embora isso vá contra as probabilidades.
Veja aqui o Best Of do Carpool com Joaquim Raposo:
A verdade é que, depois de ter deixado a câmara da Amadora em mãos socialistas quando não se pôde voltar a candidatar (pela lei da limitação de mandatos), a escolha do concelho de Oeiras pode não ter sido por mera familiaridade geográfica. Com a presumível dispersão de votos entre as duas candidaturas independentes, de Isaltino e Vistas, a que se junta a do candidato apoiado pelo PSD e CDS, Ângelo Pereira, que integra o atual executivo de Paulo Vistas, Joaquim Raposo pode vir a ser uma peça-chave na ausência de maiorias.
Além de que, nota, a eleição deste ano pode apenas vir a ser uma rampa para a eleição daqui a quatro anos — “aí sim, para disputar o que poderá ser uma maioria absoluta”.
Na hipótese de não ganhar, e de o vencedor ser ou Paulo Vistas ou Isaltino Morais, personalidades com quem tem boas relações pessoais, aceitaria integrar um executivo de um destes dois candidatos?
Candidato-me a presidente de câmara, como é óbvio, e entendo que tenho um conjunto de projetos e de soluções para resolver vários dos problemas que Oeiras tem, pelo que tenho todas as condições para poder disputar a liderança e para poder ganhar as eleições. Se ganhar é evidente que vou desafiar todos os que forem eleitos no sentido de participarem na gestão do município, com pelouros. Foi o que fiz na Amadora, entreguei pelouros ao PSD e à CDU tendo em conta que era necessário fazer uma maioria. Além de que sou aquele que não tem nenhum conflito com nenhum dos candidatos. Ou seja, tenho uma boa relação com Isaltino Morais, tenho uma boa relação com Paulo Vistas, pessoal, e por isso sou aquele que permite chamar para a mesma mesa, os protagonistas todos.
E se não ganhar?
Na hipótese de perder, o que digo com clareza é que o PS assumirá as responsabilidades de garantir um executivo homogéneo. Se me pergunta se aceitarei ter pelouros no executivo, digo que não, não aceitarei. Mas ficarei naturalmente na vereação, participarei nas reuniões e acompanharei os meus camaradas que vão para o executivo.
Independentemente de quem for o presidente da câmara, neste caso Isaltino Moais ou Paulo Vistas?
Independentemente, independentemente.
Ser vereador não é poucochinho para si, que foi presidente de câmara durante tanto tempo? Não é um recuo?
Não, não acho. Aceitei um desafio, com humildade, e por isso digo que não me recuso a debates, mas sou uma pessoa humilde. Estou certo de que se for eleito, daqui a quatro anos estou cá outra vez para ser candidato, aí sim, para disputar o que poderá ser uma maioria absoluta.
Este é o cenário da não-vitória. Mas Joaquim Raposo — tal como fez António Costa quando apresentou a candidatura do ex-autarca a Oeiras — gosta de lembrar que também em 1997, quando se candidatou à Amadora, a vitória do PS era tida como quase impossível. “Mas Joaquim Raposo provou que não há impossíveis e assegurou para o PS uma vitória em que poucos acreditavam”, disse o atual primeiro-ministro na apresentação da sua candidatura a Oeiras. No carro do Observador, Raposo reconhece que “o ponto de partida é baixo em relação às últimas eleições”, em que o PS em Oeiras se ficou pelos 18%, e não se poupa a dizer que um bom resultado é ter entre 25 e 26% — quota necessária para “ganhar as eleições”.
Mas acha que é um resultado possível?
O Marcos Perestrello tinha tido um bom resultado, além de que António Costa teve um bom resultado [nas legislativas]. Acho que também isso quer dizer que eu próprio tenho de beneficiar daquilo que é o estado de graça do PS no Governo.
Está a contar com isso? Aproveitar o estado de graça do Governo?
Claro que estou. Não sou daqueles que dizem ser superiores ao PS. Neste momento, preciso do apoio do PS, e preciso que as pessoas do PS, e as pessoas que votam no PS, vão votar. Houve e haverá tempos em que será ao contrario.
Então é a contar com a máquina do PS que espera um bom resultado.
É contar com a máquina do PS, a contar com os militantes do PS, a contar essencialmente com os votantes do PS, porque acho que a maior parte das vezes o resultado do PS advém da pouca participação daqueles que são eleitores do PS. E tudo porque muitas vezes não acreditam. Acho que é altura de acreditar: temos todas as condições de disputar este ato eleitoral e de ganhar. Basta naturalmente que os militantes do PS, os votantes do PS, participem, vão votar, e não fiquem em casa.
Corrupção e condenações. “O selo fica sempre”
Com a mesma naturalidade com que fala das obras que quer fazer, Joaquim Raposo fala também do longo processo judicial em que foi indiciado de corrupção, falsificação de documentos e tráfico de influências, enquanto presidente da câmara da Amadora, com vários empresários do ramo da construção. O processo foi arquivado no início de 2013, mais de 11 anos depois de ter sido aberta a investigação. Em causa estavam as suspeitas de que o então presidente da autarquia, assim como um vereador e vários responsáveis pelo urbanismo, tinha obtido vantagens por decisões tomadas à revelia do plano diretor municipal, com os planos de obras aprovados para o concelho. Ao longo de mais de uma década de investigação, oito pessoas foram constituídas arguidas, entre elas o socialista Joaquim Raposo e José Guilherme, empresário da construção civil conhecido por Zé Grande, pelas prendas generosas que daria a políticos como Isaltino Morais ou a banqueiros como Ricardo Salgado.
Polémica de Loures. "Não foi lapso, foi estratégico"
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Na qualidade de dirigente do PS, e na auto-proclamada qualidade de ex-autarca de uma das “comunidades ciganas mais fortes” da zona de Lisboa, Joaquim Raposo comentou as declarações do candidato do PSD a Loures, André Ventura, dizendo que “não foram lapso”. “Foi estratégico”.
“Ele quis dizer aquilo porque sabe que há um sentimento generalizado de desagrado pelo dinheiro que se gasta no realojamento dessa comunidade, tendo em conta que muitas vezes essas pessoas não pagam renda. Mas só o disse para passarem a falar dele, de outra forma ninguém falaria”.
Sobre o facto de a candidata do PS a Loures, Sónia Paixão, ter admitido vir a coligar-se com André Ventura (embora depois tenha recuado), Raposo considera que a “camarada” só o disse na perspetiva de vitória. E admitiu, de forma pragmática, que “é mais fácil coligar-se com o PSD do que com a CDU”.
“Eu já fiz coligações com os dois e, enfim, depende das pessoas, apesar das ideologias…”
Tudo águas passas, e arquivadas, diz. Não tem “complexos” sobre o assunto. “Eu fiz declarações, fizeram buscas, as questões foram verificadas, e o caso foi arquivado. O Ministério Público não arquiva um processo se tiver fundamentos efetivos para formular acusação. Findo esse processo, para mim o problema está arrumado, e penso que para toda a gente”, afirma.
Não acha que fica com nenhum selo?
Sabe que o selo fica sempre, fica sempre. É como se costuma dizer: quando se faz bem rapidamente se esquece, quando se faz mal nunca se esquece. É assim com todos, em todas as áreas. Para mim é um assunto que a justiça resolveu, está arquivado, resolvido, ponto final. Ando de cabeça erguida e não tenho complexo nenhum sobre essa matéria.
O empresário da construção José Guilherme foi arguido no mesmo processo. Aceitava um donativo dele na sua campanha?
Donativos pessoais aceitam-se dentro do que está previsto na lei. Porque é que havia de recusar um donativo de A, B ou C? Desde que fosse dentro daquilo que são as normas da legislação… não vejo problema. Acho que as questões hoje em dia estão claras: qualquer apoio tem de ser feito por cheque, tem de ser passado um recibo, sobre essa matéria penso que as coisas estão mais transparentes do que estavam há uns anos.
O mesmo destino não teve Isaltino Morais, que esteve 14 meses preso, entre abril de 2013 e junho de 2014, condenado pelos crimes de fraude e branqueamento de capitais. Mas sobre isso, Joaquim Raposo limita-se a dizer que nada o impede de se candidatar outra vez — não aconselharia, porque “não se deve voltar ao local onde se foi feliz” –, mas na perspetiva legal, não há impedimento. Mudar a lei, é outra história.
Concorda com a ideia de que os políticos condenados por corrupção ou fraude fiscal não devem poder candidatar-se a eleições por um determinado tempo, como sugeriu Marques Mendes?
Concretamente em relação a Isaltino Morais, nada o impede de ser candidato, do ponto de vista da lei.
A minha questão é se acha que a lei devia ser alterada.
Isso é outra questão. Tal como se fez a alteração da lei em relação à limitação dos mandatos, também se pode fazer outras alterações…
Concordaria com essa alteração?
Desde que as questões sejam discutidas, que não sejam feitas à medida, tudo bem, as coisas têm é de ser universais, não pode ser “agora é para este, agora é para aquele”. Fez-se a alteração da lei da limitação de mandatos em relação aos presidentes de câmara mas não se fez, por exemplo, em relação aos vereadores com pelouros. Temos vereadores que estão há 30 anos com pelouros efetivos em áreas importantes, e não há limitação?
Acha que devia haver limitação de mandatos para os vereadores?
Devia haver. Acho que isso era melhor para a democracia. Há questões na lei que é preciso aprofundar e melhorar, e nesse sentido acho que o PS está sempre disponível para melhorar a democracia, a igualdade, com seriedade. Se esse assunto [da proibição de os políticos condenados se candidatarem a eleições] se colocar em cima da mesa, eu próprio também terei a minha opinião, mas não pode é ser uma coisa dirigida para A ou para B. E tem de ser discutida fora do contexto de eleições.
No atual quadro legislativo, nada impede um político condenado de se candidatar, mas se Joaquim Raposo tivesse dado algum conselho àquele que em tempos considerou ser “o autarca modelo”, diria para não se voltar candidatar ao mesmo cargo que desempenhou durante 24 anos. “Eu nunca seria candidato outra vez à Amadora, porque acho que fiz um bom papel, saí de cabeça erguida, as pessoas reconhecem o que fiz, e acho que prevalece a velha máxima de que não se volta ao lugar onde já se foi feliz“, diz, deixando pelo caminho elogios ao trabalho que o ex-autarca fez nos anos 80. “Pôs o concelho de Oeiras no mapa, do ponto de vista das empresas, do espaço público, aproveitou todas as potencialidades e todos os meios do próprio Governo da altura — de Cavaco Silva — e isso fez muito bem. Nessa matéria ninguém o condena, antes pelo contrário”, diz, sublinhando compreender a “popularidade” de Isaltino mesmo após a condenação judicial.
“Há, claro, um conjunto de gente que reconhece o que fez para o resto da vida, nomeadamente as pessoas que ajudou nos bairros sociais. Isto também não pode ser só ingratidão, não é? Também tem de haver gratidão”, afirma.
O amigo Sócrates. “Peço-lhe conselhos e opiniões”
Nesta fase do percurso, tínhamos prevista uma paragem para verificar equipamento técnico e para tirar fotografias ao entrevistado, mas Joaquim Raposo não aproveita o desvio para fugir ao tema. Fotografias feitas, carro na estrada, é o próprio que retoma a conversa no ponto onde a tínhamos deixado: no amigo de longa data José Sócrates, com quem tem ainda hoje uma boa relação. O ex-autarca de Oeiras foi “várias vezes” visitá-lo à prisão, e é a ele que recorre quando quer pedir conselhos sobre estratégias de comunicação política. Foi o que fez, por exemplo, nas vésperas do debate televisivo em que participou este mês, na TVI, contra os adversários autárquicos. Só hesita quando questionamos se convidaria o ex-primeiro-ministro para uma ação de campanha sua: pelo sim, pelo não, seria melhor não convidar. “Amigo não prejudica amigo”.
Se convidasse José Sócrates para uma ação de campanha sua acha que isso o beneficiava mais ou prejudicava?
Sou amigo de José Sócrates, uma coisa que nunca renego é os amigos. Fui ver José Sócrates várias vezes à prisão, porque entendo que o faria em relação a qualquer outro amigo. Tenho uma relação com ele, é uma pessoa com quem procuro trocar opiniões.
Hoje em dia ainda faz isso?
Sim. Quando era primeiro-ministro muitas vezes ligava-me às tantas da noite para saber qual era a minha opinião. Eu não era uma pessoa que concordasse sempre com o chefe. Tenho direito à minha opinião e discordava muitas vezes. A grande particularidade que ele tinha era que às vezes zangava-se e irritava-se. Mas também lhe digo que passado um tempo tudo tinha acabado, não ficava nenhum tipo de rancor.
Mas hoje em dia acha que a presença dele na sua campanha o podia prejudicar?
Não digo que teria benefícios, ou não teria benefícios. Perante a opinião pública haveria quem reagisse mal e quem reagisse bem, perante a opinião publicada haveria quem reagisse bem e quem reagisse mal. Por isso, porque é que hei-de trazer para a minha candidatura um fator de perturbação, quer seja pela positiva ou pela negativa? Além de que ele próprio também não aceitaria vir a uma ação minha de campanha tendo em conta que poderia pensar que me poderia prejudicar. Um amigo não prejudica outro.
Mas se fala com ele hoje em dia, quer dizer que falou com ele sobre esta sua candidatura a Oeiras. Deu-lhe conselhos?
Falo, claro. Falei com ele sobre o debate televisivo [debate da TVI entre os candidatos a Oeiras, sem Isaltino] porque penso que é das pessoas mais bem preparadas para debates de televisão, tendo em conta a sua experiência. Se havia alguém que se saía bem nos debates era ele, domina a questão das câmaras e da comunicação… Colhi dele alguns ensinamentos, não colhi todos porque se tivesse colhido todos não me tinha enervado como me enervei naquele debate…
Parques de estacionamento e parques infantis. “Um autarca mede-se pela obra que faz em todos os campos”
“Aconselho-a a ir por aqui para vermos um parque de estacionamento de terra batida cheio de buracos por todo o lado”. Viramos onde indicou, em Carnaxide de baixo. “Agora estamos em férias, mas isto costuma estar sempre cheio, veja como o piso está horrível”. A proposta que tem para aquele local é a construção de um parque com 750 lugares de estacionamento. Mas em que é que se baseia para propor estas questões tão específicas? “Em estudos e levantamento das situações”, diz, explicando que a equipa que trabalha consigo fez o levantamento dos problemas da cidade: “Procurámos terrenos, alguns municipais, que estão como estão, e que podem vir a servir para melhorar a vida das pessoas”. Aquele era um deles.
Huaweigate. É condenável aceitar estas ofertas? "Depende das circunstâncias"
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Dois dos adversários de Joaquim Raposo, Paulo Vistas e Ângelo Pereira, foram envolvidos no caso Huaweigate, por isso o tema é incontornável. Raposo diz que para condenar o ato de aceitar este tipo de ofertas é preciso saber os contornos: saber se houve benefício para o concelho e saber se houve contratos celebrados com aquelas empresas como contrapartida.
Portanto é aceitável ou não dependendo das circunstâncias em que for feito o convite?
Dependendo das circunstâncias e também de ser publicamente assumido. Ou seja, se para o município é importante viajar e trazer um conjunto de mais valias, não tem mal nenhum. A questão é saber se a seguir houve ou não contratos feitos com a empresa.
E não acha importante clarificar?
Acho que era importante clarificar, explicar que foram nas condições x, o objetivo foi y, se foi feito algum contrato ou não, porque foi feito o contrato com aquela empresa e não com outra, etc. São essas questões que é preciso clarificar.
A verdade é que em cada esquina há um cartaz da candidatura de José Raposo com um projeto diferente para uma obra diferente. A maioria são projetos de parques de estacionamento ou parques infantis. A ideia, diz, é acabar com “uma Oeiras a duas velocidades: a Oeiras do lado do mar e a Oeiras da A5 para cá”. Os parques infantis e de lazer, explica, são para complementar a lógica da construção do Parque dos Poetas, que não serve toda a gente do concelho: quer construir 34. Parques de estacionamento são três. E para cada obra garante que tem uma estimativa de custos: a maior parte assenta em fundos comunitários do quadro 2020/2030.
Ainda acha que um autarca se mede pela obra que faz?
Não, acho que um autarca tem de se medir pela obra que faz em todos os campos. Não é só do ponto de vista do que é o alcatrão ou o betão. Depende. Se me disser que o betão de fazer escolas e fazer equipamentos para a terceira idade é igual ao outro, digo-lhe que não é seguramente.
E porquê apostar nos parques infantis, são assim tão necessários?
Em relação à questão dos parques infantis, houve muitos que fecharam por causa de uma inspeção da ASAE há tempos, e hoje em dia existem muito poucos. Os que existem têm meia dúzia de equipamentos. Por isso, a nossa proposta é criar 34 parques infantis, o que permite uma cobertura de todo o território de Oeiras. O Parque dos Poetas, que custou uma fortuna, mas tudo bem, abrange uma determinada população mas descura da parte do lazer, da parte de ser um espaço que dê para levar uma criança a brincar… isso não há.
E há dinheiro para tudo?
Tenho a classificação projeto a projeto. Quanto custa no somatório de intervenções.
Fez essa estimativa para cada obra?
Todas, todas as obras. Alguém que avança com um projeto tem de ter uma noção de quanto custa. Agora, se é possível fazer tudo ao mesmo tempo? Claro que não é possível fazer tudo ao mesmo tempo. Mas também não estou a apresentar um projeto para quatro anos.
É um projeto para quanto tempo?
É um projeto para acompanhar o ciclo 2020/2030. O novo quadro comunitário é 2020/2030, e nesse sentido faz toda a lógica apresentarmos uma proposta tendo em conta esse quadro comunitário de apoio. Temos de ter projetos para podermos apresentar candidaturas aos fundos europeus, se não tivermos projetos não temos candidaturas, e se não temos candidaturas, não temos financiamento.
Então é com os fundos comunitários que pretende financiar as obras que propõe.
É muito com base nos fundos, mas há outros que não.
Continua a querer cancelar a obra do Fórum Municipal para canalizar esse dinheiro para outras obras?
Não digo que o Fórum Municipal não seja uma coisa interessante, mas não é prioritário. Há outras coisas muito mais prioritárias, e por isso não avançaria com o Fórum Municipal. Os números aprovados falam em 36 milhões previstos para aquela obra, que eu acho que é muito mais. E as obras todas da rede viária que apresentei, e dos parques de estacionamento, ficam aquém de 30 milhões. O que quer dizer que ainda sobram quase 10 milhões para fazermos investimento na área da terceira idade. Porque para o resto a câmara tem orçamento próprio, tem receitas próprias, tem que utilizá-las, como e óbvio.
Transportes. “Oeiras perdeu a oportunidade e nos próximos anos não haverá metro aqui”
Por esta altura estamos a avistar o famoso SATU — Sistema Automático de Transporte Urbano –, uma “aberração” cujo projeto inicial, de Isaltino Morais, previa a ligação de Paço de Arcos ao Cacém, passando pelos parques empresariais do Lagoas Parque e do Tagus Park. O projeto, contudo, ficou-se pelo Oeiras shopping, e a construção ficou a meio, com a obra inacabada à vista de todos. Para falar do SATU, é preciso falar primeiro do “desaproveitamento” que foi feito em transportes, na opinião de Joaquim Raposo. Quando Isaltino podia ter levado o metro até Oeiras, como Raposo levou até à Amadora, não o fez, e agora já não será possível fazer, defende.
“Na altura em que Oeiras estava pujante, quando as empresas nacionais e internacionais estavam a instalar-se aqui, na altura em que havia milhares de pessoas a vir para Oeiras, o concelho podia ter aproveitado para se bater pela instalação do metropolitano. E não o fez…”, afirma, defendendo que a solução para a mobilidade em Oeiras agora não passa pelo metro mas sim por um sistema de MetroBus, elétrico, que seria construído com base em fundos comunitários do quase 2020-2030. As contas por alto estão-lhe na ponta da língua.
Orgulha-se de ter levado o metro à Amadora.
Fiz isso na Amadora, e acho que foi um passo importante. E na altura em que o fiz, Oeiras não fez e devia ter acompanhado. Mas não, tinha a preocupação do SATU como se o SATU resolvesse os problemas da mobilidade. Perdeu essa oportunidade, e perdendo essa oportunidade dificilmente nos próximos anos haverá metro no concelho de Oeiras.
Não promete isso?
Não, não prometo, porque não tenho essa certeza. Só posso prometer o que consigo fazer. Por isso, temos de criar um sistema alternativo — que passe por ser um veículo não poluente, mas um autocarro dito normal, sem ter de ter um canal próprio. Cada vez mais as soluções ecológicas vão ser a aposta no futuro. Além de que um sistema de veículo elétrico é um projeto elegível a fundos comunitários.
Já tem projeto e estimativas feitas para isso?
Tenho esse projeto e devo dizer que fiquei satisfeito porque ainda há pouco tempo o primeiro-ministro anunciou esta solução para o metro de Coimbra. Ou seja, o próprio Governo entende que esta solução de MetroBus é uma solução viável, mais barata, e ecologicamente mais favorável. Sei que há outros municípios aqui à volta que estão a estudar a mesma solução, e por isso é preciso encontrar aqui um conjunto de sinergias que permitam ligar a mobilidade entre municípios.
A questão da mobilidade é uma das que exige mais intermunicipalidade. Tem falado com os autarcas dos municípios vizinhos?
Acho que há municípios que vão concordar. Alguns já sei. Estão a estudar o mesmo. Este caso do MetroBus não é questão única… Fui à Irlanda ver, mas conheço aqui um autarca mesmo ao lado que foi ao Brasil ver o sistema que funciona lá.
Quem?
O [Carlos] Carreiras [presidente da câmara de Cascais, PSD] foi ao Brasil ver o mesmo sistema, eu fui à Irlanda. São países diferentes, há equipamentos diferentes, mas a filosofia é a mesma. Por isso, acho que é possível, com franqueza. É um sistema de transportes que pode chegar a muitos municípios no futuro. É o caso de Odivelas ou também de Loures. É preciso haver um conjunto de intervenções que nos permita ligar a linha de Cascais à linha de Sintra, e que permita servir duas zonas importantes de emprego e de empresas: o Lagoas Parque e o Tagus Park.
Referendo ao SATU. “Voto em desmantelar a estrutura”
A proposta do MetroBus é precisamente para servir de alternativa ao SATU — a “aberração” que devia ligar o centro de Oeiras ao Cacém, em Sintra, passando pelos parques empresariais, mas que acabou por ter apenas pouco mais de 1,5km de construção e parou de funcionar em 2015. Para Joaquim Raposo, o SATU é para acabar, a estrutura é para desmantelar, mas como o desmantelamento custa dinheiro — “cerca de 5 a 6 milhões, o que é bem menos do que os 140 milhões que custaria pôr o SATU a funcionar” — diz que é importante que sejam os munícipes a decidir o que fazer. Por isso propõe um referendo e diz como votaria.
Qual é que seria a pergunta do referendo?
A pergunta do referendo é algo como: “Tendo em conta que o SATU não é para continuar, o que se vai fazer? Demolir, desmantelar, ou vai ficar?”. Porque uma operação desta natureza custa dinheiro e como tal os munícipes têm de ser chamados a decidir. Acatarei a decisão da população. Se disserem que é para ficar, fica.
Mas qual é a sua proposta?
Na minha proposta concreta não haverá SATU. Chega.
O que se faz então à estrutura?
A estrutura tem de ser desmantelada. Eu pelo menos acho que deve ser desmantelada, porque há uma agressividade do ponto de vista visual…
Mas também custa muito dinheiro desmantelar.
Claro que custa, mas continuar com o SATU custa muito mais. São mais 140 e tal milhões, o que é um verdadeiro disparate que não vai levar a lugar nenhum. Tem de haver aqui alguma sensibilidade de dizer que foi um projeto bem intencionado mas foi um projeto que falhou.
Como é que respondia ao referendo? Como votava?
Desmantelamento.
E a alternativa é o MetroBus. Quanto é que custa esse sistema?
Estas carruagens que andamos a ver custam na ordem dos 700 mil euros. Tendo em conta que a construção será apoiada por fundos comunitários, financiado a 65%, poderá custar 400 mil euros aos fundos orçamentais da câmara. Se tivermos 20 composições, custa 8 milhões. Se tivermos 40 custa 16 milhões. Se tivermos 50 custa 20 milhões. A continuação do SATU custa mais 140 milhões…
E o desmantelamento do SATU quanto custaria?
Há quem diga que andará na ordem dos 5 a 6 milhões. É um custo grande, mas naturalmente é uma decisão que é preciso que a população decida. Acatarei a decisão da população. Se disserem não, que é para ficar, fica.
Ao longo de todo o percurso, Joaquim Raposo mostra-se orgulhoso do projeto que ele e a sua equipa têm para a cidade. Diz sempre que sem as pessoas que tem na equipa o resultado não seria o mesmo. A viagem do Carpool Autárquicas termina junto à praia de Santo Amaro, e o ex-autarca da Amadora não resiste a deixar escapar que também para as praias tem um projeto. Não o vai revelar para já. Deixa a parte melhor para o fim, para o auge da campanha eleitoral. Obra, obra e mais obra. Está há quatro anos afastado das lides autárquicas mas parece não ter perdido o jeito.
Pergunta final:
O que é que Oeiras tem que a Amadora não tem?
“Tem mar, e isso faz a diferença”.
Esta era fácil.