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Quando apresentou Ricardo Robles como candidato a Lisboa, Catarina Martins descreveu-o como aquele que denuncia as "negociatas"
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Quando apresentou Ricardo Robles como candidato a Lisboa, Catarina Martins descreveu-o como aquele que denuncia as "negociatas"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quando apresentou Ricardo Robles como candidato a Lisboa, Catarina Martins descreveu-o como aquele que denuncia as "negociatas"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Carpool com Ricardo Robles: "Há favorecimento de alguns grupos económicos em Lisboa"

Ricardo Robles, candidato do Bloco de Esquerda à câmara de Lisboa, acusa Fernando Medina e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, de favorecerem grupos como o antigo BES e os Mello.

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“Em casa de ferreiro espeto de pau…”, começa por lamentar nos primeiros metros da viagem. Ricardo Robles, 39 anos, candidato do Bloco de Esquerda à câmara de Lisboa, é um engenheiro civil especializado em eficiência energética, mas que não aplica na casa que comprou há 15 anos, na zona da Duque de Loulé, todas as recomendações para isolamentos que faz aos outros. “Na altura, fiz as obras possíveis, vidros duplos, aquelas coisas mínimas. Mas é uma casa muito antiga, como são muitas no centro da cidade de Lisboa. Portanto, os isolamentos e os próprios equipamentos não são os mais adequados”, reconhece no início da conversa dentro do Smart do Observador.

Estávamos no Saldanha. Robles tinha chegado sozinho e a pé. Enviara uma SMS com uma piada, a justificar não ter chegado em cima da hora, porque estava à espera do transporte. Público, como não podia deixar de ser. “Podem prolongar o café mais 5 minutos. Metro atrasado. Culpado: FMedina”. Seria afinal o tom da entrevista de quase hora e meia pelas ruas de Lisboa: do eixo central à segunda circular, passando por Benfica, Casal Ventoso, Campo de Ourique até à Baixa. Embora reconhecesse, em certos casos, méritos à câmara socialista, na maior parte das situações críticas o culpado era Fernando Medina. Quando não apontou críticas ao presidente da câmara — que sucedeu a António Costa a meio do mandato –, acusou o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, de favorecer determinados interesses privados na cidade. Exemplos? Vários projetos a que estava ligado o antigo BES, do seu primo Ricardo Salgado. “Negociatas”, aponta. E dá exemplos.

Robles é um nome espanhol, que significa carvalho em castelhano, mas Ricardo nunca descobriu antepassados espanhóis na família. O seu objetivo nas eleições de 1 de outubro não é fácil: apesar de ser deputado municipal há quatro anos, tem menos notoriedade do que todos os adversários e é menos conhecido do que João Semedo, que esteve no seu lugar em 2013 e ficou apenas a 52 votos de ser eleito para a vereação. O bloquista reconhece as dificuldades em lutar com adversários mais notórios, mas quando acabamos a entrevista no Campo Mártires da Pátria, diz acreditar que não será mais um mártir do BE em Lisboa. Este foi um percurso pelas obras na cidade, pelos problemas de transportes e de habitação, uma conversa sobre o turismo e pequenos incidentes, como quando um Marquês de Pombal vestido a rigor passou pelo carro… A viagem começou pelas obras mais emblemáticas de Fernando Medina, no eixo central da cidade.

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Transportes: “Quando tenho de andar de autocarro é um suplício, um inferno”

Estamos no Saldanha, numa zona onde foram realizadas as obras mais emblemáticas de Fernando Medina. Esteve imenso tempo em estaleiro, houve muitas críticas por causa disso. Mas o resultado final para si é positivo?
Estas foram, de facto, as obras mais emblemáticas e também mais problemáticas, porque prejudicaram muita gente por um longo período de tempo. O resultado final é positivo, com certeza. As cidades do futuro têm de caminhar no sentido de haver prioridade à mobilidade alternativa. Quem anda a pé tem de ser privilegiado. Quem anda de bicicleta tem de ter condições de segurança para o fazer. Naturalmente que não podemos eliminar os carros de um dia para o outro. Acho que é preciso encontrar esse equilíbrio entre criar condições para quem quiser optar por outros meios de mobilidade, transportes públicos, sobretudo. É preciso equilibrar essas duas vertentes.

Pode ver aqui os melhores momentos do Carpool com Ricardo Robles:

Aqui há várias ciclovias. Isto foi pensado para isso, criticado e elogiado por essas razões. Esta é uma zona plana da cidade, mas muita gente que vive em Lisboa terá condições de ir de casa para o trabalho sem fazer uns prémios montanha pelo caminho? Lisboa não é a cidade mais apetecível para as pessoas se movimentarem de bicicleta. Não concorda?
Nem toda a população vai conseguir andar de bicicleta na cidade de Lisboa…

A não ser que sejam aquelas bicicletas com motores elétricos….
O projeto das bicicletas partilhadas em Lisboa…

Conversa interrompida. Uma funcionária da câmara trata da relva que cresce no separador das vias da Avenida da República, quando estamos quase a chegar ao Campo Pequeno. Ouvimos um barulho, de uma pedra que se solta do corta-relva e atinge o carro. “Um projétil”, comenta Robles, enquanto fala de ciclismo urbano. “Está claro que as questões das bicicletas elétricas são uma ajuda. Uso muito a bicicleta em Lisboa. Uso muito este eixo central e desse ponto de vista ganhou-se muito em segurança”. O coordenador da concelhia do Bloco em Lisboa pedala sobretudo da zona da Duque de Loulé, onde vive, para a Baixa ou “da zona do eixo central para a Assembleia Municipal que é na Avenida de Roma”.

A questão das bicicletas em Lisboa, são as subidas: ir para a Baixa é fácil, voltar é que é pior. “É verdade”, reconhece o candidato. “Subir a Avenida da Liberdade é muito difícil, sobretudo atrás dos autocarros. Faz pior à saúde andar de bicicleta, do que propriamente melhor. Mas há vantagens grandes e os estudos dizem isso”, acrescenta. “Nas viagens entre três e cinco quilómetros, a bicicleta é o meio mais rápido, mais económico e eficiente. Mas, naturalmente, nem toda a gente vai poder andar de bicicleta”, reconhece Robles.

"De vez em quando tenho de andar de autocarro. E é um suplício, um inferno. Se alguém quiser assumir o compromisso de estar numa determinada zona da cidade, não vá de autocarro"

Há muitas críticas a este investimento por ser desproporcional ao uso que depois vai ser feito das ciclovias.
O projeto das bicicletas partilhadas tem um custo significativo, são 23 milhões de euros. Mas é uma excelente ideia e já se nota o incremento na utilização da bicicleta em Lisboa. Tenho algumas críticas: é muito concentrado nas zonas turísticas e não funciona como meio alternativo para quem se quer deslocar na cidade. Há zonas residenciais planas: Benfica, São Domingos, algumas zonas de Marvila onde a bicicleta poderia ser um complemento para chegar à estação de metro ou de autocarro e não foi essa a opção. A minha crítica ao projeto é essa. Deve ser mais orientado para quem cá vive e quer utilizar esse meio de locomoção.

Uma das vossas críticas ao executivo do PS tem muito a ver com os transportes na cidade. Porque é que em Lisboa as pessoas não usam mais os transportes e preferem os carros?
Os dados são esses. Nos últimos quatros a seis ou sete anos houve uma diminuição de utilizadores de transportes públicos.

Estamos no cruzamento do Campo Pequeno com a Avenida de Berna e está ali um cartaz seu a dizer “Habitação, transportes, transparência”. O que quer dizer esse mote dos transportes?
Esse vai ser um dos nossos pilares da nossa campanha em Lisboa: transportes públicos de qualidade.

Porque é que as pessoas andam menos de transportes? Os autocarros são bons, o metro tem tido estes problemas com as carruagens mas não é desagradável…
Ando menos de autocarro na Carris, mas ando muito de Metro. E de vez em quando tenho de andar de autocarro. E é um suplício, um inferno. Se alguém quiser quer assumir o compromisso de estar numa determinada zona da cidade, não vá de autocarro. Porque chegamos à paragem de autocarro e diz que passa de sete em sete minutos e estamos 40.

É por isso que as pessoas andam menos de autocarro? Parece que há um preconceito com o autocarro que não há com o metro…
A qualidade é um dos fatores. Degradou-se muito a utilização do autocarro. O outro dia precisei de ir par a zona ocidental e, no Rato, tive de entrar pela porta de trás porque pela porta da frente não entrava mais ninguém. Isto não é um serviço de transportes públicos de qualidade. Houve uma degradação profunda no tempo da candidata Assunção Cristas e de Passos Coelho. A preparação para a privatização fez isso. Eliminou linhas, eliminou carreiras da madrugada, reduziu muito o número de motoristas e de autocarros e isso criou uma degradação do serviço absolutamente inaceitável. Depois temos o metro, com uma capacidade de transporte muito superior. Utilizo muito mais o metro, a rede de metro é relativamente boa na cidade, mas o serviço também está muito degradado. Em janeiro foi publicado um relatório da Autoridade Metropolitana de Transportes que demonstrava que nenhuma das linhas cumpria 50% da regularidade da passagem dos comboios.

Mas isso não depende da câmara…
Esse é um dos problemas e que coloquei em cima da mesa com Fernando Medina e disse: isto não pode ser. Sempre defendemos a municipalização da Carris. O Metro não pode ser municipalizado porque tem um custo de investimento que não é suportável pela câmara, mas tem de haver uma forma de a câmara participar na gestão operacional do metro. Numa cidade como esta, a câmara não tem uma palavra a dizer sobre horários, frequência das linhas, sobre reforço ao fim-de-semana ou à noite, ou sobre a interligação com a CP ou os autocarros. Esta desarticulação piora ainda mais a rede de transportes. Uma das propostas que temos em cima da mesa é uma participação entre a câmara e o Estado, em que a câmara participa na gestão operacional.

O Metro de Cristas: “É um disparate de pré-campanha eleitoral”

Ricardo Robles anda de bicicleta e Lisboa, mas admite que subir a Avenida da Liberdade atrás de autocarros não será o melhor para a saúde

No que diz respeito ao Metro, o Bloco de Esquerda choca de frente com o projeto da câmara e do Governo. “O maior erro na rede de Metro em Lisboa, já o disse a Fernando Medina na Assembleia Municipal, é o projeto de expansão da rede”. Foi apresentado em junho, e cria uma linha circular no centro da cidade: a Linha Amarela desce do Rato para a Estrela e para Santos e fecha no Cais do Sodré.

A discordância de Ricardo Robles parece colocá-lo numa posição mais próxima do CDS que do Partido Socialista. Nesta perspetiva, o projeto de Assunção Cristas para a criação de 20 estações de metro podia ser visto pelo Bloco com simpatia. “Simpático é. O problema é que ninguém dá credibilidade a isso”, contrapõe o bloquista, ao chegarmos à zona do Campo Grande. “Quando estamos a discutir a possibilidade de investir 200 milhões ou 300 milhões numa rede de metro, percebemos que não temos 10 mil milhões para 20 estações. É uma discussão fora do contexto. É um disparate de pré-campanha eleitoral“, classifica.

Em vez da linha circular de Medina, o candidato propõe que o metropolitano continue “por Campo de Ourique, Campolide, depois Alcântara, Ajuda e Belém”. Objetivo? São zonas com muitos residentes e Belém é “uma das portas de entrada na cidade”, o que “cria uma alternativa” ao uso do automóvel. Conforme nos aproximamos da Segunda Circular, o trânsito ligeiro de agosto vai ficando mais denso até ficarmos parados. Há obras em frente ao Estádio de Alvalade: a construção de um viaduto para a zona de Telheiras, que Robles considera “importante”. Outra história é a do concurso para as obras na Segunda Circular que a câmara prometeu, lançou e depois deitou abaixo. Para Robles, o cancelamento do concurso deve-se apenas a razões “políticas”.

"Não foi encontrado nenhum indício de conflito de interesse [no concurso da Segunda Circular]. Mais grave do que isso é a forma como Medina gere a cidade. É preciso transparência."

Vamos entrar agora aqui na Segunda Circular. Propôs uma comissão de inquérito ao cancelamento do concurso. Porquê?
Era a maior obra do regime de Fernando Medina. Queria marcar o seu meio mandato com esta obra. Eram 10 milhões de euros. Manuel Salgado, o vereador do Urbanismo, disse numa entrevista: “Esta obra vai fazer-se aconteça o que acontecer”. Era este o ponto e partida. E mais. Era uma obra necessária por questões de segurança do pavimento, por questões de iluminação, de drenagem e acústica.

A comissão de inquérito era pela forma como foi travado o projeto?
À medida que o tempo foi passando, o concurso público foi lançado, os processo normais nestas circunstâncias foram avançando e Fernando Medina fez as contas e percebeu que iria ter na maior via que atravessa a cidade, um pandemónio maior do que este que temos agora. No diz 31 de agosto do ano passado, convocou a imprensa e disse que descobriu uma marosca, um conflito de interesses. E mandou o processo abaixo. Aceitámos a justificação. Mas depois percebemos que a questão não estava bem esclarecida. O PS, na Assembleia Municipal, inviabilizou a comissão de inquérito. Disse que estava tudo esclarecido. Depois Medina disse que ia criar uma comissão na câmara para inquirir o processo. Estiveram 10 meses a reunir elementos. Depois fizeram um relatório que diz não haver ilegalidade nem crime, que há uma possibilidade de um conflito de interesses que não consegue provar. A justificação apresentada pelo presidente caiu como um castelo de cartas.

Foi uma questão apenas política?
Totalmente. Não foi encontrado nenhum indício de conflito de interesse. Mais grave do que isso é a forma como Medina gere a cidade. É preciso transparência. É preciso ouvir as outras forças políticas. É preciso ouvir as pessoas em Lisboa.

Geringonça na câmara: “Não há pontes com o que Medina fez em Lisboa”

Os cartazes do PS para a câmara e para as juntas de freguesia estão espalhados pela cidade com mais frequência do que quaisquer outros. O mote é que “Lisboa” — nome que por vezes é substituído pelo da freguesia em causa — “precisa de todos”. O Bloco nunca elegeu um vereador na capital, mas se desta vez acontecer, pode ser que o PS precise não de todos mas de alguém para fazer uma maioria. No sábado, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, deu uma entrevista ao Expresso a dizer que “os lisboetas é que vão decidir se querem uma ‘geringonça’ autárquica”. Mas não fechava a porta a um entendimento com o PS “se o BE tiver força para determinar linhas essenciais do programa, nomeadamente em torno da habitação e dos transportes”. Mais ou menos o que Ricardo Robles disse ao Observador no Carpool realizado semana e meia antes, embora o candidato fosse mais duro: não há pontes com o que o que Medina e o PS fizeram ao longo dos anos.

“Carnide precisa de todos”, “Lisboa precisa de todos”, dizem os cartazes do PS que estão ali. O Bloco está disponível para apoiar o PS no caso de Medina precisar de um vereador e no caso de o BE eleger um vereador?
O Bloco de Esquerda candidata-se não para ajudar o PS, mas para ajudar a cidade e os lisboetas…

Como já viabilizaram um Governo, presumo que também houvesse disponibilidade para viabilizar um executivo camarário…
Sim… é preciso ter condições claras. É preciso olhar para o que fez Fernando Medina e o que fez PS nos últimos 10 anos em Lisboa e perceber se já pontes com isso. Não há.

Também nunca houve pontes entre o BE nacional e o PS. Não havia pontes e esse era o discurso do Bloco antes da “geringonça”, com duas ou três condições específicas…
Claro que sim, mas passou a haver pontes e condições claras para poder viabilizar e fazer um acordo de incidência parlamentar com o PS na Assembleia da República.

"É preciso ter condições claras [para viabilizar um executivo do PS]. É preciso olhar para o que fez Fernando Medina e o que fez PS nos últimos 10 anos em Lisboa e perceber se já pontes com isso. Não há."

É replicável para a câmara?
Com certeza que é. A questão é saber quais são as condições.

Quais são as suas?
As condições são as que estão naquela cartaz. São habitação, transportes e transparência…

É tudo muito generalista… Nas legislativas, Catarina Martins lançou um repto a António Costa com três pontos muito específicos do programa do PS. Diga três medidas que exigiria como caderno de encargos a Medina para fazer um acordo.
Não partimos para estas eleições com um caderno reivindicativo para uma aliança com o PS. Partimos com um programa para a cidade que é absolutamente a antítese do programa do PS [nesta data, Fernando Medina ainda não tinha lançado o seu programa], mas temos as suas linhas fundamentais em cima da mesa. E ainda há os 10 anos do PS em Lisboa. Temos ideias claras e prioridades, como a habitação. Não é possível hoje viver em Lisboa.

Isso são questões genéricas. Outra coisa é apontar um ponto em concreto.
Estamos perto de uma convergência quando quando resolvermos estes assuntos fundamentais.

Os casos de Salgado: “Há favorecimento de alguns grupos económicos na cidade de Lisboa”

O candidato do Bloco de Esquerda aponta casos de alegado favorecimento ao (antigo) BES e ao Grupo Mello

Seguimos pela segunda circular, entre os estádios do Sporting e o do Benfica. Ricardo Robles é benfiquista desde pequeno e concorda com as cerimónias de receção nos Paços do Concelho aos clubes da cidade que conquistem títulos. Viramos então à direita, em direção ao Estádio da Luz e ao Centro Comercial Colombo. O bloquista faz as compras quotidianas nas lojas do seu seu bairro, mas em momentos de aflição também recorre às catedrais do consumo: “Tenho alguns mini-mercados perto de casa com os produtos todos. Às vezes venho aos centros comerciais quando não sei o que hei-de comprar, como nos natais, a pior altura para vir, quando o caos está instalado”.

Junto ao Colombo, o Hospital da Luz serve a Robles para um ataque violento a Manuel Salgado, o vereador do urbanismo, tido como o homem mais poderoso da câmara de Lisboa. Na rentrée política do Bloco, Catarina Martins apresentou o candidato do partido a Lisboa como o homem que denunciou as “negociatas” na capital. “A história da ampliação do Hospital da Luz foi tudo menos transparente”, diz. O bloquista recorda que, em fevereiro de 2014, a administradora do BES Saúde — nessa época proprietária do hospital — anunciou que o estabelecimento ia ampliar-se em milhares de metro quadrados. O Bloco de Esquerda estranhou: “Olhámos para o Hospital da Luz e vimos que estava cercado por três vias e um quartel de bombeiros. Era o quartel de bombeiros mais recente da cidade, com um um museu e a central de comunicações mais evoluída da capital e pensámos: ao que é que esta senhora se está a referir? Vai expandir-se para onde? Está cercado“.

O deputado municipal recorda a história: “A câmara apresentou uma alteração ao plano de pormenor do eixo Carnide-Luz para que aquele quartel de bombeiros pudesse ser outra coisa. Depois de alterar a qualificação do solo do quartel, pôs o terreno em hasta pública. Começámos a juntar a peças e percebemos que quem anunciou a expansão antes de ser possível foi o próprio dono do hospital, sem a cidade tomar nenhuma decisão sobre isso”.

E quem apareceu na hasta pública? “Só um concorrente, o BES Saúde”, recorda o bloquista, a compor uma narrativa para um final com efeito: “E ganha a hasta pública, imagine por quanto: um euro acima do valor base”. Conclusão: o quartel de bombeiros “mais recente e mais caro de Lisboa foi demolido sem ter alternativas.”

"Sei que há um favorecimento de alguns grupos económicos na cidade de Lisboa. Por exemplo, na zona da Avenida da Liberdade há o caso desse quarteirão. Na zona da Matinha, também o grupo BES tinha algumas ligações a essa urbanização."

Há outro caso relacionado com o Grupo Espírito Santo, um quarteirão no centro da cidade ao pé do Marquês de Pombal. Acha que a câmara favoreceu os interesses do BES? Por causa da relação familiar com o arquiteto Manuel Salgado [é primo de Ricardo Salgado]? É capaz de fazer essa ligação?
Não sei se é pela ligação familiar do arquiteto Manuel Salgado. Deixe-me só agora referir o arquiteto Manuel Salgado. Quem fez o Hospital da Luz, quem o desenhou, foi o gabinete do arquiteto Manuel Salgado. E quem desenhou a ampliação foi o mesmo gabinete agora liderado pelo filho. Mas não quero entrar nessas relações familiares, não é relevante, o que é importante é perceber quais são os grupos económicos…

Mas acha que houve ali interesse pessoal?
Não sei se houve interesse pessoal, mas sei que há um favorecimento de alguns grupos económicos na cidade de Lisboa. Por exemplo, na zona da Avenida da Liberdade há o caso desse quarteirão, na zona da Matinha. Também o grupo BES tinha algumas ligações a essa urbanização. E depois temos por exemplo em Alcântara, no triângulo dourado, aquele terreno onde havia umas instalações municipais em frente à zona da estação de Alcântara Terra — entre Alcântara Terra e Alcântara Mar –, em que também aí uma alteração ao plano de urbanização de Alcântara. Isso conduz depois a uma hasta pública para alienar esse terreno e ganha o grupo da CUF, o grupo Mello, com um euro acima da proposta base. Com um concorrente só. Isto não é uma forma transparente de gerir o que é público, o que é de todos.

Vereadores a tempo inteiro: “Lisboa não pode ser um trampolim de afirmação dos candidatos”

Está a começar a chover… ainda estamos no fim de agosto, o trânsito não está assim tão complicado. Para poder viabilizar um executivo, é uma conversa vazia se o Bloco não eleger ninguém. O que precisa de fazer para conseguir os 50 votos que o João Semedo não conseguiu da última vez para eleger um vereador?
É verdade. Há quatro anos ficámos a 52 votos de eleger.

E o Ricardo Robles tem menos notoriedade do que tinha o João Semedo.
É um facto. Já me fizeram essa pergunta sobre a notoriedade dos candidatos. É verdade. Um é presidente da câmara, outra líder de um partido, mas acho que tenho uma grande vantagem perante essa maioria de candidatos. Sou o candidato que esteve na cidade nos últimos quatro anos, a denunciar as negociatas, a fazer propostas sobre habitação, sobre transportes, mas sou o candidato que fica nos quatro anos seguintes.

Mas reconhece que a sua tarefa é mais difícil do que foi a de João Semedo.
Há uma outra vantagem que é a transformação do ambiente político. Em 2015, no país e em Lisboa, percebe-se que o Bloco pode fazer a diferença. Os votos no Bloco, centenas de milhares de votos no Bloco permitiram que a vida das pessoas se tornasse melhor. As pessoas agora percebem que votar no Bloco de Esquerda tem essa grande vantagem, pode fazer a diferença.

"Tenho uma grande vantagem perante essa maioria de candidatos. Sou o candidato que esteve na cidade nos últimos quatro anos, a denunciar as negociatas, a fazer propostas sobre habitação, sobre transportes, mas sou o candidato que fica nos quatro anos seguintes."

A concorrência ao Bloco passa também pelo PCP. João Ferreira, o candidato comunista que é vereador mas também eurodeputado, é um adversário com mais notoriedade do que o próprio Robles. A CDU tem tradição eleitoral na cidade, já pertenceu aos executivos de Jorge Sampaio e de João Soares. É uma vantagem? Robles concorda, mas contrapõe com a história de 16 anos de candidaturas, desde Miguel Portas, em 2001. “Em todos estes ciclos eleitorais temos vindo a aprender e estamos com um bom balanço, um bom lastro para fazer uma boa campanha. Temos um bom programa e acho que as pessoas vão reconhecer isso e essa diferença vai-se notar”, diz o candidato bloquista.

Passamos por um carro tapado por um tecido colorido. Parece uma escultura de Joana Vasconcelos. “Um croché”, aponta. O que Robles não aponta é para grandes críticas à assiduidade do vereador comunista, porque João Ferreira se divide entre Lisboa e Bruxelas e não consegue estar em todas as reuniões de câmara. “Foi ele que disse que não esteve em todas as reuniões e por vezes não está em Lisboa e não pode estar presente”. O mais longe que vai é para dizer que o município deve ser a prioridade dos candidatos: “Não sei se o João Ferreira dá ou não prioridade, mas sei que é preciso dar prioridade a Lisboa. Ou seja, Lisboa precisa de vereadores que estejam a tempo inteiro dedicados à cidade”.

Para Robles, a capital não devia ser uma plataforma elevatória de carreiras políticas, como aconteceu, por exemplo, com Jorge Sampaio, Santana Lopes ou António Costa: “Há candidatos que já se posicionaram, dizendo que não vão estar. Assunção Cristas já disse uma entrevista ao DN que faz dois anos de mandato, metade. Acho que isso não é respeitar os lisboetas, os eleitores, a quem apresentamos as nossas ideias e Lisboa não pode ser este trampolim de afirmação dos candidatos.

O esquerdómetro de Costa e Medina: “Não vou fazer de professor Marcelo…”

Ricardo Robles não se compromete com uma viabilização de um executivo de Fernando Medina, de cuja ação é muito crítico

Comparando a câmara de Lisboa com o Governo, não dirá que o Governo não é de esquerda, mas já vi entrevistas suas a duvidar que o executivo de Fernando Medina fosse de esquerda. Em termos de esquerdómetro, como é que mede, de zero a vinte, o Governo e a câmara?
O esquerdómetro mede-se pela política, pela atividade, pelas decisões que são tomadas. Não vou fazer de professor Marcelo como nas suas emissões semanais de avaliação, mas faço uma avaliação do mandato de Fernando Medina. E acho que fez coisas boas e acertadas no sentido de valorizar a cidade. Mas acho que cometeu os erros no que era mais importante não cometer…

Por exemplo…
Por exemplo nas questões da educação: as creches e das escolas. Este é um exemplo que ilustra bem como não se faz um exercício de mandato à esquerda. António Costa quando foi eleito pela primeira vez, em 2007, mandou fazer um levantamento e bem, das necessidades de creches em Lisboa. E chegou à conclusão que eram precisas 60 creches por toda a cidade. E comprometeu-se. Em 2009 disse que as creches eram para fazer no ano seguinte…

"O esquerdómetro mede-se pela política, pela atividade, pelas decisões que são tomadas. Não vou fazer de professor Marcelo como nas suas emissões semanais de avaliação."

Descemos por Campolide, para passarmos debaixo do Arco do Carvalhão. Vamos em direção ao Casal Ventoso para depois entrarmos pelo bairro de Campo de Ourique. São cerca de 11h da manhã. À nossa frente, numa descida, um camião faz descargas. “É um problema grave na cidade que cria muita dificuldades”, reconhece Ricardo Robles. “Uma descarga a decorrer que quase atravessa o Smart ao meio”, comenta. Mas não se esquece do fio de pensamento. Estava a criticar António Costa. Ultrapassado o camião, volta às críticas: “Portanto, António Costa comprometeu-se a fazer no ano seguinte pelo menos 12 creches. Em 2016 estavam feitas 11 das 60 e isso é falhar redondamente…”

Dava-lhe 11 valores, um 10?
Não. Aqui é nota negativa de certeza. Nem aos 50% chegou… Nesta parte do exame foi abaixo de medíocre.

António Costa como primeiro-ministro é melhor do que António Costa como autarca? É uma avaliação política que pode fazer…
António Costa é melhor primeiro-ministro neste acordo com o Bloco de Esquerda do que aquilo que tinha no seu programa eleitoral nas eleições de 2015.

E tem melhor nota do que Fernando Medina? Quem foi o melhor autarca: Costa ou Medina?
São marcas diferentes. Fernando Medina fez dois anos de mandato, fez mais dois como vice-presidente e vereador das Finanças. Assume responsabilidades por todo o mandato. Mas António Costa fez umas eleições intercalares de 2007 e outro mandato a seguir. E esse prolongamento cria uma diferença de afirmação e marca na cidade. Sobretudo, pega numa cidade que estava de rastos: lembramo-nos da cidade de Carmona Rodrigues e de Santana Lopes. Era uma tragédia instalada na cidade. Eram jardins fechados a cadeado.

Estacionar em Campo de Ourique: “A solução tem de passar por trazer o metro para esta zona”

Na subida para o Casal Ventoso, o motor do carro faz um esforço adicional. Aquela zona tinha sido uma das áreas mais degradadas de Lisboa. Mas nem por isso desapareceram dali todos os problemas relacionados com o consumo e o tráfico de drogas. “O que os números dizem é que o problema não está resolvido. Esta é uma zona da cidade em que o problema era gravíssimo: a forma como se resolveu não foi a correta. Foi errada”, critica Ricardo Robles. E aponta para a janela do lado direito: “Criaram-se ali em baixo, na Avenida de Ceuta, guetos autênticos, má qualidade de construção, sem equipamentos, sem infraestruturas”. E aponta: “Havia uma piscina que foi fechada porque foi mal construída, mal equipada. Tratámos estas pessoas que foram realojadas da pior maneira possível. Mas depois não resolvemos o problema da toxicodependência. E a verdade é que a dispersão que resultou desta limpeza no Casal Ventoso foi negativa, ao empurrar o problema para outras zonas da cidade”.

Para o Bloco de Esquerda, as chamadas “salas de chuto” seriam uma maneira de lidar com a toxicodependência mais aguda.”É curioso que há muito tempo que se fala de alternativas mas ninguém tem coragem para as implementar. João Soares falou disso. António Costa falou disso. Fernando Medina falou disso. Até a direita em Lisboa falou disso. Uma sala de consumo assistido é uma das formas“. A conversa sobre as soluções para a toxicodependência prolonga-se por Campo de Ourique. Há carros de um lado e de outro da rua, de forma que é difícil ver os peões quando atravessam uma passadeira.

— Tentar não atropelar os eleitores de Campo de Ourique — adverte o passageiro quando travamos mesmo em cima de uma zebra. E voltamos ao assunto.

“António Costa disse que ia fazer uma sala de consumo assistido na Mouraria. Depois não era na Mouraria e seria na zona do Intendente. Depois veio Fernando Medina e disse: não é no Intendente, vai ser no Lumiar. Andámos a empurrar e nunca criámos estas condições“, aponta. “Criar espaços não é caro. Existem espaços municipais disponíveis. É preciso ter técnicos para poder fazê-lo. Há experiências interessantes na zona do Martim Moniz, o grupo e trabalho da toxicodependência que trabalha na calçada dos Cavaleiros tem um trabalho importante de proximidade, de recolha de seringas e cachimbos para fumar e é preciso falar com estas pessoas perceber as suas dificuldades e necessidades e criar alternativas”, defende.

"António Costa disse que ia fazer uma sala de consumo assistido na Mouraria. Depois não era na Mouraria e seria na zona do Intendente. Depois veio Fernando Medina e disse: não é no Intendente, vai ser no Lumiar. Andámos a empurrar e nunca criámos estas condições"

Estamos em Campo de Ourique, um dos bairros com mais vida e mais apetecíveis do ponto de vista imobiliário, mas tem dois problemas graves. Um é o estacionamento. Outro são os transportes. Como se resolve isto?
Este é um bairro que tem essas características: com comércio local, com vida na rua. Mas tem esses problemas e estão os dois ligados. A primeira solução tem de passar pelos transportes, por trazer o metro para esta zona da cidade. Tenho a certeza absoluta que daria um contributo fundamental à questão do estacionamento no bairro de Campo de Ourique. Ter aqui uma alternativa para estar rapidamente noutras zonas da cidade resolvia uma grande parte deste problema. Depois, neste bairro como noutros da cidade, onde o estacionamento é um inferno, onde os residentes chegam ao final do dia e não têm um sítio onde deixar o carro.

Como é que isso aqui se resolvia? Aqui como noutras zonas da cidade é preciso encontrar espaços: silos em altura, parques, subterrâneos?
Há terrenos que não estão a ser utilizados há muitos anos e é preciso a câmara falar com os proprietários e dizer: há algum projeto para aqui? Se não há, temos uma necessidade de estacionamento. Queremos utilizar isto por 10, 15 ou 20 anos e queremos fazer um protocolo convosco. Ou , então, ir para espaços que são do Estado, os quartéis, algumas escolas, algumas unidades militares. Por exemplo, na Estrela, na freguesia do lado, que é gerida pelo PSD, teve uma iniciativa interessante. O Instituto Hidrográfico tem um parque de estacionamento de 15 ou 20 viaturas. Às sete ou oito da noite, fecha os portões e as pessoas que estão a chegar a casa e olham pelo portão e vêm os lugares vazios. A junta fez um protocolo para que a partir de uma determinada hora, aquele espaço se possa usar. É uma boa ideia. Temos de pensar um bocadinho onde estão esses espaços.

Há carros a mais?
O problema do estacionamento em Lisboa tem uma questão residencial, mas o bolo fundamental são os carros que entram na cidade. Aí é que está a chave para resolver o problema. É preciso evitar que estes 400 mil carros entrem em Lisboa. E aumentaram nos últimos anos. A crise trouxe mais carros para Lisboa.

Disse numa entrevista que poderiam ter de se criar fortes restrições à entrada de carros em Lisboa. Seria através do quê? Soluções com matrículas pares e ímpares? Uma taxa para entrar na cidade? É a favor destas medidas radicais?
Não. Falei mais em soluções do que em restrições. O PS implementou aquela coisa de os carros a partir de uma determinada data não entrarem em certas zonas da cidade. Não vi ninguém a ser fiscalizado sobre esta medida. Tenho algumas dúvidas sobre essas medidas. Em algumas cidades da Europa isso é feito: em Paris, por exemplo. Mas acho que são medidas limite, onde não devemos chegar. Acho que devemos ir ao limite da cidade, aos interfaces dos transportes e dizer a que quem vem estudar ou trabalhar: tem aqui uma alternativa rápida, barata e de qualidade que é deixar o carro num parque dissuasor.

Há muitos anos que toda a gente defende disso…
Fernando Medina volta a chumbar no exame. Tem menos de 5 valores. Porque não foi prioridade. Medina e o PS em Lisboa tiveram 10 anos. Fui confirmar agora aos programas do PS em Lisboa e falavam nisto. Parques dissuasores na periferia. Porque é que nunca foi implementado? E agora, a três meses das autárquicas foram anunciados 3 mil e tal lugares. Tem de ser uma prioridade.

Paramos para fazer fotografias e verificar o material perto da Basílica da Estrela e a seguir descemos pela Calçada até à Rua de São Bento. O carro trepida na estrada esburacada como em nenhuma outra parte do percurso. O pavimento em Lisboa já foi pior, mas esta rua continua a ser um mau exemplo. Robles reconhece que “este executivo fez um plano grande de repavimentação e conseguiu em alguma das vias recuperá-las”. Mas nem todos os problemas foram eliminados: “Continua a haver problemas em algumas vias mais íngremes e com carris, que cria um problema de segurança também para carros e motociclos”.

Paramos num sinal vermelho atrás de um elétrico, mote para o candidato dar um novo salto na conversa: “Aqui temos a passagem de um 28 que vai ali à frente, carregadinho que nem uma lata de sardinhas. Carregadinho de turistas, com alguns residentes, mas poucos”.

Sabe quanto custa um bilhete de bordo do 28?
Uso passe e, portanto… mas sei que é caríssimo, porque amigos meus me têm falado, julgo que é dois euros e qualquer coisa… não tenho a certeza…

Dois euros e noventa… Quase três euros. Quem não tenha passe e queira usar este transporte com um ou dois filhos mais vale ir de táxi.
Exatamente. Não é propriamente amigo dos utilizadores esporádicos…

Ou então ir de carro…
Estávamos a falar do aumento do número de carros, tem a ver com isso também. Quem tinha crianças para levar à escola e cada passe custava 36 euros, se for uma família de quatro cria uma percentagem do orçamento familiar brutal.

Por um lado os transportes são caros, por outro, as empresas são muito deficitárias. Há aqui um problema de compatibilização de uma coisa com outra…
Sim, mas se conseguirmos captar mais passageiros conseguimos compensar essa diminuição de receitas. Diminuir o valor dos passes e essa será uma das nossas propostas, permite captar mais passageiros e ter mais receita.

Mas essa é uma expetativa não garantida.
Já temos esses dados. A diminuição do valor do passe na Carris que entrou a vigor a 1 de fevereiro já permitiu captar julgo que 40 mil seniores. Dá uma garantia de que, facilitando-se o acesso e melhorando a qualidade e diminuindo o preço do passe, o aumento do número de passageiros aumenta. Os transportes ou funcionam com muita gente ou ficam muito deficitários.

Pressão turística: “É errado achar-se que se pode controlar o turismo”

Estamos a subir a rua do Poço dos Negros e vamos entrar na Calçada do Combro. Aqui começamos a sentir a pressão do turismo na cidade. O BE já falou em aumentar a taxa turística para o dobro, para dois euros, mas que não reverta para o Fundo de Desenvolvimento Turístico, mas para investimento em transportes e para habitação a custos controlados. Ricardo Robles diz que isso “não é uma forma de controlar o turismo”, por ser “errado achar-se que se pode controlar o turismo. É importante para a economia da cidade e vai continuar a crescer”. Não há perspetiva de essa pressão se desvanecer. “É um dado adquirido”, admite o candidato. “Não há nada que a câmara possa fazer, uma cancela ou uma porta que feche” para estancar o afluxo de turistas. Nem sequer é desejável, alega Robles, enquanto atravessamos o Chiado, entre elétricos, tuk-tuks, turistas e lisboetas. “É desejável” — continua a bloquista — “que não se tenha uma posição como a de Fernando Medina que é não saber o que é turismo a mais”.

Para o Bloco de Esquerda, o problema é “não preparar a cidade para o turismo. É preciso prepará-la”. E então desfia as questões relacionadas sobretudo com a habitação: “Esta zona da cidade, em Santa Maria Maior, Misericórdia, Santo António, São Vicente, as freguesias históricas, têm uma densidade de transformação de habitação permanente em habitação de turismo que é muito forte e não pode continuar descontrolada como está. Temos de ter regras. Há um presidente da câmara que acha que sem regras é a melhor forma de gerir a cidade“. Entretanto, do outro lado da rua, passa um jovem vestido com roupas do século XVIII, e comentamos se é mais uma espécie de Mozart ou de Marquês de Pombal.

"A nossa proposta é diferenciar o alojamento local do turismo habitacional. O turismo local é voltar ao princípio da partilha da casa, que deu início a esta ideia. Outra coisa é: comprei uma casa exclusivamente para alugar a turistas."

Aqui no Chiado temos uma série de tuk-tuks ali. Há um excesso? Está bem distribuído e regulamentado?
Foi a pressão pública, dos moradores, que fez com que se criassem algumas regras. A inibição da passagem dos tuk-tuks em algumas zonas da cidade é uma boa ideia para garantir o descanso dos moradores e o descongestionamento do trânsito. A passagem para tuk-tuks elétricos é que não está a ser cumprida na totalidade, mas foi uma boa ideia.

As outras regras que faltam têm a ver com o alojamento local?
Sim, aqui na freguesia de Santa Maria Maior, onde estamos, uma em cada cinco casas, 20% do parque habitacional já está dedicado ao alojamento local. Do que conhecemos. Porque há muito que não está legalizado e registado. Se bem que houve agora uma alteração na legislação para que nas plataformas só pudessem aparecer casas que estão licenciadas.

A vossa proposta é taxar o alojamento local igual à hotelaria. Porquê?
A nossa proposta é diferenciar o alojamento local do turismo habitacional. O turismo local é voltar ao princípio da partilha da casa, que deu início a esta ideia. Tenho uma casa em Lisboa e recebo alguém num quarto livre e cobro por isso. Isto é alojamento local. Outra coisa é: comprei uma casa exclusivamente para alugar a turistas, faço disso uma atividade de hotelaria, presto um serviço a turistas. Isso tem de ser tratado e licenciado de outra maneira. E nas zonas de maior pressão, tanto nesse turismo habitacional como na hotelaria deve haver quotas. Deve haver um limite de área de número de fogos afetados para o turismo. O vereador Manuel Salgado disse há umas semanas na Assembleia Municipal que tinha licenciado 33 hotéis nos últimos dois anos, o equivalente a 150 mil metros quadrados de construção.

Isso é mau? Os hotéis não influenciam a questão do arrendamento, por exemplo.
Influenciam a disponibilidade de habitação. A câmara teve um programa de venda de património absolutamente errado e catastrófico. Um deles foi o Reabilita Primeiro, Paga Depois, e vendeu nos últimos anos 100 prédios em Lisboa, sem nenhuma condição. Há prédios que foram para um hotel, ou para alojamento local ou puramente para especulação. Temos muitos casos desses e a câmara não criou uma regra para defender e preservar a habitação em Lisboa. A hotelaria também cria essa pressão: é a transformação de prédios habitacionais em prédios de hotelaria.

Atravessamos, a medo, uns semáforos na Baixa que parecem desligados, para virarmos na Rua da Madalena em direção ao Martim Moniz. Na conversa sobre habitação, Robles explica como o Bloco defende há anos que “deve refletir-se no PDM a obrigatoriedade, sempre que há construção nova ou uma grande ação de reabilitação, de reservar 25% ou uma percentagem a definir de fogos a custos controlados”. Seria, reconhece, uma das condições que poderia colocar para, eventualmente, viabilizar um executivo de Fernando Medina.

À chegada ao Martim Moniz, duas filas enormes: uma com mais de 15 tuk-tuks à esquerda e outra com umas centenas de pessoas à direita, que fazem fila ao sol à espera de um elétrico que as leve, à primeira vista, parecem maioritariamente turistas. O deputado municipal comenta com ironia: “Ou a câmara mexe e melhora o sistema de elétricos ou põe aqui médicos a tratar da insolação destas pessoas porque estas estão muitas horas aqui ao sol com riscos de queimaduras de terceiro grau”.

"Fui confirmar agora aos programas do PS em Lisboa e falavam nisto. Parques dissuasores na periferia. Porque é que nunca foi implementado?"

Daquele lado é o Intendente. Acha que resultou a recuperação desta zona, que se abriu à cidade e deixou de ser um gueto de marginalidade?
A câmara tem tido essa estratégia. Requalificação do espaço público. É importante, sim. Mas a requalificação do espaço público, só por si, não é a garantia de uma cidade melhor. Aquele largo tem mais espaços, está arranjado, tem um pequeno jardim da Joana Vasconcelos com uma escultura no centro. Mas o fundamental aqui é: o que é que a câmara fez para haver lisboetas a viver naquela zona e a desfrutar daquilo? Nada. Foi o contrário do que devia ter feito.

Mas depois o mercado não funciona? A zona abre, e depois os próprios privados como a zona é apetecível, passa a ser uma zona mais interessante para viver.
Certo. Mas se passarmos pelo Largo do Intendente verá que há muita requalificação em curso. Estive lá o outro dia num debate e um dos prédios em requalificação tem uma grande tela de uma empresa disponível para a promoção e venda. Aquele prédio foi anunciado há uns anos que seria uma residência universitária. A câmara ia fazer um protocolo para uma residência universitária. Hoje é um empreendimento de luxo que tem apartamentos T1 e T2 a 500 e a 600 mil euros. Isto cria uma cidade injusta. Nem toda a gente pode usufruir daquele espaço requalificado.

Estamos a passar na Rua de São Lázaro, e o BE é crítico aqui de uma Parceria Público-Privada (PPP) para habitação. Resultando, qual o problema de ser uma parceria com privados?
Os problemas das PPP o país já os conhece. Tivemos PPP nas saúde, nas estradas, nas pontes, nas águas. E agora no SIRESP. Os resultados foram sempre muito maus e os portugueses e os lisboetas estão escaldados. Agora vamos ter esta inovação de PPP na habitação. Errado. Neste caso é praticamente metade da rua. São 178 habitações. E 30% destas habitações, 52 fogos, são entregues aos privados. Temos uma carência enorme de habitações. Estes apartamentos entregues aos privados deviam estar nas mãos do município para servir o município na política de habitação.

Mas uma parte é. Não é positivo uma parte equilibrar e financiar a outra? Não pode ser uma solução interessante compatibilizar o mercado com as necessidades públicas?
Não achamos interessante porque as necessidades são de tal forma grandes que não é possível ceder uma parte grande, um terço aos privados. Esta cedência aos privados vai resultar no carrossel da especulação. Novamente, exclusão de quem não consegue viver em Lisboa. Deve ser um investimento público e não uma PPP.

Acabamos o percurso no Campo Mártires da Pátria. Apesar de o histórico não ser favorável, Ricardo Robles não acha que será mais um mártir do Bloco de Esquerda em Lisboa e ainda acredita que pode chegar a vereador: “Acho que o BE vai ter um bom resultado nestas eleições, vamos eleger e isso vai fazer muita diferença.” Ao nosso lado, num campo de jogos arranjado recentemente, grupos de jovens jogam futebol e basquetebol.

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