O dia ainda estava a nascer, os termómetros marcavam dois graus e junto ao portão verde do Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da Câmara Municipal do Porto, onde este domingo 13.280 pessoas vão votar antecipadamente para as eleições presidenciais, a fila começava a formar-se pelas 7h30. Vários elementos da Polícia Municipal gerem o trânsito e orientam o estacionamento para o parque aberto especialmente para a ocasião e há quem já tire o cartão do cidadão da carteira e uma caneta para acelerar o processo.
Às 8h em ponto o portão abre-se e todos entram ordeiramente subindo uma rampa íngreme até a uma pequena tenda de informações. É aqui que os eleitores são informados do número da sua mesa de voto e reencaminhados para o local certo. Há 22 mesas disponíveis, distribuídas por um pavilhão e duas tendas instaladas num campo de futebol sintético. Este domingo, as bancadas brancas estão vazias, as balizas foram unidas por cadeados e o chão foi pincelado de setas azuis que indicam a distância social recomendada e o trajeto para entrar e sair do recinto.
Nos primeiros minutos de votação, há quem escorregue e acabe mesmo cair junto à entrada de uma das tendas, chamando imediatamente a atenção de dois dos 30 colaboradores da autarquia que se encontram a trabalhar no espaço. O piso está húmido e escorregadio pelo gelo que se formou durante a noite e que agora começa a derreter. “Tenham cuidado ao descer”, ouve-se no meio de algumas recomendações. Várias funcionárias de limpeza, de balde e esfregona na mão, asseguram que o episódio não se volta a repetir e garantem também a higienização das quatro casas de banho disponíveis no recinto, após cada utilização.
No interior das tendas e do pavilhão há baldes de plástico que amparam as gotas que chegam do teto, avisos para que o percurso nessas zonas se altere, dispensadores de álcool gel, aquecedores para fintar o frio e vasos com plantas. Em cada mesa de voto estão pelo menos cinco pessoas que orientam um processo que se quer ágil e dinâmico. “Foi muito simples, está tudo bastante organizado, praticamente só esperei na fila para entrar”, conta ao Observador Laura Apolinário, acrescentando que optou pelo voto antecipado por uma questão de mobilidade. “Não estou na freguesia onde fui registada como eleitora, então aproveitei esta alternativa. Preferi vir de manhã para ter o resto do dia livre, mas parece que muitos tiveram a mesma ideia que eu.”
António Santos fez o mesmo, mas por outros motivos. “Estou a estudar ciência de computadores no Porto, como é época de exames não faz sentido ir a casa, por isso decidi votar cá.” De mochila às costas e gorro na cabeça, o jovem aconselha “vivamente” esta opção. “Da inscrição online à votação propriamente dita, acho que mais fácil é impossível”, garante.
Não fosse o álcool gel e as luvas em cima das mesas, a obrigatoriedade da máscara no rosto e a necessidade de ter uma caneta própria, e a mecânica de voto era semelhante a tantas outras eleições. Após ser registado o nome do eleitor, é lhe entregue o boletim de voto e um envelope branco. Depois de preenchido e selado, o envelope é colocado num outro envelope, maior e azul, e colocado na caixa de voto. Apesar das recomendações, muitas caixas encontram-se abertas, sem tampa, pois o envelope final é maior do que a ranhura. No fim do processo, os eleitores levam uma tira de papel que comprova que o seu voto foi realizado.
Se uns chegam equipados desportivamente e interrompem o jogging matinal para exercer o seu direito de voto, outros aproveitam o momento para o tornar familiar, levando crianças pela mão. Francisco Campos está com pressa e explica porquê. “A minha filha estuda no estrangeiro, vai hoje viajar hoje e quis votar mais cedo, aproveitei e vim com ela”, conta ao Observador já perto da saída. O portuense assegura que votar antecipadamente é um ato de responsabilidade. “Quanto mais gente votar hoje melhor, menos tráfego existirá no próximo domingo.” Sobre o facto de a campanha eleitoral continuar a decorrer, Francisco afirma que esse não é um problema. “Já estava suficientemente esclarecido e não é mais uma semana de campanha que iria alterar a minha intenção de voto.”
Cátia Ferreira teve o mesmo receio. “Sei que a campanha ainda não acabou, pensei nisso. Numa semana pode acontecer muita coisa que pode alterar a minha opinião, mas, avaliando os prós e os contras, decidi arriscar.” Foi a primeira vez que optou por esta alternativa, não é natural do Porto e demorou 20 minutos a votar. “Não sou de cá, mas aproveitei a mobilidade para evitar aglomerações. Estou habituada a votar em salas de aula nas escolas, aqui é diferente, mas senti-me igualmente segura.”
À medida que a manhã avança, ouvem-se as buzinas dos dois carros de golfe que circulam pelo recinto, pedindo espaço para realizarem algumas manobras difíceis. “Servem para transportar pessoas idosas, com mobilidade reduzida ou grávidas”, explica Adolfo Sousa, que preside às mesas de voto. Quem necessitar deste serviço pode e deve solicitá-lo à entrada do Centro Cultural e Desportivo, tendo a oportunidade de entrar de carro e ter prioridade em todas as filas. “Temos também uma ambulância e elementos dos Bombeiros Sapadores do Porto para disponibilizar cadeiras de rodas, prestar primeiros socorros ou, se necessário, transportar alguém para o hospital”, acrescenta o responsável.
As filas começam a crescer, provando a grande afluência, e numa delas avista-se Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, natural do Porto. Paulo Pedrosa está a uns metros à sua frente e, apesar do tempo de espera, elogia a organização “perfeita”. “Até trouxe duas canetas, se uma falhar ou se perder”, confidencia ao Observador, acrescentando que é graças à pandemia que vota antes da data oficial pela primeira vez. “É essencialmente pela situação em que vivemos. Vim de manhã porque de tarde acho que a fila será maior, de qualquer forma, não há mesmo desculpas para não votar.”
“Já há fila a esta hora?”; “No supermercado também esperamos, não é?”; “Está frio, mas ainda bem que não chove”; “Espera por mim no portão, pode ser que ainda dê para tomarmos um cafezinho”, ouvia-se nas filas para as mesas de voto, cujo tempo de espera já ultrapassava uma hora perto das 12h.
Ana Rocha procura um espaço ao sol para esperar que outros elementos da sua família acabem de votar. Já conhece os cantos à casa e não se perde no caminho, até porque votar antecipadamente no Porto não é propriamente uma novidade para si. “Já votei aqui várias vezes por não estar em Portugal no dia das eleições. Este ano pareceu-me importante pela pandemia e porque acho que no próximo domingo estará muito mais gente.” Arrumou o assunto antes da hora do almoço, pois pretende aproveitar o resto do dia, ainda que seja em casa confinada. “Espero que a abstenção diminua, seria importante para o país”, diz otimista.