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Aos 65 anos, Rui Moreira é julgado pelo crime de prevaricação, em concurso aparente com abuso de poder, incorrendo ainda a perda de mandato
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Aos 65 anos, Rui Moreira é julgado pelo crime de prevaricação, em concurso aparente com abuso de poder, incorrendo ainda a perda de mandato

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Aos 65 anos, Rui Moreira é julgado pelo crime de prevaricação, em concurso aparente com abuso de poder, incorrendo ainda a perda de mandato

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Caso Selminho. Os argumentos no caso que implica Rui Moreira e a procuração de que muitos não ouviram falar

Quatro testemunhas dizem desconhecer a procuração passada por Rui Moreira, em 2013, que dá poderes especiais ao advogado da câmara para negociar com a Selminho. O que já se sabe e o que falta saber?

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Em três dias foram ouvidas 16 das 20 testemunhas arroladas pelo Ministério Público, que em dezembro do ano passado acusou Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, do crime de prevaricação. O autarca arrisca, ainda, a perda de mandato por, alegadamente, ter favorecido a imobiliária da sua família, da qual era sócio, durante o seu primeiro mandato, em 2013, em detrimento da autarquia. Na base do processo está o negócio de terrenos na escarpa da Arrábida, cujo conflito judicial opunha há vários anos a câmara à imobiliária Selminho.

No Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, ouviram-se sobretudo antigos elementos da autarquia — o ex-chefe de gabinete de Moreira, ex-diretores dos serviços jurídicos, o advogado que representou a Câmara no diferendo com a empresa. Testemunhas que explicaram como ficaram a saber da relação familiar que Rui Moreira tinha com a Selminho, falaram da procuração forense assinada pelo próprio e detalharam o acordo final, assinado em julho de 2014, entre a câmara e a imobiliária.

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O julgamento prossegue no próximo dia 24 de novembro, com testemunhas de defesa como Pedro Baganha, atual vereador do Urbanismo, Gonçalo Gonçalves, antigo vereador da mesma pasta, e Paulo Morais, vice-presidente da autarquia entre 2002 a 2005. Estão ainda por agendar as datas para as alegações finais e para a leitura do acórdão.

A ligação familiar de que ninguém sabia na câmara — e que Azeredo Lopes pensava ser óbvia

A luta judicial entre a Câmara Municipal do Porto e a empresa Selminho começou em 2005 e Pedro Neves de Sousa, advogado externo contratado para representar a autarquia, pegou no processo Selminho a partir de 2011, ainda com Rui Rio como autarca. Rui Moreira é eleito em setembro de 2013 e o advogado disse em tribunal que, nesse momento, desconhecia as ligações familiares de Moreira à imobiliária, tendo tido conhecimento dessa relação apenas em 2014, quando é formalizado o acordo entre a autarquia e a Selminho.

Neves de Sousa conta que, assim que soube da relação de Rui Moreira com a imobiliária, “imediatamente alertou” as diretoras da divisão de contencioso e dos serviços jurídicos do município. Segundo a testemunha, ambas as responsáveis também desconheciam a relação e ficaram “tão surpreendidas” quanto o advogado.

Também Azeredo Lopes, chefe de gabinete de Rui Moreira à data, garantiu ao procurador do Ministério Público, Nuno Serdoura, que só soube da ligação do presidente com a Selminho no momento em que este lhe pediu uma opinião sobre se devia ou não assinar uma procuração urgente que envolvia o nome da empresa, em novembro de 2013. “[Rui Moreira] Entrou no meu gabinete e disse que tinha uma procuração para assinar, porque lhe diziam que era muito urgente, mas que tinha lá o nome de uma empresa da sua família. Não me passava pela cabeça que, ao fim de não sei quantos anos, quem elaborou a procuração não soubesse ainda o que era ou de quem era a Selminho”, referiu.

Azeredo Lopes vai mais longe e diz mesmo não achar “concebível” que os serviços camarários não soubessem de quem era a imobiliária. “Sendo um caso que estava há bastante tempo dentro da câmara, a minha convicção é a de que toda a gente sabia. Estava absolutamente convencido de que era impossível não saber (…) O Porto é uma cidade bastante pequena, não estamos a falar de uma pessoa anónima nem de uma família anónima. Não me pareceu concebível que ninguém soubesse na câmara que a Selminho estava ligada à família do dr. Rui Moreira.”

Caso Selminho. “Não me passava pela cabeça que quem elaborou a procuração não soubesse de quem era a Selminho”, diz Azeredo Lopes

Apesar da convicção de Azeredo Lopes, as testemunhas mais relevantes ouvidas na primeira semana de julgamento garantem que desconheciam essa ligação. Foi isso mesmo que disse a antiga diretora municipal da presidência e antiga diretora do departamento jurídico. Raquel Maia disse que desconhecia esse dado até ao dia — que não soube precisar — em que o advogado Pedro Neves de Sousa, a quem Rui Moreira passou a procuração com poderes especiais para representar o município no litígio judicial que opunha a imobiliária à autarquia, foi ter consigo e lhe transmitiu essa informação.

Guilhermina Rego foi vice-presidente da câmara municipal do Porto durante o primeiro mandato de Moreira e recorda que soube que o processo Selminho envolvia o presidente da câmara numa reunião, no início de 2014. “Em janeiro de 2014, a dra. Raquel Maia, acompanhada pelo advogado Pedro Neves de Sousa, foram ao meu gabinete e informaram-me de que havia um processo entre a câmara e uma empresa com ligações familiares ao presidente, que era um processo antigo e que, nesse sentido, poderia ter que passar uma procuração porque o dr. Rui Moreira estava impedido de o fazer”, declarou.

Já Anabela Monteiro, diretora do serviço de contencioso da câmara do Porto até 2014, garantiu que só quando começou a trabalhar no acordo entre a autarquia e a Selminho ficou a saber que o presidente estaria impedido de o formalizar, uma vez que a empresa pertencia à sua família. “Soube da ligação quando o advogado me falou. Falou quando começámos a trabalhar no acordo, em junho ou julho”.

A procuração assinada por Moreira que muitos não conhecem

Mas o desconhecimento sobre peças relevantes do processo Câmara do Porto-Selminho não se esgota na relação entre o autarca e a empresa da família. Com uma procuração de poderes gerais para conduzir o caso, e que lhe fora passada ainda pelo ex-presidente da Câmara Municipal do Porto Rui Rio, Pedro Neves de Sousa deu algum contexto sobre uma outra procuração, assinada por Rui Moreira. Documento que terá escapado aos radares de muitos dos intervenientes no processo.

O advogado explicou em tribunal que, devido a uma alteração à lei, a 22 de novembro de 2013 pediu aos serviços jurídicos da câmara do Porto uma nova procuração — essa com poderes especiais — para que pudesse representar a autarquia numa audiência prévia, em janeiro de 2014, onde começou a ser negociado o acordo entre o município e a imobiliária.

A procuração forense foi alegadamente elaborada pelos serviços responsáveis da autarquia e chegou à secretária de Rui Moreira entre muitos outros documentos que exigiam a sua assinatura. “Quando leio a procuração, está lá referido especificamente o nome Selminho e, em função disso, sabendo da ligação indireta que tinha com a empresa, dirigi-me ao meu chefe de gabinete (…) A minha única preocupação, quando li aquela procuração, foi ver lá o nome da Selminho, acendeu-me uma luz amarela”, afirmou o autarca em tribunal.

Caso Selminho. “Não me passava pela cabeça que quem elaborou a procuração não soubesse de quem era a Selminho”, diz Azeredo Lopes

Confrontado com essa questão, Azeredo Lopes, ex-chefe de gabinete de Rui Moreira, confirmou ter dados indicações para que o autarca assinasse o documento, porque acreditava que, se não o fizesse, isso poderia ser prejudicial para a câmara. “Eles [serviços jurídicos] entendem que é necessário que assines para evitar que a câmara deixe de estar representada em tribunal. Se não assinares, isto pode até ser interpretado contra ti. Foi basicamente isso que transmiti ao presidente.”

No entanto, o também ex-ministro da Defesa revelou desconhecer a “natureza da procuração”. “Desconhecia que era uma procuração com poderes especiais e que tinha sido pedida especificamente para aquele efeito [negociação], não sendo válida a procuração passada pelo anterior presidente”, Rui Rio.

Em tribunal, Azeredo Lopes confessou ter partido do pressuposto errado de que a procuração tinha apenas a finalidade de representação do município, “sem qualquer poder de controlo ou decisão”, não tendo lido que se tratava de um documento que atribui poderes especiais ao advogado da câmara, Pedro Neves de Sousa. Ainda assim, a 28 de novembro de 2013, Rui Moreira passa essa procuração, um documento que acaba por estar na origem do caso Selminho e que o autarca confessou em tribunal ter sido “incauto” assinar.

“Desconheço em absoluto essa procuração. Se ela é de 28 de novembro [de 2013] como é referido, eu ainda estava em funções e não conheço essa procuração. O departamento jurídico e contencioso devia estar envolvido neste processo e não foi.”
Miguel Queirós, antigo responsável pelo departamento da câmara do Porto

Um documento fulcral no processo, mas de que vários responsáveis da autarquia dizem agora não ter tido conhecimento. Entre eles, o então diretor municipal do departamento jurídico do município. Miguel Queirós disse ao coletivo de juízes que, entre fins de setembro de 2013 e 11 de dezembro de 2013, desconhecia “em absoluto” a procuração em causa. “Desconheço em absoluto essa procuração. Se ela é de 28 de novembro [de 2013], como é referido, eu ainda estava em funções e não conheço essa procuração. O departamento jurídico e contencioso devia estar envolvido neste processo e não foi”, declarou Miguel Queirós.

Raquel Maia, ex-diretora municipal da presidência e antiga chefe do departamento jurídico, sugeriu a Rui Moreira que se declarasse impedido no processo e garantiu ao procurador não ter tido “qualquer acesso” à procuração forense assinada pelo então presidente. Já Anabela Monteiro, diretora da divisão municipal do contencioso até 2014, jurou não se recordar da existência do mesmo documento. “Muito francamente, não me recordo em concreto dessa procuração. Quem elaborava a procuração era o secretariado, em articulação com o solicitador,”, afirmou em resposta ao procurador do Ministério Público.

A antiga vice-presidente da autarquia do Porto, Guilhermina Rego, também disse desconhecer a procuração que dava plenos poderes ao advogado da câmara no processo Selminho. “Não me foi dito da existência de uma procuração.”

O acordo com a Selminho que todos garantem ter sido “a melhor solução” para o município

O Ministério Público avançou com a acusação contra Rui Moreira por estar convicto de que, com uma “atuação criminosa”, o autarca do Porto lesou o interesse público em benefício dos interesses da empresa da família no ramo imobiliário, a Selminho. Um entendimento que contraste com os vários intervenientes no processo ligados à autarquia.

O advogado responsável pelo caso desde 2011 declarou em audiência que o objetivo do processo foi “sempre no sentido de chegar à acordo com a Selminho”. O acordo final com a imobiliária previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, através da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) em curso, ou se isso não fosse possível, indemnizar a Selminho num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao pagamento de alguma indemnização.

Ao falar pela primeira vez, Pedro Neves de Sousa deixou claro que os serviços urbanísticos da câmara “nunca fecharam a porta” à possibilidade de edificabilidade na escarpa da Arrábida. “A decisão passou muito pela posição do Urbanismo. Pela convicção de que, em sede de revisão do PDM, iam ser acolhidas as pretensões da Selminho”, explicou Pedro Neves de Sousa, acrescentando que o documento “não se comprometeu com a alteração do PDM, diz apenas que é expectável que isso venha a acontecer”.

Esta versão foi confirmada por Raquel Maia, antiga diretora dos serviços jurídicos, que em tribunal revelou que as linhas gerais do acordo “já vinham de trás”, ou seja, tinham sido elaboradas no anterior mandato, e incluíam os pareceres dos serviços do urbanismo que admitiam acolher as intenções da imobiliária de construir naqueles terrenos. “O acordo foi feito com base na informação do Urbanismo”, garantiu.

“A decisão passou muito pela posição do urbanismo. Pela convicção de que, em sede de revisão do PDM, iam ser acolhidas as pretensões da Selminho."
Pedro Neves de Sousa, advogado da Câmara Municipal do Porto

Em abril de 2014, a pedido do advogado, Anabela Monteiro, antiga responsável pelo contencioso da câmara, pediu informações aos técnicos do departamento do Urbanismo que “davam abertura à pretensão da Selminho” de construir naqueles terrenos. “Ninguém contesta sem ter uma informação técnica. Os serviços do Urbanismo tinham dado abertura para que isso viesse a acontecer.”

Depois de fechado o acordo, Anabela Monteiro conta que tomou conhecimento de que Rui Moreira estava impedido no processo e, por isso, recorda uma reunião onde esteve presente com o advogado da autarquia e a vice-presidente, Guilhermina Rego. “Explicámos à vice-presidente que, do ponto de vista jurídico, o acordo nos parecia uma boa solução para a câmara, existiam pareceres técnicos do Urbanismo e não estava em causa o compromisso do pagamento de qualquer indemnização”.

Guilhermina Rego fala precisamente desse encontro, onde conheceu pela primeira vez os termos do acordo. “Explicaram-me o acordo, dizendo que havia uma ação judicial contra a câmara por parte da Selminho e que havia riscos sérios de perdermos essa ação e, por isso, termos que pagar uma indemnização elevada. Disseram-me ainda que havia todas as condições para assinar o acordo”, recorda, acrescentando que “já em 2012 se apontava para que as pretensões da Selminho pudessem ser acolhidas em sede de revisão do Plano Diretor Municipal”.

Sobre as cláusulas em causa, a antiga vice-presidente da câmara garante que não as alterou. “Nunca opinei sobre o acordo, explicaram-me que era a melhor solução para o município. Tive o cuidado de perguntar se os serviços jurídicos e urbanísticos concordavam para dar seguimento. Estava convicta de que estava a “defender os interesses” da autarquia.

O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira

Rui Moreira à porta do Tribunal Criminal São João Novo, no Porto, onde tem marcado presença em todas as sessões, prometendo prestar declarações no fim do julgamento

LUSA

A intervenção de Rui Moreira no processo que todos refutam

Além da “atuação criminosa” que aponta a Rui Moreira, a acusação do Ministério Público defende que o autarca interveio “num processo judicial em que beneficiou a empresa Selminho e depois em toda a ocultação desta atuação”. Ouvidos pelos tribunal, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público contestaram essa versão dos factos.

“Não posso ser mais claro que isto: nunca falei com o dr. Rui Moreira antes, durante ou depois sobre este processo, nem sobre outros (…) Teria sido muito grave se tivesse recebido instruções por parte do dr. Rui Moreira. Não sou advogado do dr. Rui Moreira, sou advogado do município”, disse o representa da câmara, Pedro Neves Sousa. Na mesma linha, o advogado garante: “Da minha parte, nunca senti que houvesse algum tipo de pressão nem que a posição do município tivesse sido alterada pela ligação do presidente à Selminho”.

"O presidente da câmara nunca me disse assine ou não assine, concorde ou não concorde, faça ou não faça. Assim como nenhum dos serviços me disse que estavam agir por ordens de A ou B.”
Guilhermina Rego, vice-presidente da autarquia do Porto entre 2013 e 2017

Em resposta ao advogado de defesa, Tiago Rodrigues Bastos, também Raquel Maia, ex-chefe do departamento jurídico da autarquia, garantiu não ter cedido a qualquer orientação por parte de Moreira durante todo o processo. “Durante o tempo que acompanhei o processo, não houve uma conversa ou discussão com o presidente. Não houve nenhuma tentativa do dr. Rui Moreira em intervir no processo, nem eu permitia que isso acontecesse. Não segui nenhuma instrução, nem do presidente nem do chefe de gabinete.”

Também Guilhermina Rego, antiga vice-presidente, nega qualquer interferência do atual autarca no processo. “Não houve diálogo nenhum. Apenas transmiti ao dr. Rui Moreira, por uma questão de lealdade institucional, que tinha assinado o acordo. O presidente da câmara nunca me disse assine ou não assine, concorde ou não concorde, faça ou não faça. Assim como nenhum dos serviços me disse que estavam agir por ordens de A ou B.”

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