Dos 19 arguidos no processo da rede de tráfico de droga liderada por Rúben Oliveira, conhecido por “Xuxas”, só dois quiseram falar em tribunal. E fizeram-no logo no primeiro dia de julgamento, esta terça-feira. Mas destes dois testemunhos, há um que o Ministério Público considera crucial para provar que “Xuxas” era o líder do grupo: o de Gurvinder Singh. Este arguido, de origem indiana, falou logo no interrogatório inicial e voltou a fazê-lo em tribunal esta semana. As suas palavras podem comprometer Rúben Oliveira – que está preso – e é por isso que existe um acordo com a Polícia Judiciária para a sua proteção.
Ao que o Observador apurou, não foi feito contudo nenhum requerimento para pedir proteção policial – que é, aliás, da exclusiva responsabilidade da PSP. Ficou apenas acordado com Gurvinder Singh que, caso este tivesse algum problema relacionado com a sua segurança, deveria contactar diretamente os elementos da PJ.
Este arguido, que está acusado pelo Ministério Público de um crime de tráfico de droga e de um crime de participação em organização criminosa para o tráfico, já esteve em prisão preventiva e está neste momento em prisão domiciliária, com vigilância eletrónica. Tem permissão para sair de casa apenas para se deslocar para o trabalho.
Tráfico de droga. Rúben Oliveira, conhecido por “Xuxas”, quer falar em tribunal, mas não para já
Gurvinder Singh é proprietário de duas mercearias e de um restaurante e não quis avançar com um requerimento para pedir proteção policial, precisamente porque não queria a presença de agentes junto à loja onde trabalha.
Testemunho de Gurvinder coloca “Xuxas” no centro da rede
É precisamente o negócio de Gurvinder que o liga a Rúben Oliveira e que o levou também a ser acusado pelo Ministério Público. A sua empresa Happy Selection terá servido, descreve o Ministério Público na acusação, para importar fruta, que permitia a entrada de cocaína em Portugal.
Gurvinder e “Xuxas” conhecem-se desde 2009, uma vez que uma das mercearias deste homem de origem indiana fica na mesma rua que a pastelaria de Rúben Oliveira, nos Olivais, em Lisboa. Mas terá sido só em 2020 que surgiu o negócio do tráfico de droga. Para o MP, é claro que Rúben Oliveira queria dissimular a cocaína em fruta importada do Brasil para fugir mais facilmente ao controlo das autoridades. Nesse ano, “Xuxas” terá proposto ao vendedor que fizesse então negócios de importação de papaias e de açaí, sendo que as primeiras encomendas serviriam de teste para que depois fossem feitas as que trariam a cocaína escondida. Aliás, lê-se na acusação, as cargas de açaí que chegaram a Portugal ficaram totalmente destruídas, uma vez que os arguidos as deixaram dentro de uma carrinha, na rua – o que reforça a tese do MP, de que esta carga não seria para venda, mas sim para camuflar a droga.
Já no ano seguinte, defendem os procuradores, começou o verdadeiro plano para a entrada de droga em Portugal, agora já com mais duas pessoas: Luís Ferreira e José Cabral, que são também arguidos neste processo. Mas o plano acabou rápido. A 14 de fevereiro de 2022, quando chegaram ao aeroporto de Lisboa 354 quilos de droga, a Polícia Judiciária já tinha percebido todo o esquema e Gurvinder foi detido no momento em que conduzia uma carrinha, que serviria para carregar a cocaína.
Defesa de “Xuxas” diz não haver prova de um “único negócio” de droga do arguido
Quando Gurvinder foi preso, Rúben Oliveira saiu do país e só foi detido no ano passado. E esta é a importância do testemunho de Gurvinder: que explique como funcionava o esquema de tráfico de droga.
Ainda assim, esta terça-feira, durante a primeira sessão de julgamento, Gurvinder negou ter conhecimento de qualquer negócio relacionado com cocaína e adiantou em tribunal, sem que nenhum dos restantes 18 arguidos estivesse presente – tinham saído todos da sala –, que foi Rúben Oliveira quem o apresentou a José Cabral, e este quem o convenceu a importar açaí e papaias.
E afirmou que deu todos os dados da sua empresa para que Luís Ferreira fizesse as encomendas. “Eu não percebia a burocracia da alfândega, era o Luís que tratava disso e depois entregava-me a fruta”, explicou. Sobre o dia em que chegaram ao aeroporto de Lisboa sete toneladas de papaia, este arguido referiu que não sabia de nada: “Disse que não tinha feito qualquer encomenda, mas ele disse que foi feita em meu nome por ser mais barato e por ser papaia fresca. Então, eu aceitei. Não tinha dinheiro para pagar na alfândega, mas o senhor Cabral lá arranjou 4500 euros, dizendo que eu depois pagava”. Já sobre as três carrinhas que estavam preparadas para ir buscar a encomenda, Gurvinder não conseguiu dar uma explicação, apesar das várias insistências por parte da juíza Filipa Araújo.
Além de Gurvinder, o coletivo ouviu no primeiro dia de julgamento William Cruz, que foi detido também a 14 de fevereiro de 2022. Este arguido explicou que foi abordado por José Cabral para o ajudar a ir buscar uma encomenda ao aeroporto, proposta que aceitou sem questionar. “Responsabilizo o José pela situação em que estou”, disse esta terça-feira, negando ter qualquer relação com este arguido.
Já na segunda sessão de julgamento, esta quarta-feira, foi a vez de ouvir Tiago Manaia, inspetor da Polícia Judiciária, que confirmou os pontos da acusação que resultaram da investigação desta polícia. O inspetor explicou que a rede de tráfico de droga foi identificada a partir de uma apreensão de droga feita no porto de Setúbal e adiantou ainda que os arguidos tinham ligações a Sérgio Carvalho, conhecido como ‘Escobar brasileiro’, tendo este estado em Portugal. Ainda antes de perceberem que esta rede existia, as autoridades apreenderam 400 quilos de cocaína, que chegaram a Setúbal em contentores de ananases. Nessa altura, chegaram então aos nomes de Luís Vicente e Luís Ferreira. A partir daí, surgiram os outros nomes que constam na acusação deduzida pelo MP.
O grupo utilizava a aplicação encriptada EncroChat, tendo a PJ conseguido identificar cerca de 60 mil mensagens trocadas entre vários dos arguidos que tinham como objetivo planear o tráfico de droga. “Estas plataformas operavam no submundo do crime”, acrescentou sobre a aplicação desmantelada em 2020 pela polícia francesa.
Arguidos podem ter proteção policial, caso exista perigo confirmado pelo Serviço de Informações de Segurança
Tal como acontece com as testemunhas, também os arguidos podem ter proteção policial. No caso de alguém que foi acusado pelo Ministério Público, existem duas possibilidades: ou a defesa avança com um requerimento para o juiz responsável pelo processo para que seja avaliado o risco de segurança, ou as próprias autoridades podem colocar essa hipótese.
No entanto, como explicou ao Observador fonte da Direção Nacional da PSP – que tem esta responsabilidade a nível nacional –, o Serviço de Informações de Segurança (SIS) tem sempre de fazer uma análise, que resulta num relatório. Posteriormente, esse documento é analisado pela PSP e é a partir daí que nasce o plano técnico – o número de agentes necessários, a discrição que é preciso ter, ou até se é necessário encontrar outra morada.