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Catalunha. O dia em que Rajoy aplicou a "bomba atómica"

Este sábado, o Conselho de Ministros aprovou as medidas a implementar na Catalunha ao abrigo do artigo 155 da Constituição. Nas ruas esperam-se milhares. Como vai acabar o braço de ferro?

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Título e entrada atualizados às 13h35 de 21 de outubro de 2017, após Rajoy ter anunciado a aplicação do artigo 155 na Catalunha

Desde o referendo de 1 de outubro, a situação na Catalunha tem sido marcada por incertezas e ameaças — mais ou menos vagas — de ambas as partes. Desde a tímida declaração (seguida de suspensão) da independência catalã pelo líder do governo regional, Carles Puigdemont, passando pela troca de cartas crípticas entre Madrid e Barcelona, que em nada serviram para esclarecer se houve ou não declaração de independência, até às ameaças mais recentes dos dois lados — Puigdemont garantiu esta quinta-feira que se Madrid não dialogar leva a declaração de independência a votação no parlamento regional, Rajoy respondeu que irá mesmo ativar o artigo 155 da Constituição espanhola, que lhe permite suspender a autonomia da Catalunha — pouco se sabe em concreto sobre o que será o futuro da região, de Espanha e até da União Europeia.

Este sábado é, por isso, um dia decisivo que pode mudar definitivamente esta situação de incerteza, uma vez que o governo central de Espanha irá dar o primeiro passo concreto, definindo e aprovando os termos em que vai aplicar o polémico artigo 155 da Constituição. E, se Puigdemont cumprir aquilo que prometeu na carta que enviou na quinta-feira a Mariano Rajoy, o parlamento catalão pode mesmo decidir votar a declaração formal de independência da região, acabando com a suspensão em vigor desde o dia 10 de outubro e declarando unilateralmente a independência da região. Isto significa que, em poucas horas, Madrid e Barcelona podem avançar com ações de peso que desde o início do mês têm estado em suspenso.

As ruas de Barcelona têm sido palco de inúmeras manifestações, contra e a favor da independência. Aqui, um protesto a favor da unidade de Espanha (Getty Images)

Getty Images

Durante a manhã e o início da tarde, as atenções vão estar centradas em Madrid. O presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, convocou para as 10h deste sábado (9h em Lisboa), uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros para decidir os termos em que será ativado o artigo 155. Isto porque, esta ferramenta constitucional (conhecida como ‘bomba atómica’), que permite a intervenção do Estado central em áreas habitualmente sob a jurisdição das autoridades regionais, como a saúde, educação ou segurança, nunca foi utilizada antes e tem uma formulação muito vaga, que não define ações concretas:

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1. Se uma Comunidade Autónoma não cumprir as obrigações que a Constituição ou outras leis lhe imponham, ou atuar de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha, o Governo, mediante requerimento ao presidente da Comunidade Autónoma e, em caso de não ser atendido, com a aprovação por maioria absoluta do Senado, poderá adotar as medidas necessárias para obrigar aquela ao cumprimento forçoso das ditas obrigações ou para a proteção do mencionado interesse geral.
2. Para a execução das medidas previstas no número anterior, o Governo poderá dar instruções a todas as autoridades das Comunidades Autónomas.”

As referidas “medidas necessárias” são ainda uma incógnita e podem ter dimensões muito variáveis, desde a emissão de ordens às autoridades locais até, em último recurso, à destituição dos responsáveis políticos da Catalunha. Para o constitucionalista espanhol Xavier Arbós, citado pela BBC, tudo está ainda em aberto. “Simplesmente não sabemos que medidas é que o governo espanhol pode colocar em ação. Não sabemos de que forma os poderes do governo catalão podem ser afetados”, comenta Arbós, recordando que esta é a primeira vez que o artigo é aplicado.

Eleger para (voltar) a reinar?

Algumas informações, contudo, já vão sendo conhecidas. Na sexta-feira, foi já divulgada uma das várias medidas a ser aprovadas no Conselho de Ministros extraordinário deste sábado: a realização de eleições regionais antecipadas na Catalunha, promovidas por Madrid. A medida resulta de um acordo entre o Governo (do Partido Popular) e os socialistas do PSOE, e foi anunciada por Carmen Calvo, a socialista responsável pelas negociações com o Governo sobre a Catalunha. As eleições deverão ser marcadas para janeiro de 2018 ao abrigo do artigo 155 (apesar de algumas discordâncias entre Governo e PSOE sobre a data para o ato eleitoral). O governo catalão já se manifestou contra a medida, com o vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras, a afirmar que esta “não é a melhor maneira de avançar”.

Numa entrevista à TVE na sexta-feira de manhã, Carmen Calvo confirmou também que as medidas a implementar ao abrigo do artigo 155 irão afetar os Mossos d’Esquadra, a força policial da Catalunha, e a TV3, estação de televisão pública catalã, mas não divulgou mais detalhes.

As medidas decididas este sábado resultam de esforços de negociação entre o Governo, o PSOE e o Cidadãos, os dois partidos que apoiam Rajoy na resposta ao independentismo catalão. Apesar do apoio das duas forças políticas ao Governo de Rajoy, a verdade é que o consenso não tem sido fácil na determinação das medidas. O PSOE tem pedido a aplicação de medidas relativamente limitadas que preservem a autonomia da Catalunha. Já o Cidadãos tem defendido uma atuação mais dura do Estado central na região. Em Bruxelas, onde esteve na quinta e sexta para participar no Conselho Europeu, Mariano Rajoy confirmou que chegou a acordo com o PSOE e o Cidadãos, com o objetivo de “voltar ao cumprimento da lei”.

Ainda assim, as medidas terão de ser submetidas à aprovação numa reunião plenária do Senado, a câmara alta do parlamento espanhol, como manda a Constituição. Essa reunião, de acordo com o El País, vai realizar-se na próxima sexta-feira, dia 27, mas será meramente um proforma, uma vez que o PP tem a maioria absoluta no Senado, o que permite ao Governo garantir que qualquer proposta será aprovada. Segundo a Constituição, o presidente do governo catalão, Carles Puigdemont, ainda terá de ser consultado sobre as medidas a pôr em prática, mas tudo indica que o Senado vai aprovar no final da próxima semana a aplicação do artigo 155.

Para dar maior legitimidade à medida, o PP vai apresentar na próxima terça-feira ao Congresso (a câmara baixa do Parlamento) uma moção para que os deputados se pronunciem sobre a ativação daquela ferramenta constitucional. Novamente, a maioria de que o PP dispõe naquela câmara indica que o Parlamento apoiará a medida.

"Simplesmente não sabemos que medidas é que o governo espanhol pode colocar em ação. Não sabemos de que forma os poderes do governo catalão podem ser afetados"
Xavier Arbós, constitucionalista espanhol, à BBC

Na sexta-feira, numa conferência de imprensa em Bruxelas no final de uma reunião do Conselho Europeu, Mariano Rajoy foi perentório nas últimas palavras públicas antes do Conselho de Ministros. “O 155 vai ser acordado amanhã. O Governo fez muitas tentativas para que houvesse uma saída, só pediu uma coisa: um sim ou não sobre se houve declaração de independência. Deu-se-lhes um prazo, deu-se-lhes outro, e criticaram-me por não atuar”, afirmou Rajoy. “Não pode haver uma parte do país em que a lei existe e não se aplica”, rematou.

20 dias de ‘guerra fria’ entre Madrid e Barcelona

O Conselho de Ministros deste sábado põe fim a vinte dias de avanços e recuos, incertezas e ameaças, abrindo um novo capítulo no processo independentista sobre o qual ainda é difícil fazer previsões. O referendo de 1 de outubro, marcado pela intervenção em peso das forças policiais nacionais no território catalão, numa tentativa de impedir a realização da votação, é o argumento das autoridades catalãs para declarar a independência, mas a interpretação dos resultados tem sido feita de forma muito distinta por Madrid e Barcelona.

Segundo os dados oficiais divulgados pela Generalitat da Catalunha, o “sim” à independência obteve 90,18% dos votos, com mais de dois milhões de votos. Já o “não” ficou-se pelos 7,83%, com perto de 178 mil votos. Contudo, apenas participaram 43,03% dos eleitores registados na Catalunha, pelo que o Governo central tem argumentado que o referendo, além de não ser válido pela lei, também não expressa a vontade do povo catalão.

Se a realização do referendo — que o Estado central não conseguiu impedir, apesar de ter recorrido a praticamente todos os mecanismos de que dispunha, desde o Tribunal Constitucional à intervenção policial — levou à fúria do Governo de Mariano Rajoy, os momentos que seguiram foram a gota de água. Puigdemont pediu uma audiência ao parlamento catalão para o dia 9 de outubro, a segunda-feira da semana seguinte ao referendo, mas, temendo uma declaração unilateral de independência, o Tribunal Constitucional suspendeu aquela sessão plenária.

Face à suspensão, Puigdemont pediu uma nova audiência no parlamento para o dia seguinte. Os olhos de todo o mundo voltaram-se naquela terça-feira para o parlamento catalão, mas o movimento apresentado pelo líder catalão não agradou nem aos independentistas nem aos unionistas: Puigdemont declarou a independência, assumindo “o mandato do povo para que a Catalunha se transforme num Estado independente”, mas suspendeu logo de seguida esta decisão “para que nas próximas semanas se comece um diálogo para chegar a uma solução acordada”.

Declaração de independência “suspensa” expõe as divisões da sociedade catalã

O objetivo de Puigdemont era claro: negociar com Madrid os termos da saída. A ação nem tanto. Afinal, houve ou não declaração de independência? Recusando qualquer tipo de diálogo ou de negociação mediada, Mariano Rajoy enviou, no dia seguinte, um requerimento formal a Carles Puigdemont, para que o líder da Generalitat confirmasse se declarou ou não a independência da Catalunha. Acusando o governo catalão de criar uma “confusão de forma deliberada” com a declaração suspensa de independência, Rajoy afirmou que queria “oferecer certezas aos espanhóis”.

A carta enviada por Puigdemont a Rajoy a 16 de outubro (Getty Images)

AFP/Getty Images

A carta enviada por Rajoy foi interpretada como um primeiro passo rumo à ativação do artigo 155 da Constituição, que prevê que inicialmente haja um esclarecimento das intenções de ambas as partes. “A resposta que a Generalitat der a este requerimento marcará o futuro dos acontecimentos”, disse Rajoy, sublinhando que “se Carles Puigdemont demonstrar vontade de respeitar a lei e restabelecer a normalidade institucional, por-se-á fim a um período de instabilidade”.

A resposta viria cinco dias depois, na última segunda-feira, mas foi pouco esclarecedora. Carles Puigdemont enviou uma carta de quatro páginas a Mariano Rajoy em que não afirmou claramente se declarou ou não a independência. Referindo-se novamente à “repressão sobre o povo [catalão] e sobre o governo da Catalunha”, Puigdemont pediu ao Governo central uma reunião para dialogar com Madrid “o quanto antes”.

Puigdemont já respondeu a Rajoy, mas não esclarece se declarou independência

No mesmo dia, o ministro da Justiça espanhol, Rafael Catalá, veio a público afirmar que a resposta de Puigdemont não foi considerada válida pelo executivo de Rajoy, e que o Governo tinha dado um novo prazo a Puigdemont: o líder catalão teria até dia 19, a última quinta-feira, às 10h, para responder à pergunta feita pelo executivo e para explicar que medidas planeava tomar para repor a legalidade na região autónoma. “O senhor Puigdemont tem uma última oportunidade para esclarecer e voltar à legalidade”, disse depois a vice-presidente do Governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría. Falhando esse prazo, Madrid não hesitaria em aplicar o artigo 155.

Puigdemont cumpriu o prazo, mas não cumpriu a ordem. Numa carta enviada a Rajoy, o líder do governo regional da Catalunha acusou o presidente do Governo espanhol de estar a boicotar o diálogo com a região autónoma e ameaçou levar a votação a declaração de independência. “Se o Governo persistir em impedir o diálogo e continuar a repressão, o parlamento da Catalunha pode proceder, se o entender oportuno, votar a declaração formal de independência que não votou no dia 10 de outubro”, escreveu Puigdemont na missiva.

Rajoy não tardou a responder, afirmando que “o Governo vai continuar com os trâmites previstos no artigo 155 da Constituição para restaurar a legalidade”. O porta-voz do Governo espanhol, Méndez de Vigo, também foi taxativo: “Que ninguém duvide de que o Governo vai usar todos os meios ao seu alcance para restaurar a legalidade”. O executivo respondeu, por fim, com a convocação deste Conselho de Ministros extraordinário para “aprovar as medidas a levar ao Senado para proteger o interesse geral dos espanhóis, incluindo dos cidadãos da Catalunha, e restaurar a ordem constitucional na Comunidade Autónoma”.

Pode nascer a República da Catalunha?

Enquanto em Madrid Mariano Rajoy se tem reunido com o PSOE e o Cidadãos para acordar quais as medidas a implementar na Catalunha ao abrigo do artigo 155, em Barcelona os vários partidos multiplicam-se em reuniões e em planos para o futuro, não havendo consenso nem entre os independentistas.

A CUP (Candidatura de Unidade Popular, da esquerda independentista) exige uma declaração de independência sem mais nenhuma votação, tal como previa a lei do referendo que o Tribunal Constitucional suspendeu. Já alguns elementos do Juntos Pelo Sim, coligação de que faz parte Puigdemont, têm defendido uma votação no Parlamento para aprovar a declaração formal de independência.

Na quinta-feira, depois de o Governo espanhol ter rejeitado a segunda carta de Puigdemont, elementos da CUP e do Juntos Pelo Sim estiveram reunidos em Barcelona para definir os próximos passos e decidiram não divulgar nenhuma medida antes de conhecerem os termos em que o Governo central pretende aplicar o artigo 155 da Constituição.

Quando o Governo aplicar o artigo 155 “já encontrará a república proclamada”
Mireia Boya, deputada da CUP

Entretanto, a presidente do parlamento catalão, Carme Forcadell, convocou para a próxima segunda-feira uma conferência de líderes parlamentares, reunião em que será definida a data e hora do próximo plenário do parlamento regional, onde poderá ser declarada a independência. Segundo o jornal catalão La Vanguardia, os deputados dos partidos independentistas procuram que o plenário seja convocado na forma de Debate de Política Geral ou Debate Monográfico. Isto porque se for convocada uma sessão ordinária, a ordem de trabalhos tem de ser detalhadamente publicada com antecedência, o que poderia motivar uma suspensão da sessão por parte do Tribunal Constitucional.

Da parte dos independentistas, tudo indica que, de uma forma ou de outra, o próximo passo seja a declaração de independência. A deputada Mireia Boya, da CUP, já veio sugerir, esta semana, que quando o Governo aplicar o artigo 155 “já encontrará a república proclamada”. É que, caso a conferência de líderes agende um plenário para a próxima semana e nessa reunião seja votada a declaração formal, há mesmo a possibilidade de a independência avançar antes de o Senado conseguir aprovar as medidas do artigo 155.

Como? Apesar de a maioria absoluta no Senado estar garantida, as medidas que forem aprovadas este sábado no Conselho de Ministros terão de passar por um processo que se estima durar no mínimo uma semana. Como explica o El País, o primeiro momento consiste numa reunião da Mesa do Senado, que deverá acontecer logo após a reunião do executivo, assim que o presidente do Senado receber das mãos de Rajoy as propostas e os requerimentos a enviar a Puigdemont.

Depois desta reunião inicial, o Senado terá de avaliar as medidas, o que será feito através de duas possíveis comissões de senadores. Dependendo do tipo de medidas, poderá ser a Comissão Geral de Comunidades Autónomas ou então uma outra comissão, criada especificamente para o efeito, com membros de várias comissões, a levar a cabo essa tarefa. Será a Mesa do Senado a definir quem serão os senadores a avaliar as propostas.

Carles Puigdemont ameaçou que se o Governo de Espanha não dialogar, levará a declaração de independência ao parlamento catalão (Getty Images)

AFP/Getty Images

O procedimento inclui também o estabelecimento de um prazo para que o líder do governo da comunidade autónoma em causa — neste caso Puigdemont — se apresente aos senadores ou envie uma declaração a defender o seu ponto de vista. Será obrigatório notificar Puigdemont deste seu direito, mas não é igualmente linear que o líder catalão preste os esclarecimentos.

Se todo o processo for feito com os prazos mínimos — se as reuniões começarem já na segunda-feira e se for dado um limite apertado a Puigdemont para apresentar a sua defesa — a votação final acontecerá no dia 27 de outubro, a próxima sexta-feira. Tal informação foi, aliás, já foi confirmada por fontes parlamentares à imprensa espanhola. Tempo, portanto, suficiente para que o parlamento catalão declare a independência.

Para alimentar os anseios independentistas na Catalunha, o vice-presidente do governo regional, Oriol Junqueras, veio esta sexta-feira garantir que a Catalunha tem capacidade financeira para pagar salários aos funcionários públicos e reformas, caso Madrid corte o financiamento da região na sequência da declaração unilateral de independência. Numa entrevista à Catalunya Ràdio, Junqueras pediu aos catalães que tenham “confiança” no governo regional, que “está preparado para assumir as responsabilidades” em caso de independência. Junqueras defendeu também que se cumpra “o mandato democrático [de tornar a Catalunha num Estado independente] da melhor forma e no menor tempo possível”.

Para este sábado decisivo está também marcada uma grande manifestação nas ruas de Barcelona, convocada pelas duas principais associações independentistas da Catalunha, a Omnium Cultural e a Assembleia Nacional Catalã (ANC). A organização espera milhares de pessoas na capital catalã a partir das 17h00, para protestar contra a detenção, em prisão domiciliária na última segunda-feira, de Jordi Cuixart e Jordi Sanchez, os líderes das duas associações.

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