De manhã, uma escola onde estudam alunos de mais de 20 nacionalidades para destacar que a Europa e a extrema-direita deviam aprender alguma coisa com as crianças sobre imigração. À tarde, uma companhia de teatro que se prepara para levar a palco uma peça sobre a Palestina, que deve ser reconhecida como estado urgentemente. Depois de um dia em que pediu uma Europa de integração, europeísta, mas não eurocêntrica, Catarina Martins terminou o terceira dia de campanha para as europeias com um jantar-comício na Baixa da Banheira (no distrito de Setúbal) em que recordou as várias ações de campanha para atirar à extrema-direita e para descrever Portugal como o país da “sardinha assada nos santos populares”, mas também do “kebab” e da “cachupa”. O país que tanto se comove com “o fado de Amália” como com “o golo do Éder”.
Para condizer com o discurso, as cerca de 150 pessoas que encheram a sala principal do Ginásio Atlético Clube, na Baixa da Banheira, ainda ouviram uma fadista local a cantar fado e um apoiante bloquista a cantar mornas à maneira de Cabo Verde. O jantar foi essencialmente português — massa de peixe —, mas a mensagem central deixada numa das zonas do país com maior diversidade cultural e de nacionalidades foi a da integração. “Esta campanha é sobre como somos como país e como Europa”, defendeu Catarina Martins, um dia depois de, no debate da RTP, Tânger Correia ter procurado associar imigração e problemas de segurança. “Com uma certeza, imigrantes são bem vindos, crianças de todas as nacionalidades são bem vindas. O discurso racista de André Ventura e Tânger Correia é que não são bem vindos.”
Catarina Martins deixou duras críticas à direita no geral e ao Chega em particular, indo mesmo ao ponto de referir Ventura pelo nome (o que não tem feito na maioria das intervenções). “O melhor amigo da extrema-direita europeia chama-se Vladimir Putin”, disse. “Bem podem bater no coração com juras de amor relativamente à Ucrânia nós sabemos o que eles andaram a fazer.”
“Aquela amiga francesa de André Ventura chamada Marine Le Pen, para lançar o seu partido, teve o generoso empréstimo de 9,4 milhões de euros de Putin ao seu partido”, acrescentou Catarina Martins. “Putin está a procurar influência na Europa, sim, com a extrema-direita.”
No discurso, a candidata bloquista atacou também a direita por escolher sempre quem “mais tem” em todas as decisões que toma. ““Quando é preciso fazer uma votação e escolher entre os preços das casas serem razoáveis e proteger os especuladores”, exemplificou, a direita escolhe sempre “os grandes proprietários”, os “especuladores”, “os patrões” e os “donos disto tudo”.
“Falam muito, no fim é sempre quem mais tem que ganha com a extrema-direita”, resumiu. “Quando é para votar, votam sempre pelos interesses de quem já tem tudo, votam sempre contra os interesses de quem trabalha.”
Neste terceiro dia de campanha, Catarina Martins voltou a ter a companhia de algumas das figuras de proa da atualidade do partido, incluindo a coordenadora, Mariana Mortágua (que se juntou à visita à companhia de teatro), e a deputada Marisa Matias (que discursou no comício da noite), que antecedeu a Catarina Martins como cabeça-de-lista às europeias, em 2019, tendo sido eurodeputada na última legislatura.
No discurso que fez antes da atual candidata, Marisa Matias tocou também no tema da Palestina, com uma crítica feroz a Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa. “Sabemos bem, nos dias que correm, que seria impossível que uma autarquia em Portugal aceitasse ceder o espaço para a realização de uma festa russa. E ainda bem”, afirmou. “Mas não se passa nada quando se cede um espaço para uma festa israelita.” Marisa Matias referia-se à polémica causada pela cedência do cinema S. Jorge, em Lisboa, para uma festa organizada pela embaixada israelita. Defendendo que tanto Rússia como Israel são “agressores e ocupantes”, a deputada lamentou que “só um” seja “sancionado”.
Numa escola com 20 nacionalidades, Catarina Martins sugeriu à extrema-direita que aprenda com as crianças
Catarina Martins está encostada a um pequeno anfiteatro de madeira à conversa com cerca de duas dezenas de crianças e jovens. São alunos da escola básica do Monte da Caparica (concelho de Almada) e estão entusiasmados com a presença da ex-líder do Bloco de Esquerda (e com o aparato de jornalistas que a acompanhou). Depois de uma conversa sobre o ensino da música, a falta de equipamentos informáticos modernos na escola e até sobre youtubers, os jovens não vão deixar Catarina Martins ir embora sem lhe pedirem autógrafos nas mãos, qual popstar. “Acho que nunca fiz isto na minha vida”, comenta a candidata do Bloco, enquanto distribui assinaturas e sorri para fotografias com os alunos.
Aquela estrutura de madeira em que decorre a conversa tem um significado especial. Foi construída pelos próprios alunos da escola, no âmbito de um projeto de participação comunitária financiado pelo PRR, e tem lá os nomes de todos os alunos da escola. E basta olhar para os nomes que estão escritos na estrutura para perceber a diversidade daquela escola: há Ritas, Andrés, Marias e Nunos, mas também há nomes como Alessandro, Ledilson, Yumara, Jenifer, Yuri, Yasmin ou Mohamed.
No agrupamento do Monte da Caparica estudam cerca de 1400 alunos, dos quais um quinto — ou seja, perto de 300 — são estrangeiros. Sandra Vicente, a diretora da escola, descreve-a como uma “escola inclusiva” e garante que todos os projetos que ali são feitos têm em vista o objetivo de “incluir todos”. Foi essa a razão que levou Catarina Martins a escolher esta escola para arrancar o terceiro dia de campanha eleitoral, que quer dedicar à inclusão e integração dos migrantes: “Mostrar o melhor que este país tem e a forma como as suas crianças fazem integração.”
A candidata chegou por volta das 10h30 e foi recebida com uma atuação da banda da escola, que interpretou o célebre excerto da nona sinfonia de Beethoven que a UE adotou como hino. Também a banda é um projeto social da escola. “É uma banda inclusiva, em que os elementos participantes da banda são, além dos nossos alunos, são encarregados de educação, professores de outras disciplinas, assistentes operacionais e até ex-alunos”, explica a diretora.
Catarina Martins é levada numa visita pormenorizada à escola, que inclui pontos de destaque como a sala de estimulação multi-sensorial — um recurso especialmente útil para as cerca de dez crianças do ensino estruturado, mas usado por toda a comunidade educativa — e as “obras” do Projeto Sementes, onde estão vários alunos a executar trabalhos de carpintaria, supervisionados por adultos. Há alunos desde os 10 aos 14 anos envolvidos no projeto, que implicou a participação de toda a comunidade educativa: os alunos puderam participar na escolha de equipamentos que faziam falta no recinto da escola e, depois de tomadas as decisões, lançaram-se ao trabalho. Alguns estão a construir bancos, outros a ultimar preparativos de abrigos para os gatos que habitam no recreio da escola.
A visita de Catarina Martins é seguida de perto por vários grupos de alunos, que se aproximam, mais ou menos envergonhadamente, para fazer perguntas, pedir fotografias ou partilhar o que estão a fazer. A candidata sente-se à vontade e conversa longamente com os estudantes sobre carpintaria, música e as aulas, mas também ouve o testemunho dos alunos sobre a tranquilidade com que convivem naquela escola as diferentes nacionalidades e as diversas línguas. Nenhum dos alunos poderá votar nela no dia 9 de junho, mas Catarina Martins terá saído da escola com uma sensação de apoio reforçado.
O aspeto mais destacado da escola foi, contudo, a dimensão multicultural do projeto educativo. Com quase três centenas de alunos estrangeiros, na escola falam-se múltiplas línguas — e os professores procuram uma integração por “imersão” dos novos alunos. Embora seja impossível que os alunos estrangeiros tenham logo todas as disciplinas, têm uma turma atribuída, estão presentes nas disciplinas práticas e participam em alguns dos tempos letivos das restantes. O desafio linguístico é o maior, mas são os próprios alunos que facilitam o processo: “Temos alunos que já falam a língua portuguesa e que dominam ainda a sua língua de origem, e ajudam, fazemos uma espécie de mentoria.”
Nos últimos dois anos, explicou a diretora, a escola deixou de receber apenas alunos de países de língua portuguesa, como acontecia historicamente, a começou a receber estudantes de países como o Paquistão, Marrocos, Índia ou Bangladesh. O fluxo aumentou os desafios da língua, porque alguns “nem o inglês dominavam”, mas a ajuda dos colegas revelou-se fundamental, explica a diretora da escola.
À porta da escola, Catarina Martins usou o exemplo daquela comunidade educativa para apontar ao que considera que deve ser a União Europeia. Sem nunca se referir concretamente a nenhum adversário, Catarina Martins deixou o recado aos partidos que se posicionam contra a imigração ou que procuram tirar dividendos políticos de uma associação entre a imigração e os problemas de segurança: aprendam com as crianças.
“As próprias crianças constroem inclusão. Constroem integração. Temos uma escola com muitas nacionalidades, com crianças com deficiência, com diversidade linguística, com toda a diversidade, em que as crianças são ouvidas, em que há projetos diferentes, e esses projetos significam integração”, disse Catarina Martins aos jornalistas. “Isto é o melhor que nós temos. E estas eleições europeias são sobre isto. Sobre se queremos dar força à integração, aos projetos de comunidade, ao investimento na educação, na cultura, no que nos faz melhores, ou se aceitamos discursos de divisão. Não há como ouvir as crianças, ouvir estes projetos, para perceber como tem mesmo de ser a nossa obrigação uma Europa que invista na cultura, na educação, e que ouça as crianças.”
A candidata bloquista apontou o dedo a quem faz “tudo para tentar dividir as pessoas, para fazer com que cresça o medo, a insegurança, o ódio, muitas vezes ou quase sempre usando argumentos falsos”.
“As próprias crianças sabem que são iguais. É uma escola que ouve as crianças, que tem projetos diversos, isto é integração. É o melhor que nós somos”, acrescentou. Quanto aos partidos que criticam a integração dos imigrantes, Catarina Martins repetiu: “Era bom que aprendessem com as crianças. Acho que não há como olharmos para o fundamental. Uma criança que está em Portugal, não importa onde nasceu, não importa a língua que fala. É uma criança deste país, uma criança que é nossa e que devemos proteger, acarinhar, dar todas as condições para que esteja bem.”
Um dia depois de ter sido conhecido o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), que apontou para um aumento da criminalidade violenta em Portugal no ano de 2023, Catarina Martins recusou comentar o documento ao detalhe por ainda não o ter lido, mas lembrou que “um dos maiores problemas de segurança em Portugal tem vindo a ser, infelizmente, ao longo de décadas, a violência contra mulheres, a violência doméstica, também contra crianças”.
A candidata do Bloco foi também questionada sobre a existência de situações que alimentam o discurso anti-imigração, como a polémica em torno das supostas agressões a uma criança nepalesa numa escola de Lisboa que se veio a perceber, mais tarde, tratar-se de uma história mal contada, Catarina Martins também salientou que o Bloco “nunca usou” essa história no debate político por não a conhecer. No entanto, assinalou, “é verdade que tem havido episódios de violência racista em Portugal e não se pode negar isso”.
Questionada sobre se o tema da imigração é hoje uma questão fraturante na sociedade portuguesa, Catarina Martins salientou que “há quem queiia tornar a imigração fraturante”, mas pediu que seja feita uma separação clara entre o combate à “exploração de mão de obra imigrante” e a integração das pessoas que buscam uma vida melhor. “Estou a mostrar o melhor que este país tem e a forma como as suas crianças fazem integração. Não vou deixar que, a cada frase que eu diga, tenha de responder a quem faz exatamente o contrário”, rematou.
A atriz Catarina numa companhia de teatro que está a encenar a Palestina
Horas depois da visita à escola, Catarina Martins manteve-se no distrito de Setúbal e dedicou a tarde a visitar as instalações da companhia de teatro O Bando, no concelho de Palmela, uma companhia fundada em outubro de 1974, poucos meses depois do 25 de Abril, quando vários artistas puderam deixar o exílio em que viveram durante o Estado Novo e regressar a Portugal. A companhia, instalada numa antiga suinicultura na serra da Arrábida, privilegia o contacto com a natureza — e, por isso, é difícil encontrar palcos e auditórios. As peças são feitas em diferentes espaços, dentro e fora de portas, embora O Bando também apresente peças em salas tradicionais.
É o caso da peça “Irmã Palestina“, que estreia esta semana no Teatro São Luiz, em Lisboa — e que foi uma das principais razões para Catarina Martins, também ela atriz de profissão, querer visitar aquela companhia, que já conhecia há vários anos. “Há uns 30 anos estive numa destas ações de formação do Bando com gente de todas as idades e é muito bom”, recordou a candidata.
“O Conselho Europeu começa finalmente a discutir sanções a Israel. Seguramente, todas as pessoas que assistem em direto ao genocídio que está a acontecer em Gaza, ao bombardeamento dos campos de deslocados em Rafah, sentem que isto tem de parar”, afirmou Catarina Martins. É importante, defendeu a bloquista em declarações aos jornalistas durante a visita, “que não haja nenhuma impotência, que as pessoas se organizem e falem”.
“A opinião pública é uma superpotência. A opinião pública que quer travar Israel, que quer que os países tomem ações consequentes para travar Israel, faz a diferença. Mais três países europeus reconheceram a Palestina como um estado. Portugal ainda não reconheceu e deve reconhecer. Quando vemos o trabalho que se faz, seja dos estudantes que estão nas universidades, seja de companhias de teatro como o Bando que trazem o tema da Palestina para a nossa reflexão coletiva, é disso que estamos a falar”, defendeu.
Mas a candidata bloquista também quis destacar “a importância do investimento em redes culturais em toda a UE, que permitem que espaços como estes sejam centros de cultura, onde todo o mundo dialoga”.
“Isto é importantíssimo, esta ideia de que precisamos mesmo de acreditar numa Europa que investe em cultura, que investe em diálogo, é fundamental. Essa é a Europa em que nós acreditamos, é por essa Europa que lutamos também nesta campanha europeia”, afirmou ainda.
Depois da visita, Catarina Martins e outras figuras do partido — incluindo o número dois da lista, José Gusmão, a coordenadora, Mariana Mortágua, e a deputada Marisa Matias — estiveram à conversa com os responsáveis do grupo de teatro. Ouviram queixas sobre as dificuldades em divulgar projetos e em aceder a financiamento. “É complicado que a cultura e o teatro estejam em primeiro plano”, lamentou-se nessa conversa. “Defendemos que o Ministério da Cultura é o mais importante de todos.”
Catarina Martins reconheceu a falta de investimento público na cultura, mas preferiu focar-se na dimensão europeia da questão cultural. “A cultura é o motor de nós nos pensarmos”, defendeu, elogiando a capacidade da companhia de teatro de dialogar com “todo o mundo” — isto depois de os responsáveis terem elencado os vários países onde já apresentaram peças ou onde já estabeleceram parcerias com outros grupos.
Conflito com IL sobe de tom. Cotrim ficou “aflito”, acusa Catarina Martins
A partir da companhia de teatro, em Palmela, Catarina Martins voltou a fazer subir o tom da troca de acusações com João Cotrim de Figueiredo, que já se arrasta desde o primeiro dia da campanha. Aos jornalistas, afirmou que o candidato da IL ficou “aflito” depois de ter tentado ter “uma posição muito clara sobre a Ucrânia” e ter sido lembrado de que “enquanto presidente do Instituto do Turismo de Portugal, nomeado por PSD/CDS, fez um programa de vistos gold para turismo residencial dirigido à oligarquia russa”.
“Portanto, digamos que a sua posição sobre a oligarquia de Vladimir Putin não foi sempre a mesma. Ficou atrapalhado e tentou usar os métodos da extrema-direita: mentir sobre as posições do BE”, assinalou Catarina Martins aos jornalistas em Palmela. “O BE disse sempre que não aceita nenhuma invasão imperialista, seja de quem for, que a Ucrânia tem direito à sua autodeterminação e ao seu território, que deve ter apoio para se defender, como é natural.”
“Não achamos admissível que mintam sobre a nossa posição”, insistiu Catarina Martins, explicando a conflitualidade com a IL com o facto de os dois partidos terem “projetos muito diferentes para a UE”.
“Os partidos liberais na UE têm tido, sobre a governação económica da UE, uma política que, do nosso ponto de vista, impede o investimento — e até do ponto de vista do orçamento europeu impede o alargamento de coisas como as que estamos a ver aqui hoje, o investimento na cultura, na investigação, na ciência, no conhecimento”, destacou Catarina Martins. “Tudo o resto é atrapalhação de João Cotrim de Figueiredo, que não quer que ninguém lembre que já houve tempos em que ele achava normal vender vistos gold à oligarquia russa.”
Artigo atualizado às 22h12 com a informação sobre o jantar-comício que decorreu à noite.