Índice
Índice
Pedro Nuno Santos elogiou o facto de Cavaco Silva ter exigido um contrato escrito aos partidos da “geringonça” em 2015, considerando que essa fórmula ajudou à estabilidade da solução. Em entrevista à Rádio Observador, o candidato à liderança do PS, foge a dizer o que fará depois de 10 de março, mas continua sem rejeitar governar caso fique em segundo — como já fez o seu potencial adversário Luís Montenegro.
O antigo ministro das Infraestruturas sugere que, quando José Luís Carneiro está a criticar a geringonça, está, na verdade, a criticar António Costa. “Quem quer ser herdeiro, é herdeiro de tudo”, atira. Diz ainda que sempre esteve no PS e que não fez, como outros — numa alusão a apoiantes de Carneiro — que, na juventude, “estiveram na extrema-esquerda”.
Pedro Nuno Santos revela que ainda não tem as contas sobre quanto vai custar o descongelamento das carreiras da Administração Pública, incluindo os professores. Sobre a inversão da posição de João Costa, o candidato do PS diz que “o ministro da Educação não terá feito tudo o que gostaria de fazer.”
[Ouça aqui, na íntegra, a entrevista a Pedro Nuno Santos:]
“Eu não sou sonso, sou frontal”
Este fim de semana disse em Bragança a seguinte frase “eu não sou sonso”. Entrou na campanha do insulto?
Eu? Não. Eu não fiz insulto a ninguém. Aliás, tenho procurado não fazer insulto a ninguém. Tenho estado sozinho nisso. E vou continuar. Eu quero fazer campanha, pensar no dia 10 de março, é nisso que eu estou concentrado. E é por isso que quem me ouve e quem ouviu todos os meus discursos ao longo desta campanha não consegue retirar um ataque ao meu adversário interno.
Quem é o sonso?
Eu não sou, eu não estou a falar de ninguém, estou a falar de mim. Eu não sou sonso, eu sou frontal. Digo as coisas como elas são. E não estou com rodeios, nem sou redondo.
Porque teve necessidade de dizer isso? É por oposição a alguém, com certeza.
Não, não é por oposição a ninguém. Se estão à procura de alguma coisa com o sonso, estamos só a perder tempo. Não, é por oposição a ninguém.
É porque podem considerar isso de não dizer quem é o sonso uma sonsice.
Não é um sonsice nenhuma. Sou frontal e quando eu tiver que dizer alguma coisa sobre alguém, eu digo.
Considera ético o seu adversário continuar a exercer funções de ministro?
Não é relevante para a candidatura em que estou, para a campanha que estou a fazer. Isso é matéria do Governo, do próprio ministro, do primeiro-ministro. Não é matéria que me diga respeito. Estou apenas concentrado na campanha interna do PS.
Mas não vê nenhum problema de incompatibilidade?
Não é relevante para mim, nem para a minha campanha. Quer dizer, não perco tempo com isso.
Se for primeiro-ministro, José Luís Carneiro pode ser ministro desse Governo?
Estou muito longe de fazer um Governo e de pensar num Governo. Portanto, não faz sentido estar a especular sobre um futuro Governo.
E Fernando Medina? Vai dizer-me o mesmo?
É a mesma coisa.
Mas considera que tem sido um bom ministro das Finanças?
Já tive a oportunidade de dizer que trabalhei com três ministros das Finanças e aquele com quem foi mais fácil de trabalhar foi mesmo com o Fernando Medina. O Fernando Medina não só é, do ponto de vista técnico, um bom ministro, como tem uma experiência política, uma sensibilidade política que facilita o trabalho com os ministros setoriais. E, portanto, eu tive uma boa experiência de trabalho com o Fernando Medina.
Não era um tecnocrata?
Não, não era.
“Nunca foi grande objetivo ter um candidatura de unidade”
Tentou algum acordo com José Luís Carneiro, para avançar sozinho nestas eleições? Era desejável que tivesse havido uma candidatura de unidade?
Se houvesse condições para isso, sim, mas nunca houve, aparentemente, da parte do José Luís Carneiro, essa vontade.
Chegou a fazer esse contacto?
Eu não.
E ninguém fez esse contacto por si?
Não. Sei que houve pessoas que falaram com ele, nomeadamente pessoas até que eram próximas do José Luís Carneiro, mas quer dizer, esse nunca foi um grande objetivo da nossa candidatura.
Mas era importante que tivesse sido assim?
Não. O que era importante era que nós não passássemos uma campanha interna a atacar o adversário interno ou o camarada.
Que é coisa que não está a conseguir que aconteça, certo?
Não, não estou a fazê-lo, mas lamento que outros não o estejam a fazer. Temos umas eleições legislativas muito próximas desta eleição interna dentro do PS. Isso deveria fazer com que nós estivéssemos ainda mais cuidadosos.
Tem receio que não haja tempo para conseguir essa unidade?
Não. O PS é distinto do PSD sobre essa matéria. Nós somos capazes de trabalhar em conjunto e de não nos consumirmos depois de encerrada uma disputa interna. E por isso não tenho muitas dúvidas que a partir do dia 16 de dezembro o PS estará unido a pensar no dia 10 de março.
“Isto não é uma disputa de herdeiros”
E concorda com José Luís Carneiro quando diz que é ele o verdadeiro herdeiro do costismo?
não me preocupo muito com isso, quer dizer, isto não é uma disputa de herdeiros. Nós somos dirigentes do PS, fizemos um percurso ao longo da nossa vida no PS, neste Governo também, os dois tivemos responsabilidades governativas na maior parte do tempo do Governo e, portanto, temos visões diferentes sobre o que é que queremos do PS e para o país, mas, quer dizer, somos também continuidade e somos também rotura aos dois.
Mas há essa disputa, ou não?
Eu não faço essa disputa com ninguém, não estou preocupado com isso. Vou ouvindo muito essas leituras. Sou membro de um partido e fui membro de um governo do qual tenho orgulho, tenho em todos os meus comícios vincado resultados muito importantes desta governação, mas o que se trata agora é de preparar o futuro e de pensar no futuro. Nós pensamos demasiado no passado, estamos sempre agarrados ao passado.
Na quinta-feira passada, numa sessão de homenagem a Mário Soares, António Costa defendeu a solução da geringonça e, focando precisamente, o fundador do PS. Diz que não está a lutar por ser o herdeiro do costismo, mas foi importante para si ouvir isso, da boca do líder do PS?
Fiquei sempre muito surpreso com as críticas que foram feitas a esse primeiro Governo, porque acho que quem as fez, ou quem as foi fazendo, não percebeu que não era a mim que estavam a criticar. Foi eu que tive a iniciativa de fazer um acordo com os partidos à esquerda do PS? Não fui eu. Eu tive uma missão que me foi atribuída e que desempenhei, mas a iniciativa é do secretário-geral do PS e do primeiro-ministro António Costa. Herdeiro é herdeiro. Quem quer ser herdeiro é herdeiro de tudo. É herdeiro dos oito anos, desde logo desse período. E a crítica a esse período é uma crítica a António Costa, não é a mim.
António Costa é o pai e o Pedro Nuno de Santos é o filho da geringonça?
Não, eu não sou filho, nem António Costa é o pai. António Costa é primeiro-ministro, líder do PS, tomou uma iniciativa muito importante. Aliás, dentro daquilo que ele sempre tinha defendido na sua candidatura à secretária-geral, que não considerava que houvesse um arco de governação, partidos que estivessem predestinados a governar e outros que estivessem impedidos, isso foi sempre a sua visão. E depois das eleições, perante a configuração parlamentar, António Costa entendeu que se devia tentar aquela solução. E a mim foi dado um conjunto de responsabilidades, não só para negociar os acordos com o PCP e com o Bloco de Esquerda, e depois fazer a sua gestão ao longo dos primeiros quatro anos. Mas a iniciativa é do primeiro-ministro e do secretário-geral do PS, desde logo. Ainda não era primeiro-ministro.
“Costa será aquilo que entender, mas capítulo como primeiro-ministro está encerrado”
E se vencer estas diretas e passar para a campanha das legislativas, vai querer António Costa nessa campanha?
Espero bem que sim. António Costa, já o disse, é o melhor político português, na minha opinião, e tem, e espero que continue a ter, novas oportunidades para ajudar o país, em Portugal ou fora de Portugal.
E na das europeias?
Tento ser disciplinado sobre essa matéria. Nós estamos em dezembro, não estamos a fazer listas ainda, e não devemos antecipar. Já o disse e digo, António Costa será aquilo que entender.
E seria um bom cabeça de lista para as europeias, por exemplo?
António Costa será aquilo que entender. Tem espaço para isso, tem capacidade política para isso, e o PS tem por ele um grande respeito. O PS e, já agora, os portugueses. E por isso ele tem um grande espaço para decidir de que forma é que quer intervir politicamente no futuro.
Portanto, é uma decisão dele. Vai chamá-lo para algum desses cargos? Tem isso na sua cabeça?
Não faz sentido isso nesta altura. O que eu quero dizer é que o PS conta com António Costa, e que António Costa tem o espaço para decidir, fazer e intervir da forma que entender no futuro.
Por exemplo, Presidência da República.
Não faz sentido…
Porque é que na moção que agora apresenta ao Congresso, não tem uma linha sobre presidenciais? Não vai haver outro Congresso antes das próximas presidenciais.
Isto é uma moção global de estratégia.
É onde se definem estas ideias.
Não, definem-se dentro do partido. Nós temos tempo para isso. Esta sofreguidão para sabermos quem são os candidatos, é uma coisa que eu, sinceramente, acho que estamos mesmo longe, todos nós, e quando falo no plural, estou a incluir-nos a nós, políticos, jornalistas e comentadores. Nós estamos mesmo longe daquilo que é o sentir popular. Então nós temos umas legislativas, temos umas europeias, temos umas autárquicas.
Estamos no meio de uma crise política onde até o Presidente da República está em causa…
Peço desculpa. E nós estamos obcecados com uma campanha presidencial de 2026? Calma.
Mas vai ser importante para si definir uma linha. O PS deve ter um candidato próprio, por exemplo, das presidenciais?
Isso é óbvio. Eu sempre defendi isso. Sempre defendi que o PS devia ter um candidato. Isso sempre defendi. Obviamente que as candidaturas às presidenciais dependem de uma vontade individual e pessoal, mas que o PS deve ter uma posição nas presidenciais. É uma eleição unipessoal, mas isso não quer dizer que os partidos políticos não devam ter uma posição sobre essa campanha, que é uma campanha muito importante para a vida política portuguesa. O PS tem o dever de ter, de apoiar um candidato ou uma candidata.
Se o processo judicial que envolve António Costa se resolver rapidamente, teme que ele possa vir a ser uma sombra sobre a sua liderança, um bocadinho como acontece a Luís Montenegro com o Pedro Passos Coelho, por exemplo?
Eu não temo nada. Acho que António Costa faz parte do património do PS, e será sempre benéfico, será sempre bom para o PS contar com António Costa. Nunca será um problema para o PS, nem sequer…
Nem para si?
Não, claro que não.
Foi tão bom que devia ter ficado até 2026? Era o melhor?
Obviamente que achava que António Costa devia ser primeiro-ministro até 2026. Não haja dúvida nenhuma sobre isso.
E nos cargos todos que vê que ele possa vir a ocupar, admite que possa voltar a ser primeiro-ministro, ou isso já é uma página encerrada para António Costa?
Quer dizer… Mais uma vez, eu não quero estar a especular sobre o futuro. Acho, e António Costa já disse, que este capítulo encerrou.
Pode ser tudo menos primeiro-ministro.
Não é pode ser tudo menos primeiro-ministro. Isto é… não é pode ser tudo menos primeiro-ministro. António Costa será no futuro aquilo que entender, aliás porque depende dele. Depende sempre de cada um aquilo que nós podemos ser. Depois podemos depender também das decisões dos outros. Mas a montante depende sempre do próprio. Portanto, António Costa pode ser aquilo que entender. Tem espaço para isso. Agora, acho que essa função não está em causa, não é? Quer dizer, nem sei bem porque é que nós estamos aqui a falar sobre isso, tendo em conta que nós estamos neste momento a decidir o próximo secretário-geral do PS.
“Nos Açores, o PSD ficou em segundo lugar e governou”
Tem dito que só trabalha num cenário de vitória, mas Luís Montenegro, por exemplo, já disse que não forma Governo se for o segundo mais votado. Está mais próximo da posição de Montenegro agora em 2023 ou da que António Costa tinha em 2015?
O que acho é que o PS deve estar focado numa vitória no dia 10 de março e em defender o seu programa eleitoral. E depois, consoante a configuração parlamentar, encontrar a solução que melhor permita cumprir o seu programa eleitoral. O que Luís Montenegro diz hoje, sinceramente, quando nós olhamos para aquela que é a prática do PSD, por exemplo, nos Açores, significa pouco. Porque o PSD nos Açores também disse, até praticamente às vésperas das eleições que não faria nenhum acordo com o Chega, e fez. Aliás, nos Açores, o PSD ficou em segundo lugar e governou. Ficou em segundo lugar e governou, fez acordo com o Chega e com outros partidos para governar. E por isso, aquilo que Montenegro diz sobre essa matéria, vale o que vale. O que acho importante é que o PS esteja concentrado na vitória e em ter o melhor resultado possível.
Mas aqui nós o queremos perceber pode vir a fazer isso. Não é importante para os eleitores?
Aquilo que é importante é que nós vamos lutar, primeiro para ter o melhor resultado possível, depois para conseguirmos cumprir o nosso programa eleitoral. É nisso que nós estamos focados. E essa é a certeza que os eleitores do PS podem ter, que nós vamos fazer tudo para conseguir cumprir o nosso programa e que vamos encontrar a melhor solução governativa para cumprir o nosso programa.
Francisco Assis disse aqui no Observador que Pedro Nuno Santos tem uma vantagem face a António Costa em 2015, porque clarifica aquilo a que vai. Mas afinal não clarifica.
Não há uma questão de haver ou não haver clarificação. Nós não sabemos quais é que vão ser os resultados eleitorais dos diferentes partidos. Nós não sabemos no dia 10 de março.
Mas a questão é simples. É se ficar em segundo.
Neste momento, e por isso como nós não sabemos, não temos que estar a fazer especulações sobre resultados. Aquilo que estamos a fazer é concentrar-nos em ter o melhor resultado possível no dia 10 de março. Com a certeza de que, perante os resultados, procuraremos a solução que melhor garanta ao PS o cumprimento do programa com que nos apresentamos a eleições. É nisto que estamos concentrados e é isto que é verdadeiramente importante. Não temos que estar a especular sobre quanto é que vai ter cada um dos partidos que se apresenta a eleições.
A especulação não era essa. É o PS ficar em segundo lugar.
Não, mas é uma especulação…
Foi o que aconteceu em 2015.
Mas nós não sabemos quais vão ser os resultados dos outros partidos. Quando falamos de uma solução governativa ela não depende só do resultado do PS. Não faz sentido nenhum estar aqui a fazer estimativas
sobre os resultados dos outros. Vamos a eleições para defender o nosso programa e toda a gente que se sinta entusiasmada ou motivada pela candidatura do PS, pelo projeto PS, ter a certeza de que faremos tudo para cumprir esse projeto.
Podemos retirar daqui que não exclui governar ficando em segundo lugar? É factual.
Factual não é. Está a atribuir um facto a uma coisa que nem sequer se objetivou. Ou nem concretizou. Portanto, não é facto nenhum.
Uma vez que não exclui governar se ficar em segundo, podemos dizer que não exclui governar se ficar em segundo.
Vocês fazem as perguntas e definem os títulos da entrevista. A minha preocupação…
Não se preocupe com o título.
Não, não. Peço desculpa. Preocupo-me, sim. Eu é que sei com o que é que tenho que me preocupar. Dê-me licença. Aquilo que mais me interessa é que fique claro aquilo que eu aqui já disse. É que nós vamos lutar para ter o melhor resultado possível e encontraremos a solução governativa que melhor permita garantir que cumprimos o nosso programa. É o que interessa.
Se essa solução governativa que encontrar for à esquerda, sabemos que o BE considera que teria de ser mais do que um programa de mínimos e incluir novos acordos, por exemplo, na habitação ou na saúde. Estaria disposto a pensar em acordos à esquerda nestas áreas?
Continuamos a atirar ao lado, porque estamos todos excessivamente a gastar energia com aquilo que pode ser depois do 10 de março, quando, na realidade, nós estamos numa fase em que temos que nos apresentar perante os portugueses para defender uma determinada visão do país e depois, consoante a configuração parlamentar…
Mas não é importante explicar aos eleitores com o que é que contam?
Então, mas o que é que contam é com um programa eleitoral e com a defesa desse programa eleitoral. Temos de uma vez por todas entender que os parlamentos podem ter configurações parlamentares muito diversas, diferentes daquelas que nós estávamos habituados. Aquilo que nós temos que fazer até esse momento é discutir candidatos, atitudes perante o país, visões do país, projetos para o país e depois das eleições…
Mas os acordos que faz limitam o programa eleitoral. Aliás, o PS em 2015 teve de reformular o programa.
Correto. Só que nós não sabemos, nem conseguimos antecipar qual é que vai ser a configuração…
A questão é se está aberto a fazer acordos em outros temas, como por exemplo a habitação.
Nós não sabemos qual vai ser a configuração parlamentar que vai sair das eleições, quais vão ser os programas dos diferentes partidos. Nós ainda não sabemos isso.
Portanto, é um voto às cegas, é isso?
Não é, desculpe lá, mas qual voto às cegas? Então, se eu vou a eleições, vamos a eleições com um partido, candidato, projeto e programa, qual voto às cegas?
“Cavaco Silva foi um dos maiores contribuintes para a estabilidade do Governo ao ter exigido o acordo escrito”
O PS vai conseguir cumprir esse programa com os acordos que terá de fazer? Ou acha que vai ter maioria absoluta?
Não. Vamos gastar a entrevista toda a saber qual vai ser o papel de António Costa, com quem me quero aliar… Vamos votar em candidatos e programas.
O seu programa também não inclui mexidas nas leis laborais, um dos grandes pontos de discórdia com a esquerda. Não vai mexer nesse ponto?
Não temos linhas vermelhas, não falo com os outros, mas não há temas sobre os quais nos fechemos à partida.
Mas fala na necessidade de estabilidade.
Há essa preocupação, não quer dizer que não possamos fazer uma ou outra alteração. Queremos procurar que haja estabilidade nalgumas matérias. O Governo fez alterações importantes na legislação laboral.
A esquerda na altura queria retirar normas do tempo da troika, e isso são mexidas de fundo.
Não mando nos programas dos outros. Não fechando a porta a alterações, a nossa preocupação é que o que há de estrutural seja mantido porque é preciso alguma previsibilidade.
Portanto: alterar, mas manter alguma estabilidade.
Exatamente.
As pessoas acusam os políticos de não terem consciência da vida das pessoas. Sabe qual é atualmente o valor do salário mínimo nacional e já agora do Indexante dos Apoios Sociais?
820 euros a partir de janeiro.
Mas vamos avançar para o Indexante de Apoios Sociais, não tem ideia de como é que está neste momento
Não quero arriscar.
António Costa garantia que o salário mínimo chegava aos 900 euros até 2026. Consegue garantir que até 2028 pode chegar aos 1000 euros, o valor que o PCP até já queria para o próximo ano?
Deve haver uma preocupação com o aumento progressivo do salário mínimo, que devemos procurar continuar a aumentá-lo, mas construindo esse aumento em negociação e concertação com as organizações que representam os trabalhadores e as empresas. Não quero definir uma meta à partida, pelo menos nesta fase.
Não se compromete com um valor em específico.
Não, nesta fase não nos comprometemos.
Na sua perspetiva, porque é que o orçamento de Estado para 2021 foi chumbado? A esquerda foi desleal ou tinha alguma razão nas exigências que fez?
Houve um desencontro entre o Governo, o PCP e o Bloco. Nesta segunda legislatura falhou o que tivemos na primeira: um acordo escrito. A ausência desse acordo escrito na segunda legislatura não contribuiu para a estabilidade governativa desse mandato. O anterior Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, foi um dos maiores contribuintes para a estabilidade do Governo ao ter exigido o acordo escrito.
Portanto isso é um elemento importante, um acordo escrito.
Uma das razões para esse desencontro foi não termos construído um acordo que desse previsibilidade ao mandato. À direita esses acordos escritos sempre existiram, no primeiro mandato também o tivemos. e essa é a questão que eu acho que é muito importante deve ser uma. Não quer dizer que o acordo escrito resolva tudo…
Mas é importante que exista um acordo escrito no futuro? Se viesse a estar nessa posição exigiria um acordo?
Estamos sempre a falar de circunstâncias limitadas no tempo. No primeiro mandato o acordo ajudou a estabilidade e que no segundo mandato a sua ausência prejudicou essa mesma estabilidade.
Portanto era melhor haver um acordo para garantir a estabilidade. É a dedução óbvia.
Estou aqui a explanar um ponto de vista do qual obviamente podemos retirar conclusões, sim.
É um elogio a Cavaco Silva.
É um elogio a Cavaco Silva, é verdade.
“Tenho uma boa relação com a Mariana Mortágua”
Mariana Mortágua revelou que lhe fez um telefonema de cortesia quando se candidatou à liderança do PS. Ligou a todos os líderes partidários ou só os da esquerda? Ou só a Mariana Mortágua?
Não vou aqui partilhar os telefonemas que faço, peço que compreendam. Tenho uma boa relação com a Mariana Mortágua, tive a oportunidade de trabalhar com ela durante alguns anos, e isso cimentou uma relação de confiança, obviamente.
Não ligou a Paulo Raimundo?
Não quero falar de telefonemas que tenha feito ou deixado de fazer.
Os dois partidos, PCP e Bloco, mudaram de liderança neste espaço de tempo desde essas negociações. Vê os dois líderes, os novos líderes de PCP e Bloco interessados em fazerem acordos com o PS?
Não sei, não lhes perguntei.
Acha que o PCP não saiu traumatizado da experiência com a geringonça?
A única coisa que sei é que a experiência governativa foi uma experiência boa. Não tenho dúvidas, ao contrário daquilo que diz Luís Montenegro, que a memória que os portugueses têm dela é uma memória boa. Foram anos de recuperação de rendimentos, de recuperação de confiança de povo português nas instituições, foi o mandato mais positivamente avaliado pelos portugueses em termos de confiança nas instituições e no próprio governo. Foi uma boa experiência e acho que todos os partidos ganham com isso, porque desde logo ganha o país. E o país ganhou com aquele governo.
E não muda nada o facto de terem começado guerras na Ucrânia e em Gaza?
As posições de cada um dos dos diferentes partidos à esquerda são as mesmas que eram em 2015.
Mas não o incomoda agora ficar associado a quem tem, por exemplo, a posição que o PCP tem relativamente à Rússia?
As posições são diferentes entre os diferentes partidos à esquerda, e nenhuma posição em matéria de política externa ou de compromissos internacionais levou a que o PS tivesse que se mover ou deixar de defender aquilo que sempre defendeu. Os compromissos internacionais e o posicionamento do PS em matéria de política externa não foram posto em causa naquele governo, como toda a gente sabe.
Mas não havia uma guerra na Europa como há agora. A questão é se sente confortável em ter ao seu lado um partido como o PCP.
Não estou a falar do que é que vai ser depois do dia 10 de março. Estamos a falar sobre aquilo que está a acontecer neste momento. Quero apenas dizer que as posições do PCP ou do Bloco de Esquerda sobre política externa nunca interferiram com as posições do Partido Socialista, nunca interferirão nem condicionarão.
É um pouco diferente, as posições que estão no papel e quando estão a acontecer conflitos.
Peço desculpa, não é. As posições em matéria sobre o mundo, sobre as relações internacionais entre diferentes blocos, são as mesmas.
Então acha que o José Luís Carneiro, que fazia parte do governo, se lembrou tarde de que estes partidos tinham essas posições?
De facto, em matéria de princípio — que é aquilo que interessa quando tomamos decisões — não há alteração, nem para BE e PCP, nem para PS.
Então houve uma alteração no pensamento do José Luís Carneiro? Ele tem defendido que não se devia neste momento [fazer acordos com] partidos que são contra a NATO.
Mas já eram contra a NATO na altura, no governo de que ele fez parte.
A linguagem ficou um bocadinho mais dura contra a NATO por parte do PCP.
Mas as posições, a matéria de princípio e de visão no que diz respeito à relação de Portugal com a Aliança Atlântica ou com a União Europeia são as mesmas. Naqueles anos o posicionamento do Partido Socialista e do país sobre essas matérias não se alterou nenhuma vírgula. Isso é muito importante para não estarmos a recuperar fantasmas que na altura nunca se concretizaram.
“Nasci e cresci no PS. Não andei na extrema-esquerda como outros socialistas”
Tem dito que não é esquerdista mas só tem admitido entendimentos com a esquerda. Com o PSD tem falado em cortes de regime. O que é que isso inclui em concreto?
Em primeiro lugar, entendimentos com o Bloco e o PCP não fazem de nós esquerdistas. Se não, António Costa, José Luís Carneiro, José António Vieira da Silva, Augusto Santos Silva eram todos esquerdistas. Porque estivemos num governo que resulta de um acordo com o Bloco e o PCP.
Não são de esquerda?
Não são esquerdistas. Se ser esquerdista e é sinónimo de esquerda, eu sou de esquerda, isso acho que ninguém tem dúvidas. E o PS, já agora, também é um partido de centro esquerda e de esquerda. Julgo que quando usam a designação esquerdista estão a querer dizer que é alguém mais à esquerda, e de facto eu não sou. Costumo dizer que nasci e cresci no PS, não andei na extrema-esquerda como outros socialistas andaram quando eram jovens. Sou do PS e da JS desde os meus 14 anos.
Então não podemos dizer que está a meter o socialismo na gaveta?
Não estou a meter o socialismo na gaveta, porque obviamente não há nenhuma alteração. Na política quantas vezes se vive de perceções. Mas mais importante do que perceções, e é por isso que nós nas entrevistas temos de escavar — para ir para lá da perceção — e de facto, para lá da perceção, sou apenas um militante do PS desde sempre.
A ideia de que era o rosto de algo mais à esquerda do PS está errada? Como é que acha que se gerou essa imagem?
Tenho todo um percurso que é feito dentro do PS. Não apareci agora. Não é por acaso que nós temos a maioria das estruturas e do partido a apoiar. Se fosse esse perigoso esquerdista, isso era impossível dentro do PS, como é evidente. Normalmente usam-se episódios para justificar essa imagem, mas acho que há no nosso país uma confusão, e acontece o mesmo à direita, entre radicalismo e ter convicções, e defender essas convicções com frontalidade. Vivemos ainda num país onde quando assumimos as convicções, e vamos à luta, e somos frontais na sua defesa, isso é confundido — a atitude perante a vida e perante a política — com radicalismo. Não sou radical e não há nada da política concreta que tenha sido desempenhada por mim que possa ser identificado como radical.
As declarações sobre não pagar a dívida…
Só que eu não defendo que não se pague a dívida. A simplificação do que acontece na vida política resulta nisso.
Em 2014 assinou o manifesto dos 74, que defendia: “Sem a reestruturação da dívida pública não será possível libertar e canalizar recursos minimamente suficientes a favor do crescimento, nem sequer fazê-lo beneficiar da concertação de propósitos imprescindível para o seu êxito”. Admite que estava errado?
Se pudesse ler alguns dos subscritores conseguiria rapidamente perceber que não pode dizer que esses subscritores sejam radicais.
Tinha Francisco Louçã.
Então tem de ler todos.
Tinha Bagão Félix, mas ele retirou-se depois.
É assim que vamos construindo perceções.
Mas fica incomodado com a companhia de Francisco Louçã?
Nada, antes pelo contrário. Estava a dizer que era preciso olhar para os subscritores para perceber se eram todos radicais. Vivíamos um momento de grande aperto, que estava a ser usado para justificar um conjunto de políticas muito duras para o povo português. E é nesse contexto que eu defendo a reestruturação da dívida.
Mas continua a achar que é impagável sem ser reestruturada?
Neste momento não, não estamos nesse ponto, nesse aperto. Estamos a conseguir reduzir a dívida pública ao mesmo tempo que aumentamos rendimentos. Isso é localizado num determinado momento histórico e é nesse momento histórico que deve continuar.
Custo da reposição das carreiras? “Fazer essa conta não é fácil”
Já sabe onde é que vai buscar os 300 milhões de euros todos os anos só para o descongelamento da carreira dos professores?
Em primeiro lugar, não sabemos se são 300 milhões de euros.
São números do Governo.
Entretanto temos professores que se vão reformando. Esse valor reduz-se todos os anos. Precisamos de ter esses dados de forma mais próxima. Era importante assumir um princípio: o Estado português não pode exigir ao setor privado que cumpra o contrato com os seus trabalhadores e depois não fazer o mesmo. Se o Estado entende que um determinado contrato ou um conjunto de regras não são sustentáveis, tem de as alterar. Se as mantém, tem de as cumprir. Este princípio é muito importante para que haja confiança em quem trabalha no Estado, mas também de toda a sociedade portuguesa.
Quer pressionar os privados.
Não é uma questão de pressionar, porque os privados cumprem.
Para pressionar os privados?
Não é uma questão de pressionar porque os privados cumprem. Os privados não têm alternativa. Um empresário em Portugal não pode dizer: ‘Olha eu tenho estas regras contratualizadas contigo, mas não as vou cumprir durante x anos’. O privado já não pode fazer isso hoje. É como o Observador: tem que cumprir as suas regras com os seus trabalhadores. E o mesmo tem que acontecer também com o Estado. Isto é uma questão de princípio, que é importante ficar clarificada. Depois, nós temos que compatibilizar este princípio com um objetivo de continuar a reduzir a dívida pública. Isso implica que nós construamos com os trabalhadores, neste caso com as organizações que representam os professores, uma trajetória que permita de forma faseada e gradual recuperar todo o tempo que foi congelado, mas dentro dos limites orçamentais.
Ainda não fez as contas. José Luís Carneiro diz que só para fazer a tal reposição em todas as carreiras da Administração Pública, não só na dos professores, são mil milhões de euros.
Não sei de onde é que José Luís Carneiro teria esse valor.
Mas não fez essa conta?
Fazer essa conta não é fácil. E, portanto, precisamos de ter acesso à informação, que teremos, para podermos [apresentar as contas] com mais propriedade.
Mas quando é que terá acesso à informação? Só quando for governo?
Se for governo…
Então no seu programa eleitoral dos legislativos as pessoas também vão ficar sem saber o que é que fará?
Não, não vão. Não, não vão. Não, não vão.
É porque esteve oito anos nos Conselhos de Ministros onde foi decidido não pagar.
E então? Eu não era primeiro-ministro.
Então, em todos os conselhos de ministros em que isto foi debatido, esteve sempre contra essa posição do Governo?
Antes desta crise política, a minha posição sobre esta matéria já era conhecida, no espaço televisivo.
Sim. Duas semanas antes.
E então? Eu previ duas semanas antes que o Governo ia cair duas semanas depois? Pelo amor de Deus.
Durante os oito anos que esteve no governo esteve sempre contrariado nesta matéria?
Em primeiro lugar, o que interessa não é se é duas semanas antes. O que interessa é que é antes.
Mas a questão é nos oito anos se esteve sempre contrariado ou não.
É agora porque segundos antes fez questão de lembrar que tinha sido duas semanas antes. E eu estou a dizer duas, uma ou três semanas antes eu não sabia que no dia 7 de novembro ia acontecer o que aconteceu. E, portanto, a minha posição antes desse momento era esta.
Antes inclui os oito anos também em que esteve no Governo? Esteve contrariado nos Conselhos de Ministros e no Governo numa matéria que era central?
É uma questão central como tantas outras questões centrais que são discutidas. O Governo tinha, muito cedo, defendido aquela que era a sua doutrina sobre esta matéria. Recuperou dois anos e algum tempo e essa questão ficou fechada ali. Não ache que estivemos de forma sistemática e constante a discutir esse tema. Isso é uma questão que foi resolvida muito cedo no Governo.
Professores. “O ministro da Educação não terá feito tudo o que gostaria de fazer”
É aceitável que o ministro da Educação tenha a inversão que agora teve relativamente a esta mesma posição sobre os professores?
Num Governo, os ministros não têm todos a mesma opinião sobre todos os assuntos. Isso não existe.
Estamos a falar do ministro da Educação, que é o seu apoiante.
Num Governo, não é possível, senão então seria um problema, que toda a gente tenha a mesma posição sobre todas as matérias. Obviamente que depois são solidários com aquela que é a decisão assumida pelo coletivo, pelo Conselho de Ministros. Eu não quero comentar as declarações de nenhum ministro em particular.
Nem do que é seu apoiante? Acha que é importante ele ter tido esta inversão quando ainda está em funções?
Isso é uma opinião e a expressão da opinião de uma pessoa, de um ministro.
Um ministro em funções.
Mesmo nas nossas áreas, temos que governar no quadro de limites que são definidos pelo Governo.
“Os ministros das Finanças foram assumindo um poder muito grande”
Portanto, quem manda é o Ministro das Finanças dentro do Conselho de Ministros.
Uma grande parte dos Ministros setoriais não fizeram tudo o que gostariam de fazer. Isso é evidente. E portanto, até o ministro da Educação não terá feito tudo o que gostaria de fazer. Isso é inevitável. Presumo que ele, num contexto já de final de mandato, se sinta mais livre para poder expressar um conjunto de outras opiniões. Mas é natural que ninguém tenha feito tudo o que gostava de fazer, porque obviamente há limites.
Os ministros das Finanças limitam muito a ação dos Governos, no seu Governo também será assim?
As decisões são coletivas. Não são do Ministro das Finanças. São do Governo inteiro. Mas é verdade que, de algumas décadas para cá os ministros das Finanças, em sucessivos governos, foram assumindo um poder muito grande sobre os governos, disso não haja a menor dúvida. E isso tem consequências boas e más.
Na sua moção não tem referências à TAP. Está com medo de perder votos na defesa de que deve continuar pública?
É uma moção global de estratégia que vai resolver, se existir, algum problema com a TAP? Não. Fui o ministro que teve a responsabilidade de um dossiê que foi dos mais difíceis do Governo.
Porquê não está lá a referência?
Porque não há necessidade de estar. Aquilo é uma moção global de estratégia. Não fala de tudo. Não vai a todos os temas.
Mas refere-se a outros temas concretos.
Está bem, mas não vai a todos. Era preciso estar o quê?
Mas não é importante?
É importante, mas a minha opinião também sobre ele é conhecida. Defendi sempre a abertura do capital da TAP. Esse objetivo mantém-se. Sobre essa matéria não há nenhuma alteração que justificasse uma menção honrosa na moção global de estratégia. Não sei se é sobre a CP ou sobre outras empresas há. Agora não me lembro.
Precisamente sobre a sua posição depois do veto de Belém, o processo voltou ao Governo. Vai fazer um novo decreto que deixa claro que a maioria do capital deve ser pública?
Primeiro, a TAP não pode ficar sozinha no mercado global da aviação. Sempre disse isso. É preciso abrir o capital. Ponto número dois: a grupos de aviação privados. Ponto número três: a posição negocial do Estado português deve estar salvaguardada em qualquer processo de abertura do capital. O que é que isto quer dizer? Que nós não devemos estar a definir à partida qual é a percentagem que nós temos.
Mas também tem defendido que isso seria, obviamente, mais fácil se houvesse a maioria do capital para o Estado.
Dá mais garantias ao Estado português e ao país conseguirmos manter a maioria do capital.
Por isso mesmo, sendo o primeiro-ministro, faria sentido garantir essa maioria?
O Estado deve procurar esse objetivo. E deve tentar esse objetivo.
Então, enquanto primeiro-ministro, como é que o vai tentar? Vai definir logo à partida que são essas as condições?
No quadro da negociação com os potenciais interessados, logo veremos até onde é que nós conseguimos ir.
Ainda vai tentar que a TAP fique no Estado?
O que é importante é que o Estado não prejudique a sua posição negocial. Automaticamente, ao longo de décadas, fomos assistindo a processos de privatização que nem sempre salvaguardaram a posição do Estado. Isso implica que o Estado tenha inteligência na forma como vai negociar. E é importante que o grupo, seja ele qual for, interessado na TAP, não tenha uma posição negocial mais facilitada porque o Estado português abriu o jogo quando não era necessário.
Para sintetizar, se for o Pedro Nuno Santos a decidir, desejavelmente a TAP continuará com a maioria do capital?
Desejavelmente o Estado continuará com a maioria de capital.
“Já se tinha estudado tudo quando houve o despacho do Aeroporto”
Passando agora um bocadinho para o aeroporto, continuamos aqui na área da aeronáutica. A Comissão Técnica Independente considerou o Montijo a pior opção, dentro de vários critérios, alguns era favorável. Se António Costa em junho de 2022 não tivesse travado o seu despacho, tínhamos a pior opção. Isto não ajuda um bocadinho à ideia de que é impulsivo e que às vezes decide com alguma impulsividade e com pouca racionalidade?
Porquê? Porque o Estado não tem a possibilidade de ter uma opção e mais uma vez, esse também é um bom tema em que se constroem perceções. Porque em Portugal, mais uma vez, nós confundimos impulsividade com capacidade de decisão. Porque em Portugal, infelizmente, há uma cultura de arrastar os pés e isso vai caracterizando uma parte da nossa história ao longo dos anos.
É melhor uma má decisão rápida do que uma boa decisão.
Não é uma má decisão. Tenho dito: mais vale feito que perfeito. Isso é óbvio, porque não haverá nenhuma decisão sem espinhas. Não existe e isso não pode nos impedir de decidir.
Mas na altura pediu desculpa por esse despacho.
Mas não teve a ver com a localização. Primeiro vamos à substância, depois podemos ir à questão do despacho em particular. Nós já tínhamos estudado até àquela data 17 localizações. Já se tinha estudado tudo. São 50 anos a estudar. Nós não estávamos a inventar nada. Não há cá impulsividade nenhuma. Impulsividade é o quê? É nós estarmos ali como se estivéssemos a decidir numa folha em branco.
Mas Montijo fazia parte da sua solução e e era uma péssima opção pelos vistos.
Montijo era péssima solução para a Comissão Técnica Independente, ok?
Não é válido aquilo que a Comissão Técnica Independente diz?
Claro que é.
Então é ali que está que Montijo é uma má opção.
Vamos a falar de junho de 2022, não havia cá a Comissão Técnica Independente. Em 2022, havia o PSD a defender Montijo e havia o governo do PS também a defender Montijo. O Montijo não nasceu ali. O Montijo não nasceu em junho de 2022. Não há nenhuma impulsividade. Impulsividade haveria se nós estivéssemos a tomar uma decisão numa folha em branco. A decisão é tomada depois de 50 anos de estudos, de 17 localizações estudadas, e já com uma declaração de impacto ambiental aprovada para o Montijo. Com apoio público para aquela solução que foi apresentada em junho de 2022 da Ordem dos Engenheiros, da Confederação do Turismo de Portugal, da própria ANA que a tinha aceite.
Era uma solução que só servia a José Luís Arnaut, ao privado.
Não era uma solução que só interessava ao privado porque a solução de junho de 2022, aquilo que dizia, era que nós estaríamos em Montijo durante um período transitório enquanto se preparava a solução de mais longo prazo, que era Alcochete. Como demora, como aliás se continua a verificar no relatório da Comissão Técnica Independente, precisávamos de uma solução transitória que fosse obtida com baixo custo, que permitisse ao país rapidamente começar a receber mais aviões. E, portanto, mais receitas. E era só isso. Era nós conseguirmos, durante um período transitório, enquanto nós tínhamos a solução Alcochete, não estarmos mais 10 anos sem conseguirmos receber mais aviões. Não era a solução que interessava a ANA.
Mas também interessava.
Não, porque a ANA não quer Alcochete, como tem vindo a ser público. E a solução de junho de 2022, aquilo que dizia, era que a solução definitiva em Portugal era o aeroporto de Alcochete.
Mas tinha o Montijo que, a breve prazo, servia à ANA.
Não, não é servia a ANA. Servia ao país. Porque o que nós temos é um Aeroporto Humberto Delgado, que está saturado. A solução Alcochete é uma solução que demorará muito tempo. E, obviamente, que neste período, era importante nós termos uma solução transitória que nos permitisse começar a receber a procura adicional que nós temos e não conseguimos absorver.
Mas sobre a ANA, diz que o contrato de concessão do novo aeroporto foi uma “privatização mal feita pela direita”. Está disposto a reverter de alguma forma esta concessão e indemnizar a ANA para o Estado passar a ter, por exemplo, o Estado a gestão dos aeroportos?
São coisas diferentes. O negócio, acho que não beneficiou o Estado português. Antes, pelo contrário. Não foi só essa, aliás, a privatização que, do meu ponto de vista, prejudicou o Estado português, feita por esse governo. Foram várias, para não dizer todas. A ANA, onde a gestão dos aeroportos portugueses, é um grande negócio em Portugal, que infelizmente já não é do Estado. E o Estado perde com isso, para além de perder, do ponto de vista da sua própria soberania em matéria de Infraestruturas. Mas, entretanto, o negócio está feito e o mais importante que temos garantir, é fechar uma decisão sobre o Aeroporto e naquilo que for necessário, negociar com a ANA as alterações ao contrato de concessão que forem necessárias para nós conseguirmos o Aeroporto. Não sei se vão fazer mais alguma pergunta sobre o aeroporto, porque eu gostava de dizer mais algumas coisas.
Estamos só com um minuto. Muito rapidamente.
Ainda ontem ouvimos um comentador falar sobre a questão das Infraestruturas de ligação ao Aeroporto, nomeadamente sobre a Terceira Travessia do Tejo. Queria aqui lembrar que a Terceira Travessia do Tejo é um compromisso do Estado português com a União Europeia, independente do Aeroporto. Ele está na rede transeuropeia de alta velocidade, está no plano ferroviário nacional que foi feito pelo Governo. Essa infraestrutura existe independentemente da localização do aeroporto. É importante que não se impute ao Aeroporto e à localização a Terceira Travessia do Tejo, porque ela teria que existir, mesmo que o Aeroporto não fosse em Alcochete ou Vendas Novas.
Vamos, para terminar, à parte da Justiça. Na queda deste Governo está uma questão judicial, no centro da queda do Governo. Concorda com uma alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público que equilibre o número de magistrados e não magistrados?
Não negamos a necessidade, antes pelo contrário, de fazermos uma reforma na área da Justiça, como ela é necessária noutras áreas. Acho é que o debate sobre ela não deve ser feito em cima deste caso, nem a reboque deste caso. Isso seria uma péssima forma de decidir e uma péssima forma de legislar. Desligar o debate da justiça deste caso em particular é muito importante. Portanto, a seu tempo, apresentaremos as nossas propostas sobre a justiça.