Mesmo que seja uma quase-lotaria, os astros alinham-se cada vez mais para que António Costa possa vir a ser presidente do Conselho Europeu em 2024. O Presidente da República, sabe o Observador, já está a fazer as contas às chances europeias de António Costa sem mexer uma linha no que disse no dia da tomada de posse: qualquer saída para a Europa significa dissolução e eleições antecipadas. O que mudou relativamente aos últimos meses é que Costa é cada vez mais favorito.

A provável derrota de Sánchez, a continuidade de von der Leyen, a quebra dos liberais (que perderam a Irlanda), o facto de a Alemanha ser liderada por Scholz e de os socialistas europeus poderem vir a ser a segunda família nas Europeias são tudo fatores que se conjugam para o futuro europeu de Costa no seu cargo preferido dos quatro: a presidência do Conselho Europeu. O primeiro-ministro vai negando, sem grande convicção, essa intenção, mas Marcelo Rebelo de Sousa está atento e pronto a agir.

O Presidente da República foi previamente informado da ida de António Costa à final da Liga Europa, mas, sabe o Observador, não sabia que se tratava de um convite da UEFA. De resto, o primeiro-ministro pediu a Marcelo para antecipar a habitual audiência semanal entre os dois de quinta-feira para quarta-feira, para ter tempo de se deslocar à Moldova. Tratados os assuntos oficiais, na despedida, Costa terá referido de passagem que ia aproveitar para fazer escala na Hungria para assistir à partida — acabou sentado ao lado de Orbán no dia de aniversário do primeiro-ministro daquele país.

Marcelo foi lesto a validar publicamente a deslocação de António Costa, desvalorizando quer a polémica em torno do Falcon (recurso do Estado) para aquele efeito, quer a companhia de Orbán. Mas não ignora a especulação em torno dos reais objetivos daquela deslocação — à direita e à esquerda, há quem veja naquele encontro parte da operação de charme que o socialista vai fazendo para manter em aberto as suas aspirações europeias, venham a elas a concretizar-se ou não.

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Belém não consegue negar que seria uma oportunidade única para o país voltar a ter a nas mãos um grande cargo europeu e fará, na função de diplomacia externa que lhe é conferida pela Constituição, todos os esforços necessários para ajudar nessa missão — assim seja essa a vontade de António Costa.

Há, depois, uma outra dimensão: a estabilidade da governação nacional. E, para Marcelo Rebelo de Sousa, o Governo está legitimado em torno de uma só figura. É uma espécie de Costocentrismo em que tudo depende do primeiro-ministro. E mais do que isso: nas sondagens o povo continua a validar Costa, mesmo quando discordam das suas opções (como a manutenção de João Galamba no Governo).

Os cálculos de Marcelo são, no entanto, fáceis de fazer. Como na tomada de posse avisou que sem Costa não haveria Governo, tem o álibi para não ser acusado de ser instável e de estar a fazer um favor ao seu partido de origem (o Presidente é o militante nº3 do PSD, agora suspenso) caso provoque eleições. É isso que fará: a saída de Costa significa eleições.

No final de uma visita ao Parlamento Europeu, em meados de maio, Marcelo Rebelo de Sousa dizia que pode constatar que o “Governo tem muito peso a nível europeu”, numa força que atribuía “quer ao primeiro-ministro, quer ao secretário de Estado para os Assuntos Europeus”. Ao mesmo tempo não quis comentar a hipótese de António Costa ser : “Não me vou pronunciar sobre essa matéria porque é do foro interno“. E ameaçava de novo: “Já disse qual a [sua] posição há muito tempo”.

O PSD de Luís Montenegro está a apontar para 2026, mas preparado para eleições em 2024 caso estas sejam precipitadas. Nas hostes sociais-democratas prevê-se até que Marcelo Rebelo de Sousa possa aproveitar uma eventual fuga de Costa para a Europa para fazer uma reconciliação com o eleitorado de centro-direita. Satisfaz o eleitorado da sua área política ao convocar eleições (na sequência das quais a direita pode voltar ao poder) e, ao mesmo tempo, o eleitorado de esquerda não o pode acusar de ser desleal porque avisou, em março de 2021, que sem Costa haveria eleições. Voltando às reais hipóteses de Costa ainda nada se faz à tona, mas as movimentações já começaram. E o contexto não é tranquilo, mas está favorável.

Marcelo verificou “peso” de Costa na Europa. Mas ida para alto cargo é do “foro interno” e saída só mesmo com eleições

Socialistas em segundo e bis de von der Leyen favorece Costa

Há quatro grandes cargos europeus que vão ser decididos entre junho e julho de 2024: a presidência da Comissão Europeia, a presidência do Conselho Europeu, a presidência do Parlamento Europeu e o Alto Representante da UE para a Política Externa. O Conselho Europeu, onde se sentam os chefes de Estado ou de Governo, é que escolhe os nomes, mas as escolhas têm de ser aprovadas pelo Parlamento Europeu, o que obriga os líderes europeus a olhar para o resultado das Europeias.

Uma projeção com a média das sondagens de maio de 2023 mostra que o partido mais votado deverá ser o PPE (família europeia de PSD e CDS), o segundo mais votado os S&D (os socialistas europeus, família à qual pertence o PS) e o terceiro o Renew (os liberais, onde está o partido de Macron). Por norma, o partido mais votado (neste caso o PPE) não abdica de ter o presidente da Comissão Europeia. Para esse lugar há uma escolha óbvia: Ursula von der Leyen, haja ou não uma simulação de um processo de spitzenkandidat (ver na caixa em baixo o que significa este palavrão europeu). Ursula não terá anticorpos entre socialistas e liberais e esse cargo ficaria fechado.

O que é o processo de spitzenkandidat?

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O processo de Spitzenkandidaten é um processo criado para aumentar a legitimidade democrática do presidente da comissão europeia. A ideia é que as famílias europeias escolham, numa espécie de primárias, o seu candidato a presidente da Comissão Europeia. Assim, quando os cidadãos europeus forem votar, a nível global, sabem que também estão a escolher o seu favorito para a presidência da comissão europeia.

No entanto, mesmo que o partido mais votado seja o escolhido no processo de spiteznkadidaten essa escolha não é vinculativa. Em 2014 o candidato dos socialistas europeus foi o alemão Martin Schulz (o que significa que todos os que votaram no PS votaram nele indiretamente) e o do PPE foi Jean-Claude Juncker (todos os que votaram em PSD e CDS votaram nele indiretamente. O partido mais votado foi o PPE e Juncker acabou por ser escolhido pelos líderes europeus para presidente da Comissão Europeia. Mas não necessariamente por essa razão.

Cinco anos depois, o processo foi repetido, o partido mais votado foi novamente o PPE, mas o seu candidato escolhido (Manfred Weber) acabou vetado por líderes e partidos europeus. A presidente da Comissão Europeia acabou por ser Ursula von der Leyen, sem qualquer respeito pelo processo de spitzenkandidat. Muitos vaticinaram o fim deste sistema, já que ficou provado que não tinha força vinculativa — mesmo que houvesse uma maior legitimidade democrática.

Neste momento, os grandes partidos ainda estão a refletir sobre o que fazer. O mais natural seria que o candidato do PPE fosse Ursula von der Leyen e, em condições normais, as outras famílias europeias apresentassem candidatos. Ainda está tudo em aberto

A segunda família europeia ficará, naturalmente, com o segundo cargo mais desejado: a presidência do Conselho Europeu, embora o cargo tenha ficado para os liberais em 2019 (pelo peso que então tinham no Conselho Europeu e entretanto perderam), agora os socialistas (com o peso de terem a Alemanha) não vão abdicar do cargo. Começa a desenhar-se o caminho de António Costa: entre os socialistas, é um dos mais prestigiados.

O primeiro-ministro corresponde a dois critérios que a elite europeia não tem por hábito dispensar para o cargo: ser de um país médio da UE e ser um primeiro-ministro em funções (o que credibiliza o cargo). Foi assim com os três representantes anteriores do cargo: Herman von Rompuy (Bélgica), Donald Tusk (Polónia, neste caso um país grande) e Charles Michel (Bélgica).

Os liberais têm mais representantes (sete no Conselho Europeu do que os socialistas (seis), mas os seis chefes de Governo socialistas — impulsionados por países grandes como a Alemanha e a Espanha– representam quase um terço da população da União Europeia (30,99%). Os liberais, mesmo com a França, representam 24,17% da população da UE.

Já o PPE, mesmo com nove membros, tem apenas 15,58% do Conselho. Se Alberto Feijóo (PPE) derrotar Pedro Sanchéz (socialista) nas eleições gerais espanholas, o centro-direita pode ficar também a ser a área política que representa mais população naquele órgão (aumentando esses 15,58% a 26,2%), à boleia de uma perda dos socialistas (que aí passariam de uma representação no Conselho Europeu correspondente a apenas 20,37%). Mas a derrota de Sanchéz é boa ou má para Costa?

Previsível derrota de Sánchez e prestígio também a favor do primeiro-ministro português

As sondagens indicam que o atual primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, deve perder as eleições (marcadas para 23 de julho) para o candidato de centro-direita. Fontes europeias que estarão de forma mais ou menos direta envolvidas nesta futura escolha explicam ao Observador que “Sánchez só tem hipóteses se vencer as eleições em Espanha”. Nos corredores da Moncloa há muito que se fala de um interesse de uma fuga de Sánchez para o plano internacional (para o Conselho Europeu ou até para secretário-geral da NATO), mas perder eleições retira força ao espanhol.

Além disso, Costa goza de um prestígio entre socialistas que é reconhecido pela direita europeia. O primeiro-ministro português é o decano socialista no Conselho, tendo chegado antes de Pedro Sánchez às lides europeias e muito antes de Robert Abela (Malta) ou Mette Frederiksen (Dinamarca). Olaf Scholz é um caso à parte: sendo chanceler alemão nunca poderia (nem quereria) abandonar o cargo para assumir um alto cargo europeu. Além disso, um dos “big four” já estará ocupado por uma alemã (Ursula von der Leyen).

António Costa é também um nome que não tem anticorpos europeus (há uma querela com o líder da CDU, Manfred Weber): o PPE vê no português um moderado, os socialistas como um dos seus, o líder do liberais (Emmanuel Macron) vê nele um aliado e mesmo em setores mais conservadores é bem recebido. É disso exemplo, a relação com ex-PPE da direita conservadora Viktor Orbán, sobre quem emitiu um comunicado há três dias a dizer que “mantém naturalmente relações de trabalho”.

A visita a Budapeste foi vista por várias fontes diplomatas como parte de uma  campanha para um futuro cargo europeu. A socialista, antiga embaixadora e ex-candidata presidencial Ana Gomes verbalizou mesmo a análise de que Costa estava no terreno com um objetivo. “Uma campanha alegre...”, escreveu no Twitter.

António Costa tem a desfavor o facto de — com a alemã Von der Leyen na Comissão e o português o Leste ficar de fora dos dois melhores dos quatro cargos num momento em que — impulsionado pela guerra da Ucrânia — reivindica a deslocação do centro de poder da UE para Leste. As boas relações com Orbán e uma eventual passagem da Polónia das mãos do conservador Morawiecki para o centro-direita de Tusk podiam ser, de facto, mais pontos a favor de António Costa.

Há ainda quem alegue que o facto de Portugal ter tido a presidência da Comissão Europeia entre 2004 e 2014 reduz a margem para que tenha a presidência do Conselho em 2024. No entanto, essa regra não-escrita não colhe no historial que existe: a Bélgica, país médio como Portugal, teve dois dos presidentes do Conselho e o Luxemburgo, um país pequeno, três da Comissão, dois deles relativamente recentes (Jean-Claude Juncker e Jacques Santer).

São muitas variáveis, mas em Bruxelas e Estrasburgo não há dúvidas: Costa é um dos favoritos para ocupar a presidência do Conselho Europeu, caso o cargo caia para os socialistas.