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CEO da Vinted: "Potencial da inteligência artificial é enorme, mas conversa de charlatão é ainda maior"

Em entrevista ao Observador, Thomas Plantenga, CEO da Vinted, critica a diretiva que obriga os utilizadores a declarar ganhos ao fisco e conta como a plataforma tem "subsidiado" o mercado português.

O convite chegou há oito anos. O holandês Thomas Plantenga vivia confortavelmente em Nova Iorque depois de ter vendido a sua startup, “e estava sem nada para fazer”. Até que os investidores de outra empresa que tinha fundado se lembraram que ele podia ser a pessoa ideal para salvar uma pequena startup lituana que estava à beira da falência. “Disseram-me: ‘Chama-se Vinted, vende roupa em segunda mão, podes ajudá-los?’. E eu respondi ‘nem pensar! Quero relaxar, ir andar de skate’”. Mas Thomas Plantenga acabou mesmo por ir conhecer a Vinted. E por lá ficou até hoje. No ano passado, a empresa deu lucro pela primeira vez.

A primeira visita durou cinco semanas, conta ao Observador o CEO da Vinted, numa entrevista realizada no âmbito da presença de Thomas Plantenga na Web Summit. “Ouvi as histórias deles, de como cresceram na Lituânia, que foi libertada da União Soviética, de como construíram os primeiros negócios e pensei ‘uau, estas pessoas são mesmo inteligentes. Vou visitá-los durante algumas semanas e tentar ajudá-los’”.

Sem contrato nem nenhum vínculo formal à Vinted, ajudou a desenhar e implementar um plano de reestruturação “agressivo” na empresa, que implicava despedir metade dos funcionários, fechar vários escritórios e centralizar os serviços de engenharia e apoio ao cliente na Lituânia. Basicamente, “mudar o modelo de negócio da empresa e a forma como trabalhavam”. Do outro lado recebeu luz verde. E o plano deu resultado. “Gostei muito e eles disseram que eu tinha de ficar a liderar a empresa. Só tinha uma mala para cinco semanas”. Só ao fim de um ano e meio em Vilnius é que voltou à base, em Nova Iorque, para tratar da mudança definitiva.

A Vinted é hoje a principal aplicação de venda de roupa em segunda mão da Europa. Está presente em 20 países e também nos Estados Unidos, mas neste mercado a presença é quase insignificante, admite Plantenga. “É muito diferente. Tentámos algumas vezes no início, tentámos em 2018, depois creio que novamente em 2022, mas nenhuma das tentativas teve sucesso. Então focámo-nos na Europa. Talvez no futuro, em 2026 ou 2027”. Entrar no mercado norte-americano é muito mais difícil, admite, embora não saiba exatamente porquê. “Se eu soubesse seríamos grandes nos EUA. Vamos continuar a tentar”.

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Na Europa, o negócio tem vindo a mudar. A Vinted já não é exclusivamente uma plataforma de venda de roupa em segunda mão. Agora que a empresa deu lucro, o unicórnio lituano começou a explorar outras direções. “Estamos a usar os lucros e as nossas receitas para investir noutras categorias, como a verificação de artigos de luxo”, explica Thomas Plantenga. O serviço foi criado este ano e implica que os utilizadores que queiram vender artigos de marcas consideradas de luxo, como carteiras ou sapatos, enviem os produtos para os centros de verificação da Vinted. Atualmente são apenas dois, em Hamburgo, na Alemanha, e em Londres. E não está nos planos da empresa abrir outro pelo menos nos próximos 12 meses. “Se centralizarmos fica mais barato”.

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A aposta no segmento do luxo em segunda mão foi um processo de tentativa e erro. “Já tínhamos tentado antes e nunca tínhamos tido sucesso”. Atualmente, adianta Plantenga, o segmento de artigos que custam mais de 500 euros é o que está a crescer mais depressa. O ‘salto’ deu-se com a compra da plataforma alemã de venda de moda em segunda mão Rebelle, “que tinha os tais verificadores de autenticidade”. “Nós éramos só uma empresa focada em tecnologia, pensávamos que podíamos entrar no mercado do luxo só com as máquinas e a Inteligência Artificial a verificar. Depois percebemos que não é assim que funciona. Adquirimos a Rebelle e fazemos o serviço de autenticação a um custo muito baixo”.

Recentemente, os centros de verificação passaram a receber mais do que carteiras da Louis Vuitton ou da Chanel para verificar. A Vinted expandiu o serviço para produtos eletrónicos, que também têm de ser inspecionados pelos serviços centrais. A opção chegou esta semana a Portugal. “É um dos primeiros países onde estamos a testar. Se correr bem, avançamos para outros”.

“Estamos a usar os lucros e as nossas receitas para investir noutras categorias, como a verificação de artigos de luxo”
Thomas Plantenga, CEO da Vinted

“Mas essa é apenas uma das nossas empresas”, explicou Thomas Plantenga. Ainda não estão disponíveis por cá, mas a Vinted já desenvolveu outros serviços além da plataforma de venda de roupa em segunda mão. “Neste momento estamos a investir numa empresa de envios (shipping) e numa empresa de pagamentos”, revela. “Nos Países Baixos, na Bélgica e em França já trabalhamos completamente com a nossa empresa de envios. Temos cacifos, armazéns, tudo. O que estamos a tentar é criar uma empresa baseada em cacifos”, onde as pessoas possam ir buscar os artigos que encomendaram. “Queremos que a nossa pegada de CO2 seja o mais baixa possível e que os preços dos nossos portes sejam os mais baixos possíveis. E assim as pessoas poderão negociar mais artigos de baixo valor. Se o preço do envio baixar, a probabilidade de vender um artigo barato aumenta”.

Além da empresa de envios, a Vinted está a apostar também no desenvolvimento do seu próprio serviço de pagamentos. Atualmente, é necessário usar uma solução externa para processar um pagamento na plataforma. Sobre se alguma dessas opções chegará a Portugal, Thomas Plantenga diz apenas “talvez”.

“Estamos a subsidiar o mercado português”

A Vinted não divulga resultados por país, nem tão pouco dados sobre utilizadores. Sabe-se que em 2023 deu lucros de 17,8 milhões de euros, que comparam com prejuízos de 20,4 milhões de euros no ano anterior. Mas o CEO não adianta mais detalhes sobre, por exemplo, quais os mercados mais valiosos para a plataforma – diz apenas que França e Reino Unido são muito grandes – ou quanto vale Portugal no ‘closet’ da Vinted. Mas garante que conhece bem o mercado português.

“É um mercado ótimo. E, recentemente, demo-vos uma ajuda. Estamos a subsidiar-vos”, atira, referindo-se ao facto de a Vinted não estar, desde meados de setembro, a cobrar portes de envio para compras em Portugal. Quem compra na plataforma, além do custo do produto, paga uma taxa de proteção do comprador, absorvida pela Vinted e que consiste num valor fixo de 0,70€ que é acrescido de 5% do preço do artigo, e ainda os portes de envio, que dependem do tamanho da encomenda e do destino. “Estamos a ajudar-vos” com os portes grátis, insiste. E porquê? “Estamos sempre a testar”, responde. “Estamos sempre a tentar descobrir como é que podemos dar a melhor experiência possível aos utilizadores. E de vez em quando subsidiamos os envios, verificamos o crescimento das vendas e vemos o que fazer com isso”.

A maior fatia das receitas da Vinted provém, justamente, da proteção ao comprador cobrada por cada transação. Só que esta é também a parcela que tem uma margem bruta menor, porque é o que financia os custos com os pagamentos, os envios e a proteção ao comprador, explica o CEO. Outra parte das receitas vem da funcionalidade de promoção do closet, ou seja, das peças de roupa que o utilizador tem à venda. Aqui, mediante pagamento, os utilizadores podem ver as suas peças surgirem mais vezes ou com mais destaque nos feeds de quem procura comprar, para serem vendidas mais depressa. “Aqui temos uma boa margem de lucro”. A Vinted tem ainda receitas com publicidade.

“Estamos sempre a tentar descobrir como é que podemos dar a melhor experiência possível aos utilizadores. E de vez em quando subsidiamos os envios, verificamos o crescimento das vendas e vemos o que fazer com isso".
Thomas Plantenga, CEO da Vinted

Já a terciarização dos envios, que em Portugal é feita através de empresas como os CTT, a InPost e a DPD, “muitas vezes faz-nos perder dinheiro”, afirma. “Trabalhamos constantemente com essas empresas para tentar reduzir os preços” dos envios e “acelerar o mercado”.

Os utilizadores portugueses da Vinted podem, atualmente, fazer transações com outros utilizadores em Espanha, Itália, França e Países Baixos. Em breve, a Alemanha poderá estar ligada a Portugal, revela o CEO ao Observador. “A Alemanha nunca funcionou para nós. Mas agora estamos a melhorar o serviço na Alemanha e estamos a expandir o serviço internacional também para lá. Na verdade, julgo que ficou disponível apenas na semana passada. E, pela primeira vez, o mercado alemão está ligado a outros mercados. Isso significa que pode estar ligado a Portugal também”.

A distância, mas não só, define a quantos mercados cada país está ligado na plataforma, explica Plantenga. No caso de Portugal, não faria sentido, por exemplo, fazer envios de e para os países nórdicos, apesar de o objetivo ser que cada país “tenha acesso a mais stock”. “A distância é importante para criarmos rotas”, refere. Essas rotas são definidas pelas empresas de entrega de encomendas. “É  preciso que o preço seja atrativo. Se for muito alto, não faz sentido comercializar numa distância tão longa”. No caso do Reino Unido, por exemplo, as taxas alfandegárias também são uma barreira.

“Conversa de charlatão” sobre IA é “ainda maior” que o seu potencial

Foi o tema dominante na Web Summit e Thomas Plantenga também teve uma palavra a dizer. O potencial da inteligência artificial (IA) é “enorme”, reconhece, “mas o nível de conversa de charlatão sobre a IA é ainda maior”, defende. “É incrível, vai mudar o mundo, vamos ser todos ricos”, diz em tom de ironia. Ferramentas como estatísticas preditivas são usadas pela Vinted “há muitos anos” – “chamaram-lhe machine learning, agora chamam-lhe IA” – quando, por exemplo, a plataforma apresenta recomendações com base em artigos visualizados anteriormente.

“A aceleração que vemos agora com a OpenAI ajuda a abrir e acelerar a redução de custos e há, talvez, outras coisas que estão a correr melhor. Mas não é o centro do nosso trabalho. Onde vemos que pode ser útil, usamos IA. Onde não é útil, não usamos. Não falamos muito sobre isso, como não falamos do facto de usarmos análise de dados. As pessoas agora falam muito sobre isso porque se os investidores acreditam que a IA vai mudar o jogo, a empresa obtém uma avaliação maior. Nós não fazemos isso porque queremos ser honestos. Sim, é algo que realmente ajuda certas áreas. Nas outras, é só mais uma tecnologia”.

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Uma das áreas onde a Vinted usa IA é na deteção de fraudes nas vendas. “Não imagina quantas pessoas temos a trabalhar para manter a Vinted segura. Nós rastreamos o comportamento das pessoas sobre o que vendem, quando põem os artigos à venda, em que língua estão a vender, e dessa forma tentamos filtrar os bots e as fraudes. E quando um negócio fraudulento é concretizado, o comprador precisa de confirmar que o artigo chegou”, e se não tiver chegado o vendedor não recebe o dinheiro. “Os burlões estão a usar IA para burlar, nós estamos a usá-la para ir atrás deles”. A taxa de tentativas de burla é “elevada”, admite o CEO da Vinted. Mas a taxa efetiva de burlas é “muito baixa”. “Se fosse alta estávamos falidos”.

Diretiva que obriga utilizadores a comunicar ganhos ao fisco é “injusta”

Desde o início deste ano que, devido à transposição da diretiva europeia  DAC7, quem ultrapassa as 30 transações por ano ou dois mil euros em vendas na Vinted é obrigado a comunicar os ganhos ao fisco. Uma medida que Thomas Plantenga considera “injusta” e “mal construída”.

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A entrada da medida em vigor obrigou empresas como a Vinted a reportar ao fisco “um número muito elevado de utilizadores, quando só muito poucos é que precisam realmente de pagar impostos”. No caso da Vinted, o CEO estima que uma percentagem muito reduzida dos utilizadores sejam abrangidos, por ultrapassarem os limites de vendas determinados. O problema, detalha, é que todos os utilizadores com um número relevante de transações têm de ser alertados. E isso cria desconfiança.

“Sempre que dizemos às pessoas que precisamos ter seus dados porque temos que entregá-los às autoridades toda a gente pergunta ‘mas vamos ter de pagar impostos?’ E aí temos que explicar que não”. Aplica-se apenas a utilizadores (normalmente empresas) que estão a vender coisas com lucro, sublinha. “E a maior parte das pessoas está a vender os seus artigos por um valor inferior ao que pagou por eles. Está a ter prejuízo. Não vai ter de pagar impostos. Tivemos de investir muito tempo e esforço para explicar isso aos utilizadores”. O CEO reconhece as “boas intenções” da regulamentação, mas vinca que “não está a ajudar” as empresas. “Podiam ter criado uma medida melhor”.

Para Thomas Plantenga, há três coisas que fazem com que as pessoas queiram comprar roupa em segunda mão: “o preço, a sensação de não estar a desperdiçar e a alegria de um bom achado”. No dia da entrevista com o Observador, toda a roupa que o CEO trazia vestida tinha sido comprada na Vinted, à exceção da t-shirt e das meias.

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