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Aldeia Olímpica levou a um forte investimento de Paris mas com pensamento a longo prazo: depois dos Jogos, ficarão 3.000 apartamentos para famílias e estudantes
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Aldeia Olímpica levou a um forte investimento de Paris mas com pensamento a longo prazo: depois dos Jogos, ficarão 3.000 apartamentos para famílias e estudantes

Aldeia Olímpica levou a um forte investimento de Paris mas com pensamento a longo prazo: depois dos Jogos, ficarão 3.000 apartamentos para famílias e estudantes

Cereja amarga, quatro gastronomias a ladear uma nave, máquinas arcade e um piano para todos: os (outros) segredos da Aldeia Olímpica

Observador passou a tarde na Aldeia Olímpica a conhecer a casa dos atletas em Paris, depois da manhã com direito a pedido de casamento na Argentina. Simone Biles não estava mas havia muito por contar.

Enviado especial do Observador em Paris, França

O título 1: a Aldeia Olímpica vai ter à disposição milhares de preservativos distribuídos de forma gratuita. O título 2: as camas da Aldeia Olímpica são anti-sexo. O título 3: __________ (palavra a definir) gera clima de preocupação na Aldeia Olímpica. Quando entramos na antecâmara do arranque oficial de uma edição dos Jogos Olímpicos, a ideia que fica é um pouco aquela que sobra quando se vai fazer uma reportagem sobre o dia nas matas que circundam o Jamor antes da final da Taça de Portugal: há grelhados, há porco no espeto, há sombras por causa do calor, há minis e médias geladinhas no frio, há viagens de muitos quilómetros e a seguir que ganhe o melhor. Há mais do que isso à volta do Estádio Nacional. Há muito mais do que isso na Aldeia Olímpica, neste caso a de Paris. E foi isso que o Observador foi ver in loco ao longo da tarde de quinta-feira como pode também ouvir aqui neste episódio de “A História do Dia” da Rádio Observador.

Os Jogos Olímpicos da segurança e das medalhas

Aliás, ponto prévio antes de avançar para aí. Para que existam os títulos 4, 5 e 6 que não sejam repetidos de quatro em quatro anos, esta manhã houve logo um pedido de casamento a abrir o dia de Pablito Simonet, jogador argentino de andebol, a Maria Compoy, jogadora argentina de hóquei em campo. Se é para haver as repetições, as mesmas podem ser sobre os atletas mais requisitados. Carlos Alcaraz, por ser ainda aquele miúdo que diz que sim a tudo e se desfaz em simpatia perante tantos os pedidos de fotografia, encontra-se agora na primeira posição dessa corrida ao “troféu Usain Bolt” – a estrela mundial mais requisitada quando estava ainda no ativo, nas edições de 2008, 2012 e 2016, que deixou uma marca difícil de igualar a esse nível.

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No entanto, dúvidas existissem, há uma figura acima de todas as outras. Não, não é Carlitos, o suprassumo da energia que consegue deixar Rafael Nadal de rastos (“Estive com o Carlos três dias e não aguento mais, já demos sete voltas pela Aldeia Olímpica e nunca se cansa. Hoje queria ir tirar fotografias com jogadores de badminton e disse-lhe para sozinho, que já não aguentava”, contou o “verdadeiro” rei de Roland Garros). E não, também não é Lebron James e companhia até porque o basquetebol norte-americano voltou a optar por ficar num hotel fora da Aldeia, não apenas nesta fase inicial de competições que será feita em Lille mas ainda quando tudo passar para Paris. Sim, é Simone Biles. Pelo que fez na ginástica, pela capacidade de dizer “vou parar” em Tóquio, pelo que representa para diferentes gerações. Entre homens e mulheres, é “the one“.

Comecemos por aquilo que é quase protocolar dizer. Um pouco à semelhança do que conseguimos ver em 2012 nos Jogos de Londres, Paris aproveitou uma zona a norte da cidade, relativamente perto do Stade de France em Saint Denis, para criar um novo espaço civilizacional. Expliquemos em números: investimento de 1,4 mil milhões de euros, 82 edifícios, cerca de 3.000 apartamentos novos, 14.000 pessoas que estarão agora nos Jogos entre atletas, treinadores e demais membros das delegações mas que passarão depois a ser famílias e estudantes tal como na capital inglesa, que tinha a vantagem da criação de uma estação de metro.

Depois, aquilo que todos gostam sempre de relembrar: as camas feitas de cartão, uma ideia que é recuperada de Tóquio por questões ambientais mas que tem capacidade de aguentar um total de 140 quilos, colchões que são personalizados para muitas das delegações incluindo a de Portugal, mesas de cabeceira também feitas de cartão com a frase “Sonha com os teus feitos de amanhã” e uma zona dedicada para todas as mães com bebés mais pequenos terem outro espaço para estarem com os seus filhos entre as 9h da manhã e as 21h (neste caso um pormenor menos falado mas que é uma novidade nas Aldeias Olímpicas). Indo mais aos pormenores, nota-se o cuidado de recordar a organização dos Jogos de 1924 há exatamente um século em pequenos pontos como a madeira nas fachadas das habitações e as referências a Pierre de Coubertin.

Carlos Alcaraz tem sido um dos grandes fenómenos mediáticos da Aldeia Olímpica (até Nadal já admitiu estar cansado) mas a grande rainha é mesmo Simone Biles

Stephen McCarthy

Agora, a nossa visão. A Aldeia Olímpica é a coisa mais normal e também é isso que a torna tão especial. Aqui tem-se falado quase sempre de segurança e de enormes operações policiais de prevenção. Esta quinta-feira fomos também percebendo que o aumento do número de atletas no espaço e, por consequência, a natural multiplicação de pedidos de transportes para treinos e/ou reconhecimentos de locais de competição iniciou mais uma etapa das habituais dores de crescimento nos dias iniciais dos Jogos que estão ligadas ao trânsito, à confusão e à inevitabilidade de mudança de alguns aspetos para que se evitem atrasos. No entanto, este é um espaço onde se percebe o contexto mundial em que chega Paris-2024 mas também se tenta fazer quase uma trégua olímpica a tudo o que tem acontecido nos últimos meses ou anos. Essa é a magia da Aldeia.

Chegados ao local, começamos a contar bandeiras no primeiro edifício logo em frente. Uruguai, Kosovo (que tem a curiosidade de nos reconhecer só pela língua portuguesa, algo que acontece neste caso pelos judocas nacionais que entram nas competições mundiais), Nepal, Namíbia, mais umas quantas que não se percebem tão bem porque estão mais de lado. Depois, já com as questões habituais da passagem pelo detetor de metais resolvida sem aquele típico gole da sorte – pode levar-se garrafas de água mas em alguns espaços, como já aconteceu em Tóquio, os responsáveis bebem que se beba um pouco por questões de segurança – resolvidas, há uma espécie de rampa e uma sala mais para o quadrado do que para o retangular que mais parece uma chicana de fitas rosas até ao destino final pretendido. Quando o mesmo é apenas chegar à sala de imprensa, a tarefa fica ainda mais fácil: é só seguir em frente e avançar para onde está o maior aglomerado.

De um lado, o direito, estão as novas acreditações para quem quer entrar na Aldeia Olímpica mas não pode passar da zona do Plaza. Do outro, as filas da esquerda acabam quase numa daquelas cerimónias de campo no futebol antes da moeda ao ar: uma acreditação para lá, uma braçadeira de capitão para cá, o número 125 para inverter depois a ordem. Quem tem os direitos lidera de laranja, quem não tem vai de amarelo, todos vão ser por umas horas capitães de equipas de uma só pessoa (ou duas, com câmaras) antes de chegarem ao local onde se concentram todas as equipas. Todas não, quase todas. Há muitos atletas que ainda não vieram, outros que estão fora da Aldeia Olímpica por necessidade como a vela que está em Marselha, o basquetebol que na fase inicial fica em Lille ou o futebol que está por todo o lado, outros ainda que tendo essa hipótese optam por permanecer mais perto dos locais de provas e longe da confusão. São muitos na mesma.

A zona do Plaza, a tal zona onde todos os jornalistas podem aceder sem restrições para fazer entrevistas com atletas previamente combinadas, destaca-se sobretudo pelo ecrã gigante com várias cadeiras de praia rosas para ir assistindo a todos os encontros que ali vão passando. Há uma loja de comunicações da marca que faz o patrocínio dos Jogos Olímpicos a esse nível, um supermercado que tem como produto mais procurado o gel de banho para os mais esquecidos (e a preços mais “normais” face ao que temos visto quase como se Paris-2024 fosse um qualquer imposto suplementar que obriga a encarecer tudo), uma outra loja com produtos desta edição dos Jogos. Mais acima, um cabeleireiro que tem sempre grande azáfama à porta para todas as marcações de cabelo e unhas, algumas mesas onde se trocam pins de edições anteriores onde não havia a febre das apps para tudo e um piano. Um piano onde tocam atletas espanhóis, um piano que serve para um treinador dar uns toques, um piano que serve para um show de uma voluntária japonesa. O piano é de todos.

As famosas camas de cartão que aguentam 140 quilos, numa ideia que veio de Tóquio, que no caso de Portugal (e outros países) têm colchões inteligentes

É ainda ao som desse piano, em versões melhores ou mais desafinadas, que entramos na Aldeia Olímpica e o trajeto até ao edifício de Portugal não está propriamente longe. A delegação nacional divide o edifício com a Colômbia e o Koweit (dos primeiros vimos alguns elementos, dos segundos nem um) mas tem ali tudo à sua disposição. Começamos pela parte médica, tendo como cicerone Gomes Pereira: uma primeira zona com sala de consultas, zona de exames, uma enorme farmácia, alguns desfibrilhadores que é coisa que não falta por toda a Aldeia Olímpica. Em cima, num acesso por umas escadas em caracol, fica a fisioterapia. Uma, duas, três, quatro marquesas, zero hipóteses de alguém ficar à espera. Porquê? Existe um sistema online interno que permite agendar a hora e que funciona depois como base de dados para o que vai sendo feito.

Descemos de nova à sala principal, onde o presidente do Comité de Portugal, José Manuel Constantino, vai aproveitando para acompanhar as decisões na fase de grupos de râguebi de sevens, e o foco passa a ser uma mesa enorme para os atletas. Neste caso, falamos de nutrição: os cada vez mais famosos géis, várias barras de proteína, suplementos de vitaminas ou para dormir melhor, produtos com cereja amarga. Isso mesmo, cereja amarga. Nesta fase inicial de Jogos olhar para uma máquina com café português que tira aqueles expressos que aqui parecem não existir com tanta facilidade já se começa a tornar um oásis no deserto mas foi essa novidade que nos prendeu a atenção. Os estudos mostram que tem propriedades que permitem ser como um anti-inflamatório e ajudar na recuperação, o que faz com que exista também no “modelo” diluído em água, que está ao pé de um outro recipiente que tem água com menta. Tudo foi pensado ao pormenor.

Subindo encontramos a zona técnica, liderada pelo Chefe de Missão, Marco Alves. Os últimos pormenores em relação à cerimónia de abertura estão ainda a ser fechados, sabendo-se por exemplo que os atletas da vela poderão vir de Marselha a Paris para sentirem um pouco mais o espírito olímpico, e a azáfama ainda é uma constante até chegar a velocidade cruzeiro do início das competições. “Uma palavra para pensar no dia 12 de agosto, no regresso a Portugal? Dever cumprido. Pode parecer um chavão mas é dever cumprido, aquele sentimento de que os portugueses tiveram orgulho nos seus atletas”, explica num dos segmentos do podcast História do Dia que pode ouvir esta sexta-feira no Observador. Último passo? Os quartos. Neste caso um quarto, aquele que iria receber João Fernando e Jorge Fonseca umas horas depois. Logo atrás da porta está uma cartaz com todas as recomendações, da roupa por dia aos procedimentos, à frente encontram-se as duas camas com uma fotografia atual colada na parede e outra mais jovens em cima da cama, entre mais uma recordação dada pelo Comité Olímpico. O colchão é um inevitável motivo de conversa, um QR Code também.

A parceria feita com a Ergomotion, nomeadamente “a tecnologia integrada na cama ErgoSportive que rastreia a qualidade do sono e, através das métricas avaliadas pelo sensor instalado na base da cama, permite monitorizar e analisar múltiplos índices de saúde, nomeadamente os períodos em sono leve e profundo, batimento cardíaco, respiração e até mesmo as calorias queimadas durante a noite”, é um sucesso. “Os atletas portugueses em competição têm uma cama smart totalmente ajustável e adaptável a cada utilizador que, além de permitir a elevação de pernas, costas e cabeça, distingue-se por disponibilizar terapia de vibração, posição de gravidade zero, sistema automático anti-ronco e formas mais tranquilas de despertar. Todas estas funcionalidades impactam ativamente a qualidade do sono e na eficácia da recuperação física e mental”, acrescentou a marca. Afinal, a explicação do QR Code é fácil: mede todos esses dados apurados.

Refeitório principal tem uma nave que se perde de vista e seis restaurantes, três de cada lado, entre cozinha, francesa, árabe, asiática e do mundo

As centenas de trabalhos inspiradores enviados por escolas forram as paredes de acesso e estão também em alguns quartos de atletas. Desenhos assim, ao longo da visita, veríamos apenas na casa da Ucrânia, neste caso no vidro da entrada para que todos possam ver não só aquilo que as crianças enviaram para os seus atletas mas também a forma como a guerra no país não é esquecida. Antes, ainda nas proximidades do edifício de Portugal, os vizinhos mais próximos. Países Baixos, Japão, Austrália. Tudo vizinhos que, “a dedo”, dificilmente poderiam ser “melhores”. Aliás, a Austrália quase merece a medalha de melhor edifício, não só por todas as facilidades extra que concede aos atletas mas também pelas zonas de lazer e pelas marcas que distinguem o país. Só não ganha mesmo em localização aos EUA, que ocupam o edifício mais perto da saída para os transportes, seja treinos, seja competições, e um dos mais próximos do gigante refeitório.

Ou seja, o que todos gostariam de ter. Como foi parar aos EUA, ninguém sabe ao certo.

A partir daí podemos encontrar algumas nuances mas é quase sempre o mesmo. Muitas bandeiras, muitos adereços, muitos países, muita união, muitos atletas a seguirem para um ginásio que cansa a vista só de ver a dimensão e que também está por ali. Só existe mesmo um senão que nos deixa a pensar: logo ali ao lado do edifício da Sérvia, que fecha a rua da Austrália na estrada principal, estão casas de pessoas normais, que têm vidas normais. Questão? Têm vista completamente aberta para essa parte da Aldeia Olímpica. Alguma preparação ou estudo de segurança terá sido feito. Qual, é complicado perceber. Certamente existiu.

Focamo-nos a partir daí em dois outros ex libris da Aldeia Olímpica enquanto continuamos a ver passar carros e bicicletas elétricas disponíveis a todos. Ponto 1, o refeitório. Para se ter acesso ao edifício que antes era a Casa do Cinema mas que agora passou a ser a casa de todos os sabores, todos passam por uma zona de entretenimento com jogos de lançamentos de basquetebol e dardos que recebe também nesta fase a votação para o Comité dos Atletas Olímpicos. Aí, a descrição é fácil entre uma nave central que parece não ter fim à vista: há três restaurantes à direita, três à esquerda que tiveram trabalho de três conhecidos chefs, com opções de comida francesa (dois), comida mundo (dois), comida asiática e comida árabe. É mesmo assim? Talvez não, explicam-nos. É que entrando nuns e noutros, a diferença não é assim tanta…

Mais à frente, já depois da passagem por mais uma das muitas lavandarias (a roupa é deixada no período matinal e está pronta ao final do dia para levantamento), uma outra zona de descontração onde até se pode beber na loucura uma Corona Zero sem álcool. Há várias televisões que passam outras tantas competições, um daqueles jogos do disco às tabelas, outro jogo de basquetebol, mesas de matraquilhos, duas máquinas de pinball e uma surpresa. Uma não, entre 16 e 18 se quisermos contar com as tais máquinas de pinball para essa contabilidade: são máquinas arcade que permitem recuperar jogos mais antigos como um parecido com o Street Fighter  daqueles que os mais velhos se lembram bem e que os mais novos perguntam a razão para estar tão pixelizado quando agora tudo é mais nítido. Será que é a nova moda vintage?

Mais uma volta e regressamos à zona do Plaza enquanto vai passando outro barco da polícia pelo Sena. A Aldeia Olímpica está dividida pelo rio, tendo como principal edifício do outro lado o da China, mas a esta hora encontra-se sobretudo dividida pela quantidade enorme de atletas que estão a ir ou a chegar para treinos. Os Jogos Olímpicos estão a chegar e todos os pormenores são afinados para a melhor estreia possível e desejável, com essa certeza de que o espaço deverá ser um daqueles que tem mais forças policiais à vista mas que, ao mesmo tempo, é das que está mais guardada. Próximo objetivo? A cerimónia de abertura ao longo do rio Sena. Enquanto não chegar, há sempre tempo para alguém se voltar a sentar e tocar piano.

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