André Ventura deu ordens para que todos os deputados do Chega estejam preparados e disponíveis para candidaturas autárquicas pelo país, seja a câmaras ou a assembleias municipais. A maioria dos nomes já foi partilhado pelas estruturas com o líder do partido e nas próximas semanas e meses começarão a ser anunciados alguns nomes. No entanto, o nó górdio continua a ser Lisboa, uma preocupação para Ventura, que continua sem um protagonista evidente para fazer mossa na capital.
Há uma solução criativa, que exigira algum risco e arrojo, mas que não está completamente descartada: ser o próprio André Ventura a liderar essa candidatura à Câmara Municipal de Lisboa. No entanto, sabe o Observador, isso só aconteceria em último caso e teria de ser muito bem ponderado. Não é, nesta altura pelo menos, uma hipótese provável.
Com 50 representantes sentados na Assembleia da República, o Chega investe tudo nas próximas eleições, focado num resultado que permita não só uma implementação local mais forte, agora que é a terceira força política no Parlamento, como também a correção dos erros de casting do passado que deixaram o partido em maus lençóis.
Apesar de as europeias não terem corrido manifestamente bem ao partido, o Chega acredita que o termo de comparação das próximas autárquicas deve ser o resultado das legislativas, onde foi a terceira força mais votada e permitiu que se aproximasse de PS e PSD. Agora, no regresso ao combate político local, Ventura ambiciona a conquista de câmaras municipais e quer o partido a provar que joga no campeonato dos grandes.
Uma incógnita chamada Lisboa
Há muito que a capital do país é vista como uma prioridade e preocupação para André Ventura. Apesar de o Chega ter conseguido 19 vereadores por todo o país, em Lisboa, que virou à direita com a vitória da coligação encabeçada por Carlos Moedas, não conseguiu os mínimos olímpicos: a eleição de um vereador para a câmara. Na altura, Nuno Graciano, que morreu em dezembro de 2023, foi a grande aposta do partido para a maior autarquia do país e falhou redondamente o objetivo.
Desta vez, o partido, como confirmava um destacado dirigente ao Observador, precisa de ir mais longe do que a “notoriedade” que procurou com Nuno Graciano e tem pouco espaço para errar na escolha de mais um candidato — ainda mais depois de estar escaldado com a aposta emTânger Corrêa que resultou numa quase hecatombe para o partido.
De resto, já no verão um deputado do partido antecipava que uma “má candidatura a Lisboa poderia influenciar não só todo o distrito, como o país” e essa é outra dor de cabeça que Ventura procura evitar, tendo em conta que há um foco mediático à volta da capital que não pode ser descurado. Mais ainda se a esquerda avançar mesmo com uma coligação para tentar derrotar Carlos Moedas e a eleição se tornar numa luta ainda mais polarizada do que é habitual.
Agora, o tempo vai-se esgotando, as possibilidades de candidatos vão sendo afuniladas à medida e fontes do Chega até reconhecem a possibilidade de o partido ir buscar alguém fora, não necessariamente quadro do partido. O problema é que no passado a questão não correu bem — o que pode ter um peso acrescido na decisão de André Ventura.
Mais do que isso, Ventura sabe que o escolhido estará entre tubarões e não quer voltar a falhar. No limite, o próprio líder do Chega poderia ser candidato autárquico à maior autarquia do país para apimentar a corrida. Sobre isso, o silêncio continua a ser a escolha preferencial. Ventura até pode ponderar essa possibilidade, mas só se não tiver outra opção considerada válida.
Deputados a postos para combate autárquico
Quanto ao mais, fonte da direção nacional do Chega confirmou ao Observador que Ventura deixou claro que ia precisar de toda a gente e que os deputados iam ser chamados para ir às autárquicas, independentemente do tipo de desafio. Nesta equação é recordado que, se por um lado, os deputados de maior confiança de Ventura podem ser lançados para grandes desafios, há também o outro lado da moeda: autarquias maiores dão mais trabalho, até para vereadores sem pelouros, e pode ser difícil conjugar os dois trabalhos no futuro, a somar às questões internas.
No mesmo sentido, uma outra fonte do núcleo duro de Ventura defende que “se algum deputado ganhar e for eleito presidente de câmara terá de deixar de ser deputado”. Pelo que Ventura poderia perder nomes importantes e só está disposto a fazê-lo se for uma câmara relevante para o partido. Já no caso de serem eleitos vereadores deve ser mais fácil gerir, mais ainda se não tiverem pelouros.
Em entrevista ao Observador, que será publicada esta quarta-feira, o deputado Bruno Nunes, que será, ao que tudo indica, candidato à Câmara de Loures, assumiu isso mesmo: “É lógico que os deputados se cheguem à frente. Não podemos apenas estar à espera de ir a eleições quando é o presidente do partido. Aí é fácil, sabemos que o presidente do partido tem influência direta nos resultados eleitorais. Mas temos que nos chegar à frente e temos que dar a cara”, disse.
Aliás, na bancada do Chega há deputados que acumulam cargos deste tipo há muito, como é o caso de Pedro Frazão, que até há poucas semanas mantinha o cargo de vereador em Santarém, Bruno Nunes, que é vereador em Loures, e de de José Barreira Soares, em Vila Franca de Xira. E depois das legislativas juntaram-se Rui Cristina e Eduardo Teixeira, ambos vereadores eleitos pelo PSD, que ainda se mantêm como independentes e não se filiaram no Chega porque perderiam o mandato autárquico.
Por outro lado, a mesma fonte acredita que há deputados que nem sequer devem ir a votos pela quantidade de trabalho acumulada entre Assembleia da República e funções no partido. Sendo que esta será uma minoria, os restantes devem mesmo ir a votos — com uma ressalva: não há câmaras para todos, mas há assembleias e, na esmagadora maioria das candidaturas, os deputados serão cabeças de lista. Devem estar disponíveis para o que for e para “ajudar o partido”, sublinha um dirigente.
Carlos Magno Magalhães, da Comissão Autárquica Nacional do Chega, faz as contas e, em declarações ao Observador, aponta um número: pelo menos 30 dos 50 deputados vão concorrer às eleições. Há quem vá mais longe no número: “Dos 49 deputados, deve ser o André Ventura e pouco mais que não vão a votos.”
Ao Observador, várias fontes vão justificando que a aposta nos deputados foi considerada normal, já que em várias autarquias, da lista de possibilidades, os candidatos mais conhecidos são os deputados — mesmo que muitos estejam longe de ter esse carimbo a nível nacional.
“O nosso problema é a visibilidade e os deputados têm mais visibilidade do que outras pessoas nesses distritos”, explica outro alto dirigente do Chega, acrescentando que “colocar como candidato alguém que de vez em quando aparece na televisão e ao lado do André Ventura acaba por criar uma ligação mais forte com os eleitores”. O contrário, alerta a mesma fonte, seria desperdiçar a oportunidade de ir a votos com quem é mais reconhecido em cada freguesia, em cada concelho, em cada distrito.
Num olhar alargado para a bancada há quem trace o cenário mais provável: há casos em que os deputados vão ser candidatos pelos círculos em que foram eleitos para as legislativas, mas também pode acontecer serem candidatos na área de residência ou perto — aliás, muitos distritos têm mais do que um parlamentar e essa realidade pode permitir distribuir deputados por mais lugares.
Para já, das poucas vezes em que deputados do Chega falaram sobre o tema, Rita Matias descartou, em entrevista à Renascença, a hipótese de ser candidata a Lisboa, dizendo que Ventura “terá outros nomes mais interessantes” e que o seu “compromisso” é com Setúbal. Já Pedro Santos Frazão, que foi candidato por Santarém, disse ao Observador que recusou uma recandidatura pelo mesmo sítio, mas está disponível por ir a votos noutro município.
Entre os deputados, a mensagem vai sendo espalhada em uníssono e prende-se com uma “disponibilidade” para aquilo que André Ventura precisar e quiser, sendo que nos municípios da grande Lisboa (capital à parte) o líder do Chega deve mesmo apostar em alguns nomes conhecidos do partido e há também deputados eleitos por outros distritos que podem ser colocados nestes locais.
O travão aos erros de casting
Carlos Magno Magalhães, da Comissão Autárquica Nacional do Chega, revela ao Observador que André Ventura já tem em sua posse a esmagadora maioria dos nomes escolhidos para as candidaturas autárquicas. Pelo menos “70% dos candidatos”, sublinha, que são a fase final de um processo que começou nas concelhias, passou pelas distritais e obteve o selo ou alterações da CAN.
No final de contas, a palavra final pertence à direção, mais especificamente ao presidente do Chega, mas o responsável entende que “as autárquicas têm sempre de pertencer às distritais e concelhias” e que, por isso, foi e é “depositada confiança” nas escolhas feitas pelas estruturas locais.
“Não queremos ter os problemas que tivemos no passado, mas não estávamos preparados como estamos agora”, esclarece Carlos Magno Magalhães, consciente de que é importante não haver mais erros de casting e falhas como as que levaram vereadores do Chega a alinharem ao lado de outros partidos ou até a abandonarem cargos ou a desfiliarem-se, deixando o partido sem representação
Na visão de Carlos Magno Magalhães, a comissão é obrigada a saber quem vai ser o candidato, a conhecer as pessoas e a avaliá-las para precaver mais problemas: “Não podemos ter casos como em Moura, em que a vereadora era a balança, o PS deu-lhe um cargo e saiu”, recorda, para logo concluir: “Lealdade acima de tudo, para com o partido e eleitores” — o lema há muito persegue Ventura e parece estar para ficar.
Mais do que isso, o responsável nota que, desta vez, “já quase não há a mentalidade de as pessoas terem medo de dar a cara” pelo Chega ou “não quererem ser candidatos”. “Temos pessoas que foram convidadas há quatro anos, disseram que não e que desta vez aceitaram”, explica, frisando também que muitos dos candidatos voltam a não ser políticos de carreira e que há também, como o Observador tinha antecipado e André Ventura já confirmou, candidatos independentes e vindos de outros partidos, nomeadamente do PSD.
A fasquia a subir (para esquecer a má memória europeia)
Em setembro de 2021, o Chega festejava aquilo a que Ventura chamou o “dia da implantação” e falhava o objetivo de se consagrar como a terceira força política a nível nacional. Chegaria lá numas legislativas, não muito tempo depois.
Agora, com um partido com 50 deputados na Assembleia da República, mais estruturado e com mais militantes, há a sensação de que as próximas eleições autárquicas têm tudo para correr bem — com a necessidade acrescida de ter um resultado aceitável em Lisboa, que não aconteceu nas últimas eleições, em que o Chega nem conseguiu eleger um vereador — e na primeira vez que vai a votos após umas europeias de má memória.
Agora, André Ventura admitiu que o objetivo é conseguir uma “forte implantação” em todo o país, com a “força” e “autonomia” do partido, sem ser através de uma “implantação local artificial às costas ou do PSD ou de outro partido qualquer” — leia-se que o Chega vai sozinho a votos e recusa coligações pré-eleitorais, sendo que, no máximo pode considerar entendimentos “com movimentos independentes ou com movimentos da sociedade civil que tenham sido próximos do Chega”.
Entre as prioridades do Chega está a conquista de “várias capitais de distrito” e do “interior abandonado”, com Ventura a assumir possíveis vitórias nos distritos de Lisboa, Setúbal, Alentejo e Algarve. Outra fonte ouvida pelo Observador, mais modesta nas ambições, entende que o Algarve, onde o Chega ficou em primeiro lugar nas legislativas, considera que o “único local” em que o partido tem reais “hipóteses” de conquistar uma câmara. “E talvez no Alentejo”, acrescenta a mesma fonte, frisando que, sem coligações, aquele é o “único sítio onde o Chega teve percentagens de votos para ganhar”.
Três anos depois de conquistar os primeiros 19 deputados e mais de 300 deputados municipais e membros de freguesia — muitos deles já ficaram pelo caminho —, o Chega tem os olhos postos nos 18,07% dos votos conseguidos nas legislativas e no que isso poderia representar em terreno autárquico. Até lá, tenta ignorar o resultado das eleições europeias, confiante de que não passou de um tropeção à boleia do candidato.