19 vereadores, 173 deputados municipais, 205 mandatos de freguesia. É com este número de representantes locais que o Chega escreve a sua primeira página em eleições autárquicas. André Ventura, presidente do partido, descreve o dia 26 de setembro de 2021 como o “dia da implantação local” — mais do que o dia em que foi eleito deputado e do que as eleições Presidenciais, o momento em que “o partido deixou de ser de um homem só e um partido à volta do Parlamento para ser um partido de milhares em todo o país”. Estava dado o mote para uma noite em que atirou a António Costa, à “direita fofinha”, ao Bloco de Esquerda, à Iniciativa Liberal e ao PAN.

Ainda antes da existência de qualquer resultado oficial e pouco depois das primeiras projeções, André Ventura já se dirigia aos apoiantes que estiveram no quartel-general montado em Braga para cantar vitória. Com “cautela”, mas com a certeza de que o país iria “acordar com o Chega em todo o território nacional”. Parecia demasiado cedo, as projeções deixavam o Chega na dúvida nas maiores cidades do país, mas a convicção do líder mantinha-se intacta.

André Ventura teve uma declaração marcada para pouco depois da meia-noite, mas saiu da sala onde esteve resguardado com a comitiva durante toda a noite, trocou poucas palavras com os jornalistas e voltou para dentro. Pelo meio ainda disse que estava “à espera de Rui Rio”. E assim foi: primeiro esperou que António Costa acabasse de falar, depois foi a vez do líder do PSD e André Ventura só subiu ao palco no fim.

Se por um lado Ventura sabia que o principal objetivo traçado para as eleições autárquicas não tinha sido alcançado — ser a terceira maior força política em número de votos —, por outro aproveitou o mote repetido à exaustão durante a campanha para matar o assunto: “Somos a terceira força política numa grande parte do país.” Não é em todo o território nacional, o líder do Chega sabe-o melhor do que ninguém — “Não foi uma vitória total”, assumiu —, mas com os resultados da noite não havia uma derrota para assumir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O ataque a muitos (principalmente ao Bloco de Esquerda)

A estratégia foi capitalizar cada vereador, cada deputado municipal, cada representante em juntas de freguesia e fazer termos de comparação. O primeiro ataque teve como alvo o Bloco de Esquerda: “O Chega já elegeu mais vereadores do que o BE em 25 anos de atividade.” Mas logo de seguida o líder do Chega atirou a todos os partidos com que tem por hábito comparar-se, quer pela idade, quer pela presença na Assembleia da República. “Esmagámos com uma mão o BE, o PAN e a IL.”

No discurso de vitória, Ventura voltou a trazer para o debate o tema da ilegalização do partido: “Aqueles que nos queriam ilegalizar ou que pensavam que seria fácil travar essa batalha perceberam que isto não é um partido de um homem só.”

O líder do partido, perante muitos dos apoiantes bracarenses e ainda sem resultados definitivos, mostrou-se pronto para apontar ao próximo objetivo: “Com esta enorme implantação local vamos dar o primeiro passo para ser Governo de Portugal.” A meta estava definida há vários meses, mas a vitória que assumiu, a estratégia certeira em que apostou e a forma como se saiu bem-sucedido deram a Ventura ainda mais força para mostrar que o Chega pode ser mais do que um homem à frente de um partido.

Esta era a grande questão que o partido tinha de ultrapassar, tendo em conta que a passagem do nacional para o local em tão pouco tempo nem sempre surte sucesso. Aliás, durante a campanha vários candidatos do Chega deram nas vistas pelos piores motivos e isso era um dos problemas que o partido tinha de enfrentar.

Mas a eleição de vereadores em Sintra, Cascais, Odivelas, Vila Verde, Mangualde, Entroncamento, Azambuja, Santarém, Benavente, Salvaterra de Magos, Vila Franca de Xira, Seixal, Sesimbra, Moita, Serpa, Moura, Portimão e Loulé vem atenuar a ideia de que um crescimento rápido e sem bases poderia prejudicar o próprio partido. Ao dia de hoje o Chega canta vitória, mas este tema não morre com a eleição e os novos autarcas têm um caminho de afirmação local pela frente.

Desta forma, se a ideia de um partido uninominal acaba por se esvair com a eleição de dezenas de pessoas nas primeiras eleições autárquicas, o partido fica com um trabalho redobrado no terreno.

Mesmo com objetivos não cumpridos, “Chega não se vende”

Por outro lado, é caso para dizer que nem tudo foram rosas além do não alcance do terceiro lugar. O Chega fez duas grandes apostas para ultrapassar o PSD nestas eleições: Sintra a Loures. No concelho a que Ventura se chegou a candidatar pelos sociais-democratas o partido não foi além de um quarto lugar, ainda que tenha conseguido eleger, e em Sintra Batista Leite assegurou o segundo lugar, deixando Nuno Afonso em terceiro, à frente da CDU, e com um lugar de vereador.

Já em Moura, onde André Ventura se candidatou simbolicamente à Assembleia Municipal pelo resultado que tinha sido alcançado nas Presidenciais, mas não ficou em primeiro, tendo conseguido ser eleito, mas com PS e CDU em primeiro e segundo, respetivamente, e com o PSD em quarto.

Mas a luta com o PSD é outra e André Ventura não deu tréguas nem em noite de festa. “O Chega não está à venda, não fazemos acordos nem coligações porque foi esse o objetivo a que nos propusemos. Que ninguém pense — e isto fica como um alerta para o PSD perceber no futuro ou o PS ou a CDU — que aqueles que nos rejeitaram, humilharam e atacaram agora vêm na necessidade do momento pedir acordos”, deixou claro mais uma vez.

E disse mais: “Percebe-se que o PSD perde grandemente para o Chega, o Chega assume-se como a segunda força de oposição de direita em Portugal, ainda com alguma diferença para o PSD e eu não vejo o PSD a fazer essa recuperação.” Antes dos resultados André Ventura já procurava fazer um caminho sozinho e isso tornou-se mais evidente ainda no final da noite, quando voltou a esclarecer que “não será muleta de ninguém” e ao dizer que para isso “já chegam o CDS e a IL”.

André Ventura já estava em cima do palco quando soube que Fernando Medina estava a assumir a derrota em Lisboa (a favor de Carlos Moedas) e disse estar “muito feliz” por haver “menos um socialista em Portugal a governar uma câmara municipal”.