É a primeira vez que o fenómeno é detetado a nível global. Cientistas portugueses identificaram que há corais, na costa portuguesa, que estão a absorver nos seus organismos redes e fios de pesca de plástico, um fenómeno cujas consequências para a biodiversidade ainda não foram totalmente estudadas.
Em causa está a espécie Dendrophyllia Ramea, uma espécie de coral de água fria, cujos exemplares — habitualmente laranjas e brancos e reconhecidos pelos pescadores pelo seu cheiro característico a anis — podem chegar a ter um metro de comprimento. Inicialmente originários do ambiente do Mar Mediterrâneo, já estão amplamente disseminados pela costa portuguesa.
Como explica a SIC Notícias, há dois anos um grupo de pescadores de Cascais encontrou exemplares deste coral com redes e fios de pesca incorporados no seu organismo. Os exemplares foram entregues a cientistas do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que os estudaram e concluíram tratar-se de um fenómeno inédito.
“Há muitos reportes de redes a cobrirem os corais e a serem nefastas para os corais. Mas corais incorporados, em que se vê a entrada e a saída do fio, é a primeira vez, que nós saibamos, que é reportado no mundo inteiro“, explicou àquela estação televisiva a investigadora Sónia Seixas, do MARE.
As consequências deste fenómeno ainda não são totalmente conhecidas, acrescentou a cientista: “Pode condicionar o crescimento, pode alterar a fisiologia do coral, pode alterar o sistema reprodutivo. Neste momento, não sabemos, de facto, o que é que estes fios incorporados podem fazer. Mas podem ser muito nefastos.”
“A melhor coisa que nós poderíamos desejar era que eles simplesmente incorporassem e não alterassem nada na sua fisiologia, respeitante a isto. Mas isso é uma coisa que não vamos ter a certeza a não ser quando desenvolvermos mais estudos“, assinalou ainda.
Os cientistas do MARE estudaram com maior detalhe o mar nas regiões de Cascais e Sines, onde existem grandes populações de Dendrophyllia Ramea, situados a partir dos 30 metros de profundidade, e concluíram que 6% dos corais desta espécie já incorporam redes e fios de pesca nos seus organismos.
Segundo a SIC Notícias, decorre agora um mapeamento dos corais daquela espécie na costa portuguesa, de modo a que possam ser, no futuro, criadas zonas de proteção para os corais. A descoberta, publicada na revista Marine Pollution Bulletin por uma equipa de investigadores composta por Sónia Seixas, João Parrinha, Pedro Gomes e Filipa Bessa, necessitará agora de ser aprofundada, defendeu Sónia Seixas à estação televisiva, argumentando ser necessário financiamento público para continuar este estudo.
“Considerando que se tem de proteger 30% das áreas marinhas na Europa, e sendo esta espécie prioritária, de classificação de habitat vulnerável, faria todo o sentido”, sustentou.
Corais de todo o mundo sofrem quarta vaga de branqueamento em massa em três décadas
A descoberta dos cientistas portugueses surge numa altura em que soam os alarmes por todo o mundo relativamente à proteção dos corais, animais imóveis que se organizam em colónias, ou recifes, e que têm uma grande importância para a biodiversidade marinha. É nos recifes de coral que vivem e se abrigam milhares de espécies marinhas.
O investigador José Ricardo Paula, também do MARE, explicava recentemente ao Expresso que, “como os recifes de coral são a casa de imensos organismos”, os fenómenos que ameaçam os corais “têm um impacto direto na abundância e na diversidade de outras espécies” e também nas indústrias que dependem daqueles habitats, incluindo “a pesca, o turismo ou mesmo a proteção costeira”.
Segundo o mesmo jornal, os recifes de coral são a casa de cerca de 25% das espécies marinhas, estimando-se ainda, de acordo com números da World Wildlife Fund (WWF), que cerca de 850 milhões de pessoas dependam deles para a sua alimentação, para o seu trabalho e também para a proteção costeira.
Contudo, os recifes de coral são especialmente vulneráveis às alterações climáticas e ao aumento das temperaturas da água do mar. E o planeta está, neste momento, a atravessar mais uma perigosa vaga de aumento das temperaturas com um forte impacto nos recifes de coral.
A comunidade científica alertou este mês para o facto de o mundo estar a testemunhar o quarto episódio de branqueamento em massa dos corais de todo o mundo em apenas três décadas. As temperaturas recorde, motivadas pelo aquecimento global e intensificadas pelo fenómeno El Niño, levaram recentemente o Brasil a preparar-se para o pior branqueamento de corais de sempre.
.@NOAA’s @CoralReefWatch confirms the world is currently experiencing a global #coral bleaching event. This is the fourth global event on record and the second in the last 10 years.
More: https://t.co/V5a9zu1BKw pic.twitter.com/ldN0pBlnMC
— NOAA Satellites (@NOAASatellites) April 15, 2024
“Este é o quarto evento de branqueamento de corais em massa a nível global das últimas três décadas. De facto, 54 países foram afetados diretamente pelo branqueamento de corais desde fevereiro do ano passado”, disse ao Expresso o investigador José Ricardo Paula, lembrando que o mundo já perdeu cerca de 30% a 50% dos corais — e que o resto poderá estar em risco até ao final deste século.
O impacto mais visível do aumento das temperaturas nos recifes de coral é o branqueamento, que conduz à morte do animal. O previsível aumento das temperaturas globais nas próximas décadas coloca em risco a totalidade dos recifes de coral do planeta — o que deverá traduzir-se num impacto trágico para a biodiversidade marinha.
A Grande Barreira de Coral, na Austrália, que é o maior recife de coral do mundo, estará já este ano a sofrer o maior episódio de destruição de que há registo.