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Coates, o viking que não fugiu num cenário de guerra, aguentou os tiros nos pés e liderou o pelotão mesmo na tragédia

Foi convencido por Jesus, recusou rescindir após ataque, passou pela lei de Murphy de penáltis e autogolos. Coates não quebrou e sagrou-se campeão, em memória de El Morro. E vai renovar, até 2025.

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O futebol sem bola é sobretudo um jogo de opções. Há exceções, poucas. Aqueles clubes onde não é preciso estar a escolher entre o A, o B ou o C porque quando se quer vem o A, o B e o C. Ainda assim, são exceções. Na primeira metade da temporada de 2015/16, Jorge Jesus tomou uma opção, Sebastien Coates tomou uma opção. O treinador preferiu ganhar um médio e para isso abdicou de um central no verão. O uruguaio preferiu ter mais minutos do que possibilidades de ganhar troféus e por isso trocou o Liverpool pelo Sunderland. No final de janeiro de 2016, por necessidade e conveniência de ambas as partes, os seus caminhos cruzaram-se pessoalmente depois de uma chamada telefónica de Jesus que convenceu Coates. Hoje, é o jogador com mais tempo de clube no plantel.

Quem o viu pela primeira vez no corredor de acesso à SAD, no piso 3 de Alvalade, chamou-lhe viking. Por ser alto (quase dois metros, 1,96), por ter o cabelo meio alourado, pelos olhos claros. E sem que soubessem, essa primeira impressão poderia até fazer mais sentido do que à partida poderiam pensar, tendo em conta as raízes na Escócia, país onde os vikings tiveram relevância na sua história e identidade (já lá iremos). Aliás, hoje ninguém o assume mas no início havia quem chamasse ao central não de “co-á-tes” mas sim de “côa-tes”, pelos seus antepassados britânicos e por ter vindo de Inglaterra. Assinou a 28 de janeiro de 2016. Muito em breve vai renovar até 2025.

Essa é talvez a última notícia numa temporada onde foi várias vezes notícia – neste caso, sempre pelas melhores razões. A fazer a primeira época desde início como capitão, após ter herdado a braçadeira com a saída de Bruno Fernandes para o Manchester United, tornou-se o defesa estrangeiro com mais golos no clube no século XXI, bateu o registo de golos num só ano, foi fundamental com golos nos descontos em mais do que um jogo, lidera aquela que se pode tornar uma das defesas menos batidas de sempre dos leões. Agora coube-lhe uma honra que poucos tiveram na história: levantar a taça de campeão após a quebra do maior jejum de vitórias do clube. Aos 30 anos, Coates fez a melhor temporada como profissional logo no ano em que perdeu um dos amigos mais importantes até esse caminho para se tornar profissional. Teve conhecimento da notícia por outras pessoas próximas no Uruguai na véspera de seguir para Barcelos. No dia seguinte, bisou frente ao Gil Vicente. 

Coates marcou os dois golos do Sporting na vitória em Barcelos dois dias depois de saber da morte de um dos melhores amigos

O pai basquetebolista (e quase médico) que não queria que fosse jogador

Ao contrário de muitos jovens no Uruguai ou na América do Sul, onde o futebol pode ser um veículo para ajudar a família, como aconteceu com o amigo Santiago “El Morro” García que perdeu em fevereiro, Seba, como sempre foi tratado pelos companheiros em Alvalade, foi uma exceção a essa regra. Aliás, no início o futebol foi sobretudo uma luta perante as incertezas dos pais, que lhe diziam que poderia jogar mas se não deixasse os estudos. O futebol ou o basquetebol, a outra modalidade que chegou a praticar também por influência do pai, que chegou a ser jogador profissional no país. No final, ultrapassou essa resistência e chegou ao conjunto principal do seu clube de sempre, o Nacional, grande rival do Peñarol. Foi a falar que se entendeu, foi a falar que o convenceram.

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Coates jogou um ano e meio como médio centro mas sabia que, mais tarde ou mais cedo, iriam apostar nele como central. Ídolo de Montero e Maldini, viu várias vídeos de John Terry na altura para estar mais preparado

Filho de uma médica, sendo que também o pai ficou apenas a três cadeiras de acabar o curso de Medicina antes de iniciar atividade profissional noutra área, Coates sempre teve na bola e nos amigos um mundo no qual se perdia desde os três/quatro anos. Como vivia naquilo que denominou de “cooperativa de vivendas”, um espaço mais resguardado mas onde conheceu muitos miúdos da mesma idade e que tinha um campo de futebol, deixou de vez a hipótese basquetebol (embora mantenha o sonho de ver um jogo da NBA ao vivo, depois de ter privado com as grandes estrelas americanas nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012) no dia em que foi levado à experiência ao Nacional, em Montevideu. Jorge Galán, que trabalhava nas camadas jovens do clube e estava também na Faculdade de Medicina com a mãe, pediu autorização e garantiu que seria uma espécie de tutor nessa nova aventura que ainda hoje dura. A aventura e os princípios que norteiam toda essa aventura.

“Se for preciso sacudir, é preciso sacudir mas sem nunca perder a elegância. Não há valores seguros mas é preciso nunca perder a elegância. É a etiqueta que temos cá: forte, duro mas elegante”, explicou Galán falando à Sporting TV sobre um dos mandamentos na formação do Nacional – e que encaixa bem em Coates, que não tem propriamente aquele perfil tipo de sul-americano que “ferve em pouca água”. A capacidade de antecipação, essa, vem de miúdo até na própria posição: depois de jogar cerca de um ano e meio como médio, propuseram-lhe uma experiência como central e perceberam então que já estava a antecipar essa possibilidade vendo vídeos de John Terry, na altura o defesa da moda no Chelsea. Antes, tinha referências como Maldini ou Montero.

Sebastian Coates e Santiago García, companheiros no Nacional desde os 11 anos, estiveram juntos no Mundial Sub-20 em 2009

AFP via Getty Images

A vitória na Copa América e a ida para o Liverpool (e as raízes escocesas do central)

Aos 18 anos, depois de todo um trajeto sempre no Nacional, fez a estreia pela equipa principal e não mais saiu das opções iniciais, tendo ganho dois Campeonatos pelo seu clube de infância antes de chegar a um dos pontos mais altos da carreira: a Copa América de 2011, onde era o mais novo a par de Abel Hernández, num plantel que contava com jogadores consagrados como Luis Suárez (que encontraria pouco depois), Forlán, Cavani, Godín, Lugano, Gargano ou Martín Cáceres. A jogar na Argentina, que eliminou nos quartos, o Uruguai venceu na final o Paraguai por 3-0 e o caminho entre o aeroporto e o Estádio Nacional de Montevideu, que num dia normal se faria em cerca de 20 minutos, demorou mais de três horas com milhares de pessoas nos festejos.

O bisavô de Coates viajou da Escócia para Liverpool e daí rumou a Montevideu, de onde é toda a família do central. Ainda hoje o avô guarda esse bilhete de barco. No entanto, quando jogou nos reds, as coisas nem sempre correram bem ao jogador

Coates foi eleito o Melhor Jogador Jovem da prova e esse acabou por ser o último passaporte para a primeira grande viagem da carreira, quando assinou pelo Liverpool no verão de 2011. Curiosamente a cidade onde o bisavô, escocês, apanhou o barco para Montevideu, sendo que ainda hoje o avô do jogador tem guardado esse bilhete que marca a forma como começou a construir as raízes da família no Uruguai. A simbologia nunca teve grande impacto em Coates, que nem falava inglês. E a experiência não foi a melhor, pelo menos no número de jogos.

Primeiro com Kenny Dalgish, depois com Brendan Rodgers, Coates foi incluído num plantel que tinha nomes como Jamie Carragher, Daniel Agger ou Martin Skrtel para o eixo recuado (entre figuras como Steven Gerrard, Jordan Henderson, Maxi Rodríguez, Luis Suárez ou Dirk Kuyt), ganhou ainda uma Taça da Liga em 2011/12 mas fez no total 12 jogos em cada temporada nas várias competições, antes de sofrer uma grave lesão no joelho num particular do Uruguai com o Japão em agosto de 2013 que lhe retirou quase uma época inteira, tendo passado ainda no final por empréstimo pelo Nacional numa fase em que regressava à competição. Já com Kolo Touré e Lovren também no plantel, aceitou ser cedido para ter mais minutos e rumou ao Sunderland. Pelo meio, esteve nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, e foi chamado ao Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil.

Coates, aqui num Liverpool-Chelsea a lutar pela bola com Romelu Lukaku, fez 12 jogos na temporada de estreia em Inglaterra

Liverpool FC via Getty Images

O único internacional titular que não pediu a rescisão após a invasão à Academia

No início da época de 2015/16, o Sunderland chegou a acordo com o Liverpool e comprou o passe de Coates por um valor a rondar os 2,5 milhões de euros, bem menos do que os reds tinham investido no central em 2011. Ao mesmo tempo mas em Alvalade, Jorge Jesus desfazia o plano inicial: depois de ter caído a possibilidade Danilo, médio que estava então no Marítimo e que seria a peça em falta no plantel, o treinador pediu um central para se juntar a Paulo Oliveira, Naldo, Ewerton e Tobias Figueiredo, Ciany assinou mas no rescaldo de um estágio na África do Sul acabou por querer colocar as fichas num médio e chegou então Aquilani, sem que Ciany chegasse a fazer a estreia em termos oficiais. No mercado de janeiro, o uruguaio, que já estava referenciado pelo treinador ainda nos tempos de Benfica, rumou ao Sporting por empréstimo e tornou-se logo titular. Até hoje.

Primeiro com Rúben Semedo (que voltou também nessa altura após ter estado cedido ao V. Setúbal) e depois com Mathieu, Coates, “El Patrón” como também era conhecido já desde os tempos do Uruguai pela forma como ia comandando a defesa, viu prorrogado o empréstimo por mais um ano em 2016/17 e assinou com o Sporting no verão, com os leões a pagarem cinco milhões de euros para garantirem o passe do uruguaio depois da época em que fez mais encontros oficiais (43). Em 2017/18, entre Campeonato, Taça de Portugal, Taça da Liga (o primeiro título pela formação verde e branca), Liga dos Campeões e Liga Europa, realizou um total de 54 jogos mas a época terminou da pior forma com a invasão à Academia. Uma marca, como o próprio viria a assumir em julgamento como testemunha do Sporting, em dezembro de 2019, mas um ponto de viragem no seu percurso.

A reação de Coates após a derrota do Sporting na final da Taça de Portugal com o Desp. Aves que encerrou uma semana negra para o clube

NurPhoto via Getty Images

“Estava com o André Pinto, outros jogadores e o preparador Márcio [Sampaio] na zona de ginásio quando vi que começaram a chegar os adeptos. Traziam capuzes e vinham com a cara tapada. Vi o Ricardo [Gonçalves] com eles porque estava a tentar controlá-los para que não entrassem no campo de treinos. Depois fui para o balneário e foi nessa altura que eles começaram a entrar. Assim que saí do ginásio, o André Pinto foi a correr à frente para avisar os meus companheiros, eu fui logo a seguir. O Vasco Fernandes estava a tentar fechar a porta mas eles acabaram por entrar no vestiário. Deveriam ser aproximadamente 30 ou 40. O balneário não é muito grande e entraram muitos. Não vi bem quantos estariam antes lá fora. Lá dentro estavam quase todos os meus colegas, fisioterapeutas.

Quando entraram começaram a perguntar por Acuña, Battaglia, Rui Patrício e William. Depois atiraram uma tocha. Para nós foi um choque, não estávamos à espera que fizessem isso. Não consegui perceber se empurraram toda a gente. Quis meter-me à frente dos que iam para o William, empurraram-me e disseram que não era nada comigo, depois disseram-lhe para tirar a camisola porque não era digno e foi agredido com murros e com um cinto. Vi também o Battaglia levar com o garrafão. O William eram os quatro ou cinco, depois ele saiu e foram trás dele. Foi agredido nas costas porque baixou a cabeça para tentar proteger a cara. Só me lembro de um com cinto. Já havia fumo e o alarme já tinha soado. Quantas tochas? Foi mais do que uma, duas que me lembre.

"Após o ataque [à Academia]liguei à minha mulher a dizer que estava tudo bem apesar das agressões aos meus colegas e pedi para que fosse para o Uruguai por causa dos meus filhos. Depois liguei ao meu agente a contar o que se tinha passado e a dizer que estava com muitos pensamentos de sair do clube. Medo? Sim. Este ano passei por um momento não tão bom em termos desportivos e isso deu-me medo que acontecesse o que tinha acontecido."

Não sei dizer se o William saiu a fugir ou se foi atrás de alguém, só se estava a tentar proteger e todos os indivíduos que estavam de volta dele também saíram com ele. Ainda disseram que se não ganhássemos no domingo íamos ver. Ao Ludovico, o fisioterapeuta, atiraram com uma bolsa de cosméticos de viagem que os desportistas usam e acertou na cara. Não sei quantos eram mas estavam a insultar todos, a mim houve que me disse que não merecia vestir a camisola do Sporting. Não sei quantos estavam ou não a fazer mas quem não estava ia insultando. Diziam que se não ganhássemos no domingo íamos ver, além de vários insultos que iam tendo. Parte deles estavam de pé junto à porta mas não sei se estavam a bloquear. Não me recordo se alguém tentou sair porque nenhum de nós esperava aquilo e estávamos em choque. Eu pelo menos não tentei sair por medo de ver que eles estavam ali junto à porta.

Não sei se partiram alguma coisa no balneário mas havia muita coisa desarrumada quando saíram e havia vidros partidos, que era uma porta que estava dentro do edifício. Bruno de Carvalho não o vi lá antes do ataque, só depois, cerca de uma ou uma hora e meia depois. André Geraldes também. A primeira vez que vi Bruno de Carvalho foi dentro do balneário, estava a perguntar o que se tinha passado ali. O André Geraldes não chegou a entrar. Não falei com nenhum deles. Após o ataque liguei à minha mulher a dizer que estava tudo bem apesar das agressões aos meus colegas e pedi para que fosse para o Uruguai por causa dos meus filhos. Depois liguei ao meu agente a contar o que se tinha passado e a dizer que estava com muitos pensamentos de sair do clube. Medo? Sim. Este ano passei por um momento não tão bom em termos desportivos e isso deu-me medo que acontecesse o que tinha acontecido”. 

Mais dois títulos, os autogolos, a braçadeira e a negociação dos cortes na pandemia

Coates pediu à família para ir para o Uruguai após a invasão da Academia, até porque pouco depois teria a Copa América, e falou com o agente logo no dia abrindo a possibilidade de saída. O uruguaio, como todos os jogadores, ficou particularmente agitado com tudo o que se passou, como foi partilhando com amigos próximos e antigos jogadores do Sporting como Bryan Ruíz, a quem foi contando tudo o que se tinha passado no balneário naquele final de tarde de 15 de maio de 2018. No entanto, e apesar dessa primeira reação, o central foi o único entre as habituais opções de Jorge Jesus que nunca pediu a rescisão de contrato. E esse foi mais um argumento para, no arranque da nova temporada, ser promovido à hierarquia de capitães que já não contava com Rui Patrício e William Carvalho, ficando como número 2 atrás de Bruno Fernandes, que decidiu voltar atrás na saída.

Coates venceu Taça de Portugal e Taça da Liga em 2019, teve um arranque difícil em 2019/20 mas acabou época como capitão

NurPhoto via Getty Images

Essa foi uma das questões discutidas em termos internos: faria sentido dar a braçadeira a um jogador que tinha rescindido contrato e que quando voltou não era propriamente unânime entre os adeptos? O próprio Coates não colocou qualquer objeção, destacando que o importante era que tudo estivesse resolvido no interior do grupo. E foi nessa posição que festejou as conquistas da Taça de Portugal e da Taça da Liga frente ao FC Porto com Marcel Keizer no comando da equipa após a saída de José Peseiro. Era o melhor período do jogador desde que chegara a Alvalade, que fez também com que entrasse numa lista de potenciais saídas não pelo rendimento desportivo mas pela possibilidade de retirar mais valia financeira do jogador que tinha (e tem) um dos salários mais altos.

Coates ficou mas estava prestes a atravessar o pior momento no clube, que coincidiu também com o momento em que houve mais instabilidade em termos técnicos com três treinadores em menos de meia época (Keizer, Leonel Pontes e Silas): naquela que foi uma espécie de semana fatídica no Sporting, cometeu três penáltis e viu o cartão vermelho na derrota frente ao Rio Ave em casa, fez um autogolo na derrota em Eindhoven e voltou a marcar na própria baliza na derrota em Alvalade com o Famalicão. Tudo o que podia correr mal, correu ainda pior, numa temporada marcada pelos vários insucessos em todas as provas e que pior se tornaria em termos competitivos depois da maior venda de sempre do clube, de Bruno Fernandes para o Manchester United. Uma venda que só aconteceu depois de Coates ter renovado por mais um ano, até 2023. E com uma outra atitude que deixou os responsáveis verde e brancos rendidos ao carácter do jogador – e que ainda hoje é recordada.

Coates, com Mathieu e Neto, assumiu as negociações com a Sporting SAD em abril de 2020, acertando os cortes que seriam feitos no plantel principal durante a pandemia. Antes, central tinha renovado até 2023 com acerto por baixo do vencimento para ficar no novo teto salarial imposto

Seguindo a política que estava a ser praticada pela SAD de colocar o teto salarial no valor de um milhão de euros líquidos (equivalente a cerca de dois milhões brutos), o uruguaio baixou o ordenado base que era de 1,3 milhões limpos para entrar na baliza que tinha sido definida, ficou com mais um ano de ligação e aumentou os valores por objetivos. Mais tarde, foi também ele, com a ajuda de Mathieu e Neto, que reuniu com a administração da SAD liderada por Frederico Varandas nos primeiros dias de abril de 2020 para encontrar soluções para a quebra de receitas devido à pandemia e ao primeiro confinamento, tendo um papel importante na contraproposta que foi feita (passar o corte dos 50% para os 30%) e no acordo final que previa menos 40% de salário durante três meses, com 20% a ser pago em duas tranches até ao final de 2020 e no final da época de 2020/21 e os outros 20% a ficarem dependentes de uma entrada na Champions, que não aconteceu. Nem todos os jogadores concordaram com essa última versão, o capitão foi explicando a sua posição em grupos de WhatsApp e a proposta avançou.

A homenagem a Morrin, o hobbie do golfe e o cumprimento com Paulinho

Ao contrário do que acontecera em 2019, Coates era uma das certezas no plantel de 2020 e a pedido do próprio Rúben Amorim, que no seguimento dos dez encontros que terminaram a temporada de 2019/20 viu no uruguaio uma peça fundamental – ficando ainda assim salvaguardado que, caso a Lazio ou qualquer outro clube fizesse uma proposta irrecusável, a situação poderia ser revista. Mais do que a liderança e o ascendente notório que tinha no balneário, o técnico olhava para o sul-americano como a peça certa para comandar a defesa pelo meio apreciando ainda dois outros pontos que julgava serem mal explorados até à sua chegada: a capacidade de saída com bola para criar desequilíbrios em jogos contra adversários a jogar mais baixo (algo que aprendera ainda na formação do Nacional) e o jogo aéreo nos esquemas táticos ofensivos. Tudo aquilo que iria fazer a diferença.

Na temporada em que marcou mais golos na carreira, depois de um mau arranque com um vermelho direto na goleada sofrida pelos leões frente ao LASK Linz no acesso à fase de grupos da Liga Europa, Coates carimbou a vitória em Paços de Ferreira, contribuiu com o primeiro bis em Alvalade para a goleada frente ao Sacavenense, deu a vitória nos descontos diante do Santa Clara e iniciou a recuperação até ao empate com o Belenenses SAD. Pelo meio, marcou dois golos nos minutos finais do jogo em Barcelos. Houve exibições onde mesmo sem marcar foi preponderante, como aconteceu no Dragão ou em Braga, mas esse encontro com o Gil Vicente, por tudo o que teve em seu torno e que só poucas pessoas sabiam antes, foi o mais marcante em toda esta caminhada.

Gil Vicente FC v Sporting CP - Liga NOS

Coates marcou o único bis no Campeonato frente ao Gil Vicente mas manifestou toda a sua tristeza na flash interview pela morte de Santiago García

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Santiago García, conhecido também como El Morro, era um dos jogadores e amigos mais próximos de Coates após terem feito toda a formação juntos no Nacional e de terem estado, por exemplo, no Campeonato do Mundo Sub-20 de 2009. Em 2011, quando o central rumou a Liverpool, o avançado assinou pelo Athl. Paranaense, mas a primeira experiência fora do Uruguai não correu da melhor forma, tendo testado positivo num controlo anti-doping que levou a que fosse vendido aos turcos do Kasimpasa antes de voltar ao Nacional em 2013. Ainda passou depois pelo River Plate do Uruguai e assinou em 2016 pelo Godoy Cruz, o clube onde conseguiu pela primeira vez assentar e tornar-se uma referência goleadora. Em todo este percurso, de forma presencial apenas nas férias, mantiveram contacto. Em fevereiro, foi encontrado sem vida na casa que tinha na Argentina, após atravessar um período mais complicado com uma depressão, infetado com Covid-19 e sem poder ver a filha.

“Custa-me tudo desde que te conheci, muito mais escrever… Desde os 11 anos que nos encontrámos com o mesmo sonho, o de ser futebolistas. Milhares de viagens, anedotas. Chorámos, aquecemo-nos, rimos muito e também comemorámos. Um único olhar (dentro ou fora do campo) bastava para nos entendermos. Passámos de companheiros a amigos e a vida tornou-nos irmãos. Juntos construímos uma família. Sinto muita dor, desde o fundo da minha alma, uma grande tristeza que ficará em mim mas acima de tudo impotência, a mesma que todos nós não aguentamos mais carregar e isso abre-nos para todos os teus amigos.

Hoje agradeço a este ambiente construído, que nos deu todo o feedback para podermos enfrentar a tua perda e assumir com dor o que foi necessário fazer e pelo qual não tenho palavras de agradecimento a cada um dos que foi, que só nós sabemos quem são! O meu agradecimento é infinito, a minha eterna disposição para eles, que apareceram e se envolveram sem hesitar. O meu agradecimento e admiração a quantos tiveram que assumir a liderança de algo que nós, que estávamos longe, não pudemos fazer, apresentando-se para se despedir de ti como mereces e, principalmente, para enfrentar uma das piores derrotas da minha vida. Morrin, vamos sentir muito a tua falta! Continuas presente mesmo depois da tua partida, obrigado por isso, por me fazer sempre irmão!

"Um único olhar (dentro ou fora do campo) bastava para nos entendermos. Passámos de companheiros a amigos e a vida tornou-nos irmãos. Juntos construímos uma família. Sinto muita dor, desde o fundo da minha alma, uma grande tristeza que ficará em mim mas acima de tudo impotência", escreveu Coates na despedida do amigo Santiago "El Morro" García

Já depois de ter dedicado os dois golos em Barcelos ao amigo, Coates deixou uma sentida homenagem a El Morro num episódio que lhe marcou um ano por si só atípico onde, ao contrário do que é normal, nem foi de férias ao Uruguai (as últimas deslocações ao país realizaram-se em contexto de seleção), nem recebeu a visita dos pais ou dos sogros – que, como o próprio admite, agora até perguntam primeiro pelos netos e só depois pelos filhos. É em família que o uruguaio passa a maior parte do tempo extra futebol, com a mulher Maria, terapeuta da fala que conheceu ainda no final do secundário, e os filhos, Santiago e Filipe (que nasceu em Lisboa). Também por causa da pandemia, não teve tempo para outros projetos pessoais como aprender a tocar piano como o pai ou a irmã, mas de quando em vez consegue ir voltando a jogar golfe, um dos hobbies que foi ganhando.

Quando lhe perguntam pelo Sporting, Coates costuma falar de Paulinho, carismático técnico de equipamentos que chegou a ganhar um prémio FIFA. “Ele representa o Sporting. Pelo humor, por ter sempre um sorriso, por ser engraçado mas por fazer isso tudo a trabalhar”, destacou à Sporting TV, falando também do cumprimento que têm desde o primeiro dia. A partir desta temporada, quando falarem de Sporting terão de falar de Coates. E o imperador da braçadeira está para ficar, devendo renovar em breve até 2025 por opção do clube que, além da cláusula de opção que lhe permite estender por mais um ano o contrato, quer dar mais uma época ao capitão.

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