Foi no Village Underground Lisboa que André Maciel nos recebeu, mostrando-nos o cantinho que aqui tem dedicado ao seu projeto: as Hortas Lx. Numa visita guiada pelas plantações que aqui vão crescendo e, antes de qualquer conversa, alguns frutos são observados, uns girassóis são acomodados e o tamanho do que aqui cresce surpreende quem ainda não conhece o poder de uma horta biológica. André está no seu habitat natural e isso imprime-se na forma simples e descomplicada como descreve tudo o que nos rodeia.
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Se de Barcelos até Lisboa o caminho é longo, também o foi até que André desse vida a estas Hortas Lx. Sentado no seu escritório, de sorriso no rosto, relembra como foi longa a viagem. “Aconteceu de uma grande necessidade de resposta a um problema. A minha área sempre foi design e design de equipamento foi um curso que eu estudei e que me deu muitas ferramentas que eu sempre achei úteis até para a minha vida pessoal. No fundo, eu sempre quis unir a natureza a esta grande ferramenta do design e foi aqui que encontrei esta simbiose. Mas, depois, transformar o trabalho numa coisa que eu goste de fazer partiu de uma missão muito grande, provocada por situações pessoais”, partilha.
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Convivendo, desde cedo, com o impacto de uma doença no seio familiar é, desde essa altura, que se apercebe do poder dos alimentos naquilo que é a nossa saúde. Com a noção de que “somos mesmo aquilo que comemos, senti uma grande lacuna no que diz respeito à alimentação biológica e saudável, para toda a gente. E foi aí que comecei a criar este projeto, com este objetivo de transformar uma casa antiga em Setúbal, que foi a casa onde a minha mãe nasceu”, acrescenta. Esta casa em Setúbal acabou por se transformar num ateliê de Design em Permacultura.
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Com a ajuda de amigos, irmãos, familiares e a própria comunidade, o objetivo era tornar esta casa sustentável, com economia circular: “fomos criando hortas, galinhas, desenhei todo o espaço para que pudesse fazer captação de água da chuva… e comecei a perceber que aquilo fazia um grande sentido e que podia passar todas essas ferramentas às pessoas para que toda a gente pudesse cultivar o seu próprio alimento e ser sustentável no meio da cidade. Isto começou muito com uma grande missão de querer deixar um impacto positivo nas pessoas e no planeta e as Hortas Lx transformaram-se num negócio. Cresceu de uma forma muito orgânica e foi de forma a dar resposta às pessoas, porque as pessoas queriam começar a cultivar em casa e queriam ajuda e apoio. No fundo, as Hortas Lx nasceram com o objetivo de passar essas ferramentas e de mostrar que é possível cultivar alimento nas varandas, nos telhados e, depois, em resposta às necessidades das pessoas, começou a tornar-se num negócio”, conta André.
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A verdade é que o período de Pandemia se afirmou como um pontapé de partida para o verdadeiro crescimento deste projeto. É de uma forma descontraída, como até então, que André afirma que sente que não inventou “nada de novo, sempre foi possível cultivarmos em casa e nas varandas. O que eu acho é que as pessoas tiveram aqui um grande momento de paragem, com a pandemia, e isso permitiu-nos tomar consciência daquilo que é realmente importante. Dada toda a atmosfera que estamos a viver, hoje em dia, faz com que as pessoas se preocupem com este tipo de temas. Todos estes pequenos assuntos, que dantes eram completamente desprezados, a nossa envolvência mostra-nos agora que temos de nos preocupar com isso, e acho que as pessoas estão um bocado preocupadas, e assustadas, e querem arranjar estas alternativas para poderem ter ali um sustento e poderem acreditar que estão a fazer a diferença. E a partir de uma horta tu consegues fazer isso”.
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Tudo começou com pequenos desafios lançados na sua página. Tendo criado as Hortas Lx dois, três meses antes da pandemia, foi durante este período que tudo se começou a desenvolver. “Houve uma revista que viu toda esta dinâmica e, a partir daí, cada vez mais pessoas começaram a interessar-se pelo tema e a verem que é possível cultivar o seu próprio alimento”, esclarece, acrescentando em seguida: “as pessoas também começaram a ter tempo para começar a fazer isto. É difícil incluir algo novo na nossa rotina quando não conhecemos e achamos que é difícil, então como as pessoas tinham tempo para tudo, nessa altura, acabavam por se desafiar a fazê-lo e foi a partir daí que se tomou mais consciência. A partir do momento em que as pessoas vão fazendo, vão tomando mais conhecimento, tomando mais consciência daquilo que é uma alimentação mais perto de nós e a facilidade de ter isso e a qualidade de vida que temos quando temos uma horta feita por nós… acho que tudo muda”.
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O que é certo é que, hoje, o projeto tem crescido a olhos vistos e o que começou como uma ideia de pequena escala, é agora uma iniciativa com um impacto maior do que o esperado. Desde a criação da horta, e sua manutenção, à educação e consultoria, muitos são os serviços disponibilizados para que, cada vez mais, as pessoas se tornem autónomas e com o conhecimento necessário para cultivar o seu alimento, sem ser preciso sair de casa. Se antes era impensável ter uma horta na varanda, hoje em dia é mais do que possível, basta saber por onde começar.
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“O primeiro passo é tentar perceber se tens um espaço exterior, uma varanda, se essa varanda tem quatro a cinco horas de exposição solar, se está virada a sul – que é muito melhor -…e quando eu digo exposição solar é mesmo com o sol a incidir na folha da planta. E estas são as primeiras preocupações que tu tens de ter. Se não tiveres varanda nenhuma, se não tiveres exposição solar nenhuma, podes sempre optar por outro tipo de cultivo, a partir de germinados ou do re-grow, que acaba por ser uma horta em cima da bancada da tua cozinha”, explica André, continuando depois a falar sobre o solo – o grande segredo para uma boa horta: “Quanto mais saudável for a tua terra, mais saudável vai ser o teu alimento, mais saudável tu vais ser. Porque é a partir da terra que nós conseguimos obter todos aqueles nutrientes que nós, seres humanos, precisamos. Então, temos de tratar bem da fonte para conseguirmos ter bom alimento e para sermos mais saudáveis. Depois, temos as consociações de plantas. Não fazermos monoculturas, mesmo quando estamos a fazer hortas pequenas, mas fazermos uma horta com a maior diversidade possível, porque há alimentos que se ajudam uns aos outros. O tomateiro com o manjericão, por exemplo, não fica só muito bem no prato, também fica muito bem na horta”.
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É neste ambiente esclarecedor que a grande missão das Hortas Lx se torna clara: educar. Nas palavras do seu fundador, o objetivo nunca foi vender comida, mas sim “ensinar a produzir o próprio alimento. E oferecer todas as ferramentas necessárias para as pessoas serem autossustentáveis. É um negócio, à partida, pouco rentável, porque por norma o objetivo é fidelizar a pessoa ao negócio. Mas eu nunca criei este projeto com esse objetivo, mas sim com o objetivo de informar, cultivar estas noções daquilo que é produzir o seu próprio alimento em casa. E sinto esta necessidade porque acho que toda a gente tem o direito de comer bem, de comer de forma saudável, e não podemos continuar a compactuar com o sistema que nos está a colocar veneno na mesa, todos os dias”, reforça.
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Bastam cinco minutos de conversa para que se torne óbvia a paixão de André pelo seu projeto e pela natureza no geral. Se é certo que as hortas precisam de amor e carinho, é caso para dizer que estes são os ingredientes principais nas Hortas Lx. Porque é certo que André gosta do que faz, mas, também, porque acredita que esta é uma forma de mudar os ecossistemas onde vivemos – as cidades.
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“Uma horta, para além de nos dar o alimento saudável e de nós podermos ter este contacto com a natureza, são estruturas que acabam por ter um impacto até a nível ambiental e de diminuição de ilhas de calor na cidade, de maior oxigénio, de captação de carbono…têm todo este impacto real e factual na cidade, a nível ambiental, mas também a nível comunitário. Eu digo sempre que as hortas criam muitas comunidades sustentáveis porque, por exemplo, eu tenho feito muitas hortas corporativas, hortas em empresas, e são hortas onde os próprios colaboradores se envolvem comigo na sua criação e manutenção. E são empresas onde os colaboradores muitas vezes nem se cruzam lá dentro, mas a horta acaba por ser um momento de encontro, de partilha. Tudo isto acaba por criar bem-estar no trabalho, bem-estar com a pessoa e uma aproximação à natureza muito grande que não teriam se não fosse esta horta na própria empresa. Depois a nível da própria saúde mental, é incrível”, afirma, concluindo: “nós fizemos de tudo para afastar a natureza das cidades e hoje estamos a fazer de tudo para voltar a tê-la porque realmente faz sentido e porque já existem provas de que afastar a natureza de nós é só estarmos a ir contra nós próprios e estarmos a isolar-nos de uma coisa que nos faz tanta falta”.
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É com o objetivo de aproximar a natureza das pessoas e das cidades que, todos os dias, as Hortas Lx entram em ação, fazendo a sua parte para que “com uma horta e uma varanda de cada vez” se possa mudar, de facto, o mundo. Porque acreditar, agir e evoluir foram os verbos que tornaram real a ação de dar vida a este projeto, é com eles em mente que André olha para o futuro. “Eu sempre acreditei neste projeto, sempre fiz questão de agir e de o colocar em prática e agora sim, há de ser sempre para evoluir. Mas sei que agora vai ser mais fácil porque tenho mais pessoas do meu lado. As Hortas Lx estão agora a começar a criar equipa e estamos a crescer nesse sentido de conseguir chegar a mais pessoas e que mais pessoas se envolvam com o projeto. Sempre com estes princípios da Permacultura e de uma alimentação saudável, consciente e responsável, acima de tudo”, remata.
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Depois de uma conversa como esta, a conclusão é óbvia: não é preciso muito para mudar o mundo, para fazermos a nossa parte naquilo que tem sido a luta por uma vida mais sustentável. Tudo pode começar no conforto de nossa casa, com o sol da nossa varanda ou com um espaço extra na bancada da cozinha. Com a informação certa do nosso lado e com a consciência de que é preciso agir, na hora de colhermos o que semeámos, até o sabor será diferente.