“Estamos a viver acima das nossas possibilidades”. A afirmação é familiar para muitos portugueses e europeus, mas, desta vez, não se refere a finanças. Foi com ela que Philippe Joubert, Fundador e CEO de Earth on Board — organismo que aconselha os conselhos de administração das empresas a colocarem a sustentabilidade no centro das decisões —, abriu a conferência “Leading Change: Towards a Sustainable Future”, organizada pelo BNP Paribas, e na qual o tema da sustentabilidade teve destaque.
O detetar do vício
Philippe Joubert assegura que “estamos a exigir mais do que a Natureza pode dar”, e isso, na sua opinião, é visível “nos sinais” a que assistimos com frequência, em todo o mundo: incêndios, inundações e todo o tipo de fenómenos extremos potenciados pelo aquecimento global.
O também Senior Advisor do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) — organização que reúne mais de 200 empresas com o objetivo comum de acelerar a transição para um mundo mais sustentável — é peremptório: “Somos viciados em carbono”. No entanto, ironiza, “quando falamos com os médicos, dizem-nos que o primeiro passo, quando temos um vício, é reconhecê-lo”. E, pelo menos, em alguns negócios, afirma Joubert, já existe um reconhecimento do “vício” e uma evolução no sentido do “carbono zero”.
Na conferência “Leading Change Towards a Sustainable Future”, organizada pelo BNP Paribas, o especialista em sustentabilidade enumera riscos e oportunidades da transição para um novo modelo de negócio.
Existem riscos físicos, tendo em conta que os recursos não são ilimitados; legais, uma vez que a legislação na área da sustentabilidade está a aumentar; e de transição, como a nova regulação sobre o plástico, que foi posta em prática em poucos meses. No que diz respeito às oportunidades, o CEO de Earth on Board assegura que as Finanças “estão um passo à frente”, em particular, o BNP Paribas: “O BNP Paribas deu o exemplo de várias maneiras. Começou antes dos outros e foi ousado ao sair de negócios que não estavam em linha com as suas declarações de sustentabilidade, mesmo tendo perdas financeiras. Isso é walk the talk. Falar é fácil, mas sair de um negócio é mais complicado.
Eles realmente tomaram decisões. Estão a demonstrar, até com este evento, que a sustentabilidade está a entrar no ADN da empresa, seja no topo, com o chairman e o CEO, mas também nos negócios e na organização como um todo”. Além disso, afirma, “como o BNP Paribas é enorme e sistémico, a repercussão da mudança do BNP Paribas é tremenda. Por o BNP Paribas estar a mudar, o resto do mercado muda também”.
O futuro da Banca é sustentável
Também António Miguel, CEO da Maze — uma empresa de investimento de impacto que conta, entre os seus acionistas, com a Fundação Calouste Gulbenkian, e que trabalha com organizações e investidores para ajudar a resolver desafios sociais e ambientais —, assegura que “a Banca pode e deve ser sustentável, porque desempenha um papel fundamental no financiamento da Economia e na criação dos incentivos certos, para que aqueles que são financiados pela Banca tenham operações e produtos mais sustentáveis”.
E, nesse aspeto, acredita que o “BNP Paribas tem liderado pelo exemplo para uma economia mais sustentável, mais inclusiva”. Nesse sentido, o BNP Paribas assumiu o compromisso de “atingir a neutralidade carbónica do seu portfólio de crédito em 2050”, no âmbito da Net-Zero Banking Alliance, um grupo, no âmbito das Nações Unidas, composto por mais de 88 bancos de 37 países, que representam 42% dos ativos bancários mundiais. Para Olivier Perrain, Head do BNPParibas CIB em Portugal, atravessamos, atualmente, “um mundo em mudança que também é um mundo em perigo”. Por isso, acredita que é necessário “preparar o mundo do futuro para que seja sustentável”. Segundo Perrain, o papel do banco tem sido “ajudar os clientes a preparar a transição energética”, que passa também por produtos financeiros inovadores como as “green bonds” (obrigações “verdes”).
O BNP Paribas pretende, ainda, recrutar mais de 100 pessoas para trabalhar no Low-Carbon Transition Group, de forma a ajudar as empresas nesta transição.
Catarina Ferreira da Silva, Head de Sustainable Finance Markets do BNP Paribas CIB Portugal, sublinha que já “não é possível ter produtos, serviços ou empresas que não cuidam da parte ambiental e conseguem ter lucros no longo termo”. Por isso, defende que “a sustentabilidade é uma grande oportunidade” e “os vencedores serão aqueles que também pensarem de forma inovadora”.
A intenção do banco — afirma Fabrice Segui, CEO do BNP Paribas em Portugal — é continuar “na linha da frente da sustentabilidade”. O responsável acredita que “a sustentabilidade está a tornar-se um objetivo comum” e, por isso, afirma que o BNP Paribas pretende continuar a “inovar para ser líder em Sustainable Finance”. Neste contexto, o CEO assegura: “Queremos ter impacto em Portugal”.
O papel das empresas
Nathalie Ballan, Fundadora da Sair da Casca, uma empresa de consultoria em sustentabilidade e responsabilidade social, considera-se uma “ativista pacífica”. Há 30 anos em Portugal, assegura que o país mudou e que “muitas empresas portuguesas, familiares, com uma visão de longo prazo, aderiram à sustentabilidade”. No entanto, uma vez que nem todas têm especialistas nesta área, acredita que “existem startups que têm essas soluções”, e, por isso, a colaboração é essencial.
Também Pedro Rocha Vieira, Co-founder & CEO da Beta-i, defende que só com “muita colaboração” é possível “acelerar os novos modelos de negócio” e repensá-los em termos de sustentabilidade. Apesar de acreditar que “é urgente mudar”, admite que “é complexo em termos das cadeias de valor e das pessoas envolvidas” e também “caro”. Por isso, o CEO da Beta-i defende que a resposta tem de vir do setor público: “Portugal podia ser pioneiro em Sustainable Finance — na energia, no mar — tanto no financiamento como no licenciamento e pensamento estratégico. Portugal tem dimensão para se inserir nas novas cadeias de valor da Europa.”
Já Stephan Morais, Co-Founder e Managing General Partner da Indico Capital Partners, um dos mais experientes investidores a nível europeu, lembra a importância da tecnologia: “Há uma grande oportunidade de negócio em investir nas novas tecnologias que vão resolver ou minimizar os riscos [físicos, legais e de regulação, mencionados por Philippe Joubert].
Como resposta para o financiamento, Stephan Morais assegura que “o que funciona nos outros países é a colaboração entre o privado e o público”. Por isso – defende – “é só copiar o que se faz no setor público em França, Espanha, Alemanha”.