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Como Florentino Pérez se quis salvar através de outros (via Superliga) e caiu em desgraça para todos

Florentino atropela e manda atropelar. Agora, Florentino acabou atropelado. O plano global com um só homem de confiança, 14 mil milhões via Key Capital e a capitulação do líder de Real e Superliga.

Na primeira intervenção pública que fez enquanto presidente não só do Real Madrid para também da Superliga Europeia, depois de um lacónico parágrafo na apresentação da nova competição, Florentino Pérez começou a sua argumentação de defesa, quase como se de um julgamento se tratasse, com uma expressão e vários números.

Começou nos ingleses, passou pelo Atlético, chegou aos italianos: Superliga Europeia já só tem Real Madrid e Barcelona

“A situação do futebol é muito má”, disse, explicando que na temporada de 2019/20 o Real Madrid esperava ter 800 milhões de receitas e teve apenas 700 milhões.

“A situação do futebol é muito má”, repetiu, acrescentando que em 2020/21 o Real Madrid esperava poder chegar aos 900 milhões de receitas e tenta ainda minimizar as perdas com a chegada aos 600 milhões.

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“A situação do futebol é muito má”, enfatizou, contabilizando o total de 400 milhões de euros que o Real Madrid perdeu (ou deixou de ganhar) apenas nas duas temporadas afetadas pela pandemia.

Foi desta forma que o líder do campeão espanhol contextualizou a argumentação para defender a necessidade de uma Superliga Europeia, entre outros comentários sobre a evolução do futebol e dos tempos. Também aí, de uma forma quase inconsciente, Florentino Pérez expôs de forma paradoxal aquilo que recusou nas palavras: um fosso entre “ricos” e “pobres”. Exemplo prático? Se alguém assume que a única forma de recuperar o interesse dos mais jovens no jogo é ter duelos grandes entre os 12 (alegados) melhores clubes da Europa, isso significa que os mais jovens seguem só aquelas equipas e que cada vez mais, em coisas tão simples como o merchandising, apenas quererão também saber daquela elite. Assim, de forma mais ou menos inocente, se cava um fosso.

(n.d.r. além de uma parte no mínimo de estranha: sabia que a pandemia iria prosseguir, que a equipa continuaria a jogar em Valdebebas, que as hipóteses de haver público eram escassas e mesmo assim esperava ganhar mais)

A defesa da Superliga, por Florentino Pérez: “Estava a perder interesse, há muitos jogos de má qualidade. Os jovens não se interessam”

A entrevista ao “El Chiringuito de Jugones” dissipou qualquer dúvida que ainda pudesse subsistir sobre o grande ideólogo da Superliga Europeia no plano teórico. Todavia, entre o pensar e o fazer, houve algumas pontes pelo meio. A empresa Key Capital foi a principal, com a JP Morgan a servir (literalmente) de alicerce. Anas Laghrari, descrito como o guru financeiro de Florentino Pérez para o Real Madrid e para a ACS, tornou-se o principal rosto na sombra da concretização do projeto, sendo também apontado como secretário geral da competição. E a ligação entre ambos já chegou a ser escrutinada pelo Football Leaks, com uma viagem a Alvalade pelo meio.

De acordo com o jornal espanhol Infolibre, membro do consórcio EIC – European Investigative Collaborations, o Real Madrid aceitou no ano de 2016 receber um financiamento de 200 milhões de euros do fundo Providence, mesmo sabendo que o dinheiro seria canalizado pelo Luxemburgo vindo de duas sociedades offshore nas Ilhas Caimão e que poderia levantar dúvidas às autoridades espanholas por suspeitas de fraude fiscal. O acordo foi discutido em novembro, quando uma delegação da Providence Equity Partners, com sede em Rhode Island, se deslocou a Madrid tendo Florentino Pérez como anfitrião, numa operação de charme que envolveu uma visita guiada ao estádio e ao centro de treinos, um almoço no restaurante Zalacaín (primeiro a ganhar três estrelas Michelin) e uma viagem em jato privado até Lisboa para ver o jogo com o Sporting para a Liga dos Campeões. Tudo pensado pela Key Capital Partners, tudo organizado por Anas Laghari, de 37 anos. “É quase garantido que a estrutura do clube será questionada pelo ministério das Finanças por isto”, alertou uma fonte interna.

O acordo, que inicialmente previa uma injeção de 500 milhões de euros ao longo de dez anos, ficou fechado por 200 milhões, que entrariam no clube até 2021 através de receitas publicitárias. Nova vitória de Anas Laghari.

Florentino Pérez chegou à liderança do Real Madrid em 2000 e ficou inicialmente conhecido por ser o mentor da "era dos galácticos"

AFP/Getty Images

Como a Key Capital ajudou Florentino a chegar a mais de 14 mil milhões de financiamento

A ligação de Florentino Pérez à família Laghari remonta à década de 80, quando o presidente do Real Madrid e da ACS cooperou com o pai do franco-magrebino em alguns projetos de construção em Marrocos enquanto o filho gozava férias na casa do espanhol em Maiorca. Os anos passaram e o já banqueiro Anas (que mudou de vida depois de ter passado pela Société Generale, como conta um perfil do El Mundo) tornou-se aquilo que a imprensa espanhola descreve como “o aríete de toda a galáxia financeira” construída pelo empresário ao longo da sua carreira profissional. Antes da Superliga Europeia, Anas Laghari, co-fundador e o segundo maior acionista da Key Capital, teve um papel determinante em operações multimilionárias como a compra de 50% da Abertis por parte da ACS ou o financiamento da remodelação do Santiago Bernabéu, que terá como principal parceiro o JP Morgan – o mesmo que iria também avançar com os fundos para a criação da Superliga Europeia.

Derrotas políticas, sucessos empresariais e o luto pela mulher: Florentino Pérez é o homem que vai mandar na Superliga

Agora, o banco de investimento norte-americano avançava com 3,25 mil milhões de euros, verba amortizada ao longo de 23 anos com juro de 2% a 3% tendo como garantia as receitas televisivas da prova. Antes, tinha cedido mais de 14 mil milhões de euros à ACS, através da sua filial alemã Hochtief, na primeira tentativa de garantir a Abertis. Pelo meio, acordou, com o Bank of America Merrill Lynch, emprestar um total de 575 milhões de euros ao Real para poder pagar a ampla remodelação do Santiago Bernabéu. Tudo negociado por Anas Laghari, a peça chave que ajuda a explicar como foi possível organizar uma operação tão grande quase em segredo.

Florentino Pérez teve no JP Morgan o grande apoio em termos de financiamento das obras de remodelação do Santiago Bernabéu

AFP/Getty Images

O banqueiro teve luz verde para trabalhar com a sua equipa não só no financiamento da prova junto do JP Morgan mas também na venda dos direitos audiovisuais, um ponto chave para amortizar o empréstimo que foi contraído – entre os quais se podiam incluir gigantes como a Amazon, o Facebook, a Disney ou a Sky –, e na procura de main sponsors da competição. O projeto estava desenhado de uma forma que permitia também, numa segunda fase, abrir o capital social da sociedade criada pelos clubes fundadores a outros parceiros.

Borja Pardo, antigo presidente da Endesa, também solidificou ainda mais os laços entre a Key Capital e o Real Madrid pela longa amizade que tem com Florentino ao comprar 14,99% da empresa. E na última semana ambos estiveram em foco nas notícias não por questões ligadas ao desporto mas porque a ACS contratou a Société Generale como consultora na compra da participação da Atlantia na Autostrade per L’Italia, um país onde Pardo tem contactos e ligações extensas pelos anos em que esteve na Enel, por nove a dez mil milhões de euros.

Anas Laghari teve luz verde para trabalhar não só no financiamento da prova junto do JP Morgan mas também na venda dos direitos audiovisuais, um ponto chave para amortizar o empréstimo que foi contraído, que podia incluir gigantes como a Amazon, o Facebook, a Disney ou a Sky.

Como se percebe, apoiado em pessoas de confiança que se contavam com menos dedos do que uma mão (e aqui convém também juntar o JP Morgan), Florentino Pérez foi prosseguindo uma fuga para a frente em contraciclo até contra as suas próprias palavras. A Superliga Europeia era uma ideia pronta mas que ia continuando a sua fase embrionária de amadurecimento a nível de contactos para que não tivesse qualquer recuo no momento em que fosse lançada. E também aqui não foram muitas as pessoas que rodearam o presidente do Real Madrid: Andrea Agnelli, líder da Juventus e da Associação de Ligas Europeias (ECA) com quem estreitou relações na altura da venda de Ronaldo; Ed Woodward, diretor executivo do Manchester United que tinha como ponto de contacto o JP Morgan; e Pedro López, vice dos merengues e vice da ECA que entrou no clube espanhol em 2009 mas que já conhecia Florentino antes, por ter liderado filiais da ACS como Union Fenosa, Hochtief ou Cimic.

8,7 mil milhões de euros em contratações, 8,6 mil milhões de euros de dívida

Ao saber que a UEFA se preparava para aprovar um novo modelo competitivo para a Liga dos Campeões a partir de 2024/25 que não ia ao encontro das suas expetativas e muito menos tinha o retorno financeiro que pretendia, Florentino Pérez ativou a “bomba”. Outra vez, mais do que fazer, mandou fazer. E outros fizeram.

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Agnelli conseguiu garantir os dois rivais de Milão, AC Milan e Inter: nas mãos de investidores privados, ambos entenderam que esta seria uma oportunidade de ouro para regressarem ao mais alto patamar do futebol europeu em termos desportivos e no plano económico, consolidando o ressurgimento dos últimos anos. Da Serie A estavam confirmadas três equipas. Woodward reuniu as cinco principais equipas além do Manchester United em torno de um projeto que seria sempre uma versão 2.0 do futebol depois da pandemia, utilizando também o argumento da venda dos direitos audiovisuais para plataformas ainda pouco habituais como o Facebook, a Sky ou a Amazon, no exemplo de uma ideia que iria romper com a atual situação. Em Espanha, Florentino e Pedro López confirmaram o Barcelona e disseram ao Atl. Madrid “ou entram ou vai o Sevilha”. Tudo em 72 horas.

A guerra civil na Europa em 2000 e o modelo da NBA: como a Superliga Europeia se inspirou no basquetebol

No domingo à noite, Florentino Pérez, presidente de um Real Madrid com 754 milhões de dívidas acumuladas, assumia-se também como presidente de uma Superliga Europeia com 12 clubes que, no total, somavam juntos 8,6 mil milhões de dívidas acumuladas. Clubes que, em cinco anos, gastaram 8,7 mil milhões em contratações.

Quem ganhou, quem perdeu e quem acha que ganhou ao fim de 48 horas de Superliga Europeia

O presidente do Real Madrid acreditava no modelo que a Superliga Europeia preconizava. Ainda acredita e, se continuar no futebol empenhado nessa batalha, vai continuar a acreditar. Mas olhando para todo o filme fica à vista também que o projeto parecia talhado no timing para resolver os problemas a curto prazo do próprio Real Madrid. E quais eram? Contratar a curto prazo pelo menos duas grandes estrelas para potenciar receitas do novo estádio reformulado (havendo esse sonho de juntar Kylian Mbappé e Haaland no ataque como bandeiras de um novo ciclo desportivo de uma equipa que dá garantias mas começa a ficar demasiado envelhecida), pagar a partir de 2023 cerca de 30 milhões/ano para amortizar a dívida ao JP Morgan e ir abatendo dívida adensada pela quebra de receitas no período de pandemia. Em menos de dois dias, tudo acabou por ruir.

No domingo à noite, Florentino Pérez, presidente de um Real Madrid com 754 milhões de dívidas acumuladas, assumia-se também como presidente de uma Superliga Europeia com 12 clubes que, no total, somavam juntos 8,6 mil milhões de dívidas acumuladas. Clubes que, em cinco anos, gastaram 8,7 mil milhões em contratações.

Primeiro, a blindagem jurídica que a Superliga Europeia pensava ter era um gigante com pés de barro: se é certo que o Tribunal de Comércio de Madrid deu razão à entidade na providência cautelar interposta, a mesma não tinha qualquer valor perante a UEFA, que é regida pelo direito suíço. Depois, a comunhão de ideias que o líder da UEFA, Aleksander Ceferin, conseguiu ter com Boris Johnson, primeiro-ministro inglês – cada um à sua maneira, cada um com os seus argumentos, ambos a capitalizar a revolta dos adeptos e dos intervenientes do jogo, entre jogadores e treinadores, conseguindo entre várias pressões retirar os seis clubes britânicos da prova (o Mundo Deportivo avançou mesmo com a notícia de que a UEFA teria pago aos ingleses para desistirem da prova). Por fim, o posicionamento de Barcelona e Atl. Madrid em Espanha e de Inter e AC Milan em Itália, percebendo que se descolassem já do projeto deixariam os estilhaços só para Florentino Pérez e Andrea Agnelli (Ed Woodward também se antecipou e demitiu-se das funções de diretor executivo do Manchester United.

Presidente do Real Madrid queria outra margem para contratar duas estrelas, abater dívida e começar a amortizar empréstimo das obras do estádio mas ficou sobretudo com mais dores de cabeça

Getty Images

Ao longo de duas décadas, com um interregno pelo meio de três anos, o presidente do Real Madrid, que só teve derrotas no plano político e que foi somando triunfos na vida profissional, tornou-se uma das pessoas com maior influência no futebol europeu. Até em termos internos, conseguiu atingir um patamar tão alto que chegou a ser comparado ao mítico Santiago Bernabéu. Tudo porque foi um visionário. Florentino Pérez viu mais à frente no desenvolvimento do basquetebol europeu (e ainda recentemente sondou os responsáveis da NBA sobre uma possível entrada do clube na competição a médio prazo…), na criação da era dos galácticos, na profissionalização do clube, na consolidação desportiva que valeu um tricampeonato europeu, no investimento em infraestruturas.

Andrea Agnelli, o mestre do jogo duplo que traiu o amigo (e compadre) Čeferin

Mais do que ganhar no presente, tinha bases para ganhar no futuro. Agora, para corrigir os abusos do passado, falhou. Bastaram dois dias para a capitulação da figura principal dos merengues, apontado por todos como o culpado para o terramoto que abalou o futebol e que vai mudar o futuro do jogo. Do jogo e de Florentino, o presidente que atropelou (basta recordar como apresentou Julen Lopetegui em vésperas de início do Mundial de 2018, o que levou ao despedimento imediato do então selecionador), que mandou atropelar (Andrea Agnelli tornou-se quase um agente infiltrado duplo que ficou exposto) mas que acabou agora por ser atropelado.

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