Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros em 2016
“Nos nossos cálculos, a França e a China estavam sempre do nosso lado. No caso do Reino Unido e dos Estados Unidos, a posição pública não era tão calorosa, mas sempre confiámos que não viria daí obstáculo à eleição do engenheiro António Guterres. Provavelmente, esses dois membros poderiam ter outros candidatos que preferissem mas, do nosso ponto de vista, não constituíam obstáculos à eleição de António Guterres.”
Margarida Marques
Secretária de Estado dos Assuntos Europeus em 2016
“A afirmação de apoios não é automática. Ou seja, há de facto uma aproximação às nossas posições. Um dos primeiros líderes foi o presidente do Senegal, que imediatamente nos apoiou. E havia vários países com posição muito explícita, como os franceses, por exemplo.
Mas inicialmente contavam essencialmente os P5 [membros permanentes do Conselho de Segurança: China, França, Rússia, EUA e Reino Unido]. Nós tentávamos sobretudo perceber, junto desses países, se havia uma ambiente favorável. Não houve à partida nenhum ambiente completamente hostil.
Em relação a estes países, tínhamos mais a segurança do não veto do que do voto.”
Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros em 2016
“Nunca encarámos a probabilidade de um veto como séria, visto os membros do P5 terem sido muito calorosos publicamente, desde praticamente o início da candidatura.”
José de Freitas Ferraz
Embaixador e presidente do Instituto Diplomático em 2016
“Antes das votações e entre as straw polls [espécie de sondagem anónima entre os membros do Conselho de Segurança da ONU], os chefes de missão eram chamados aqui pelo Diretor-geral de Política Externa. E os nossos embaixadores nos P5 faziam diligências e, por vezes, estas diligências eram acompanhadas por cartas, cartas do Presidente da República, cartas do primeiro-ministro, consoante os países.
O engenheiro Guterres visitou todos os países membros no Conselho de Segurança das Nações Unidas, tanto do P5 como do P10 (10 eleitos para o Conselho de Segurança de forma rotativa). E foi, também, até julho, aos países com influência regional — Índia, Japão, esteve para ir ao Brasil mas não conseguiu devido à situação política interna no país. E a missão do embaixador de Portugal nas Nações Unidas, Mendonça e Moura, foi fulcral. Durante meses entrou em contactos com os diferentes representantes permanentes do P5 e de outros países.”
José Moraes Cabral
Embaixador de Portugal em Paris em 2016
“Tinha a ideia de que os russos não quereriam qualquer decisão enquanto não estivessem na presidência do Conselho de Segurança. A partir do momento em que começaram as straw polls isso tornou-se evidente. Os russos iriam controlar os tempos disto, estava nas mãos dos russos passar imediatamente à votação ou não.”
Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros em 2016
“Foi para nós muito importante tentar entender a posição da Rússia, que foi sempre clara, do primeiro ao último minuto. A Rússia sempre nos disse que a questão do género não era questão para eles, que a questão da Europa do Leste era uma questão para eles e preferiam e bater-se-iam por um candidato da Europa do Leste. Mas a fórmula que sempre usaram foi que viveriam bem com António Guterres. Sempre interpretámos essa fórmula como algo que, em termos de votação, se traduziria numa abstenção. Não posso dizer que seja isso que tenha acontecido, este tipo de votação é secreta, mas diria que, se tivesse que fazer uma aposta, faria uma aposta muito alta.
O facto de a Rússia ter esta posição e ter a presidência do Conselho de Segurança em outubro criava uma boa janela temporal para a eleição de Guterres, visto que os russos compreenderiam que ficariam numa boa posição se o secretário-geral fosse designado por consenso durante a sua presidência.”
Margarida Marques
Secretária de Estado dos Assuntos Europeus em 2016
“Não isolo o problema da Rússia. Poria mais a questão entre os EUA e a Rússia. No quadro do P5, isso podia ser o mais difícil. Esses países eram a chave, embora o Conselho de Segurança não fosse menos importante.
E, se houvesse um impasse nos P5, com esta metodologia, não era impossível que aparecesse uma candidatura de fora para resolver o impasse, ainda que isso fosse uma grande descredibilização para o processo que se pretendia mais transparente.”
José de Freitas Ferraz
Embaixador e presidente do Instituto Diplomático em 2016
“Desde o princípio, apercebemo-nos de que o engenheiro Guterres não era nem o candidato dos americanos, nem o candidato dos russos, nem dos ingleses. Na realidade, eles tinham outros candidatos, que avançaram.
Tive sempre a ideia de que se chegaria a um compromisso. Ele estava na posição de poder ser um candidato aceite por todos. E o resultado das votações levam a pensar que ele acaba por ser escolhido por todos.”
António Monteiro
Diplomata, ex-MNE e ex-embaixador de Portugal na ONU
“Não creio que o engenheiro Guterres fosse o candidato dos membros permanentes do Conselho de Segurança. António Guterres foi verdadeiramente um candidato da Assembleia-geral, da totalidade do conjunto do Conselho de Segurança que os membros permanentes podiam aceitar.”
Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros em 2016
“Se houve grande inteligência da parte de Portugal, ela esteve em duas decisões muito importantes. A primeira foi apostar tudo nas novas condições do processo de designação e, portanto, conquistar o Conselho de Segurança a partir do conjunto das Nações Unidas. Nós construímos a campanha na base de mostrar que António Guterres não era um candidato regional. Que era, evidentemente, um candidato europeu — e, por aí, um candidato transatlântico — mas era ao mesmo tempo um candidato de África, da América Latina e da Ásia.
A segunda foi nunca termos posto os países membros do Conselho de Segurança numa circunstância de tudo ou nada. Claro que dissemos a Angola, ao Egito, ao Senegal, que Guterres era naturalmente o seu candidato. Dissemos ao Japão o mesmo. Sabíamos em França ou na China que Guterres era naturalmente o seu candidato. Mas, por exemplo, aos países do Conselho de Segurança da América Latina — Venezuela e Uruguai — nunca dissemos que só tinham um candidato. Sempre dissemos que compreendíamos que quisessem puxar pelos candidatos latino-americanos. O que pedimos é que puxassem também pelo António Guterres.
Nunca dissemos a Espanha que estava obrigada — pela amizade connosco — a votar só em Guterres porque entendemos que Espanha também tinha de curar de ter bom relacionamento com os países hispano-falantes da América Latina. O que queremos é que percebam que Guterres é também um candidato vosso.
Dissemos à Nova Zelândia: ‘Não queremos que renunciem à vossa candidatura. Queremos que olhem para António Guterres como um second best para os vossos interesses’. Isso permitiu chegar ao fim nas condições em que queríamos: Guterres candidato do mundo a que nenhum dos P5 tinha a contrapor nenhuma espécie de reserva.”
José de Freitas Ferraz
Embaixador e presidente do Instituto Diplomático em 2016
“Os neozelandeses sempre foram claros para nós. Sempre lhes dissemos que não queríamos que apoiassem António Guterres como primeira escolha, visto que tinham a sua candidata. Mas queríamos que eles apoiassem o engenheiro Guterres como segunda escolha, isto é, se a candidata deles não tivesse vencimento.”
Margarida Marques
Secretária de Estado dos Assuntos Europeus em 2016
“
O facto de não ter existido um ambiente hostil em sítio nenhum explica a inexistência de votos vermelhos. Todas as pessoas aqui do gabinete que foram connosco às mais diversas reuniões, ou eu tomava a iniciativa ou alguém me dizia: ‘Vocês têm um candidato excelente’. Em todo o lado. Por exemplo, eu fui ao ‘Davos de Leste’, a uma conferência na Polónia, e estava lá um delegado do alto representante das Nações Unidas para os Refugiados e ele disse logo que tínhamos um candidato excelente e que adorava que fosse ele o escolhido. Isso era habitual. Acontecia muito durante o tempo todo. E, quando o [ministro dos Negócios Estrangeiros britânico] Boris Johnson me
diz aquilo [em maio, sobre estar “rendido” a Guterres], o Reino Unido ainda não estava de alma e coração connosco. Aquilo foi um sinal, mas o Reino Unido nesse preciso momento, nessa semana, ainda não estava de alma e coração connosco. Essas vontades foram-se construindo.
António Guterres visitou todos os P5, mas não só. O ministro, por exemplo, esteve com Sergei Lavrov [o MNE russo] e houve também o trabalho das embaixadas. Quando o MNE quer encontrar-se com Lavrov não manda uma carta hoje e ele recebe-o amanhã. Esse trabalho demora a ser feito. Sabíamos com quem queríamos falar mas tínhamos de esperar que os nossos interlocutores marcassem a reunião.”
José de Freitas Ferraz
Embaixador e presidente do Instituto Diplomático em 2016
“Durante bastante tempo tentámos arranjar a ida do engenheiro à Malásia, que é membro do Conselho de Segurança. Não temos lá embaixada, a nossa representação é a embaixada em Banguecoque [na Tailândia]. Tentámos por diferentes formas, via embaixada em Paris, via embaixada em Pequim, etc. Eu próprio liguei para a Malásia para tentar arranjar datas e os dias iam passando sem que houvesse resposta. Começámos a especular sobre o que se passaria. Acabámos por ter uma resposta em que diziam que depois do Ramadão falaríamos e lá deram uma data para o final de julho. Ele foi lá e, quando chegou, perguntaram-lhe: “Mas porque é que veio cá? A gente apoia-o, já fizemos uma análise e apoiamo-lo”. Sentaram-se e começaram a falar. Ele tinha passado lá férias no ano anterior e começaram a falar sobre essas coisas.”