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Como um ex-ministro e um ex-assessor de Sócrates ajudaram o rei do pernil de porco a conquistar a Venezuela

Mário Lino é chairman da Iguarivarius, que já faturou mais de 200 milhões de euros na Venezuela. O negócio começou com a diplomacia económica de José Sócrates — e continuou com a de Paulo Portas.

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“Na Venezuela nada está confirmado até que já tenha acontecido. Na Venezuela, os imprevistos deverão estar sempre previstos”
Lema de um diplomata português acreditado em Caracas

Era uma oportunidade única. Para Portugal, para as exportações — mas, acima de tudo, para uma empresa chamada Iguarivarius. Num tempo em que o primeiro-ministro José Sócrates era muito próximo de Hugo Chávez, a Venezuela transformou-se, entre 2006 e 2012, num Eldorado para algumas empresas ligadas a bens alimentares e à construção civil. Mas poucos ganharam mais do que o Grupovarius — que detém a sociedade Iguarivarius, um trader de produtos alimentares e não alimentares que ganhou notoriedade no Natal de 2017, ao ser acusado de sabotagem económica por Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.

O líder do Grupovarius chama-se Alexandre Cavalleri. Este gestor, que começou por ser conhecido na zona de Sintra como porteiro de uma discoteca chamada “Maria Bolacha”, conseguiu construir relações próximas com as autoridades venezuelanas — e contratou ou fez sociedade com figuras próximas dos dois homens que mais promoveram as relações comerciais entre Portugal e a Venezuela: José Sócrates e Paulo Portas.

Uma dessas figuras políticas é Mário Lino, o poderoso ministro das Obras Públicas de Sócrates que, com o seu colega Manuel Pinho, ficou famoso junto do presidente Hugo Chávez como a dupla “Pino & Lino” (que até serviu como material para sketches humorísticos). Depois de ter sido um dos protagonistas nas embaixadas económicas na Venezuela, Lino tomou posse a 11 de janeiro de 2011 como administrador da empresa de Cavalleri e passou a chairman da Iguarivarius em março de 2013. Outro homem próximo de Sócrates é Vitor Escária, ex-assessor económico de José Sócrates. Em 2012, recebeu da sociedade rendimentos de 12 mil euros e, dois anos depois, tornou-se sócio da holding familiar que Alexandre Cavalleri utiliza para controlar a Iguarivarius.

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Manuel Brandão é a terceira cara conhecida da empresa. Entre 2011 e 2014 foi administrador da AICEP Portugal Global com o pelouro da exportação. Homem de confiança de Portas, foi seu chefe de gabinete no Ministério da Defesa no Governo de Durão Barroso. Enquanto gestor público, acompanhou a Iguarivarius como empresa exportadora para a Venezuela. E, depois de deixar a AICEP, acabou como seu consultor e, já em novembro de 2017, passou a administrador.

A empresa Iguarivarius já faturou mais de 200 milhões de euros com contratos públicos que celebrou com o país agora liderado por Nicolás Maduro. Só com a venda de pernil de porco a sociedade de Cavalleri já ganhou mais de 100 milhões de euros. Alguns desses contratos são pagos em contas bancárias do Grupo da Iguarivarius em Portugal e na Suíça, apurou o Observador.

Alexandre Cavalleri, Mário Lino e Manuel Brandão recusaram responder por telefone e por escrito às perguntas do Observador, apesar das tentativas de contacto ao longo dos últimos meses.

Alexandre Cavalleri (segundo a contar da esquerda) com Mário Lino e Bruno de Carvalho, então presidente do Sporting. Foto retirada do Facebook do Grupovarius

A descoberta do “mercado da saudade” na Venezuela

Estávamos em 2005. O Governo de José Sócrates tinha tomado posse em março e era a primeira vez que Fernando Serrasqueiro representava Portugal nas cerimónias do 10 de junho. Secretário de Estado do Comércio, homem de grande confiança do primeiro-ministro e seu fiel escudeiro desde os tempos de luta pelo poder na Federação de Castelo Branco do PS, estava convencido de que iria ser uma viagem para cumprir calendário.

Mas este beirão, de baixa estatura e muito ágil a pensar, apercebeu-se no primeiro contacto com o seu homólogo e outros representantes de entidades públicas da Venezuela que existia ali uma oportunidade. A comunidade de portugueses, essencialmente com origem madeirense, tinha uma forte ligação cultural ao seu país, o que fazia com que existisse uma necessidade de importar bens alimentares como bacalhau, azeite, vinho, conservas de peixe, etc. As necessidades do chamado “mercado da saudade” abriam boas possibilidades para o crescimento das exportações portuguesas.

Vitor Escária, assessor de Sócrates que viria a ser sócio da holding familiar de Alexandre Cavalleri, recordou a conversa entre Serrasqueiro e Sócrates: “Eh pá, temos lá 500 mil pessoas. É uma oportunidade de aumentar as exportações. Ainda por cima dás-te bem com o Hugo Chávez”. Serrasqueiro recebeu luz verde para preparar “um protocolo” entre os dois países.

Serrasqueiro percebeu igualmente que, atendendo à ideia dirigista que o partido de Chávez tinha da economia, havia diversas empresas públicas e fundos soberanos que financiavam as importações de bens alimentares e não alimentares de que a Venezuela necessitava e distribuíam as mesmas por uma rede de supermercados públicos. Tudo isso era financiado por diversos fundos soberanos alimentados com as receitas da venda de petróleo através da poderosa PDVSA — Petróleos da Venezuela liderada por Rafael (‘Rafa’ para o amigos) Ramirez.

Chegado a Portugal, Serrasqueiro informou o primeiro-ministro José Sócrates dos contactos que tinha tido com o Governo de Hugo Chávez.  O diálogo seria recordado mais tarde, no âmbito de uma inquirição como testemunha na Operação Marquês, por Vitor Escária. “Eh pá, temos lá 500 mil pessoas, nós exportamos 16 milhões de euros para a Venezuela. A nossa comunidade quer bacalhau, quer queijo, quer azeite e não consegue importar por causa dos mercados de divisas. É uma oportunidade de aumentar as exportações. Ainda por cima, dás-te bem com o primeiro-ministro [Hugo Chávez]”, citou Escária, aludindo à boa relação entre Sócrates e Chávez. José Sócrates deu luz verde a Serrasqueiro para avançar e começou a preparar-se “um protocolo” entre Portugal e a Venezuela.

Salgado e BES envolvidos em esquema de corrupção de 3,5 mil milhões de euros na Venezuela

Ainda em 2005, Fernando Serrasqueiro fez nova viagem à Venezuela, mas desta vez levou consigo uma comitiva de empresários diretamente ligados aos produtos que os venezuelanos mais desejavam: leite em pó, produtos alimentares diversos — e pernil de porco. Os negócios, contudo, ainda iriam demorar algum tempo a concretizar-se.

O primeiro acordo com a Venezuela

Só em fevereiro de 2008 começaram a aparecer os primeiros resultados dessas viagens. Dois homens que viriam a cair em desgraça nos respetivos países anos depois reuniram-se em Lisboa no Ministério da Economia, na zona do Chiado. Um era Manuel Pinho, ex-administrador do Banco Espírito Santo ‘emprestado’ à política por Ricardo Salgado como titular da pasta da Economia do Governo Sócrates. O outro era o ministro ‘Rafa’ Ramirez, o poderoso braço-direito do presidente Hugo Chávez que conhecia bem Salgado e que tem hoje um mandado de captura na Venezuela por suspeitas de ter desviado fundos da empresa PDVSA — Petróleos da Venezuela, acontecendo o mesmo com diversos responsáveis de fundos como o Bariven e o Fonden — Fundo de Desenvolvimento Nacional que financiaram a importação de bens alimentares como o pernil de porco.

Pinho e Ramirez assinaram, perante o olhar e as lentes de toda a comunicação social, um acordo que pretendia elevar as exportações portuguesas para a Venezuela de uns irrelevantes 12 milhões de euros, em 2005, para 200 milhões de euros logo naquele ano — acordo esse que seria validado meses mais tarde na primeira visita oficial de José Sócrates a Caracas a convite de Hugo Chávez.

Manuel Pinho, ministro da Economia (à esquerda), e Rafael Ramirez, ministro da Energia e do Petróleo e presidente da PDVSA (à direita) a 3 de fevereiro de 2008 em Lisboa

MIGUEL A. LOPES / LUSA

O negócio explica-se em poucas palavras. A Venezuela comprava bens alimentares a empresas portuguesas e vendia petróleo à Galp. Os fundos pagos à Galp ficariam depositados numa conta da Caixa Geral de Depósitos e serviriam como garantia de pagamento dos produtos que as empresas portuguesas exportassem para a Venezuela. O acordo tinha uma espécie de plafond: os tais 200 milhões de euros. Na prática, tal valor correspondia a dois barcos de crude por ano.

O próprio Manuel Pinho explicou que as exportações portuguesas seguiriam uma “lista previamente acordada” de produtos selecionados pela Venezuela. Assim, as áreas prioritárias seriam produtos alimentares, energias renováveis, construção e engenharia civil, medicamentos e construção naval.

Dois homens que viriam a cair em desgraça anos depois, reuniram-se em Lisboa para aumentar as exportações de Portugal para a Venezuela de 12 milhões para 200 milhões de euros. Um era Manuel Pinho, ex-administrador do BES 'emprestado' à política por Ricardo Salgado. O outro era o ministro 'Rafa' Ramirez, o poderoso braço-direito do presidente Chávez.

Em 2012, quando José Sócrates já não estava no poder, as exportações para a Venezuela atingiram um total de 313,3 milhões de euros. A Venezuela posicionou-se como o terceiro maior cliente de Portugal na zona da América Latina e Caraíbas — logo a seguir ao Brasil e ao México.

Como funcionava a diplomacia económica

As embaixadas económicas eram preparadas a partir do gabinete de José Sócrates. Os seus assessores contactavam os ministérios setoriais e tentavam perceber, pela via diplomática, quais os interesses em cada país que podiam justificar uma visita oficial do primeiro-ministro. Depois, pediam ao então ICEP (organização antecessora da AICEP Portugal Global) e ao Ministério da Economia que indicassem quais as empresas interessadas em integrar a comitiva. Mas estabeleciam regras criteriosas: o Governo só levava empresas que já estivessem eventualmente estabelecidas naquele país, que tivessem investimentos ou pretensões económicas para isso. Ainda assim, existiam exceções.

Vítor Escária era um dos três responsáveis pela seleção. “Fazíamos uma pontuação e definíamos”, tendo também em conta “os lugares que tínhamos no avião”, explicou ao procurador Rosário Teixeira quando, a 20 de março de 2015, foi inquirido no âmbito da Operação Marquês. Mas existiam alguns casos que fugiam à regra. “Tínhamos que aceder a alguns ministérios que diziam: ‘Pá, mas atenção porque na nossa área é muito importante levar este ou o outro’. E era assim”.

Depois de uma primeira visita oficial a Angola em 2006 — uma visita particularmente importante para o PS devido às relações difíceis que sempre existiram entre o MPLA e os socialistas –, seguiu-se a Venezuela. Após as primeiras démarches do secretário de Estado Fernando Serrasqueiro, Escária acaba por ir à Venezuela pela primeira vez em 2008. Guilherme Dray, à data chefe de gabinete de Mário Lino, recorda-se bem dessa visita. Também nas declarações que prestou no âmbito do processo da Operação Marquês, contou como os venezuelanos se organizaram do “ponto de vista coreográfico”. No Hotel Pestana, de Caracas, “arranjaram várias salas” e depois chamavam os interessados por temas. “Agora queremos falar sobre… leite em pó” e “então ia o ministro correspondente”; “Agora queremos falar sobre outro assunto e assim acontecia”.

Em Moçambique, verificou-se outra situação “coreográfica”, para utilizar as palavras de Guilherme Dray, semelhante, mas o palco era um pouco diferente. Durante um jantar de Estado oferecido a José Sócrates em Maputo por Armando Guebuza, então presidente moçambicano, Vitor Escária foi chamado pelo seu chefe a propósito da necessidade de construir residências para os atletas dos Jogos Pan-Africanos organizados por Moçambique. “Em África é uma coisa um bocado surreal porque nós não estamos numa sala todos juntos a jantar. Num palanque está uma mesa presidencial [com Guebuza e Sócrates], eles estão lá em cima, depois está o povo cá em baixo. Ele [Sócrates] faz-me um sinal, eu tenho que subir, passar por trás dele (…) e ele diz-me: ‘Quem é que temos aqui de empresas portuguesas que possam fazer casas (…)’, contou Vítor Escária ao procurador Rosário Teixeira.

“Eu olhei”, continuou Escária, “e disse: ‘(…) à volta da mesa estava o eng. António Mota, da Mota Engil, e o Pedro Gonçalves, da Soares da Costa, (…) que eram as duas empresas portuguesas com maior implementação em Moçambique — talvez as únicas que têm capacidade para isto’. José Sócrates respondeu de pronto: ‘Chame-me cá o eng. António Mota’. Eu desci [do palanque], fui chamar o eng. António Mota — portanto isto tudo durante um banquete — o eng. António Mota sobe e então combinam que era preciso fazer não sei quantas casas, que tinham que ser feitas em nove meses (…)”, concluiu o ex-assessor económico de José Sócrates.

Guilherme Dray, à data braço direito de Mário Lino, contou como os venezuelanos se organizaram do "ponto de vista coreográfico". No Hotel Pestana de Caracas "arranjaram várias salas" e depois chamavam os interessados. "Agora queremos falar sobre... leite em pó" e "então ia o ministro correspondente". Pinho e Lino acompanhavam de perto estas negociações.

Regressando à Venezuela. Manuel Pinho, do lado da Economia, e Mário Lino, do lado das Obras Públicas, eram os ministros portugueses mais importantes. Ambos acompanhavam muito de perto estas negociações que decorriam entre empresas públicas venezuelanas e empresas privadas portuguesas, tendo sido criado um órgão específico (que ainda hoje funciona) para acompanhar a execução dos contratos assinados: a Comissão de Acompanhamento Portugal-Venezuela.

Lino, por exemplo, acompanhava a possibilidade de contratos para a construção de 12.512 habitações por parte do Grupo Lena de Joaquim Barroca e Carlos Santos Silva — matéria que veio a culminar em 2008 na assinatura de um contrato com a Venezuela avaliado em cerca 988 milhões de dólares (cerca de 838 milhões de euros). Além de outros importantes contratos de obras públicas que vieram a ser assinados com a construtora Teixeira Duarte. Mais tarde, mudou-se para o outro lado da barricada e representou a Iguarivarius nos trabalhos da Comissão de Acompanhamento Portugal-Venezuela.

Este contrato do Lena veio a a ser escalpelizado na acusação da Operação Marquês, que culminou com a imputação de um alegado crime de corrupção a José Sócrates por ter aceitado “utilizar o seu cargo como primeiro-ministro” e as relações privilegiadas com o Governo venezuelano “em benefício do Grupo Lena, a troco do recebimento de vantagens patrimoniais a que bem sabia não ter direito”, tendo-se “socorrido de colaboradores que lhe eram próximos e da sua confiança, a fim de, segundo as suas indicações, prestarem o específico apoio ao Grupo Lena” naquela missão. Vítor Escária, seu assessor económico, e Guilherme Dray, seu chefe de gabinete e ex-chefe de gabinete de Mário Lino, eram essas pessoas visadas pelo procurador Rosário Teixeira mas, tal como Lino, não foram acusados de qualquer crime. Pelo contrário, as suspeitas que existiam contra si foram arquivadas.

Como Sócrates ajudou o Grupo Lena a conquistar a Venezuela

Escária, contudo, acabou por ser constituído arguido no caso das viagens do Euro 2016 pelo alegado crime de recebimento indevido de vantagem — investigação que ainda não terminou.

Vítor Escária, ex-assessor de Sócrates que foi sócio de Cavalleri

Vítor Escária é um economista prestigiado. Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, foi o principal assessor económico do primeiro-ministro José Sócrates entre 2005 e 2011, tendo regressado a esse posto em 2015 com António Costa quando este substituiu Passos Coelho. Chegou a ser escolhido em 2013 por Augusto Mateus, ex-ministro de António Guterres, como uma das “Caras do Futuro” do país.

De acordo com documentos da Autoridade Tributária, Escária trabalhou para a Iguarivarius durante o ano fiscal de 2012, tendo declarado rendimentos de 12 mil euros. Foram os únicos rendimentos da Iguarivarius que Escária terá declarado ao Fisco.

Contudo, dois anos depois, mais concretamente a 22 de maio de 2014, Escária é apresentado nas páginas do Diário Económico como membro do Conselho Consultivo da Iguarivarius. Três dias antes, a 19 de maio de 2014, Vitor Escária tinha-se tornado sócio da holding familiar de Alexandre Cavalleri (a Ribeiro Carvalho Cavalleri, SGPS, SA) que controlava a Iguarivarius.

Em conversa telefónica a 23 de fevereiro (que reproduzimos com base nas notas da jornalista do Observador), Escária começou por rejeitar que fosse sócio da Ribeiro Carvalho Cavalleri, tendo admitido o contrário logo a seguir e dado a sua explicação para esse facto:

Observador (OBS): Sr. Dr., tem um minuto?

Vítor Escária (VE): Depende para o que for.

OBS: Estou a fazer um trabalho sobre o Grupovarius e percebi que deu uma entrevista ao Diário Económico sobre a Iguarivarius…

VE:  Sim, sim

OBS: Qual é a sua relação com a empresa?

VE: Na altura fiz um trabalho para eles e foi por isso que respondi. Recordo-me que é a empresa mãe, que já existia desde 2009 ou 2010, e só depois teve outras ramificações

OBS: Mas recorda-se como foi constituída?

VE: Lembro-me que foram pequenas empresas processadoras de carne que se juntaram…

OBS: Lembra-se dos nomes dessas empresas? Na entrevista ao Diário Económico fala da Euroeste…

VE: Sim. E lembro-me da Montebravo. Mas olhe, não posso ser uma boa fonte porque foi só um trabalho. Nem conheço a natureza nem a estrutura acionista da empresa.

OBS: Mas não conhece o dr. Alexandre Cavalleri?

VE: Ah, conheço sim, mas é do foro pessoal. Conheci o Alexandre na infância. Andámos na escola juntos. Na altura fiz um estudo económico para a empresa, que é a minha profissão. Sou economista.

OBS: Pois, eu sei. Mas é sócio do Dr. Alexandre Cavalleri?

VE: Do Dr. Alexandre? Não.

OBS: Não é sócio da empresa RCC — Ribeiro de Carvalho Cavalleri?

VE: Não.

OBS: Mas eu estive a consultar os autos do Ministério Público, de quando foi inquirido para a Operação Marquês, e tem lá a indicação que foi sócio desta empresa.

VE: Ah, mas isso foi apenas durante um determinado momento para me pagarem uma colaboração.

OBS: A que fez para a Iguarivarius?

VE: Não… uma colaboração que fiz… olhe, desculpe, mas tenho mesmo que desligar.

Foi na qualidade de membro do Conselho Consultivo da Iguarivarius que Vítor Escária deu uma entrevista à Económico TV, que foi publicada na edição de 22 de maio de 2014 do Diário Económico. Mostrou um conhecimento aprofundado sobre a empresa. Por exemplo, o jornal escreveu na sua edição de papel, com base na entrevista, que a Iguarivarius tinha ganho logo à cabeça um contrato de 30 milhões de euros na Venezuela pouco tempo depois de ter sido fundada, a 9 de setembro de 2010. Ao que o Observador apurou, tal contrato já estava garantido ainda antes da constituição de empresa.

O ex-assessor económico de Sócrates disse ainda que a Iguarivarius já tinha contrato para o transporte de “lacticínios, conservas de peixe e fornecimento de bens industriais”. “A PDVSA — Petróleos da Venezuela perguntou-nos se haveria quem pudesse fornecer alguns tipos de equipamentos para a indústria petrolífera”, afirmou Escária.

O também ex-assessor económico do primeiro-ministro António Costa estava por dentro das contas da empresa e acrescentou ainda que, em 2013, a sociedade tinha exportado diretamente carnes e conservas para a Venezuela no valor de 20 milhões de euros mas que “as vendas feitas através da Iguarivarius ascenderam a 145 milhões de euros”.

Vitor Escária trabalhou para a Iguarivarius durante 2012, tendo declarado rendimentos de 12 mil euros. Dois anos depois, Escária é apresentado na imprensa como membro do seu Conselho Consultivo. Três dias antes, a 19 de maio de 2014, o ex-assessor de Sócrates tinha-se tornado sócio da holding familiar de Alexandre Cavalleri que controlava a Iguarivarius.

E o que fazia a Iguarivarius, além de assegurar o transporte e a comercialização do pernil de porco e das conservas de peixe? “O papel da empresa é o fornecimento de serviços, comercialização e apoio à entrada destas empresas [exportadoras] nos mercados” internacionais, como a Venezuela, explicou Escária.

Depois de buscas a Vitor Escária, a equipa de investigação do procurador Rosário Teixeira avaliou nos autos da Operação Marquês o relacionamento do economista com José Sócrates no contexto de alegados favorecimentos do Grupo Lena e da prestação de serviços que Sócrates tinha com a farmacêutica Octapharma. Tudo com a Venezuela no centro da conversa. “José Pinto de Sousa demonstrou ter uma relação de bastante confiança com Vitor Escária”. Este, por sua vez, “demonstrou ter uma alargada rede de conhecimentos com figuras de relevo de outros países, sendo de salientar os contactos com políticos da Venezuela, a pedido de José Pinto de Sousa”, lê-se num relatório do inspetor tributário Paulo Silva.

“No âmbito do presente processo de inquérito, também se apurou que Vitor Escária manteve contactos regulares com o arguido Carlos Santos Silva, tendo, a partir de 2013, prestado serviços através da Proengel II”, afirma Paulo Silva. Na realidade, Escária declarou em 2013 e 2014 um total de rendimentos de 21.250 euros pagos pela Proengel II International Projects, SA — uma sociedade de Carlos Santos Silva e do Grupo Lena que operava essencialmente no estrangeiro, nomeadamente em mercados que o Governo José Sócrates tinha desenvolvido significativamente para as empresas portuguesas, como a Argélia.

Se Sócrates colocou ao serviço da Octapharma a sua rede de contactos internacionais no Brasil, Venezuela e Argélia construída durante os seis anos em São Bento, alguns dos seus ex-assessores tentaram seguir o mesmo caminho. De acordo com a inquirição de Vitor Escária na Operação Marquês, o próprio Escária, juntamente com José Almeida Ribeiro (ex-espião e assessor político de Sócrates), Óscar Gaspar (ex-assessor económico) e Luís Bernardo (ex-assessor de comunicação) formaram uma empresa de consultadoria após saírem do Governo chamada Nau. “Éramos contactados às vezes por governos estrangeiros, colegas nossos, a perguntar: ‘Há empresas portuguesas interessadas nisto?'”. A Nau tentou fazer a ponte entre Estados ou empresas públicas internacionais e as empresas privadas portuguesas mas não terá tido muito sucesso porque apenas terá durado um ano.

Temir Porras e outros amigos venezuelanos de Escária

Vítor Escária tinha, de facto, ótimos contactos na Venezuela de Hugo Chávez e assim continuou com Nicolás Maduro. Tendo participado nas reuniões da Comissão Mista Portugal-Venezuela, desenvolveu uma rede de contactos com figuras próximas dos dois chefes de Estado.

Aliás, um dos seus melhores contactos — e, por arrasto, de José Sócrates — era Temir Porras, chefe de gabinete de Maduro quando este era ministro dos Negócios Estrangeiros e futuro vice-ministro para a Europa, que chegou a ser apelidado pela imprensa local como “el lobbista del poder”. O outro chamava-se Max Arvelaiz e era assessor diplomático do presidente Hugo Chavéz. Quer Porras, quer Arvelaiz foram referidos à exaustão por José Sócrates e por Vitor Escária em inúmeras conversas que foram alvo de escutas telefónicas pelos investigadores da Operação Marquês.

Quando foi inquirido pelo procurador Rosário Teixeira, Vítor Escária explicou a relação que tinha com Porras e Arvelaiz. “Eles tinham um… dentro de um certo folclore eram engraçados… Numa das vezes em que vieram cá, o presidente Chávez ficou no Tivoli. Eles fizeram questão (de ir) ao Largo do Carmo, porque tinham uma memória do 25 de Abril e estiveram na placa onde estava assinalada a coisa do Salgueiro Maia e da ‘Bula’… estiveram ali um bocadinho em respeito…”, contou Escária.

AFP/Getty Images

As paragens técnicas que Hugo Chávez e Nicolas Maduro eram obrigados a fazer em Lisboa, devido ao facto de os aviões da companhia aérea venezuelana necessitarem de ser abastecidos, fez com que esses encontros se repetissem com regularidade. “Uma vez… até achei um bocado surreal… eles ficaram no Tivoli e foram jantar a uma coisa que se chama “O Valentino” — que era um restaurante ao pé da sede do Benfica, no Jardim do Regedor, um italiano um bocado manhoso… Quer dizer, estava um ministro dos Negócios Estrangeiros naquele sítio… Quando desce a avenida da Liberdade, do lado esquerdo, junto à rua das Pretas, está uma estátua do Simon Bolívar (…). Aqueles senhores passavam à ‘porta’ do Simon Bolivar e cantavam… paravam e cantavam (…) paravam ali e cantavam umas músicas depois continuavam em direção ao Tivoli. Portanto, isto eram ministros, um dos ministros mais poderosos, o ‘Rafa’ Ramirez [ministro da Energia e presidente da PDVSA, braço direito de Hugo Chávez], portanto eles levavam aquilo a sério… é folclore mas não é só folclore”, explicou Escária.

Temir Porras, que costumava sair à noite com Vitor Escária e Óscar Gaspar (o outro assessor económico de José Sócrates), tornou-se depois vice-ministro da Europa e acabou por ser a contraparte venezuelana de Fernando Serrasqueiro nas negociações bilaterais e também no acompanhamento da Comissão Mista Portugal Venezuela.

Porras era uma figura central para as empresas portuguesas, sendo vice-ministro da Europa. Visitou Portugal várias vezes oficialmente e recebia o embaixador português em Caracas para tratar de pagamentos em atraso a empresas como a Iguarivarius. A 19 de outubro de 2012, por exemplo, Alexandre Cavalleri foi informado pela AICEP Portugal, a agência pública do comércio externo, que Temir Porras estava a acompanhar de “muito perto” as “dificuldades que tem conhecido a venda do pernil [de porco] acordada entre a empresa Iguarivarius” e a empresa pública venezuelana que comprava o pernil à Iguarivarius. É importante referir que Temir Porras chegou a ser secretário executivo do Fonden — Fundo de de Desenvolvimento Nacional que financiava a compra de bens alimentares.

Depois de sair do governo, Temir Porras negociou com Carlos Santos Silva a possibilidade de ser intermediário das suas empresas na Venezuela, sendo remunerado com uma percentagem dos contratos que eventualmente Santos Silva conseguisse. Uma parte das negociações terá decorrido no Hotel Ritz, em Lisboa, a 23 de outubro de 2013, segundo contou Vitor Escária ao procurador Rosário Teixeira. Pormenor: a equipa de investigadores da Operação Marquês estava a vigiar José Sócrates naquele momento e suspeitava que Temir Porras seria um intermediário venezuelano para garantir ao Grupo Lena um contrato de obras públicas no valor de 900 milhões de euros. Tratava-se de um segundo contrato para a construção de mais de 12.500 casas, depois de um primeiro contrato que foi assinado em maio de 2010 aquando da segunda visita oficial de Sócrates ao país de Hugo Chávez.

Nas conversas no Ritz chegou a ser falada uma percentagem de 1% mas não é claro se a mesma foi concretizada. Como vice-ministro para a Europa, Temir Porras acompanhou de perto a negociação desses contratos, chegando a acompanhar a 2 de março de 2012 o secretário de Estado Almeida Henriques (actual presidente da Câmara de Viseu) numa visita oficial às obras de construção de casas sociais que o Grupo Lena estava a realizar na cidade de Cúa, na Venezuela, no âmbito do primeiro contrato assinado em 2010. Manuel Brandão, ex-chefe de gabinete de Paulo Portas, então administrador da AICEP e futuro administrador da Iguarivarius, esteve também nessa visita.

Temir Porras, ex-braço direito de Nicolas Maduro e de Hugo Chávez.

Mais tarde, José Sócrates ajudou Temir Porras na obtenção de uma entrevista com a reitor de Science Po, a prestigiada universidade francesa onde Sócrates estudou, para a inscrição num dos Masters daquela instituição de ensino.

O ‘bacalhau’ da Venezuela e a ideia para a Iguarivarius

Os contratos com o Grupo Lena, a Teixeira Duarte e a JP Sá Couto foram os mais mediáticos da cooperação bilateral Portugal/Venezuela, que começou a ganhar forma depois de 2008. Mas as primeiras visitas de empresários portugueses ao país iniciaram-se em 2006 com o secretário de Estado Fernando Serrasqueiro. Este, contudo,  impunha que cada um dos privados pagasse a sua viagem e não garantia que, no final, regressassem com um contrato nas mãos. Uma das empresas a aderir foi a Montebravo, onde Cavalleri era diretor comercial e tinha interesse em abrir caminho para a exportação de carne de porco. É que, na Venezuela, o pernil de porco está para o Natal como o bacalhau está para os portugueses.

Conta ao Observador quem acompanhou estas viagens que o então responsável da Montebravo andou cerca de dois a três anos a fazer o trabalho de casa, construindo uma rede de contactos com a base da administração venezuelana. “Esperto, proativo e dinâmico”, nas palavras de um empresário que participou nas mesmas viagens, Alexandre Cavalleri costumava levar presentes de cortesia para todos os seus contactos sempre que visitava a Venezuela — era assim que solidificava relações e pretendia respeitar a cultura local.

Hoje, é recebido por membros destacados do Governo de Nicolás Maduro, (muitas vezes sem o conhecimento da embaixada de Portugal em Caracas), e escreve cartas ao presidente venezuelano quando existem dificuldades no pagamento das faturas da Iguarivarius. Um exemplo disso é uma missiva de 12 de setembro de 2017, em que Cavalleri pede, num estilo emocional, “com a mão no coração, que nos ajude sr. presidente para que esta situação seja resolvida com urgência e da melhor maneira possível”. Estava em causa o pagamento de uma dívida superior a 30 milhões de dólares relativa a 2016 que veio a ser desbloqueado mais tarde.

Conta ao Observador quem acompanhou as primeiras viagens de Cavalleri à Venezuela que andou cerca de 2/3 anos a fazer o trabalho de casa, construindo uma rede de contactos com a base da administração venezuelana. Cavalleri costumava levar presentes de cortesia para todos os seus contactos sempre que visitava a Venezuela -- era assim que solidificava relações e pretendia respeitar a cultura local.

A partir de determinada altura, e antes de serem realizados os primeiros contratos com os produtores portugueses, Cavalleri percebeu que podia fazer dinheiro criando a própria empresa. Uma empresa com um fim muito específico: concentrar em si os esforços de várias empresas interessadas em exportar para a Venezuela, diminuindo os custos de exportação de cada uma delas. Cavalleri fazia assim nascer a Iguarivarius.

A estratégia de Cavalleri era clara: criar um intermediário entre produtores portugueses e as autoridades venezuelanas. Na prática, criar uma nova empresa que fosse um trader que comprasse o produto final aos produtores e o revendesse à Venezuela, assegurando o respetivo transporte. Não é por acaso que a Iguarivarius costuma representar outras empresas portuguesas do setor alimentar nas reuniões da Comissão Mista Portugal/Venezuela — órgão que acompanha as relações económicas entre os dois países.

Curiosamente, alguns que acompanharam este início da caminhada ainda numa fase pré-Iguarivarius não viam Alexandre Cavalleri como líder dessa futura empresa. “Não era nem nunca foi visto como um chief executive officer. Era essencialmente um comercial que sabia vender o seu peixe”, conta uma fonte que acompanhou de perto a criação da Iguarivarius.

Com base numa entrevista ao gestor, o Jornal de Negócios escreveu mesmo que Cavalleri “começou a aglomerar posições em empresas em 2008, quando chegou à conclusão de que não era fácil trabalhar em conjunto com outras sociedades”. Estas sociedades não são identificadas mas, ao que o Observador apurou, a Iguarivarius foi fundada por Alexandre Cavalleri e mais duas empresas portuguesas que já exportavam para a Venezuela.

Quando a Iguarivarius é formada no início de setembro de 2009 como uma sociedade por quotas com o capital mínimo de 5 mil euros, o capital estava dividido, segundo o registo comercial inscrito no Portal da Justiça, em duas quotas iguais de 2.500 euros. Uma era detida por Alexandre Cavalleri enquanto a outra era de António Luís Magalhães Tavares, presidente do Conselho de Administração da Cofaco — Comercial e Fabril de Conservas, SA. Produtora de conservas de peixe, a Cofaco chegou a contratualizar um montante muito significativo de mercadoria com a Venezuela mas diversos problemas impediram a concretização do contrato.

A Iguarivarius foi depois transformada numa sociedade anónima a 18 de outubro de 2010 (um mês depois da sua constituição) com um capital de 55 mil euros em ações ao portador — o que significa que o acionista é aquele que detém as ações. Quase oito anos depois, a sociedade anónima continua a ter ações ao portador, mas já tem um capital social de 10 milhões de euros, após sucessivos aumentos — o que acaba por demonstrar a dimensão do seu balanço.

Entre os vários acionistas que a sociedade foi tendo, destaca-se um: a RCC — Ribeiro Carvalho Cavalleri, sociedade gestora de participações sociais com ações ao portador que foi constituída em 2014 por Alexandre Cavalleri e António Parente (um ex-diretor do BCP que se reformou da banca em 2007) para deter a sua posição na Iguarivarius e no grupo que lhe deu origem. Hoje em dia, a RCC detém mais de 90% do capital social da Iguarivarius e domina o Grupovarius. Tendo ações ao portador, só as respetivas sociedades sabem quem são os seus acionistas.

A partir de determinada altura, e antes de serem realizados os primeiros contratos com os produtores portugueses, Cavalleri percebeu que podia fazer dinheiro criando a sua própria empresa com um fim específico: concentrar em si os esforços de várias empresas interessadas em exportar para a Venezuela, diminuindo os custos de cada uma delas. Nascia assim a Iguarivarius.

Em março, o Observador contactou o CEO da Iguarivarius no âmbito deste trabalho mas o porta-voz da empresa respondeu: “Alexandre Cavalleri agradece a vossa proposta mas não vê qualquer interesse em dar uma entrevista ao Observador.” Novas questões foram enviadas a 20 de junho, mas o Observador não obteve qualquer resposta até ao fecho desta peça.

Quem é Alexandre Cavalleri?

Quem conhece Alexandre Cavalleri lembra-se dele ainda jovem, quando era um porteiro entroncado de uma discoteca na Praia das Maçãs, chamada “Maria Bolacha”. Corriam os anos 90 e a discoteca atraía clientela jovem da zona e da Grande Lisboa que ali passava férias. Sabiam que o pai dele era dono de um pequeno matadouro na zona de Sintra, no qual Cavalleri acabaria por trabalhar antes de surgirem dificuldades económicas — como aconteceu genericamente com os matadouros familiares que não souberam adaptar-se às novas regras sanitárias exigentes da União Europeia.

Mais tarde, transferiu-se para outra empresa de carnes, de maior dimensão, chamada Montebravo. Foi através do departamento comercial da Montebravo que começou a visitar a Venezuela em 2007 e a ter mais ambição, levando-o a anunciar aos patrões que iria trabalhar por conta própria. A Carnes Primor e a Sapropor eram, juntamente com a Montebravo, as sociedades de carnes que começaram a explorar o mercado venezuelano.

Fundou em 2010 a Iguarivarius, que estaria na origem, cinco anos depois, de um grupo empresarial detido maioritariamente pela sua holding, a Ribeiro Carvalho Cavalleri. “O que começou com uma empresa, desenvolveu-se este ano para um grupo empresarial a que chamamos Grupovarius, com a constituição de novas empresas”, lê-se no relatório e contas da Iguarivarius de 2016. Dentro deste grupo, existiam à data oito empresas — entre empresas de segurança (para se dedicar “à segurança de VIP especializados que venham a Portugal”, nas palavras do CEO da Iguarivarius ao Negócios), industriais (tintas Kenitex adquiridas à família de uma das cunhadas de Alexandre Cavalleri e que se encontrava em dificuldades económicas) e de consultadoria, entre outros objetos sociais.

Outra dessas empresas é a Racingvarius, uma empresa que disponibiliza carros desportivos de luxo para simulação de corridas no Autódromo do Estoril, que tem no seu ativo uma frota automóvel avaliada em mais de 1 milhão de euros. O Observador teve acesso a uma proposta que esta empresa fez a um cliente e a oferta é vasta, tal como mostra o site da empresa: Lamborghini Aventador (avaliado em 450 mil euros), Lamborghini Huracán (237 mil euros), Rolls Royce Phantom (520 mil euros), Bentley Continental GT (250 mil euros), Bentley Bentayga (294 mil euros), Ferrari GTC4 Lusso (348 mil euros), Ferrari 488 GTB (272 mil euros), MacLaren Mp4 (carro anterior a 2011 com um valor na época de 260 mil euros), Porsche 911 Turbo S (241 mil euros), Mercedes, Aston Martin Rapid (281 mil euros), BMW M4 (107 mil euros), Porsche Cayman (85 mil euros) e, entre outras viaturas, diversos Mercedes desportivos avaliados em mais de 100 mil euros cada um. No total, a frota da Racingvarius está avaliada em cerca de 4 milhões de euros.

Algumas dessas viaturas são utilizadas por Cavalleri no seu dia-a-dia. A Racingvarius oferece serviços diferentes, sendo que um dos pacotes que oferece aos seus clientes custa 15 mil euros e inclui carro, duas voltas no Autódromo do Estoril, coffee break, duas voltas e seguros.

A empresa tem ainda um barco Sunseeker 34, que tem um valor de mercado de cerca de 3 milhões de euros.

Além de uma paixão por carros, Cavalleri é adepto do Sporting. Após o ataque à Academia de Alcochete não hesitou em criticar Bruno de Carvalho e anunciou a retirada do patrocínio à secção de judo. Chegou mesmo a responder aos adeptos fanáticos que o criticavam ferozmente. Cavalleri não se escondeu e respondeu naquela rede social um a um. As suas respostas, algumas mais agressivas, foram, entretanto, eliminadas.

Além desta paixão por carros, Cavalleri é adepto do Sporting. A Iguarivarius é um dos patrocinadores da secção de judo, uma modalidade que Alexandre e os seus seis irmãos (quatro rapazes e duas raparigas, uma delas atleta olímpica) praticaram desde a infância. Sócio com o número 10.384, não hesitou em criticar o presidente Bruno de Carvalho após o ataque à Academia de Alcochete. “Tenho uma enorme vergonha do actual momento e vejo um futuro muito negro”, disse através do Facebook do Grupovarius. O empresário anunciou na página do seu grupo empresarial a retirada do patrocínio à secção de judo do Sporting e não hesitou em responder aos adeptos fanáticos de Bruno de Carvalho que o criticavam ferozmente — muitas vezes com uma linguagem violenta. Cavalleri não se escondeu e, no auge da crise leonina em que o clube estava fraturado entre quem estava contra BdC e quem estava a favor, o gestor respondeu naquela rede social um a um. As suas respostas, algumas mais agressivas, foram entretanto eliminadas do Facebook do Grupovarius. Mais tarde foi convidado para fazer parte da Comissão de Gestão liderada por Artur Torres Pereira.

O porco espanhol que é exportado pela Iguarivarius…

Quando a Iguarivarius nasceu, Portugal exportou cerca de 160 milhões de euros para a Venezuela. Mas, segundo o Jornal de Negócios, que citou a 11 de novembro de 2016 informação cedida por uma fonte oficial da empresa de Cavalleri, a Iguarivarius começou a vender pernil de porco à Venezuela em 2008 — dois anos antes da sua constituição formal. Terá vendido três mil toneladas de pernil nesse ano e 2.500 toneladas em 2010. O eventual lapso do Negócios nascerá certamente do facto de Alexandre Cavalleri ter estado ligado a empresas que já forneciam carne para a Venezuela.

Certo é que, em várias missivas enviadas por Alexandre Cavalleri para o presidente Nicolás Maduro e vários membros do seu Governo, o CEO da Iguarivarius menciona sempre uma relação comercial que começou ou em 2008 ou em 2009 — a data varia de carta para carta.

Durante o mandato de Paulo Portas, ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros que tutelava a diplomacia económica, a sociedade de Cavalleri começou a faturar significativamente: entre 2012 e 2017, o Grupo da Iguarivarius vendeu mais de 54 mil toneladas de pernil de porco congelado para a Venezuela, conseguindo só com esse produto uma faturação total no mesmo período que superou os 100 milhões de euros.

O gráfico seguinte mostra as quantidades de pernil de porco congelado exportadas para a Venezuela entre 2012 e 2017 — no entanto, as exportações da empresas começaram em 2010. No ano seguinte também foi exportado pernil de porco, mas não existe qualquer referência às quantidades e aos valores exportados.

Além do pernil, o Grupovarius contratualizou ainda diversos contratos relevantes de import e export com a PDVSA — Petróleos da Venezuela, um dos 15 maiores produtores de petróleo do mundo. Só os ativos da PDVSA estão avaliados em mais de 100 mil milhões de euros. No total, a Iguarivarius já terá faturado mais de 200 milhões de euros à conta da Venezuela.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, com Paulo Portas, então ministro dos Negócios Estrangeiros, em 2013 em Caracas

LUSA

Em 2013, por exemplo, os contratos de fornecimento eram assinados com a Corporácion La Casa, uma empresa tutelada pelo Ministério da Alimentação. Uma empresa do universo da PDVSA, a Bariven, também comprava alimentos e, ao que o Observador apurou, terá igualmente feito contratos com o Grupo Iguarivarius. Mas, nos últimos anos, passou a ser a Corpovex — Corporácion Venezolana de Comercio Exterior, tutelada pelo Ministério Popular de Economia e de Finanças, que passou a ser entidade responsável pela importação de produtos alimentares.

A Corpovex, que foi fundada em 2013, é financiada pelo Fonden — Fundo de Desenvolvimento Nacional. Trata-se de um fundo soberano que é financiado com as receitas da venda do petróleo, sendo que a compra do pernil de porco é feita no âmbito do “Plano Geral de Compra de Alimentos”.

A carne que é exportada, contudo, não é toda de origem portuguesa. De acordo com a documentação a que o Observador teve acesso, a Iguarivarius costuma comprar porcos abatidos a produtores espanhóis, sendo que são empresas portuguesas que fazem a transformação, preparação e apresentam o produto final de pernil de porco congelado à Iguarivarius para esta transportar o mesmo para a Venezuela.

A carne que é exportada, contudo, não é toda de origem portuguesa. A Iguarivarius costuma comprar porcos espanhóis, sendo que são empresas portuguesas que fazem a transformação em pernil de porco desosado congelado para a Iguarivarius transportar o mesmo para a Venezuela. O DCIAP abriu um inquérito criminal por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais para investigar a alegada exportação de carne espanhola rotulada como portuguesa.

De acordo com o programa Sexta às Nove, da RTP, o DCIAP abriu um inquérito criminal precisamente para investigar a exportação de carne espanhola rotulada como portuguesa alegadamente por parte da Iguarivarius. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a abertura de tal inquérito, que conta com a colaboração da Direção Geral de Alimentação e Veterinária e da ASAE. Mas, ao Observador, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária disse desconhecer tal empresa e tal investigação. Nos referidos autos investigam-se anda suspeitas da alegada prática dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.

A PGR confirmou em janeiro ao Observador a investigação, acrescentando que ainda não tinha arguidos. O Observador perguntou novamente em julho se a informação se mantinha atualizada mas o órgão liderado por Joana Marques Vidal não respondeu.

Ao que o Observador apurou, este problema não é novo. As primeiras encomendas de pernil de porco feitas em 2007 e 2008 pelas autoridades venezuelanas obrigaram os fornecedores portugueses a importar carne de Espanha por falta de produção própria. Os venezuelanos, que estavam com péssimas relações diplomáticas com Espanha desde que o rei Juan Carlos mandou calar Hugo Chávez na Cimeira Ibero-Americana de 2007, no Chile, no célebre episódio “por que no te callas”, começaram a levantar problemas quando desconfiaram que as empresas portuguesas estariam a comprar porcos espanhóis e obrigaram as autoridades portuguesas a emitir documentação que atestasse a origem nacional dos animais. De acordo com uma fonte governamental, o então diretor-geral de Alimentação e Veterinária recusou passar tal declaração.

Por outro lado, as empresas portuguesas que exportam carne e alimentos para a Venezuela são obrigatoriamente certificadas pelas autoridades sanitárias venezuelanas que, em cooperação com a Direção-Geral de Veterinária portuguesa, fazem inspeções em Portugal às instalações das empresas exportadoras.

… e os pagamentos nas contas na Suíça

O grupo liderado por Alexandre Cavalleri fez em 2016 um contrato com a Raporal (empresa agro-alimentar com capacidade instalada de produção, abate e indústria transformadora suína e acionista minoritário da Iguarivarius) para o “fornecimento” de 11 mil toneladas de “pernil de cerdo deshuesado y congelado” — ou seja, pernil de porco desosado e congelado.

Essas 11 mil toneladas seriam adquiridas pela Raporal e fornececidas à Agrovarius de duas formas:

  • 3.800 toneladas eram produzidas pela própria Raporal, sendo vendidas por 6,9 milhões de euros à Agrovarius;
  • As restantes 7.200 toneladas seriam adquiridas por 15,2 milhões de euros à empresa espanhola Cárniques Celra, com sede em Girona (Catalunha) — um dos maiores grupos agro-alimentares espanhóis, com uma faturação superior a 600 milhões de euros.

Neste último caso, as 7.200 toneladas fornecidas pela empresa espanhola representam um produto em bruto, que teria de ser desmanchado, transformado e congelado pela Raporal. Fica claro, portanto, que a maior parte do pernil de porco fornecido pelo Grupo Iguarivarius à Venezuela tem origem espanhola, sendo que uma minoria é produzida em Portugal. Pelo menos, em 2016.

O Observador contactou a Raporal em maio mas a empresa recusou fazer declarações ou prestar qualquer tipo de informação.

Das 11 mil toneladas vendidas pelo Grupo da Iguarivarius para a Venezuela em 2016, 3.800 toneladas eram produzidas em Portugal, enquanto que as restantes 7.200 toneladas seriam adquiridas por 15,2 milhões de euros à empresa espanhola Cárniques Celra, com sede em Girona (Catalunha).

De acordo com a documentação a que o Observador teve acesso, a própria Corpovex (o cliente venezuelano da Agrovarius) assumiu em janeiro de 2018 perante a empresa de Alexandre Cavalleri que lhe devia cerca de 38 milhões de dólares (cerca de 32,5 milhões de euros) por conta do fornecimento relativo ao ano de 2016. Valor que, segundo uma notícia do Jornal de Negócios de 11 de novembro de 2016, que cita dados fornecidos pela própria Iguariarius, corresponderá a menos de metade do total do contrato para o fornecimento de 14 mil toneladas de carne por 63,5 milhões de euros (cerca de 69,3 milhões de dólares). É certo que o texto do Negócios fala apenas em fornecimento de pernil de porco mas, de acordo a documentação a que o Observador teve acesso, a Iguarivarius contratualizou também com uma empresa pública venezuelana o fornecimento de combos.

O que é um combo? É uma espécie de cabaz que tem vários produtos, como carne de vaca, de frango e de porco, leite, ovos, latas de atum e de outro pescado, presunto e ervas ou pastas para tempero. Trata-se de produtos cada vez mais raros numa Venezuela a braços com uma crise económica gravíssima e alvo de sanções da comunidade internacional que dificultam a importação de bens alimentares.

Ao que o Observador apurou, a Agrovarius terá assinado contratos de fornecimento de combos em 2016 e em 2017, sendo que neste último ano foi acordado o fornecimento de 600 mil combos.

No que diz respeito a 2017, o ano em que Nicolás Maduro acusou Portugal de sabotagem económica, a Corpovex transferiu um total de 11,6 milhões de euros entre outubro e dezembro de 2017 para uma conta que a Agrovarius detém no Novo Banco, em virtude da relação que a Iguarivarius tinha com o BES de Ricardo Salgado desde a fundação da sociedade de Alexandre Cavalleri.

De acordo com a documentação ao que o Observador teve acesso, a Corpovex transferiu um total de 11,6 milhões de euros entre outubro e dezembro de 2017 para uma conta que a Agrovarius detém no Novo Banco. Os venezuelanos enviaram igualmente um valor de 17.290.000 dólares (cerca de 14,8 milhões de euros ao câmbio actual) no mesmo período para uma conta da Agrovarius no Banque Privée Millenium BCP - o banco suíço do Banco Comercial Português, localizado em Genébra.

A Corpovex transferiu igualmente em outubro de 2017 um valor de 17.290.000 dólares (cerca de 14,8 milhões de euros ao câmbio atual) para uma conta da Agrovarius no Banque Privée Millenium BCP — o banco suíço do Banco Comercial Português, localizado em Genebra.

Esse montante total de cerca de 26,4 milhões de euros foi transferido pela Corpovex a título de adiantamento do pagamento do fornecimento de 7 mil toneladas de pernil de porco — tendo a Agrovarius confirmado a 30 de novembro de 2017 que tinha recebido apenas um montante de 10 milhões de dólares (cerca de 8,5 milhões de euros ao câmbio atual) O montante total que tinha sido contratualizado atingia os 34,5 milhões de dólares (cerca de 29,5 milhões de euros ao câmbio atual).

O problema do pernil de 2017 e as ‘declarações de amor’ de Cavalleri à Revolução Bolivariana

Foi precisamente por causa do pernil de porco que a Iguarivarius ganhou uma notoriedade pública inesperada com acusações de sabotagem económica proferidas por Nicólas Maduro, no Natal de 2017.  Isto apesar de não ser a única empresa portuguesa a exportar pernil de porco para a Venezuela. A Euroeste, por exemplo, também presta o mesmo serviço.

A Corpovex contratualizou com a Iguarivarius o fornecimento de 7 mil toneladas, mas só terão chegado cerca de duas mil toneladas a Caracas — o que motivou uma vaga de protestos em algumas das zonas mais pobres da Venezuela. Como o Observador recordou na altura, seis milhões de venezuelanos recebem apoio alimentar — uma resposta do Governo de Maduro às sanções económicas decretadas pelos Estados Unidos e aliados.

A origem do problema terá residido, em primeiro lugar, no atraso de pagamentos prévios (antes da entrega da mercadoria) que a Corpovex se tinha obrigado a realizar em 2017 mas também a pagamentos em atraso relativamente ao fornecimento do ano anterior. Além desse atraso no embarque do pernil de porco, surgiram também problemas alfandegários em países que têm relações difíceis com o regime de Nicolas Maduro e que fazem parte da rota marítima entre Portugal e a Venezuela.

Certo é que a Iguarivarius começou a ter problemas em receber pagamentos da Venezuela desde 2016 — que motivaram reuniões em 2017 entre Alexandre Cavalleri e Delcy Rodriguez, então vice-presidente e ministra dos Negócios Estrangeiros da Venezuela. De acordo com missivas trocadas entre a embaixada de Portugal em Caracas e os escritórios em Lisboa da AICEP Portugal Global, a encomenda de pernil de porco desse ano terá “sido avaliada” pelo General Chefe Lucas Rincon Romero, embaixador da Venezuela em Lisboa desde 2006, mas “sem a autorização prévia do Governo [de Maduro] ou garantia de pagamento”, lê-se numa missiva enviada pelo conselheiro comercial da embaixada de Portugal em Caracas.

Lucas Rincon Romero foi uma importante figura do regime de Hugo Chávez, tendo sido seu ministro nas pastas do Interior e da Justiça (2003/2006) e Defesa (2002). Uma sua adida e conselheira, Margarita Luísa Mendola Sanchez (que foi procuradora-geral da República entre janeiro e agosto de 2011), foi uma das figuras do regime venezuelano que terá recebido somas avultadas (6,8 milhões de dólares) da Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo.

Alexandre Cavalleri com o general Lucas Ricon Romero, embaixador da Venezuela em Portugal desde 2006. Foto retirada do Facebook do Grupovarius)

Alexandre Cavalleri tem igualmente boa relação com o general Rincon Romero. A propósito de um conjunto de sanções contra a Venezuela decididas em 2015 pelo então presidente Barack Obama por violação dos direitos humanos, Cavalleri mostrou junto de Ricon Romero o seu apoio à revolução bolivariana. “A Iguarivarius, que ao longo dos anos tem mantido as mais profundas relações comerciais com o Estado Venezuelano (…) expressa a sua mais sincera solidariedade com o povo venezuelano e com o presidente Nicolas Maduro”, lê-se na carta assinada por Cavalleri e a que o Observador teve acesso.

O líder da Iguarivarius entendia que as sanções determinadas por Obama (e que, entretanto, foram significativamente agravadas pelos Estados Unidos) representavam uma “grave agressão e uma violação do Direito Internacional”. Daí a “condenação” que decidiu expressar ao general Lucas Romero contra as “medidas coercivas unilaterais contra a República Bolivariana da Venezuela”, que mais não eram do que um “novo ataque imperialista” dos norte-americanos. Tudo porque o próprio empresário, “com assídua presença na Venezuela desde 2007”, era “testemunha da evolução que esse país teve ao longo dos anos, com redução de pobreza, analfabetismo e crescimento do próprio país em termos de PIB”.

Só nos últimos três anos, o PIB da Venezuela caiu cerca de 40%, sendo que a taxa de inflação pode atingir os 14.000% este ano

As tentativas de contacto e a recusa do Governo de Costa

Ao longo desta investigação, que se iniciou em janeiro, o Observador tentou entrar em contacto por diversas vezes com Alexandre Cavalleri, Mário Lino, Vitor Escária e Manuel Brandão. Todos recusaram responder a perguntas feitas por telefone e por escrito. Lino, por exemplo, como se pode ver pela conversa que reproduzimos com base nas notas da jornalista do Observador, chegou a desligar a chamada:

Observador (OBS): Dr. Mário Lino, tem um minuto?

Mário Lino (ML): Depende para o que for

OBS: Estou a fazer um trabalho sobre o Grupovarius e a empresa Iguarivarius…

ML: Pois.. Para isso terá que falar com o assessor…

OBS: Mas não me pode dizer como chegou à empresa, como ela cresceu tão rápido…

ML: Pois, isso do crescer tão rápido é preciso ter termo de comparação… Mas agora não posso, fale com o assessor…

OBS: Diga-me uma hora a que lhe dê mais jeito eu ligar.

ML: Não… Não posso…

OBS: Mas não me quer dizer como conheceu a empresa?

ML: Olhe, vou ter que desligar, peço desculpa…

Também os ministros Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros) e Manuel Caldeira Cabral (Economia), e Luís Castro Henriques, presidente da AICEP Portugal Global, negaram o acesso aos documentos da Comissão Mista Portugal/Venezuela (que acompanhou os negócios da Iguarivarius e de outros exportadores com a Venezuela). Os ministros consideram que os “documentos produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português não são considerados processos administrativos”, logo não podem ser acedidos pelo Observador. A AICEP, por seu lado, entende que “a competência e responsabilidade” da gestão do arquivo é do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Observador deu entrada com uma queixa na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos contra os ministros Augusto Santos Silva e Manuel Caldeira Cabral e contra Luís Castro Henriques.

O Observador dirigiu igualmente em abril e em junho vários pedidos formais de acesso à documentação relacionada com a Iguarivarius e outras empresas do Grupovarius que existe na AICEP Portugal Global (e fora do âmbito da Comissão Mista Portugal/ Venezuela) sobre qualquer tipo de apoio financeiro e não financeiro prestado, tendo o organismo liderado por Luís Castro Henriques disponibilizado a 20 de julho um dossiê com documentação interna relacionada com apoio logístico concedido à Iguarivarius. A AICEP Portugal Global decidiu rasurar os nomes dos funcionários do organismo que constam dessa documentação, tendo por base a sua interpretação da nova lei de proteção de dados.

A discrição e até secretismo são características que rodeiam não só a Iguarivarius como também a diplomacia económica — mesmo quando ex-titulares de cargos políticos e públicos que abriram o mercado venezuelano às empresas portuguesas vão trabalhar para uma das sociedades privadas que mais lucrou com esse aprofundamento das relações entre os dois países.

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