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Será que os serviços de saúde aguentam um pico de casos de Covid-19 e gripe ao mesmo tempo? Esta pergunta foi lançada pela primeira vez em 2020, mas continua a ser válida. Nas últimas duas estações outono-inverno, a gripe esteve praticamente ausente, mas este ano o cenário pode mudar completamente. Basta olhar para o que aconteceu no hemisfério sul, que serve como referência para o que se pode esperar do inverno na Europa e nos Estados Unidos.
“O hemisfério sul passou por uma época de gripe bastante precoce e relativamente intensa. E, por isso, devemos estar prontos para um cenário muito semelhante aqui, na Europa e noutros lugares do hemisfério norte”, disse ao Observador Richard Pebody, especialista em gripe para a região europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS/Europa).
O coordenador da equipa que estuda patogéneos de alto risco lembra que não tem uma bola de cristal e que muitas das perguntas colocadas pelo Observador sobre a época outono-inverno ainda não podem ser respondidas. Mas deixa claro que os países devem preparar-se o melhor possível para o pior dos cenários — que na Austrália se traduziu na pior época de gripe dos últimos cinco anos.
A imagem da bola de cristal também foi usada por William Schaffner para falar sobre a época de gripe que se aproxima nos Estados Unidos. “É sempre perigoso tentar prever a gripe”, disse o diretor clínico da Fundação Nacional para as Doenças Infecciosas. “As nossas bolas de cristal estão sempre enevoadas, porque a gripe é muito variável. Na verdade, gosto de dizer que a gripe é muito caprichosa.”
Na Europa, na América do Norte ou no hemisfério sul as recomendações são as mesmas: vacinação contra a gripe, reforço da vacina contra a Covid-19, não estar em contacto próximo com os outros quando temos sintomas gripais e o uso de máscara no contacto com os mais vulneráveis. Estas continuam a ser as principais formas de evitar que a época de gripe venha a ser tão intensa como o foi para aqueles países que estão agora a acabar o inverno.
Dois anos sem gripe. O que mudou agora?
Recuemos então ao verão de 2020, quando já tínhamos aceitado que a pandemia de Covid-19 não era só algo passageiro e que poderia voltar em força no inverno. Na altura, cientes das consequências que a Covid-19 tinha provocado nos serviços de saúde, nos internamentos e nos cuidados intensivos, e conhecendo bem o impacto que a gripe causava todos os anos nos hospitais, cresceu o receio de que a estação se revelasse dramática, com os dois vírus a circular ao mesmo tempo.
No entanto, a gripe praticamente desapareceu nas épocas de outono-inverno de 2020/21 e de 2021/22 enquanto a epidemia de Covid-19 continuava a deixar marcas entre a população e os serviços de saúde. Uma das razões: as medidas implementadas para conter a disseminação do vírus SARS-CoV-2 mostraram ser muito eficazes a controlar a disseminação do vírus da gripe e outros vírus respiratórios. Outro motivo: a Covid-19 acaba por “expulsar a gripe”, diz ao Observador John Paget, epidemiologista e especialista em infeções respiratórias no Instituto Holandês para a Investigação nos Serviços de Saúde (Nivel). “Se houver uma grande epidemia de gripe e Covid-19, isso vai afetar a atividade da gripe”, prevê o investigador para a época que se aproxima.
Foi ao que assistimos no início da pandemia. Com o mundo a fechar portas ainda durante primeiro trimestre do ano 2020, a gripe desapareceu dos radares cerca de seis semanas antes do que seria previsível, reportou a Nature News na altura. Além disso, os dados que chegaram do hemisfério sul, nomeadamente da Austrália, foram os de uma época de gripe praticamente inexistente. Em agosto de 2020, para lá do típico mês de pico na gripe no país, as autoridades australianas ainda não tinham detetado o vírus. Foi assim em 2020 e 2021 na Austrália, que mantinha as fronteiras praticamente encerradas ao resto do mundo. E foi assim também na Europa.
Até que, na primavera de 2022, quando a época da gripe devia estar a terminar, assistiu-se a um aumento dos casos tanto em Portugal como no resto da Europa, que coincidiu com o aliviar de muitas das medidas de contenção para o coronavírus — mas que, como se sabe, diminuem também a circulação dos outros vírus respiratórios. Mais ou menos por essa altura (no mês de abril), do outro lado do mundo tinha começado a época de gripe, antecipando em cerca de dois meses o início da época e o pico de casos para este tipo de infeções.
A estratégia covid-zero na Austrália — com fronteiras quase totalmente fechadas entre março de 2020 e fevereiro de 2022 — não impediu que o coronavírus entrasse no país, levasse a confinamentos em algumas regiões ou sobrecarregasse os serviços de saúde, mas foi eficaz a manter os vírus gripe fora da ilha. Assim que as medidas de controlo da pandemia foram aliviadas, os vírus da gripe encontraram as condições ideais para se disseminarem e provocarem a pior época de gripe dos últimos cinco anos. E o pico de casos, atingido dois meses mais cedo do que o normal, foi três vezes superior à média para aquele período.
O relaxamento das medidas de prevenção (em muito causado pelo cansaço pandémico), a baixa taxa de vacinação contra a gripe e a ausência de imunidade natural depois de dois anos sem vírus da gripe pode justificar a intensidade da infeção na Austrália. “Se não houver muita imunidade na população, vemos com frequência a gripe a surgir mais cedo”, disse Andy Pekosz, virologista na Escola de Saúde Pública Bloomberg da Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos). “Esta é uma das épocas mais precoces registadas na Austrália, o que pode indicar que há muitas pessoas suscetíveis à gripe.” O comentário pretendia ser um alerta para os Estados Unidos, mas serve também para a Europa.
“O aumento acentuado dos casos [na Austrália] foi, provavelmente, impulsionado pelo relaxamento das medidas implementadas para mitigar a pandemia de Covid-19 e a baixa proporção da população vacinada contra a gripe”, escreveu a equipa de Manish Pareek, investigador no Departamento de Ciências Respiratórias da Universidade de Leicester (Reino Unido), na revista científica The Lancet. “Além disso, tinha havido pouca infeção natural da gripe nos últimos dois anos. Como resultado, a imunidade de grupo contra os vírus atualmente em circulação será substancialmente inferior quando comparada com os anos anteriores, uma situação exacerbada por todo o grupo de crianças com menos de dois anos que nunca foram expostas à gripe.”
No Brasil, por outro lado, as temperaturas mais altas do que o normal fizeram abrandar os casos de gripe a meio da época, mas, com a descida das temperaturas, os casos voltaram a subir entre o final de agosto e meados de setembro. Também aqui, uma menor cobertura vacinal e, consequentemente, a baixa imunidade podem justificar a disseminação dos vírus no país.
Não infetar e não ser infetado — as lições da pandemia
A experiência no hemisfério sul, os surtos de vírus respiratórios fora de estação e o facto de já se começarem a detetar os primeiros sinais de gripe na Europa (e até em Portugal), leva Richard Pebody a alertar que as pessoas se devem vacinar o quanto antes. “A gripe pode chegar muito mais cedo, portanto não esperem para se protegerem.” Para o especialista da OMS/Europa, “vale mais ser vacinado cedo [contra a gripe] do que esperar até estarmos já dentro do inverno — pode ser tarde demais”.
Campanha sazonal de vacinação: quem vai ser vacinado, quando e onde?
A vacinação contra a gripe, em particular a dos grupos mais vulneráveis, é a principal recomendação dos especialistas em Saúde Pública. Com a vacina é possível evitar a doença grave e, quanto mais pessoas estiverem vacinadas, mais difícil será a transmissão do vírus entre a população. Mais: a vacina deve ser tomada todos os anos, porque a imunidade contra a gripe desaparece ao longo do tempo e porque de ano para ano o tipo de vírus em circulação pode ser um pouco diferente.
A estratégia de vacinação e os grupos prioritários varia de país para país: no Brasil são incluídas crianças, gestantes, puérperas, indígenas, idosos, profissionais de saúde e professores; já nos Estados Unidos a vacina pode ser dada a todas as pessoas acima dos seis meses (a idade mínima para a toma da vacina) — para dar apenas dois exemplos. Em Portugal estão incluídas as pessoas com 65 anos ou mais, as grávidas de todas as idades, os residentes e profissionais dos lares e os profissionais de saúde. Só serão incluídas crianças, adolescentes e adultos com menos de 65 anos se tiverem determinadas doenças crónicas.
Ana Paula Rodrigues explica ao Observador porque é que a vacina não é dada de forma generalizada a crianças e adolescentes — apesar de estes grupos terem sido anormalmente atingidos pela gripe fora de época (na primavera do hemisfério norte e no outono-inverno do hemisfério sul). “A opção portuguesa, em termos de vacinação, é sempre a de proteger aqueles que estão em maior risco, de forma a evitar as complicações [neste caso, associadas à gripe]”, esclarece a médica de Saúde Pública do departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa). “Nas crianças mantém-se também a tónica de proteger com a vacinação as que têm maior risco [de ter complicações].”
A vacina da gripe, tal como a da Covid-19, é mais eficaz a proteger da doença grave do que a evitar que a infeção ocorra, daí que para proteger os grupos de risco e também as outras pessoas seja importante respeitar outras medidas, lembra a coordenadora da Rede Médicos-Sentinela — um sistema de vigilância para os vírus respiratórios constituído por médicos de Família que trabalham nos centros de saúde. Assim, entre as medidas não farmacológicas (que não dependem de vacinas, medicamentos ou tratamentos) para controlar a propagação dos vírus respiratórios estão:
- lavar as mãos e desinfetar as superfícies;
- tossir para a parte de dentro do cotovelo;
- deitar fora os lenços usados e higienizar as mãos depois de se assoar;
- arejar bem os espaços;
- evitar ajuntamentos, especialmente em espaços fechados;
- usar máscara nos espaços fechados com mais pessoas, como os transportes públicos;
- reduzir os contactos no caso de ter sintomas respiratórios e usar máscara;
- usar máscara no contacto com grupos mais vulneráveis como idosos ou grávidas.
A vacinação contra a gripe continua abaixo do desejado
Com a experiência adquirida durante a pandemia de Covid-19 e com vacinas disponíveis no país, pode perguntar-se como é que a Austrália teve uma época de gripe tão intensa. Richard Pebody diz que os programas foram colocados em prática e que se procurou chegar aos grupos de risco: “Sem isso, teria sido pior. É importante lembrar”. O especialista, no entanto, também assume que há margem para melhorar. E a baixa cobertura vacinal na Austrália e em outros países do mundo são prova de que há trabalho a fazer para melhorar a proteção da população.
Austrália, Brasil, Estados Unidos e Reino Unido são alguns dos países onde a percentagem de pessoas vacinadas — entre as que estavam incluídas no programa de vacinação (que varia de país para país) — caiu nos últimos dois anos. Nos Estados Unidos, que dão a vacina a todas as pessoas acima dos seis meses, mais de metade da população elegível não tomou a vacina, de acordo com os dados dos Centros de Controlo e Prevenção da Doença norte-americanos.
A quebra na adesão à vacina foi em parte causada pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde (devido ao confinamento e outros constrangimentos) ou pela “fadiga vacinal” (à semelhança do conceito de fadiga pandémica), como lhe chamou William Schaffner, professor na divisão de Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade Vanderbilt (Estados Unidos). Esta fadiga vacinal pode atingir tanto a vacina da gripe como o reforço da vacina contra a Covid-19, alertou.
No Brasil houve ainda outro motivo para que a taxa de vacinação ficasse muito abaixo da meta dos 90% (ficou em cerca de 70%): muitos dos que foram infetados em dezembro de 2021, pela gripe fora de época, não procuraram ser vacinados no início da época outono-inverno, em março e abril, por acharem que estavam imunes. “Mas não estão”, alertou Daniel Jarovsky, secretário do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo. O governo deste estado decidiu mesmo, em julho, estender a vacinação contra a gripe a todas as pessoas com mais de seis meses — ainda que, normalmente, os grupos a vacinar sejam mais restritos.
“Esta é uma vacina que tem uma proteção bastante limitada“, disse Celso Granato, médico infecciologista e diretor clínico do Grupo Fleury, citado pelo G1, do grupo Globo. “A gente vacinou muito em março e abril. Então, [a vacina] já não está com tanta eficiência agora no final de setembro. Por isso, acho que vale a pena mesmo a gente revacinar agora“, disse o médico antes de terminar a época da gripe no país.
Portugal, por outro lado, “tem uma história de sucesso na vacinação da maior parte das doenças”, diz Ana Paula Rodrigues. Uma afirmação confirmada por John Paget, que conta como Portugal foi tantas vezes usado como bom exemplo na conferência dedicada à gripe, que decorria em Belfast (Reino Unido) quando foi entrevistado pelo Observador — Options XI for the Control of Influenza. Ainda assim, a vacinação contra a gripe sempre foi uma das que teve menos adesão, admite Ana Paula Rodrigues, tanto porque as porque as pessoas acima dos 65 anos não se consideravam em risco quando não tinham doença prévia ou porque a gripe não era vista como uma doença grave. “A perceção mudou durante a pandemia”, diz. E a vacinação simultânea contra a gripe e a Covid-19 também ajudou a aumentar a procura da vacina.
Os vírus que chegaram fora de época
Se há algo que define as infeções sazonais é o facto de acontecerem em alturas do ano conhecidas e seguirem um padrão mais ou menos fixo: como a gripe aparecer mais no outono-inverno e ter um pico (em Portugal) em janeiro ou fevereiro ou o vírus sincicial respiratório (VSR) aparecer na mesma época, mas normalmente com o pico de atividade anterior ao da gripe. Um e outro vírus podem causar doença grave em crianças — o VSR é muitas vezes o responsável pelas bronquiolites nos bebés —, idosos e pessoas com saúde debilitada, mas podem infetar qualquer pessoa em qualquer idade.
A pandemia de Covid-19 e as medidas implementadas para a controlar alteraram aquilo que se sabia ou que se podia prever em relação às doenças sazonais. “Não sabemos exatamente quando ou como será a época da gripe, depende muito do vírus ou dos vírus da gripe que circulam” afirma Richard Pebody. “Quando começarmos a ver a gripe novamente, ela poderá comportar-se de formas pouco usuais: podemos vê-la chegar mais cedo, ter uma época mais prolongadas ou ter uma circulação tardia”, ilustra o especialista da OMS/Europa. “Precisamos de estar preparados para uma série de diferentes cenários possíveis.”
H3N2: o vírus dos mais idosos que atingiu os mais novos
Como já vimos, a gripe veio fora de época: primeiro, no Brasil, em dezembro de 2021 (verão); depois, no início da primavera em Portugal e na Europa. O principal vírus em circulação foi o H3N2 (um tipo de gripe A). E também foi este vírus que marcou a época outono-inverno no hemisfério sul este ano. Mas o mais inesperado foi que este vírus teve uma carga maior em crianças e jovens do que costumava ter.
A médica de Saúde Pública do Insa só consegue falar do que se conhecia do vírus H3N2 antes da pandemia — “agora, tudo isto pode mudar”. Este vírus costumava estar associado a doença grave nos mais idosos e a um aumento de mortalidade, o que não se verificou em Portugal. “No inverno passado, apesar da epidemia de gripe ter sido pouco intensa, não tivemos excesso de mortalidade associado à infeção apesar de ser um vírus do tipo H3N2”, diz Ana Paula Rodrigues. Parte da resposta pode estar no facto de o pico da epidemia de Covid-19 ter acontecido antes (em janeiro e fevereiro) e de ter provocado a morte de grande parte das pessoas que estariam em risco caso fossem infetadas com o vírus da gripe.
VSR e os internamentos inesperados no verão
À semelhança da gripe fora de época, também o VSR teve um comportamento fora do padrão a que estávamos habituados, como indicam os dados registados, por exemplo, em Portugal ou na Austrália. No final de 2020, durante a primavera, mas também no verão, houve um surto de VSR que teve origem em dois estados distintos da Austrália, de acordo com os dados publicados em maio na revista científica Nature Communications. Em Portugal, França, Islândia, Israel e Estados Unidos foram detetados surtos fora de época, em meados de 2021, em pleno verão.
“Há sempre internamentos no inverno, mais ou menos, coincidentes com os da gripe, mas não é normal ter internamentos no verão”, diz Ana Paula Rodrigues. No verão de 2021, entre julho e agosto, foram contabilizados tantos casos por semana como costuma acontecer nos meses de outubro e novembro — mas no outono-inverno anterior (2020), a atividade do vírus tinha sido praticamente inexistente. Depois, conta a médica de Saúde Pública, verificou-se duas épocas de circulação do vírus: uma no outono-inverno de 2021, como esperado, e outra no verão de 2022 (mas menos intensa do que a do verão anterior).
“A verdade é que, durante o verão, antes da pandemia, não pesquisávamos tanto vírus respiratórios”, conta a médica. A vigilância dos vírus respiratórios era feita de outubro a maio e agora é feita durante todo o ano, por isso é que é possível afirmar que há circulação de VSR e de outros vírus respiratórios desde o início do ano letivo — “ainda que em níveis baixos”, diz Ana Paula Rodrigues. A especialista revela ainda que este costuma ser o padrão destes vírus: a infeção começa nos mais novos, verificam-se surtos nas escolas, e depois passam para as famílias até chegarem aos grupos mais idosos e mais vulneráveis.
O vírus sincicial respiratório pode ser particularmente grave para crianças muito pequenas — mas também para os idosos mais vulneráveis —, daí que, as crianças de riscos (como grandes prematuros ou bebés com determinados problemas de saúde) recebam um tratamento de prevenção nos primeiros seis meses de vida.
As crianças mais expostas ao VSR são, muitas vezes, as que têm irmãos mais velhos até aos quatro ou cinco anos. Daí que, mesmo aos pais de recém-nascidos saudáveis, sejam ensinados comportamentos preventivos, especialmente quando há outras crianças no agregado familiar. “A prevenção não passa por isolar o recém-nascido dos irmãos mais velhos quando eles nascem”, tranquiliza Ana Paula Rodrigues. Mas sim incentivar a lavagem das mãos, evitar a proximidade dos irmãos mais velhos durante três ou quatro dias quando estão doentes e, em geral, evitar sítios com muitas pessoas durante os primeiros meses de vida.
A vigilância deste vírus passou a ser feita durante todo o ano e a partir deste mês a atividade do VSR vai passar a constar no boletim da gripe publicado pelo Insa. “Implementámos o sistema durante a pandemia, por coincidência, mas só fazemos vigilância em crianças com menos de dois anos porque este é o grupo que pode ter doença mais grave”, explica a investigadora.
Vigilância da gripe, Covid-19 e outros vírus respiratórios
Outro vírus que teremos certamente em circulação, e que até já está a aumentar em alguns países da Europa, é o SARS-CoV-2. Mas ainda não se sabe que impacto poderá ter. “Em relação à Covid-19 tudo é ainda uma grande incógnita”, diz Ana Paula Rodrigues. “Tudo irá depender do surgimento de novas variantes.” Se continuarmos com a variante que circula atualmente, e que causa doença menos grave, podemos esperar “uma epidemia de intensidade bastante elevada, como já vimos no passado, mas sem uma doença tão grave como aquilo que já observámos anteriormente”, afirma a médica.
Tudo dependerá do aparecimento ou não de uma nova variante, confirma John Paget. O cenário atual aponta para os vírus da gripe e da Covid-19 a circularem ao mesmo tempo, mas não a provocarem uma epidemia ou um pico de casos em simultâneo, diz o epidemiologista. No limite, apenas com uma pequena sobreposição. O investigador descarta também o perigo da infeção simultânea de gripe e Covid-19 para a saúde pública: os casos que se verificaram até agora de coinfeção foram muito graves, mas também foram muito pouco frequentes.
A vigilância da Covid-19, gripe, VSR e de outros vírus respiratórios é um atividade importante, destaca Richard Pebody. “Temos estado a trabalhar com os países para fornecer orientação e apoio em termos do reforço dos sistemas de vigilância, para que os países sejam capazes de captar a circulação precoce de SARS-CoV-2, gripe, VSR e outros vírus respiratórios”, diz o especialista da OMS/Europa. “Por isso temos tentado enfatizar a importância dos sistemas de vigilância integrados.” Ou seja, um único sistema que inclua todos os vírus. Ana Paula Rodrigues diz que a atenção em Portugal também mudou, agora são feitos mais testes para os vírus respiratórios e durante todo o ano.
Com a retoma de uma vida social mais ou menos normal e muito mais próxima do período pré-pandemia, numa população que está muito mais suscetível aos vírus respiratórios com os quais não contactou nos últimos dois anos, espera-se um impacto nos serviços de saúde — tal como acontece em todos os invernos. Todos os serviços de saúde já tinham planos de contingência antes e que foram adaptados durante a pandemia — “todos eles já testados e aplicados”, refere Ana Paula Rodrigues. A médica acredita que os serviços estão preparados para ir dando resposta e ir abrindo novas camas de internamento de acordo com as necessidades. O mais difícil será sempre aumentar muito a capacidade dos cuidados intensivos, mas, lembra a médica, em 2022 nunca foi atingido o limiar estabelecido para ocupação das camas nestes serviços.