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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Comprou uma casa? É um especulador ou um investidor?

Quem ouviu nos últimos dias as propostas dos partidos sobre especulação imobiliária até pode pensar que é um conceito fácil de definir. Não é. O Observador ouviu vários economistas sobre este tema.

Terá sido no final da década de 80 ou no início dos anos 90 — Vítor Bento não se recorda ao certo. Um economista estrangeiro, de renome, aterrou no aeroporto de Lisboa e um pequeno grupo de pessoas foi buscá-lo de carro para o trazer para o centro da cidade. Seguiram para a baixa pela Avenida Almirante Reis (que une o Areeiro ao Martim Moniz) e, olhando pela janela, o economista (que nunca tinha vindo a Lisboa e sabia muito pouco sobre o país) perguntou a quem o acompanhava: “deixem-me adivinhar. Vocês, aqui, têm rendas congeladas e inflação elevada, certo?

Não sabemos se alguém lhe respondeu. Provavelmente, nem precisaria de resposta. Ao constatar o estado degradado das casas que conseguia ver pela janela do carro, em pleno coração da capital, o economista fez um diagnóstico sucinto, a partir da experiência de visitar (ou estudar) outros países e outras cidades. Casas em mau estado e “centros” desertos à noite e ao fim de semana são algumas das “consequências inesperadas” que frequentemente surgem quando, mesmo tendo “boas intenções”, se tomam medidas de intervenção no mercado de forma a combater fenómenos como a “especulação“.

Depois do momento a que se refere a história contada ao Observador pelo economista Vítor Bento, a inflação viria a moderar-se com a entrada na zona euro, mas as rendas congeladas só muito mais tarde deixariam de ser prática generalizada, abrindo espaço a um maior investimento em recuperação imobiliária na capital. Com a subida dos preços nas principais cidades do país, porém, o discurso político — da direita à esquerda — voltou a ser marcado por conceitos como “mais-valias economicamente artificiais”, “acumulação” e, sobretudo, a ideia de que é possível definir o que é (e o que não é) “especulação“, promovendo políticas públicas com base num conceito como esse. Mas o que é, afinal, a especulação? E quem fala nisso, em Portugal, ganha ou perde votos?

"É muito difícil dizer onde está a linha entre aquilo que é investir e aquilo que é especular."
João Cantiga Esteves, professor de Finanças do ISEG

O Observador contactou vários economistas e especialistas no mercado imobiliário para definir “especulação”. Obteve respostas de todos os que contactou menos um: do economista Octávio Teixeira, antigo deputado e dirigente do PCP.

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No Estado não há especulação?

Alguém que compra uma casa e passado 10 anos a viver lá a vende por mais 50% é um especulador? E se não tiver vivido lá nesses 10 anos mas se tiver tido a casa arrendada a alguém, é um especulador? Ou só é um especulador se tiver tido a casa fechada, mas tenha, mesmo assim, beneficiado da mais-valia em questão? “É muito difícil dizer onde está a linha entre aquilo que é investir e aquilo que é especular“, comenta João Cantiga Esteves, professor de Finanças do ISEG.

Por definição, “especulação é tentar comprar barato e vender mais caro” — existe, até, uma variação de atividade especulativa que é o contrário (vender caro na expectativa de comprar barato, apostando na queda do valor de um ativo como uma ação em bolsa”. Fora isso, contudo, o que costuma “baralhar” o professor de Finanças quando se fala em “especulação” é que este parece ser um conceito que se aplica em alguns contextos, mas não noutros.

“Fala-se em especulação na bolsa, no petróleo, nas chamadas commodities, no imobiliário, mas ninguém me chama especulador por eu comprar algumas ações na bolsa de Lisboa — aí sou um pequeno investidor”, afirma João Cantiga Esteves. Outro exemplo, que mostra que a especulação não está apenas no setor privado: “quando se fizeram aqueles swaps nas empresas públicas, altamente especulativos e que visavam muito mais do que apenas proteger riscos de taxas de juro, isso não foi especulação?“, pergunta o professor do ISEG.

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Em entrevista ao Observador, Ricardo Sousa, presidente-executivo da imobiliária Century 21, recusa a ideia de que ainda exista especulação no mercado imobiliário neste momento. “Existiu, mas já não existe, ou existe muito pouco”, afirma o responsável. No auge da crise houve, de facto, pessoas que compraram casas numa expectativa de obter mais-valias puramente por se estar a “comprar baixo e vender alto”, diz Ricardo Sousa: “hoje isso é impossível”.

"A questão é que as medidas de que se ouve falar são muito medidas de curto prazo o problema é que qualquer coisa que se faça neste momento vai fazer com que os investidores não apostem tanto na oferta."
Ricardo Sousa, presidente-executivo da imobiliária Century 21

“Hoje já abandonámos a lógica do especulador no mercado imobiliário. Quem quiser investir para ter uma mais-valia já não pode só comprar na lógica do especulador. Tem de fazer obras, ou fazer requalificação, seja para colocar no arrendamento seja para vender”, defende o especialista em mercado imobiliário. É por isso que Ricardo Sousa prefere falar em “investidores” e não (mais) em “especuladores”.

Então, mas se não existe especulação, tomar medidas contra a dita será como um médico receitar um antibiótico a quem não tem mais do que um resfriado? “A questão é que as medidas de que se ouve falar são muito medidas de curto prazo”, defende o CEO da Century 21 — e “o problema é que qualquer coisa que se faça neste momento vai fazer com que os investidores não apostem tanto na oferta” — e é pela falta de oferta que os preços estão a subir em dois dígitos em Lisboa e Porto. Ou seja, as medidas podem contribuir para que os preços subam ainda mais.

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Vítor Bento também começa por dizer que “o termo especulação é sempre usado com uma conotação moral, negativa, o que inquina desde logo a análise”. Dizer que alguém está a especular, ou que é um especulador, é fazer um juízo de valor sobre as suas intenções quando, na base, “o especulador não é mais do que alguém que tem uma visão sobre como é que vai evoluir um dado mercado, ou o preço de um dado ativo, e faz uma aposta — depois pode ganhar ou perder, e muitas vezes perde”.

"Os preços estão a subir porque a procura é maior do que a oferta. Portanto, se vamos estar a aplicar taxas na venda de casas, temos de pensar no risco de estarmos a contribuição para a redução das casas que vêm para o mercado, ou seja, estamos a fazer com que os preços subam ainda mais"
Vítor Bento, economista

O risco de tomar medidas justificadas com conceitos difusos como é o da especulação é esquecer os elementos mais “básicos” de como funciona a economia, diz Vítor Bento. “Temos de nos questionar porque é que os preços estão a subir — estão a subir porque a procura é maior do que a oferta. Portanto, se vamos estar a aplicar taxas na venda de casas, temos de pensar no risco de estarmos a contribuição para a redução das casas que vêm para o mercado, ou seja, estamos a fazer com que os preços subam ainda mais“, sublinha o economista.

São as tais “consequências indesejadas” de que se falava no início deste texto, como a deterioração das casas constatada pelo economista estrangeiro que aterrou em Lisboa há vários anos. “Uma das maiores maldições das políticas públicas são as consequências indesejadas: as políticas são feitas com as melhores intenções mas, porque não preveem os resultados colaterais, muitas vezes geram os resultados contrários”, nota Vítor Bento, acrescentando que, “neste caso pode haver a intenção de fazer bem, querer que as pessoas possam ter acesso a uma casa, para a sua família, podendo pagar preços confortáveis, mas a consequência indesejada é que as medidas podem ser reduzir a oferta e complicar esse objetivo ainda mais”.

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Rui Rio ganha ou perde votos quando fala em combater a especulação?

Nas sociedades ocidentais desenvolvidas, “há muito que a causa anti-especulativa é valiosa, porque a especulação não é intuitivamente percecionada como um motor de desenvolvimento, de criação de emprego, mas sim como um fenómeno que leva a dinâmicas de uma acumulação anti-social de recursos”, afirma o o politólogo António Costa Pinto. Ainda assim, ideais de intervenção mínima nos mercados abertos são mais associados a partidos liberais e de direita — por isso faz sentido perguntar: quando o líder de um partido de centro-direita, como Rui Rio, entra no discurso da especulação, tende a ganhar ou a perder votos?

Na opinião de António Costa Pinto, que salienta que é sempre difícil apontar um ou outro fator como podendo, por si só, determinar o sentido de voto do eleitorado português, há que reconhecer que “Rui Rio pode perder votos porque se deixou associar a uma proposta vinda de um partido como o Bloco de Esquerda. Além disso, isto dá força àqueles que acusam Rui Rio de estar a ser uma muleta do PS num movimento de recentramento do partido liderado por António Costa”.

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“Por essa razão, acredito que Rui Rio poderia perder votos”, mas, fora isso, Costa Pinto não acredita que a própria natureza do discurso de Rui Rio — que não se associou a nenhuma proposta específica, mas afirmou que não era “disparatado” pensar em formas de combater a especulação imobiliária — possa levar a que alguns eleitores tendencialmente mais da esfera do centro-direita possam, por esta razão em particular, deixar de votar no PSD. “Pode perder alguma coisa entre os pequenos proprietários, mas é difícil adivinhar porque os fenómenos de mobilização de votos dependem muito de vários fatores e fatores muito diferenciados”, conclui Rui Rio.

Olhando para a frente, porém, o presidente executivo da Century 21 acredita que não são necessárias mais medidas porque os preços tendem a estabilizar. Mesmo o investidor estrangeiro já começa a olhar para fora de Porto e Lisboa, à procura de alternativas, defende Ricardo Sousa. É por essa razão que o especialista preferia ver uma aposta política pelo lado da oferta — medidas para contrariar a concentração urbana, uma promoção mais consistente do turismo em zonas além de Lisboa e Porto e, ainda, a reconversão de muitos dos imóveis que estão nas mãos do Estado.

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