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Condições "danosas e injustas": Como a pandemia piorou a já difícil relação entre plataformas de entrega e restaurantes

A Covid-19 "obrigou" muitos espaços a recorrer ao delivery para sobreviver mas as condições exigidas estão a asfixiar um setor já em dificuldade. Uber Eats e Glovo são as mais visadas pelas queixas.

“Let’s Help Each Other”

Esta frase, que em português significa algo como “Vamos ajudar-nos uns aos outros”, aparece escrita em letras grandes e brancas, sobre um fundo negro, numa publicação de Instagram datada de 13 de abril deste ano. Em pleno epicentro da epidemia em Portugal, a pizzaria lisboeta Vizza decidiu fazer este post e acompanhá-lo com um desabafo: “Caras plataformas de entrega”, começa. “Viemos aqui desabafar porque estamos dececionados com o posicionamento das suas empresas no momento de crise em que nos encontramos e onde deveríamos todos estar a ajudar-nos uns aos outros.”

https://www.instagram.com/p/B-7EElDnQgE/

Apesar de um ou outro negócio ter comentado a dita publicação e demonstrado estar de acordo com este desagrado, o post não viralizou. Isso não significa, porém, que centenas de outros negócios do setor da restauração não partilhem a mesma opinião. Dos grandes aos pequenos, do restaurante mais caro à tasca tradicional, são mais que muitos os negócios que o Observador teve oportunidade de ouvir e que de forma quase generalizada dizem o mesmo: a relação entre as plataformas de entrega e os seus restaurantes não está a correr muito bem. O problema principal? As taxas e comissões exigidas bem como a “falta de humanismo”, como afirmou um proprietário que preferiu permanecer anónimo, de um negócio que, acusam muitos empresários, não se mostra disponível para ajudar o setor da restauração (um dos mais afetados pela paragem imposta pelo novo coronavírus).

Uber Eats e Glovo, por serem as maiores a funcionar no mercado nacional, são as mais visadas. É à volta delas que se concentra o maior desagrado e muitos dizem que a posição que estão a tomar está a hostilizar a área da restauração — que em alguns casos já começa a procurar alternativas próprias que garantam o mesmo tipo de serviço. Ao Observador, por exemplo, Ricardo Batista (o Country Manager da Glovo) diz que os parceiros da plataforma que representa “têm demonstrado um importante reconhecimento pelo trabalho que temos construído em conjunto e a prova disso mesmo é que, desde o princípio deste ano, a Glovo tem aumentado significativamente o número de parceiros com que está a trabalhar”, aumento esse que o próprio quantifica na ordem dos “700 novos estabelecimentos na categoria da alimentação”, sendo “85% destes pequenos e médios” parceiros. “Perspetivamos a expansão [dos serviços da Glovo] já nas próximas semanas com a presença noutras cidades”, garante, porque percebem “que as condições com que [a plataforma] está a operar em Portugal são muito competitivas para todos os intervenientes.”

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Apesar da Uber Eats explicar que não está “a comentar o impacto da Covid-19 no negócio em nenhum mercado em específico” acredita que “a forma mais eficiente de apoiar” os seus parceiros é, como têm “feito desde o início da crise”, concentrar o investimento “em medidas que aumentassem a procura” precisamente por saberem que essa seria a principal preocupação dos restaurantes “nestes tempos excecionais.” Mas vai mais longe ao dizer ainda que a propósito da situação excecional que atravessa o mundo já eliminaram “taxas de ativação para novos restaurantes”, por exemplo, a “suspensão da cobrança das mesmas para restaurantes já na plataforma” e até passaram a entregar diariamente “os valores faturados através da aplicação, em vez da cadência semanal normal.” Mas já chegaremos ao que estas plataformas têm para dizer. Antes disso é preciso perceber ao certo as queixas de empresários e cozinheiros.

"Uma margem de 30% é mais do que eu, enquanto sócio do negócio, ganho. Nós somos quatro [sócios] e qualquer pessoa da restauração sabe que funcionamos todos com margens de lucro à volta dos 10, 15, 20% -- no melhor cenário"
Ricardo Guttler, um dos sócios da pizzaria Vizza

“Os melhores sócios do negócio”

Ricardo Guttler é um dos quatro sócios que se juntaram para criar a Vizza Newage Pizzabar, uma pizzaria totalmente vegan que mora na zona da Praça das Flores, em Lisboa. Foi com ele que o Observador falou sobre a tal publicação que apareceu nas redes sociais do seu restaurante. “Fizemos o post com a intenção de partilhar a nossa insatisfação com essas empresas [de entrega de refeições ao domicílio] e para perceber se havia mais gente, outros restaurantes ou empresas, que também partilhassem a mesma opinião”, explica por telefone. Ricardo diz que até identificaram essas plataformas na dita publicação porque “talvez a mensagem pudesse chegar” e isso motivasse alguma mudança, mas não: “Eles não fizeram nada. Pelo menos as principais, a Glovo e a Uber Eats. Nenhuma delas está a fazer nada para reduzir o impacto de toda esta situação ou até colaborar de alguma forma”, refere.

Quando a 19 de março entrou em vigor o estado de Emergência em Portugal, a Vizza já trabalhava com a Uber Eats há cerca de um mês. Ricardo explica que “algures em fevereiro” decidiram “testar como funcionavam as coisas com eles” porque nunca tinham trabalhado com plataformas de entrega. Cada caso é um caso e no desta pizzaria, explica o sócio, não foram eles a procurar as plataformas de entrega mas sim o contrário, com a Uber Eats e a Glovo, neste caso, a fazerem o contacto inicial. “Logo no início, depois de abrirmos, vieram falar connosco mas ainda estávamos a começar, não conseguíamos dar conta de um serviço de entregas, por isso não aceitámos. Ficamos com a ideia de talvez no futuro retomar o contacto — e foi isso que fizemos num momento em que já nos sentíamos confortáveis o suficiente para apostar num sistema de delivery.” Ricardo diz que falou com as duas plataformas mas acabaram por escolher a Uber Eats — “Como queríamos testar o serviço primeiro acordamos trabalhar só com uma empresa em vez de logo com as duas”, refere.

Quando a sombra da Covid-19 começou a cair sobre todos e o setor da restauração foi entrando em dificuldades, a situação mudou. Dependendo praticamente apenas do sistema de entregas para manter o seu negócio a funcionar, a Vizza tentou entrar em contacto com Glovo para abrir um segundo canal de delivery. “Eles já tinham enviado uma proposta logo no início e nessa altura já exigiam uma participação maior que a Uber Eats”, conta. As contas diziam então que a Uber Eats “pedia 30% de comissão, 27% se fosse exclusivo e não cobravam nenhuma taxa de implementação ou custo do dispositivo” enquanto a sua principal competidora, a Glovo, “pedia 32% (alegavam que tinham uma área de cobertura maior) e tinham uma taxa de 150€ para criares o teu perfil e outra mensal de 50€.” Ricardo refere que da segunda vez que falaram com a Glovo, já no meio do caos do coronavírus, as condições tinham mudado: “Quando falaram connosco pela primeira vez [Glovo] não cobravam a tal taxa dos 150€ mas quando falámos de novo disseram-nos que tinham aumentado. Tinha deixado de haver a promoção que nos isentava da taxa de inscrição e a percentagem exigida era agora de 35%”. O Observador procurou verificar estas informações junto de ambas as plataformas mas só a Glovo confirmou os dados em questão, a Uber Eats disse apenas: “não podemos comentar contratos específicos devido à natureza confidencial dos mesmos”.

"Eles [plataformas de entrega] levam 30% do valor bruto. São o melhor sócio do negócio. Acredito que tenha ficado os melhores sócios de vários negócios."
Ricardo Guttler, um dos sócios da pizzaria Vizza

No meio disto também a Uber Eats ameaçava ripostar, já que o contrato de exclusividade previa desde o início uma comissão de 27% para a empresa de entrega mas, se esta “pretendesse trabalhar com outra plataforma a comissão era 30%”. Ricardo e os seus sócios decidiram ficar como estavam e não houve qualquer alteração nos valores cobrados ou nas margens exigidas por essa plataforma, informação confirmada pela própria Uber Eats — que, de resto, diz não ter alterado valores durante estes tempos. O negócio tem seguido mas com dificuldades, como todos os outros desta área. Quando tudo acalmar ponderam, porém, “sair fora”. “Uma margem de 30% é mais do que eu, enquanto sócio do negócio, ganho. Nós somos quatro [sócios] e qualquer pessoa da restauração sabe que funcionamos todos com margens de lucro à volta dos 10, 15, 20% — no melhor cenário”, afirma. Ricardo explica que ao vender uma pizza de 10 euros, por exemplo, o restaurante só ficaria com “dez ou quinze por cento desse valor”, isto sem as taxas dos entregadores. “Eles levam 30% do valor bruto. São o melhor sócio do negócio. Acredito que tenham ficado os melhores sócios de vários negócios”, remata.

“Sobram-nos cêntimos para pagar aos funcionários”

Um dos espaços que comentou o post da Vizza foi outro negócio — por coincidência igualmente de comida vegan — chamado Vegan Junkies. Esta casa também lisboeta costuma manter um blog que vai atualizando com alguma frequência e uma das entradas é precisamente sobre este tema. Lançando uma série de questões sobre o assunto (“Existe alguma solidariedade das apps como Uber Eats e a Glovo com os restaurantes durante a situação atual?”, “Qual é a relação entre os restaurantes e aplicações de entrega durante a Covid-19?”), o restaurante começa por assumir que dada a situação geral do setor “era injusto dizer que as coisas estão a correr mal”. Apesar disso, assumem, “têm muitos dias” em que se questionam sobre se faz sentido continuar de portas abertas: “A verdade é que não podemos fechar, mas é difícil continuar em condições que estão bem longe de serem perfeitas.”

Aberto há pouco mais de um ano, este Vegan Junkies assume que atualmente sobrevive com aquilo que consegue gerar a partir das vendas nas plataformas de entregas, “que representam mais de 95% das vendas”. Mesmo assim, quanto a estes tipos de serviço, “apesar de se terem mostrado uma ferramenta essencial para tantos outros negócios à volta do globo, as suas políticas de comissões precisam urgentemente de ser reavaliadas.” E a forma como veem tudo isto não é branda.

“Nunca é demais falar em algo profundamente danoso e injusto. Num cenário em que as já tradicionais baixas margens de lucro se veem reduzidas a quase zero, qualquer outra despesa se traduz em prejuízo. A média das comissões da Uber e da Glovo para restaurantes anda à volta dos 30% do valor faturado, além do pagamento de IVA da taxa do estafeta. No final das contas, após food costs e despesas — como a água, a eletricidade, o gás e a renda — sobram-nos cêntimos para pagar aos funcionários”, afirmam. Juntamente com o texto partilham a imagem de uma conta bastante simples para ilustrar tudo isto.

A desconstrução das contas feitas pela Vegan Junkies a um prato vendido ao cliente por 13€. Image retirada do blog da Vegan Junkies

Destacam ainda, por exemplo, algumas “campanhas de incentivo” que a Uber Eats costuma fazer em que desconta “ao cliente a taxa de entrega” mas, nas palavras do restaurante, “não explicam abertamente, porém, que quem suporta as despesas dessas campanhas – que devem ser vistas como publicitárias  – são os restaurantes, que devem, claro, mais uma vez, sustentar a taxa de serviço dos entregadores.” Sobre este tema o Observador sabe que apesar de existirem várias campanhas que funcionam neste registo, algumas outras são, de facto, oferecidas pela plataforma.

Não deixam, porém, de expressar “estima e respeito pelos bravos trabalhadores, que, faça chuva ou faça sol, com ou sem proteção adequada e de forma heroica, correm as colinas de Lisboa, as ruas do Porto” para fazer as entregas. O que seria uma possível solução para este mal estar? De modo geral, todos os restaurantes com quem o Observador falou referiram reduções das comissões (temporárias, nem que seja) e uma maior disponibilidade no negociar de pormenores como a tal transição de contrato exclusivo para não exclusivo — solução que também dizem poder ser temporária. Mais que tudo pedem abertura e margem para negociar. Por muito que seja verdade que contratos assinados pelas duas partes limitem a atuação dos restauradores, a situação que se vive é extraordinária e difícil para praticamente todos, daí pedirem uma ajuda de forma a garantir a sustentabilidade possível. 

“Estamos a falar de taxas altas para a média do setor”

À semelhança destes dois exemplos o Observador falou com vários outros que preferiram manter-se anónimos por receio de eventuais repercussões negociais. Dos maiores aos mais pequenos, todos realçam os pontos que tanto a Vizza como a Vegan Junkies ressalvam — o peso das margens e a dificuldade em negociar situações em que se torna imperioso começar a trabalhar com outras plataformas para garantir algum tipo de sobrevivência. Há ainda os casos de restaurantes que nunca funcionaram em registo take-away/delivery e que, ao saber das condições exigidas, nem sequer equacionam essa opção. Não esquecendo também, claro, as muitas dezenas que adotaram este tipo de serviço e nele têm encontrado algum tipo de bom resultado: grandes multinacionais, por exemplo, são as que funcionam melhor, apesar de alguns negócios mais pequenos também aparentam dar-se bem com sistema. E as autoridades? Que dizem sobre o assunto?

“As queixas têm sido às dezenas” — é desta forma que Nuno Rocha, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria Restauração e Turismo (APHORT), quantifica os contactos que associados deste organismo têm feito a propósito da relação com as plataformas de entrega. “Os nossos associados têm-se queixado principalmente do serviço ser caro. Estamos a falar de taxas altas para a média do setor — variam entre os 25 e os 30%”, explica.  De novo à volta dos números, Nuno deu um exemplo para ilustrar as queixas de taxas elevadas: “Se eu tiver um produto que custa 10€, eu só vou receber sete, três fica para a plataforma. Desses sete ainda tenho de descontar o IVA , por exemplo. O cliente ainda vai pagar os estafeta, ou seja, vai pagar os 10€ mais uns três ou quatro extra do serviço.”

"Estão se a aproveitar da situação. Estão intransigentes na negociação das comissões."
Nuno Rocha, vice-presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria Restauração e Turismo (APHORT)

Nuno Rocha conta ainda que a APHORT teve conhecimento de casos em que “as joias de admissão aumentaram”, mais concretamente situações em que a mesma passou de 150 euros para 300. “Estão a aproveitar-se da situação. Estão intransigentes na negociação das comissões”, reforça. Falando também enquanto proprietário de espaços de restauração na zona norte do país, Nuno deu o seu próprio exemplo: “Numa das minhas casas tenho Glovo e tentei pôr a Uber Eats também. Disseram-me que tinha 25% de comissão mas em exclusividade. Se quisesse meter a Uber Eats também passava a 30%. O mesmo ao contrário. Temos este tipo de situações. Quem assinasse um contrato destes há uns tempos, antes de tudo isto, não pensava que uma situação destas fosse acontecer e uma plataforma de entregas chegava”, conta.

O dirigente desta associação que representa “cinco mil associados, entre restauração, hotelaria e empresas de atividade turística e eventos” explica que a APHORT está “atenta à situação” e pretende “dar uma resposta às preocupações dos associados”. Aliás, já terá sido criada, até, “uma equipa de trabalho que está a preparar um conjunto de medidas” a serem apresentadas aos associados que pode trabalhar no sentido de “organizar uma alternativa a estas plataformas”, por exemplo.

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, mais conhecida como ASAE, apresenta uma posição mais cautelosa, se bem que expectante. Como organismo estatal encarregue de fiscalizar esta área da sociedade, a ASAE explicou ao Observador que durante o período do Estado de Emergência desencadeou várias “ações de fiscalização” relativa a temas como a o cumprimento dos “requisitos gerais e específicos de higiene dos estabelecimentos de restauração” que funcionavam em regime de take-away, por exemplo, — em  110 estabelecimentos detetaram apenas 15 infrações –, mas este assunto da relação entre entregadores e restaurantes não lhes passou ao lado.

“Sobre as relações contratuais entre empresas a ASAE recebeu apenas uma queixa única que se encontra em fase de análise, sendo ainda de referir que vigora no ordenamento jurídico nacional o regime de livre determinação do preço, competindo à ASAE, no âmbito do controlo de preços de bens, intervir apenas nos casos que consubstanciem a prática de um crime de especulação, previsto no artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, ou nas práticas comerciais desleais reguladas pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março”, explicam por escrito.

Muitos restaurantes viram-se forçados a depender quase 100% das plataformas de entrega ao domicílio durante estes tempos de pandemia. D.R.

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

Na prática significa que a ASAE poderá atuar de forma mais direta em dois casos tipo: quando os preços exigidos sofreram uma “alteração relativamente àquilo que é normal praticar-se na atividade económica em que se inserem resultante da lei da oferta e da procura” ou quando é procurado o lucro ilegítimo, ou seja, quando uma das partes altera os seus preços “com vista à maximização do lucro à custa da adulteração das regras do mercado.” Ambos os exemplos são considerados crimes de especulação e só se algum deles se verificar é que o organismo admite intervir. “A ASAE no âmbito das suas competências manter-se-á atenta à dinâmica do mercado no sentido de diligenciar ações sempre que se mostrar necessário”, garantem.

A posição das plataformas

Mesmo antes de um setor quase inteiro se virar para estas empresas — de novo reforça-se que a Uber Eats e a Glovo são as mais visadas neste artigo porque foram aquelas mais mencionadas pelas fontes do Observador e porque, de todo o modo, são as maiores dentro do ramo do delivery — , as entregas ao domicílio através deste tipo de negócios já estavam em crescimento. A Uber Eats, por exemplo, já cobria “mais de 50% da população portuguesa portuguesa, disponível em 44 cidades”, diz ao Observador Mariana Ascenção, a Diretora de Comunicação da Uber em Portugal. A Glovo também seguia o mesmo caminho e, aliás, viveu neste período de pandemia, como já foi aqui escrito mais acima, uma fase de crescimento. Então o que mudou (ou não) no meio disto tudo?

Ao Observador, Ricardo Batista, o Country Manager da Glovo, começou por explicar que “o valor dos serviços prestados através da Glovo não sofreram quaisquer alterações após o período de confinamento, incluindo para novos parceiros e para parceiros que optaram por trabalhar, também com outras plataformas”, registando apenas variações “em situações muito específicas” como algumas colaborações feitas com “instituições de solidariedade social”. Confrontado com dados obtidos pelo Observador junto da pizzaria Vizza — inicialmente, antes da pandemia, foi-lhes oferecido como proposta uma comissão de 32%, a oferta da taxa de 150€ para criação de perfil e a mensalidade de 50€ mas depois da pandemia a oferta mudou e passaram a cobrar os 150€, a percentagem exigida de 35% e a mesma mensalidade de 50€ –, o mesmo Country Manager esclareceu: “As condições para os parceiros existentes não se alteraram. Para as novas adesões, sim, houve uma atualização das condições em relação ao passado, totalmente independentes da Covid-19.” 

"As condições para os parceiros existentes não se alteraram. Para as novas adesões, sim, houve uma atualização das condições em relação ao passado, totalmente independentes da COVID-19." 
Ricardo Baptista, Country Manager da Glovo

A Uber Eats, por sua vez, explica que as únicas alterações que fizeram nas suas “condições comerciais durante a pandemia foram no sentido de ajudar” os parceiros. De entre elas Mariana Ascensão destacou “a eliminação das taxas de ativação para novos restaurantes e a suspensão da cobrança das mesmas para restaurantes já na plataforma” e a “disponibilização da opção de transferência diária dos valores faturados através da aplicação, em vez da cadência semanal normal” — melhoria que demorou a entrar em vigor por normais limitações técnicas. A Glovo não deu esclarecimentos sobre alterações que possam ou não ter acontecido.

De modo geral, ambos os lados defendem que a sua principal mais valia para os restaurantes — talvez mais até do que o simples ir entregar comida — é a capacidade que de abrir portas para um público novo e maior. Ambos os lados dizem oferecer mais que muitas alternativas de adesão aos espaços que se mostrem interessados em requerer os seus serviços e isso faz flutuar as comissões exigidas.

“Há muitas outras variáveis que podem ter influência nas comissões, sempre dentro de uma lógica de parceria com os restaurantes que faça sentido para o seu caso individual. A exclusividade é apenas um dos exemplos em que as comissões base podem ser reduzidas”, diz Mariana Ascenção.

É com base nesta linha de pensamento que defendem que os restaurantes, na prática, “pagam” através das tais comissões o tipo de serviço que pretendem: se querem mais coisas as comissões são maiores e vice-versa. Perante as queixas de falta solidariedade, a Glovo prefere dirigi-la aos seus entregadores.”Se há alguém a quem também devemos expressar a nossa solidariedade é, precisamente, aos estafetas”, explica por escrito Ricardo Batista, apesar de não especificar se deram algum apoio extra aos ditos trabalhadores, afirmando apenas que “o estafeta recebe por entrega, pela distância percorrida e pelo tempo de espera e tem ainda um bónus. A maior parte do valor referido vai para ele.” A Uber Eats também diz valorizar os seus estafetas e destaca até que foram “a única plataforma a garantir uma compensação financeira durante 14 dias aos nossos parceiros de entrega em quarentena obrigatória ou infetados”,  e financiaram “os  produtos de higienização comprados pelos parceiros de entrega”, tendo distribuído “gratuitamente produtos de higienização e material de proteção a milhares de  parceiros de entrega”. Para lá disso remetem como exemplo de solidariedade as benesses já mencionadas.

"Há muitas outras variáveis que podem ter influência nas comissões, sempre dentro de uma lógica de parceria com os restaurantes que faça sentido para o seu caso individual. A exclusividade é apenas um dos exemplos em que as comissões base podem ser reduzidas"
Mariana Ascenção, Diretora de Comunicação da Uber em Portugal

E agora em que ponto estão as coisas?

Algum tempo passou desde as primeiras queixas que foram chegando ao Observador. Em pouco mais de um mês os restaurantes tiveram livre trânsito para uma reabertura muito controlada, ainda assim, e isso foi positivo. Pelo menos de certa forma. A redução das limitações totais dos espaços, a insegurança que ainda aparenta reinar entre os clientes dos restaurantes (já para não falar dos espaços que nem conseguiram reabrir) e a natural contração do poder de compra não tiraram o setor da restauração da parte mais funda da piscina e o take-away/delivery continuam a ser importantes para colmatar o dinheiro que ainda não entra. Ou seja, está tudo um pouco na mesma — ou pior, como no caso da mesma pizzaria Vizza.

É de forma simples e direta que Ricardo Guttler, um dos sócios desse negócio lisboeta, diz ao Observador que teve de se desfazer do restaurante. “Não houve mudança nenhuma e fomos obrigados a vender o restaurante”, dispara. A Vizza ainda conseguiu resistir alguns dias após 18 de maio, data que marcou o “desconfinamento” dos restaurantes, mas em pouco tempo acabou por fechar. “Com o delivery e as taxas altas não foi possível continuar. Ainda reabrimos mas a movimentação era tão pouca que tivemos de vender o espaço, não tivemos alternativa”, remata. Manteve até ao fim o único acordo que tinha, neste caso com a Uber Eats.

Entretanto, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, mais conhecida como AHRESP, também conseguiu revelar ao Observador que esta situação não está a passar despercebida e estão a decorrer negociações para se chegar “a um equilibrio” de rentabilidade. “Aquilo que os nossos associados nos foram dizendo é que até tinham interesse em trabalhar com estes serviços — quanto mais não fosse para escoarem stock ou manter alguma atividade –, mas as comissões elevadas, juntamente com a baixa faturação, faziam desta solução algo insustentável”, explica Ana Jacinto, secretária-geral da associação.

"Não houve mudança nenhuma e fomos obrigados a vender o restaurante"
Ricardo Guttler, um dos sócios da pizzaria Vizza

“Continuam a chegar-nos relatos dessa dificuldade e foi por isso mesmo que a AHRESP contactou uma das entidades que se dedica a este tipo de serviço, a Uber Eats (que é associada da AHRESP)”, refere. O objetivo desta aproximação? “Queremos tentar encontrar soluções mais equilibradas, algo que permita à Uber Eats e outros serviços (queremos estender a conversa a mais plataformas semelhantes) alargar o seu mercado sem asfixiar os nossos outros associados”, remata. Sem revelar pormenores sobre que medidas em concreto estarão em discussão, Ana Jacinto reforça que está a ser preparada “uma proposta mais equilibrada” porque é importante que os empresários do setor possam ter acesso simplificado e útil a esta opção comercial, “até porque sabemos e vemos todos os dias que ainda há muito pouca gente a entrar em restaurantes”, reforça.  “O último inquérito que fizemos diz que os restaurantes reabriram a trabalhar com 90% menos de faturação em comparação com o período homologo do ano passado. Ter mais uma modalidade de serviço é bom mas ele tem de ser rentável”, afirma.

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