Medidas tão restritivas como as que o governo de António Costa impôs para este fim de semana ou o novo confinamento que se prepara para anunciar já terça-feira — após quatro dias com uma média de cerca de 10 mil casos de infeção pelo novo coronavírus em Portugal e mais de 100 mortes diárias –, foram tomadas, ou pelo menos mantidas, em vários países da Europa ainda antes do Natal. E pareceu valer a pena: entre os nove países analisados pelo Observador, foi naqueles onde as limitações apertaram antes da época natalícia e o fim do ano que maior sucesso houve em controlar a epidemia de Covid-19.
Por cá, a escalada do número de novos casos conhecida a partir de quarta-feira já revela os contágios que ocorreram nos contactos do Natal e sugerem que o alívio dado aos portugueses está agora a ser cobrado: Portugal está com uma maior proporção de infetados que Itália e Espanha; a taxa de crescimento semanal de casos é superior à do Reino Unido, Estados Unidos e Brasil; e as mortes por milhão de habitantes são mais do que o Brasil.
Na Grécia (onde o levantamento das limitações no Natal simplesmente não ocorreu), em França (que aliviou as medidas na época festiva mas estava, ainda assim, com regras mais apertadas que Portugal), na Holanda, Itália e na Alemanha (que restringiram as regras antes do Natal), as vantagens deste esforço está a sentir-se no número de casos e de óbitos no início de 2021. Na Irlanda, onde as regras foram muito aliviadas, acontece exatamente o oposto.
Mesmo nos países com situações epidemiológicas extremamente complexas onde não foram tomadas medidas especiais (seja de alívio ou de restrição) para o Natal, os dados sugerem que as iniciativas das autoridades locais podem ter ajudado a travar o avanço da Covid-19 nos dias em que a situação mais se podia complicar. É o caso dos Estados Unidos e do Brasil, onde algumas cidades mais populosas restringiram a mobilidade.
O Reino Unido, por outro lado, vive um panorama de descontrolo: a nova variante do vírus, o desconfinamento e o alívio do Natal fizeram explodir os números. Sem sinal de que as coisas pudessem melhorar, Boris Johnson anunciou um novo confinamento. Tal como António Costa se prepara para fazer.
Os países que apertaram as medidas
Portugal vs. Itália, Holanda e Espanha
Porquê estes países?
Itália e Espanha têm lugar nesta comparação porque têm características sociais e económicas semelhantes às de Portugal. A Holanda, embora significativamente diferente nesses aspetos, tem registado uma evolução epidemiológica parecida à portuguesa.
O que dizem os dados sobre os casos?
Entre estes quatro países em análise, Portugal é o segundo em número de novos casos acumulados ao longo das últimas duas semanas por cada 100 mil habitantes, a métrica que o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) tem como referência para avaliar a evolução epidemiológica da epidemia de Covid-19 nos países da União Europeia.
Até esta sexta-feira, Portugal registava 675,7 novos casos em 14 dias por cada 100 mil habitantes, quase o dobro de Espanha (363,5) e de Itália (349,1). Apertar as medidas por parte dos espanhóis (que o fizeram por regiões) e italianos (que tomaram decisões antes do Natal) parece ter trazido benefícios: uma fatura menos pesada para pagar após as festividades.
Veja-se, por outro lado, o caso da Holanda: tendo em conta os dados da última quinta-feira, contabilizava 696,3 novos casos em 14 dias por cada 100 mil habitantes. Não está muito longe dos números de Portugal, mas foi por cá que o número de novos casos de infeção por SARS-CoV-2 mais aumentou — e fê-lo em flecha desde 31 de dezembro, precisamente uma semana depois do Natal. Entre 28 de dezembro e a véspera de Ano Novo, o número de novos casos até diminuiu, mas a um ritmo cada vez menor até depois explodir esta quarta-feira.
Na Holanda, o número de novos casos de infeção em duas semanas por cada 100 mil habitantes aumentou até perto de 883 a 26 de dezembro — muito mais do que os 635 que havia registado apenas dez dias antes. No entanto, e depois de um período de estabilização que durou três dias, esta métrica começou a baixar a pique ainda antes do fim do ano. O número de novos casos baixou mais de 23% em apenas sete dias.
Quanto a Itália e Espanha, ambos os países vivem momentos de estabilidade após a implementação de regras de restrição mais apertadas antes da época natalícia. A 7 de janeiro, os italianos tinham uma proporção de novos casos em duas semanas por 100 mil habitantes 32% inferior à registada um mês antes (514). O número diminuiu até 30 de dezembro, e sofreu apenas um ligeiro aumento desde então.
Algo semelhante está a acontecer em Espanha: o número de novos casos em duas semanas por 100 mil habitantes decresceu até 13 de dezembro, e o aumento desde essa altura até agora não é muito significativo, sendo que grande parte das regiões espanholas tomaram medidas restritivas antes do Natal, Ano Novo e Dia de Reis (o seu dia dia mais festivo). A taxa semanal de crescimento do número de novos casos também evidencia um aumento, mas é algo que está a ocorrer nos três países. Ainda assim, Portugal destaca-se claramente entre eles.
O que dizem os dados sobre as mortes?
Portugal, Itália e Holanda têm números muito semelhantes de mortes por Covid-19 por milhão de habitantes. Tendo em conta as notificações reportadas até quarta-feira ao ECDC (têm sempre um ligeiro atraso em relação à atualidade), os três países registaram entre nove e dez óbitos por milhão de habitantes. Mas na quinta-feira, o dia seguinte a estes registos, Portugal mantinha-se nesses valores, enquanto Itália baixara para 6,9, Espanha para 5,2 e a Holanda para 5,0.
Mas o comportamento deste gráfico entre os quatro países difere entre eles. Portugal chegou aos 9,6 óbitos por Covid-19 por milhão de habitantes em meados de dezembro — resultado do pico de casos ocorrido duas a três semanas antes (primeiro sobem os contágios, depois os internamentos, e depois os óbitos) — mas a métrica entrou em tendência decrescente até à última semana do mês. No entanto, desde 28 de dezembro até agora, a proporção de mortes está novamente a aumentar. Basta dizer que desde quarta-feira a média foi de 103,8 mortes diárias, 4,3 por hora em Portugal, com os dois primeiros dias superiores a 100 óbitos (118 na sexta-feira, 111 este sábado).
Na Holanda, esta proporção esteve em tendência crescente até quarta-feira, mas não é de estranhar: apesar da proporção de casos estar a diminuir, os óbitos que têm sido registados agora são de pessoas que foram infetadas no último pico de contágios, há duas a três semanas. É expectável que, com a diminuição considerável no número de novos casos nos últimos dias, as mortes por Covid-19 continuem a diminuir rapidamente, tal como aconteceu na quinta-feira.
Em Espanha, a proporção de óbitos por milhão de habitantes está também a diminuir. O gráfico da taxa de crescimento semanal de mortes por Covid-19 reflete não só um aumento estável nestes dados na Holanda, mas também semelhanças entre o registo de mortes em Itália e Portugal: em ambos os países, o número diminuiu entre 21 de dezembro e 1 de janeiro, mas aumentou a partir daí. A diferença é que, em Itália, o crescimento desse número já está a reduzir; em Portugal, continua a ampliar-se de dia para dia.
Os países que aliviaram ou mantiveram as medidas
Portugal vs. Grécia, Irlanda e França
Porquê estes países?
A Grécia também é um dos países com uma realidade social, económica e até demográfica similar à de Portugal, por isso oferece um panorama justo para comparação. Irlanda, tal como a Holanda, tem registado um comportamento epidemiológico parecido ao de Portugal, com três ondas no número de casos diários. França entra nesta comparação porque foi um dos país mais atingidos pela segunda vaga de Covid-19 e tinha entrado num processo de desconfinamento ainda antes do Natal.
O que dizem os dados sobre os casos?
Entre os três países aqui em análise, que aliviaram ou mantiveram as medidas nas semanas anteriores ao Natal, a Irlanda foi o único que viu disparar o número de novos casos ao longo de 14 dias por cada 100 mil habitantes. Na véspera de Natal, o país tinha uma proporção de 159,4 casos — muito longe da taxa de 240 que a ECDC assume ser o limiar para ser considerada uma situação epidemiológica grave —, mas a 7 de janeiro esta era já de quase 902,9.
Em comparação com Portugal, a taxa de crescimento semanal dos casos de infeção pelo novo coronavírus da Irlanda (cujo alívio das medidas foi o mais pronunciado entre os países em estudo) é extraordinariamente maior. Os dados da última quinta-feira mostravam um aumento de 77,9% numa semana em Portugal. No caso irlandês, a subida foi de 312,1% desde 31 de dezembro.
Na Grécia, que escolheu manter as medidas de restrição praticamente inalteradas apesar do Natal, esta métrica tem descido lentamente. Em França, que fechou totalmente durante a segunda vaga e que passou o Natal na segunda fase do desconfinamento, a proporção de casos está estável: a 7 de janeiro tinha tantos contágios em duas semanas por 100 mil habitantes como a 19 de dezembro.
O gráfico da taxa de crescimento semanal dos casos de infeção pelo novo coronavírus sugere que quanto maior foi o alívio das medidas de restrição durante o Natal, pior foi o efeito na situação epidemiológica do país. A Irlanda, que estava em rota decrescente em número de casos na semana entre o Natal e o Ano Novo, sofreu um salto abrupto desde o dia 1 de janeiro até agora, mas foi também o país onde houve um maior alívio das restrições.
Portugal, que tinha uma situação estável em número de casos até à terceira semana de dezembro, e tinha mesmo decidido aplicar limitações nos dois primeiros fins de semana grandes do mês (devido às ‘pontes’ de 1 e 8) aliviou as regras para o Natal e, uma semana mais tarde, passou a registar uma taxa de crescimento cada vez maior.
França, que estava em processo de desconfinamento, mas que impôs um Natal muito regrado, sofreu um aumento ligeiro no número de casos. E a Grécia, com um alívio ainda menor, foi capaz de manter controlada essa mesma subida e agora até está a assistir a um abrandamento no número de novos casos.
O que dizem os dados sobre as mortes?
As diferenças que se notam nos casos de infeção pelo novo coronavírus entre França, Irlanda (que aliviaram as medidas de restrição antes do Natal, ainda que com graus muito diferentes) e Grécia, também se registam nos dados sobre a letalidade da Covid-19. Os gregos, que mantiveram as regras de contenção ao longo do Natal, sem exceções para o 24 e 25 de dezembro, são aqueles cujo número de óbitos por milhão de habitantes mais tem decrescido ao longo das últimas cinco semanas. Em França, onde houve apenas algumas restrições, esta métrica sofre grandes flutuações de dia para dia, mas mostra uma certa estabilização desde a época natalícia até agora.
O caso da Irlanda é o inverso do da Holanda. Enquanto os holandeses continuam a registar médias muito altas de óbitos por Covid-19 apesar de o número de casos ao longo de 14 dias por 100 mil habitantes estar a diminuir, os irlandeses permanecem com uma proporção de mortes baixa apesar de os infetados estarem a aumentar. O motivo é o mesmo: o comportamento do número de mortes por Covid-19 está sempre atrasado duas a três semanas ao do número de contágios notificados.
Ainda assim, os últimos dias já indiciam um aumento das mortes na Irlanda. Aliás, a taxa semanal de crescimento dos óbitos disparou para 73,8% na quarta-feira, enquanto em França e na Grécia essa taxa está a diminuir cada vez mais.
Em Portugal, o crescimento semanal no número de óbitos está a aumentar dia após dia desde 3 de janeiro. Mesmo antes disso, desde 24 de dezembro até 2 de janeiro, a diminuição no número de mortes era cada vez menos pronunciada.
Os países com situações complicadas
Portugal vs. Estados Unidos, Brasil e Reino Unido
Porquê estes países?
Embora muito diferentes de Portugal, tanto em escala como em atuação durante a pandemia, os Estados Unidos e o Brasil estão entre os países que se destacam por terem situações epidemiológicas especialmente complexas e que, por isso, têm estado sob apertado escrutínio internacional. O Reino Unido também foi incluído porque, tal como França, foi altamente afetado pela segunda vaga. Além disso, é o epicentro da propagação de uma nova variante mais transmissível do SARS-COV-2, que já chegou a Portugal.
O que dizem os dados sobre os casos?
Dos três países com situações mais complexas analisados aqui, o maior problema parece estar no Reino Unido. Desde 9 de dezembro que o número de novos casos de infeção registados ao longo de 14 dias por cada 100 mil habitantes sobe constantemente, tendo atingido os 609 casos a 25 de dezembro e os 1.035,4 esta quinta-feira, apenas duas semanas depois, o que levou a que fosse decretado um novo confinamento.
Três motivos podem justificar este comportamento da epidemia britânica: Inglaterra, o maior país do reino em número de habitantes (sendo, por isso, o centro das preocupações), tinha saído de um confinamento total no início do mês; o governo recuou no alívio das regras para o Natal que tinha previsto inicialmente, mas ainda assim permitiu alguma abertura extra para essa altura; e o Reino Unido está a braços com uma nova variante do coronavírus que, mesmo sendo tão perigosa como as outras estirpes dominantes até agora, parece ser muito mais transmissível (até 70% mais, segundo alguns especialistas).
Já os Estados Unidos e o Brasil, apesar das intensas dificuldades que têm demonstrado em gerir a crise pandémica, conseguiram manter esta métrica sob controlo após as festividades — possivelmente porque, apesar de não terem sido implementadas regras nacionais de contenção específicas para o Natal a nível nacional, as autoridades locais fizeram-no. No Brasil, os municípios de São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro (capitais de três dos quatro estados onde há maior concentração de habitantes) impuseram regras e restrições. Nos Estados Unidos, estados como Califórnia, Minnesota, Oregon e Washington, também tiveram limitações.
Apesar da estabilização do número de contágios, não há motivos para alívio nestes países. Em território norte-americano, a taxa de crescimento semanal de casos de Covid-19 está a aumentar (e cada vez mais) desde 1 de janeiro, precisamente uma semana depois do Natal: o pico que se verificou após o Dia de Ação de Graças (28% a 9 de dezembro) pode repetir-se nos Estados Unidos, que a 7 de janeiro registou um aumento semanal de 22,4% no número de infetados — uma regressão ainda mais notável visto que, a 25 de dezembro, os casos tinham diminuído em 15,5% nos sete dias anteriores. No Brasil, que viu a taxa de crescimento semanal ser de -29,8% a 29 de dezembro, os números voltaram a subir.
Mas o que sobressai destes dados é que, comparando com o Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, Portugal é o país que regista um aumento mais expressivo da taxa de crescimento semanal de novos casos de infeção pelo novo coronavírus: os 64,6% contabilizados a 7 de janeiro (e já tinham sido 77,9% na quarta-feira) destacam-se dos atuais 33,5% do Reino Unido, 22,4% dos Estados Unidos e 13,4% do Brasil.
O que dizem os dados sobre as mortes?
Quanto ao número de mortes por milhão de habitantes, nenhum dos países aqui em análise tem tido sinais de abrandamento. Pelo contrário: a proporção de mortes por Covid-19 nos Estados Unidos e no Brasil continua a aumentar lentamente, apesar da estabilização do número de novos casos por 100 mil habitantes nas duas semanas anteriores.
O Reino Unido é, novamente, o exemplo mais flagrante de como a proporção de óbitos por milhão de habitantes está a acompanhar a subida do número de novos casos: se a 7 de dezembro havia 2,8 mortes por milhão de habitantes, um mês depois o valor já é de 17,1. A taxa de crescimento semanal de óbitos no Reino Unido é aliás superior à de qualquer outro país.
Nesta comparação, Portugal destaca-se por dois motivos: está com um maior número de mortes por milhão de habitantes do que o Brasil (são 9,3 no caso português contra 7,2 no caso brasileiro); e porque é o único país dos quatro cuja taxa semanal de crescimento de óbitos continua a subir incessantemente, sem sinais de estabilização. Mesmo no preocupante Reino Unido, esta taxa sofreu um salto de 23,7% para 45,5% entre 4 e 5 de janeiro, mas desceu para 37,5% a 6 de janeiro e 28,8% na quinta-feira.