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Alexander Rodnyansky deu a entrevista ao Observador antes de ter mais uma reunião com o Presidente Zelensky, por videoconferência.
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Alexander Rodnyansky deu a entrevista ao Observador antes de ter mais uma reunião com o Presidente Zelensky, por videoconferência.

Alexander Rodnyansky deu a entrevista ao Observador antes de ter mais uma reunião com o Presidente Zelensky, por videoconferência.

Conselheiro de Zelensky em entrevista ao Observador. "Estamos a dar-lhes uma coça. Esta guerra será o fim de Putin"

Alexander Rodnyansky, professor em Cambridge e conselheiro de Zelensky, diz em entrevista ao Observador que, apesar da resistência militar, "a Ucrânia está a ficar sem tempo" e pede armas e sanções.

A Ucrânia está “a dar uma coça” aos russos, no conflito militar, mas isso não invalida que o país “esteja a ficar sem tempo, porque as pessoas estão a morrer”. Há outros massacres semelhantes aos de Bucha e há crianças a morrer à fome em zonas como Mariupol. O alerta é de Alexander Rodnyansky, professor de Economia em Cambridge que integra o grupo de conselheiros de Volodymyr Zelensky, e que, momentos antes de mais uma reunião por videoconferência com o Presidente ucraniano, deu uma entrevista ao Observador onde lamentou que a União Europeia continue sem avançar para o embargo total do petróleo e gás natural russo.

Rodnyansky, que neste momento está na Alemanha, falou com o Observador na condição de a entrevista poder ser desmarcada ou interrompida a qualquer momento, já que este ucraniano é um dos que conselheiros que estão fora do país mas sempre “de piquete”, à distância de uma chamada por videoconferência, ao dispor do gabinete do Presidente ou com o próprio Zelensky. Mas isso não aconteceu e a entrevista pôde ser feita, mesmo sendo um dia em que foram anunciadas novas sanções económicas – sobre as quais Rodnyansky não esconde sentir uma grande deceção.

O professor de Economia diz-se confiante de que, com um embargo total ao petróleo e gás russo e um reforço dos equipamentos militares ao dispor dos ucranianos, a Rússia acabará por recuar. E são “exagerados” os receios de que Putin, encurralado, possa usar armas nucleares. “A conversa sobre armas nucleares é aquilo que eles [os russos] usam para assustar o Ocidente”, afirma Alexander Rodnyansky, que não tem dúvidas de que “esta guerra na Ucrânia foi o início do fim do regime de Putin. Não há volta a dar-lhe“.

As novas sanções anunciadas esta terça-feira, com a proibição das importações de carvão russo mas não do petróleo nem do gás natural, para já, vai ser suficiente para deter Putin?
É apenas o carvão, não vai ser suficiente para demover a Rússia. O carvão é a matéria-prima energética menos significativa, em termos de volumes de importação para a Europa – precisamos que haja um embargo total ao petróleo e ao gás, pelo menos na Europa, porque a Rússia exporta cerca de 75% do seu gás para a Europa e também 49% do seu petróleo. É aí que está a “carne”, isso é que causaria um grande impacto no orçamento da Rússia e na capacidade de continuar a financiar esta guerra.

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Os líderes europeus parecem dizer que os próximos são o petróleo e o gás natural. Mas não se comprometem, não dão esse passo…
Sim, temos esperança de que isso aconteça em breve, porque estamos a ficar sem tempo. Neste momento toda a gente está a poder ver o que está a acontecer em sítios como Bucha – depois de estarmos há tantas semanas a avisar… E não é o único sítio onde coisas semelhantes estão a ser feitas. Pelo que ouço, à volta de Mariupol a situação é ainda pior, bem como em outros sítios. Os guerrilheiros chechenos que estão lá não atribuem grande valor à vida humana, pelo que há uma grande urgência em fazer isso [aumentar a pressão sobre a Rússia com um embargo ao petróleo e gás natural].

Escreveu no Twitter que aquilo que aconteceu em Bucha não foi apenas genocídio, foi os russos a “vingarem-se pela derrota”. O que quis dizer com isso?
O que queria dizer é que nós conhecemos a mentalidade dos soldados que estão do outro lado. Há uma tradição de abusos e bullying na Rússia, no geral, e especialmente nas forças armadas, onde os mais experientes têm uma tradição de humilhar os recrutas mais jovens. Todos, ou quase todos, aqueles soldados passaram por um processo de humilhação e abusos que faz com que não seja surpreendente que se tenham transformado em indivíduos capazes de fazer as coisas que vimos. Além disso, estão a ser vencidos, não estão a atingir os objetivos que tinham, não conseguiram capturar Kiev, perderam milhares de soldados e sentem-se cada vez mais humilhados, o que cria uma mistura tóxica difícil de imaginar. Aquilo que estamos a ver são eles a vingarem-se, sim, de acordo com aquilo que é a mentalidade deles.

Como é que aquilo que aconteceu em Bucha influencia as negociações que têm vindo a decorrer nas últimas semanas?
Tem um impacto: torna as negociações mais difíceis. Torna mais difícil chegar a algum tipo de compromisso ou acordo, porque… Como é que negoceia com quem é capaz de fazer aquilo? Por outro lado, penso que enfraquece a posição negocial dos russos porque torna o resto do mundo ainda menos disposto a aceitar algum tipo de acordo que poderia ser aceitável pela Rússia. Torna a situação mais explosiva, digamos assim.

Mas mesmo antes, do seu ponto de vista, considera que aquelas negociações poderão ser produtivas ou são uma farsa, como alguns têm dito?
É difícil dizer isso antes do momento em que verificamos que essas negociações estão a fracassar, claramente. Antes disso, é especulação. Há um conjunto de pontos que foram discutidos e ouvimos do lado russo que eles estão disponíveis para ponderar alguns dos compromissos que estão em cima da mesa, nomeadamente nas questões do estatuto de neutralidade etc. Depois há um conjunto de temas que são irrelevantes para nós mas importantes para os russos, aí também parece haver progressos.

Onde é que estão os principais pontos de discórdia?
Em tudo o que tem a ver com a integridade territorial e com as terras que foram ocupadas. Essas terras não vão ser cedidas a ninguém, são parte da Ucrânia. Mas será que podemos dizer que as negociações são uma farsa? Não sei, a minha sensação é que são um truque para enganar toda a gente, para levar toda a gente a pensar que a paz está ao virar da esquina e que não é preciso haver mais sanções.

Nas últimas horas o Presidente Zelensky disse que talvez não haja um encontro com Putin…
Pois, isso é outro sinal de que as negociações não estão a fazer progressos, não estão a ir a lado algum. Mas essa declaração está relacionada com aquilo que aconteceu em Bucha – faz com que seja muito menor a vontade de falar com um opositor que organiza uma matança daquelas, matando de forma indiscriminada?

"As negociações são uma farsa? Não sei, a minha sensação é que são um truque para enganar toda a gente, para levar toda a gente a pensar que a paz está ao virar da esquina e que não é preciso haver mais sanções."

A pergunta de um milhão: O que vai acabar com esta guerra, na sua opinião? E quando?
Temos esperança de que possa acabar em breve. E há duas coisas que podem fazer com que isso aconteça. A primeira coisa é ser dado um apoio militar máximo à Ucrânia. Precisamos de armas pesadas, não só armas defensivas, precisamos de artilharia, de canhões, de morteiros, mecanismos de defesa anti-aérea, munições, precisamos de coisas que nos ajudem a reconquistar os territórios capturados. Temos um enorme número de pessoas que estão dispostas a lutar…

Quantas?
A Ucrânia já mobilizou cerca de 400 mil pessoas, até ao momento, pessoas que estão dispostas a lutar e prontas para isso. Mas não temos equipamentos para todos, e não temos a artilharia pesada suficiente. Os russos têm o problema contrário: têm todo o tipo de equipamento, tanques, maquinaria, mas não têm um exército disponível para lutar, nesta fase, tendo em conta as perdas que sofreram.

E o segundo ponto, que pode levar ao fim da guerra?
O segundo ponto é que tem de haver sanções mais duras contra a Rússia, para que ela não seja capaz de financiar a guerra. Sanções no petróleo e gás, mais sanções que façam colapsar o rublo. Precisamos de sanções que lhes tirem a capacidade de continuar.

O que acha que é preciso acontecer para que os líderes europeus tomem essas medidas? Para que deem esses passos?
É isso que é trágico em tudo isto. Será que é preciso mais? Será que é necessário mais imagens como estas que estamos a ver agora? Talvez, mas não devia ser assim. Mas provavelmente é essa é a realidade: a Europa precisa de sentir mais a urgência do que está a acontecer, mas isso não está a acontecer, por alguma razão.

Voltando à sua ideia sobre a “vingança pela derrota”: quão perigoso acha que isto pode ser? Acha que, se Putin for cada vez mais encurralado, pode, por exemplo, usar armas nucleares?
Penso que existe esse risco, mas não é um risco muito elevado. Penso que isso não faria sentido, do ponto de vista dele [de Putin], de um ponto de vista puramente de estratégia militar, porque iria com isso trazer para o conflito o resto do mundo. Ele não terá interesse nisso, neste momento. O único cenário que talvez tornasse isso mais provável é se Putin enfrentasse uma guerra dentro da própria Rússia e sentisse que não tinha saída. Mas é preciso lembrar que aí, provavelmente, antes de isso acontecer as coisas já terão acabado, para ele. Além disso, usar armas nucleares não é carregar num botão – isso é uma ilusão, há entre três e quatro passos que têm de ser cumpridos, se essa ordem for dada, incluindo chefias militares têm de dar o seu consentimento.

E não dariam o seu consentimento?
Nesta fase, o mais provável é que não dariam. Porque veriam que a Rússia está encurralada, a perder, portanto qual é o incentivo para que eles se tornem criminosos de guerra quando têm oportunidade de se transformar em heróis? Claro que nestas coisas nunca sabemos o que pode acontecer, porque não há um histórico passado. Mas esta discussão sobre armas nucleares não altera aquilo que precisamos de fazer: a única coisa que vai fazer a Rússia parar é chegar a um ponto em que ela não tem os recursos suficientes – financeiras e militares – para continuar. Veja que eles estão a retirar-se de todos os sítios no norte, à volta de Kiev, saíram… E saíram porquê? Porque perceberam que não conseguem ganhar, perceberam que não faz sentido. Eles têm de chegar à mesma conclusão em Donbass e no sul da Ucrânia. Esta conversa sobre armas nucleares é aquilo que eles usam para assustar o Ocidente, para paralisar o Ocidente.

E as outras elites, além das militares?
São pessoas extremamente ricas. Têm iates que valem mais de 700 milhões de dólares. Estas pessoas têm interesse em viver, não querem morrer, se têm esse tipo de posses. Eles não estão interessados em disparar armas nucleares. Tudo isso é exagerado.

Acha que há margem para que a sociedade russa e as elites russas se virem contra Putin, possivelmente retirando-o do poder?
A probabilidade de isso vir a acontecer está a tornar-se cada vez maior. Temos de perceber que esta guerra com a Ucrânia foi o início do fim do regime de Putin. Não há volta a dar-lhe. Sempre disse isto mesmo, quando me perguntavam, no início, se as nossas forças armadas iam resistir… Eu sempre disse: ouçam, eles estão a sobrestimar o seu poder. E estão a subestimar o nosso. Estávamos a preparar-nos para isto há oito anos e é exatamente o que estamos a ver: estamos a dar-lhes uma coça. Eles estão a perder. Não há forma de isto passar despercebido no regime de Putin. Pode parecer, para quem vê de fora, que o regime continua estável mas já estamos a ver sinais de que há alguma coisa que está a atingir o ponto de rutura, lá dentro.

Quais sinais?
Há vários generais e comandantes militares de topo que começaram a desaparecer. Não estou a dizer que estão mortos mas deixaram de aparecer na esfera pública. Estamos a ver sinais de desestabilização, estamos a ver parte da população russa que está zangada com o facto de as tropas estarem a recuar – por muito perverso que isso seja… Os militares estão profundamente humilhados. Temos de lembrar-nos que houve um largo conjunto de militares russos, em posições elevadas na hierarquia, que escreveram uma carta aberta, poucos dias antes de começar a guerra, a alertar que isto não podia acontecer, que a Rússia não podia lançar-se numa guerra com a Ucrânia. Isso já foi um sinal de que uma parte dos militares sempre esteve contra isto e sabia que isto não ia correr bem. E agora, mesmo aqueles que aceitaram a decisão, hoje estão profundamente humilhados. É um estado de coisas fundamentalmente desequilibrado, do ponto de vista de Putin, e saber quanto tempo ele se conseguirá aguentar… a dada altura, penso que existe uma probabilidade elevada de que algo vai acontecer.

O quê?
Talvez alguém, entre os militares, que seja suficientemente corajoso e tenha um plano para derrubar Putin. E também há outros segmentos da sociedade que também se poderiam revoltar. De uma forma ou de outra, o que sabemos é que o sistema está a ficar desestabilizado.

"Esta guerra foi o início do fim do regime de Putin. Não há volta a dar-lhe. Eu sempre disse: ouçam, eles estão a sobrestimar o seu poder. E estão a subestimar o nosso. Estávamos a preparar-nos para isto há oito anos e é exatamente o que estamos a ver: estamos a dar-lhes uma coça. Eles estão a perder. Não há forma de isto passar despercebido no regime de Putin."

Qual tem sido o seu papel, como conselheiro? De que forma está a apoiar o Presidente Zelensky?
Estamos sempre em contacto, disponíveis a todo o momento, através de videoconferência, para falar com o gabinete do Presidente, algumas vezes com o próprio Presidente. Já antes da guerra eu colaborava como conselheiro económico, com enfoque no setor financeiro, a comunicação entre o banco central e o gabinete do Presidente. Também estou no conselho de supervisão do nosso maior banco, estava a preparar a sua privatização, etc. Ou seja, já aconselhava o governo relativamente a algumas reformas económicas, etc. Agora, as nossas responsabilidades alargaram-se muito mais, como é óbvio, portanto lido com questões militares, questões de cadeias de abastecimento, diálogos com os nossos parceiros internacionais sobre as armas de que precisamos, fazemos parte do trabalho de lobbying para que haja mais sanções.

Quando diz “nós”, quer dizer o quê? Algumas dezenas de pessoas que, mesmo fora do país, estão a ajudar o Presidente? Centenas?
Não, não são centenas. É uma pequena equipa no gabinete presidencial, com entre cinco e dez pessoas, e outros tantos que ajudam de fora. Eu, pessoalmente, tenho participado muito neste trabalho e recentemente conseguimos trazer um conjunto de especialistas internacionais, que nos estão a ajudar a perceber o que pode ser feito, como pode ser feito, designadamente ao nível das sanções.

Quanto foi a última vez que falou diretamente com o Presidente Zelensky?
Foi na semana passada e penso que falaremos ainda hoje [terça-feira].

Qual é a sua análise sobre o seu estado de espírito, a confiança que tem nesta fase de que a guerra poderá terminar rapidamente, e em favor da Ucrânia?
Não falámos sobre isso, desta vez apenas falámos de aspetos muito concretos que há a tratar, não há muito tempo para falar sobre como nos estamos a sentir, no geral. Mas a minha impressão é que ele está animado, otimista e muito confiante de que vamos atravessar este momento e sair dele com uma vitória.

"Falei com Zelensky na semana passada e penso que falaremos ainda hoje. A minha impressão é que ele está animado, otimista e muito confiante de que vamos atravessar este momento e sair dele com uma vitória."

Como é que a economia ucraniana continua a funcionar? Como é que, nesta situação, se está a conseguir fazer chegar mantimentos, por exemplo? Como é que a economia está a ser mantida viva?
Depende das zonas. Se olharmos para cidades em grandes dificuldades, como Mariupol, não há comida. Não há abastecimento. As pessoas estão a morrer à fome. Bebés estão a morrer à fome. É uma verdadeira catástrofe humanitária. Cinco mil civis mortos, os russos não deixam ninguém sair. Há lugares assim. Não há muito mais a dizer: é o pior que se pode imaginar, é um cenário como o da Segunda Grande Guerra. Depois há locais como Lviv, no Ocidente da Ucrânia, onde as coisas estão bem, há ataques aéreos ocasionais, as sirenes alertam as pessoas para se abrigarem, mas fora isso as coisas estão… não diria normais, claro, mas relativamente normais, não há perigo em caminhar na rua, por exemplo, as cadeias de abastecimento estão a funcionar. Depois há os locais que estão no meio, como Kiev, onde temos recolher obrigatório, a dada altura havia o risco de um cerco a Kiev mas houve sempre abastecimentos de comida dentro da cidade – e como uma grande parte da população saiu, esses abastecimentos foram suficientes para os que permaneceram. Nunca houve falta de comida, Kiev aguentou-se, outros locais também se aguentaram, uns melhor do que outros. O governo está a fazer o que consegue para garantir que as coisas se mantêm.

Mas disse, no início da nossa entrevista, que a Ucrânia está a “ficar sem tempo”. Era a isso que se referia?
Referia-me, acima de tudo, às perdas de vidas humanas. As pessoas estão a ser mortas, em locais como Bucha. Mas também há uma segunda dimensão que é relativa a isso, ou seja, se a situação piorar então é claro que cada vez será mais difícil levar comida e outros fornecimentos, eletricidade, tudo aquilo que é necessário para manter as pessoas vivas.

Dizia que as forças russas se retiraram do norte. O plano do Presidente Putin passa por tomar conta de todas as cidades a sul, na costa?
Em certa medida, ele já conseguiu uma grande parte desse objetivo. A área de Mariupol está complemente bloqueada, o acesso ao mar. O único local onde ainda existe algum espaço de manobra é à volta de Odessa. Mas não se pode dizer que existe lá uma rota naval viável. Normalmente, cerca de 50% das exportações ucranianas saem pelo mar através do porto de Odessa. Neste momento muito desse transporte não está a acontecer, é demasiado perigoso – há navios russos que estão a disparar contra as nossas cidades, contra as nossas infraestruturas, e até já ouvimos casos de navios estrangeiros que foram atacados pelos russos.

Mas, a prazo, a economia ucraniana seria viável sem esse acesso ao mar? É isso que Putin está a tentar fazer?
Sim, isso é uma das coisas que ele está a tentar fazer, cortar-nos o acesso [ao mar]. Também quer ter controlo sobre Odessa, já que na sua cabeça aquilo é uma cidade que historicamente pertence aos russos. Mas ele não tem conseguido chegar sequer perto de conquistar Odessa, nem sequer as cidades que ficam a caminho de Odessa.

"Em cidades como Mariupol não há comida. Não há abastecimento. As pessoas estão a morrer à fome. Bebés estão a morrer à fome. É uma verdadeira catástrofe humanitária. Cinco mil civis mortos, os russos não deixam ninguém sair. Há lugares assim. É o pior que se pode imaginar, é um cenário como Segunda Grande Guerra."

Falando das colheitas, sabemos a importância que a Ucrânia tem em vários produtos agrícolas, o Presidente Zelensky já disse às pessoas para avançarem com as colheitas e com as plantações. É possível fazer isso?
Sim, ficaria surpreendido. Os últimos números que temos é que 80% dos agricultores já fizeram as plantações, em toda a Ucrânia, e estão a tentar fazer as colheitas. A época das plantações está a avançar do modo possível, como é natural, mas 80% dizem estar a conseguir. Os restantes 20% dizem que não estão a conseguir, ou seja não conseguir de todo ou parcialmente. Falta mão de obra, alguns trabalhadores fugiram ou estão dedicados ao combate, portanto não se pode acreditar que será uma época de trabalho agrícola normal. Mas quase todos os nossos terrenos férteis estão no sul e no Ocidente. E aí, em certa medida, tem sido possível trabalhar, há colheitas e plantações a serem feitas. No banco a que estou ligado temos tido muita gente a vir pedir financiamento, o que é um bom sinal. A Ucrânia tem 10%, 11% de todas as exportações mundiais de trigo, a Rússia tem outros 18%, isso é vital para o Norte de África, por exemplo. Além disso, o milho, o óleo de girassol… Vêm da Ucrânia 46% das exportações mundiais de óleo de girassol. Algumas exportações estão a ser limitadas, agora, para consumo interno, mas não todas.

Uma estimativa de meados de março apontava que, até esse momento, as perdas económicas causadas pela guerra já tinham atingido o equivalente a 565 mil milhões de dólares, o que inclui não só a infraestrutura destruída mas, também, a perda de atividade económica. Essa estimativa ainda está atual?
Não… É difícil fazer estimativas, porque depende da forma como se contabiliza os estragos, e que infraestruturas se contabilizam – mas nesse ponto, só nas estradas, pontes, etc, o último número que vi é que já tínhamos danos no valor de 120 mil milhões de dólares. E compare isso com a ajuda financeira que recebemos da UE, entre 2014 e 2020, de 103 mil milhões de dólares – menos do que aquilo que já foi destruído. Mas há outras estimativas: já vi pessoas a calcular em mais de 500 mil milhões de dólares de destruição, mais do que o nosso PIB anual. É uma catástrofe e vamos precisar de centenas de milhares de milhões de dólares para reconstruir.

Como é que se vai pagar essa reconstrução?
Isso é uma questão em aberto. Mas já estamos a debater a possibilidade de criar um fundo para a reconstrução da Ucrânia, uma espécie de Plano Marshall para a Ucrânia, como o que a Alemanha teve após a Segunda Grande Guerra. Isso implicaria centenas de milhares de milhões de dólares, programas especiais para infraestruturas, e o financiamento virá de todo o mundo mas, por exemplo, de instituições como o FMI, o Banco Mundial, a União Europeia provavelmente, e por aí em diante.

Assumindo que a guerra termina num horizonte relativamente próximo, o que é que será a economia ucraniana daqui a 10 anos?
É difícil dizer mas, na verdade, eu estou otimista a esse nível. Se a guerra acabar e se nós sairmos vitoriosos, o que eu acredito que vai acontecer, eu estou muito otimista acerca das perspetivas económicas para a Ucrânia, desse ponto para a frente. Porque teremos um apoio incrível, a nível global, já estamos a falar de uma candidatura à União Europeia, vamos ter reformas económicas, apoio alargado a essas reformas, teremos a confiança do mundo ocidental – e teremos uma coisa muito importante, que é o fim da incerteza acerca de um confronto com a Rússia.

Como assim?
Vamos vencer, vamos encerrar este capítulo, o que significa, só por si, que vamos conseguir atrair investimentos muito maiores, um crescimento maior e mais criação de emprego. Isto porque nos últimos oito anos a Ucrânia fez muitas reformas económicas, estava a fazer um ótimo trabalho na reforma da sua economia, na integração com o Ocidente. Mas havia sempre uma limitação, um constrangimento, que era a ameaça de guerra com a Rússia – só essa ameaça gerava uma enorme incerteza. Poucos queriam investir na Ucrânia não sabendo o que poderia acontecer no mês seguinte, no ano seguinte – isso, por si só, foi uma limitação ao nosso crescimento. Depois da guerra, já não vamos ter isso, vamos ter garantias de segurança por parte dos nossos parceiros – garantias concretas – e aí já todos vão sentir-me mais dispostos a investir no país. Todos vão acreditar no país, e isso vai ser o mais importante, muito mais importante do que a ajuda financeira que vamos receber.

Ajudaria, também, que muitos dos que agora fugiram do país possam voltar…
Sim, e isso é um ponto que me preocupa muito, pessoalmente. Quanto mais rapidamente acabar a guerra mais facilmente conseguiremos que a maioria destas pessoas volte – elas não queriam sair do país, antes de isto acontecer. Quanto mais tempo a guerra se arrastar, menos provável é que regressem, porque obviamente vão acostumar-se à vida noutros locais. Estamos muito gratos pela ajuda que os nossos parceiros ocidentais estão a dar aos nossos cidadãos, neste momento difícil, mas ao mesmo tempo será importante ter alguns mecanismos de incentivo, a nível europeu, para ajudar a que estas pessoas possam voltar facilmente, quando houver paz.

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