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Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, chegou esta quarta-feira às instalações do Observador, no Bairro Alto, num carro oficial preto, acompanhado pela assessora de imprensa e por dois seguranças. Passou uns minutos na rua a resolver um assunto urgente ao telefone e não quis perder mais tempo: “Então, vamos trabalhar?” A entrevista — realizada no contexto do XXI Congresso do PS — durou quase hora e meia. Santos Silva, sociólogo, portuense, e um dos portugueses que mais pastas governativas ocupou, recusou apontar as fragilidades da “geringonça”. “Nunca direi quais são os riscos” do Governo. Mas também sublinhou os termos originais do acordo com o BE, PCP e Verdes: “Há um acordo sobre o desacordo”. Apesar de António Costa estar limitado na sua ação, responde às entrevistas dadas pelo crítico Francisco Assis: “O PS não está manietado”. Também diz que o partido não se radicalizou: “O PS não está mais à esquerda”.
Uma das declarações mais subliminares do MNE dirige-se ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. A propósito dos insistentes alertas presidenciais para a necessidade de consensos, Santos Silva recorda, sem o explicitar, o passado marcelista (de Marcelo Caetano) do próprio Marcelo: “Há uma ideia tardo-corporativa segundo a qual se tem medo do debate democrático e acha que deve haver consensos porque se deve esvaziar a política e evacuar a política, tirá-la para fora. Mas não é assim que se constroem consensos.”. Leia a entrevista, em que o ministro também fala de Tony Carreira ou da banda punk The Clash.
Dois dias depois das legislativas dizia que o PS devia chumbar as moções da esquerda para deitar abaixo o Governo de direita. O seu argumento era que “quem tem legitimidade para tentar formar Governo é o líder do partido com maior representação parlamentar”. Ainda acha que era a direita que devia formar Governo?
Ainda acho que Passos Coelho tinha legitimidade para tentar formar Governo, coisa que tentou e não conseguiu. Ao contrário do que pensei imediatamente a seguir às eleições legislativas, em primeiro lugar o PCP e depois o BE foram muito claros na afirmação que, por eles, o PS tinha condições para formar Governo, beneficiando de apoio parlamentar maioritário. O PS podia constituir o Governo coerente que entendesse. Foi essa afirmação, essa mudança, que alterou radicalmente os dados do jogo e permitiu constituir um Governo alternativo à governação da direita com condições de estabilidade política.
Era uma das principais vozes no PS a criticar o PCP e o BE. Até disse aquela famosa frase “eu gosto é de malhar na direita e gosto de malhar com especial prazer nesses sujeitos e sujeitas que se situam de facto à direita do PS e que são as forças mais conservadoras e reacionárias que eu conheço e que gostam de se dizer de esquerda plebeia ou chic”. O PS está mais radical, ou esta esquerda moderou-se?
O que houve de mais significativo na maneira como António Costa formou o Governo foi a capacidade que teve de encontrar um acordo claro e transparente nas zonas de convergência e nas zonas de divergência. Que se mostrou ser possível, exatamente porque as divergências não prejudicaram a convergência, numa política que tinha uma tradução orçamental e financeira que requeria a constituição de maiorias parlamentares sólidas à esquerda. E isso mudou. Mudaram os termos das coisas e das minhas apreciações anteriores a novembro de 2015. Já na campanha eleitoral, do lado do BE, tinha havido uma primeira sinalização de que as coisas podiam mudar à esquerda, no debate entre António Costa e Catarina Martins — que elencou as quatro condições para um eventual apoio do BE a um Governo do PS. Não havia nada de insuperável.
Viu aí nesse momento a abertura do BE? É que depois disso disse frases como “eu estou farto da esquerda”…
Vi. Vi abertura e sobretudo na quarta-feira seguinte às eleições, numa das primeiras reuniões que António Costa fez, vi a afirmação muito clara de Jerónimo de Sousa dizendo que não é pelo PCP que o PS deixa de ter condições para formar Governo. E isso mudou.
Mas mudou de facto essência do PCP e do BE?
Se me colocasse como observador político teria de dizer que noto ao longo dos últimos meses — incluindo nos anteriores às legislativas — evolução no posicionamento político nos partidos à esquerda do PS. Também esses partidos notarão a evolução no posicionamento político do PS. Uma das virtudes das posições conjuntas celebradas é que foi possível aos quatro subscreverem essas declarações sem abdicarem de nenhum aspeto essencial da respetiva identidade política. Portanto, há um Governo do PS que é de centro-esquerda, reformista, pró-europeu. E esse Governo conta com o apoio Parlamentar do PCP, BE e PEV, sem que esses partidos sacrifiquem nenhum elemento da sua identidade. Por exemplo, nas áreas que eu tutelo, o que se verifica é o acordo sobre o desacordo.
Isso não é tudo um bocado esquizofrénico? A NATO, os pressupostos da UE, há uma grande diferença entre as propostas da governação que obedecem a estes princípios e o que esses partidos defendem.
Não me parece. Agora, o que era estranho e frustrante do ponto de vista político, porque limitava as possibilidades de alternativas políticas em Portugal. Era o que se verificava desde 1976: haver partidos de dimensão média no Parlamento que estavam excluídos — auto excluídos ou excluídos é outra conversa — das responsabilidades de governação. Não lhe chamaria esquizofrenia. O PS rompeu com a ideia do arco de governação, de que havia partidos investidos de um direito especial em relação ao outros de concentrarem em si as responsabilidades governativas.
O PS faz este acordo porque é mais à esquerda?
Não me parece. O PS foi aprendendo lições da experiência política recente e assumiu a responsabilidade de tentar encontrar uma solução de governação estável, a partir das escolhas das pessoas. A principal lição que o PS aprendeu em 2009 foi que, em condições muito difíceis, é um erro aceitar uma solução minoritária sem qualquer respaldo parlamentar. O que aconteceu em novembro de 2015? Um resultado muito atípico na tradição eleitoral portuguesa, mas nada atípica do ponto de vista das circunstâncias europeias atuais. Esse resultado podia conduzir a um impasse. Nem a direita renovou a sua maioria, e por isso perdeu as eleições, nem o PS teve mais votos e mais deputados. Por isso não ganhou as eleições.
Mas o PS está mais à esquerda ou não?
Disse que não e tentei explicar. Mas se quiser só numa palavra: não.
Resposta a Assis: “Não há nenhuma iniciativa do Governo que tenha abortado por o PS estar manietado pelo PCP e pelo BE”
Francisco Assis acha que o PS está manietado pelo PCP e pelo BE e por isso bloqueado na capacidade de reformar. Concorda com ele?
Não.
Quer explicar?
Não encontro nenhuma demonstração prática dessa ideia. É desajustada da realidade. Não consigo encontrar nenhuma medida do programa de Governo do PS que tenha sido posta em perigo. Não há nenhuma iniciativa do Governo do PS que tenha abortado por o PS estar manietado pelo PCP e pelo BE.
Se o PS tivesse ganho as eleições com maioria absoluta governava da mesma maneira?
Se o PS tivesse ganho com maioria absoluta constituiria um Governo que se diferenciaria deste por ser um Governo com maioria parlamentar. Na altura dissemos que isso não significaria que abdicássemos de construir acordos políticos mais vastos e acordos sociais de natureza estratégica.
Ou seja, não governaria da mesma maneira.
Se o PS tivesse tido maioria absoluta, as medidas do programa eleitoral do PS que não passaram para o Programa do Governo passariam.
O BE e o PCP têm uma posição diferente do PS sobre o Tratado Orçamental europeu — acham que devia ser revogado. O PS nunca defendeu isso. Esta grande divergência num ponto central da governação não deixa o PS entalado entre o que o Tratado quer e o que a esquerda permite?
Nunca o senti até agora. O Governo do PS conta com o apoio parlamentar do BE e PCP em matérias que estão devidamente assinaladas. O PS sabe que não pode contar com o apoio deles em políticas de alianças militares, também sabemos que essa nunca foi, não é, não será uma questão política central em Portugal.
Mas o Tratado Orçamental é.
Mas está resolvido no termos das declarações conjuntas. O compromisso do PS é que, na execução orçamental deste ano e nos orçamentos futuros, o partido não toma medidas que impliquem novos cortes nos salários e pensões, ou novos aumentos dos impostos sobre o trabalho. Esta é uma linha vermelha que o PS aceita facilmente porque é a nossa própria linha vermelha. Em contrapartida, sabemos que os nossos parceiros parlamentares aceitaram viabilizar orçamentos e outros documentos com impacto orçamental desde que essa linha vermelha esteja garantida. Isso dá-lhes a possibilidade de manterem intacta a sua posição sobre a união Económica e Monetária, sobre o Tratado Orçamental, sobre a Comissão Europeia. Ao mesmo tempo, permite ao PS gerir o orçamento e a consolidação orçamental no termos que são os seus. E até agora tem resultado bem.
A Comissão está a pressionar com a necessidade de um ajustamento que pode significar 700 milhões de euros de medidas adicionais. Como é que isso se faz sem ultrapassar essas linhas vermelhas?
Já há sinais de abrandamento da economia nacional. Sabemos que alguns dos mercados mais importantes para Portugal fora da União Europeia estão hoje em profunda crise. São dificuldades adicionais e podem surgir outras. Seria absolutamente inacreditável que alguém — ainda por cima com a minha experiência e em momento de incerteza e de volatilidade — dissesse agora que sabe antecipar o futuro. Se tivermos de mexer no teto da despesa ou nas regras da receita, temos de pedir autorização à Assembleia da República, o que significa um retificativo. O que dissemos à Comissão Europeia é que tínhamos mecanismos internos que permitiam gerir o Orçamento e entendemos que esses mecanismos são bastantes. Tendo em conta os últimos dados da execução orçamental e com um terço do ano orçamental corrido, não temos nenhum sinal de alerta. Também é natural que a Comissão Europeia, o Conselho de Finanças Públicas, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental chamem a atenção para os riscos. Parece-me normal.
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Qual o melhor primeiro-ministro dos governos a que pertenceu: Guterres, Sócrates ou António Costa?
É sempre aquele com quem estou a trabalhar.
Qual a sua pasta ministerial preferida: Educação, Cultura, Assuntos Parlamentares, Defesa ou Negócios Estrangeiro?
É aquela em que estou a trabalhar. As perguntas não são muito originais.
Em quem prefere malhar: em Paulo Portas ou Passos Coelho?
Usei essa expressão no sentido figurado. Tenho um enorme respeito pelos meus adversários políticos. Talvez naquele em relação ao qual tenho maior distância ideológica, que é o dr. Paulo Portas.
Quem é mais amigo do PS: Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa?
Ambos primam por cumprir muito escrupulosamente os seus compromissos.
Com quem é mais fácil lidar: com professores ou com diplomatas?
Sempre com aqueles com quem estou a trabalhar. Todos os ministérios têm os seus encantos e as suas sombras.
Qual era o estudo sociológico mais interessante para se fazer sobre a audiência de um concerto? Tony Carreira, Xutos e Pontapés ou Wagner?
Só me falta fazer o estudo sociológico de Tony Carreira. Como sociólogo, não sou crítico musical. Já fiz vários estudos de música erudita, O último que fiz foi sobre o punk português. A lógica da música popular ligeira diz-me muito.
Qual destas bandas punk prefere: The Ramones, The Clash ou Mata-Ratos?
Do ponto de vista da combinação entre gostos musicais e discursos político através da música, certamente The Clash. Não estudei o punk por gostar de música punk: foi porque a cena punk era uma forma muito interessante de sondar algumas características de sondar os processo típicos da juventude urbana.
A cada avaliação do défice, tem havido previsões piores do que as do Governo que coloca a meta do défice deste ano nos 2,2, mas a Comissão diz 2,7 e a OCDE já diz 2,9%. As instituições a fazer política?
A revisão da projeção do défice da Comissão foi em baixa, porque a primeira não considerou as medidas apresentadas no Orçamento do Estado português, mas apenas um cenário sobre o qual não havia alteração de medidas. Quando as incorporou desceu a sua previsão. O ponto essencial é que são projeções. Quer que lhe diga o número de vezes que algumas entidades tão credíveis como FMI acertaram as previsões, projeções e estimativas? Esse número e muito próximo de zero.
Tal como os governos…
Sim, mas vamos lá ver… eu por acaso até estive num Governo que conseguiu consumar a saída do procedimento do défice excessivo um ano antes do prazo marcado. Foi em 2007 e o prazo era 2008. O que gostaria de assinalar é que não há nenhuma projeção, mesmo as mais pessimistas, que ponha em dúvida que Portugal saia este ano do procedimento.
As últimas sondagens continuam exatamente como estavam antes das eleições, com o PS a não descolar da direita…
Não estamos com a mesma informação. Eu como sou sociólogo e, entre outras coisas, fazia sondagens, olho para elas como um cozinheiro olha para as receitas. Nas sondagens que conheço, a novidade é que o PS está à frente do PSD.
Mas não da direita.
Mas esta de que falo é uma mudança que não podemos ignorar. E nem lhe dou grande valor.
O cenário não seria alterado se houvesse eleições amanhã. A direita junta tinha mais votos do que o PS sozinho e o PS teria dificuldade em governar sozinho…
… e o grupo parlamentar do PS seria superior ao do PSD. Em todo o caso seria necessário um Governo de coligação.
Tendo em conta os pressupostos que levaram Costa à liderança do PS, isto também não é “poucochinho” para o que se esperava do novo líder agora que é primeiro-ministro?
Entendo que António José Seguro fez um trabalho muito importante na consolidação do partido na oposição. O partido deve-lhe muito por isso. Por razões políticas, não foi possível a Seguro liderar a outra parte do trabalho que quando estamos na oposição tem de existir: o trabalho e afirmação como alternativa.
Ele ganhou as eleições europeias.
Estou a dizer a minha opinião. Entendo que era preciso que a alternativa política fosse diferente. Seguro também entendeu que a questão se punha e que a melhor maneira de resolver era em eleições abertas e o seu resultado foi absolutamente inequívoco. O resultado eleitoral do PS em 2015 ficou aquém do que esperávamos e dos objetivos que eram necessários. Havia duas maneiras de lidar com esse resultado, ou o PS aceitar ser bengala da direita, ou o PS tentar construir uma solução alternativa à repetição da direita. A grande arte de António Costa foi ter conseguido encontrar uma solução política que cumpriu tudo o que ele disse na noite eleitoral. Quando disse que só impediríamos a constituição de um Governo de direita se fosse possível encontrar um Governo alternativo. Foi possível, tem governado, no fim de mandato os portugueses vão pronunciar-se.
Mas devem ser-lhes pedidas responsabilidades por esse baixo resultado?
Se olhar para as sondagens e entender como as pessoas se exprimem sobre a personalidade e a ação de António Costa, percebe que essas responsabilidades estão a ser pedidas e que a apreciação das pessoas não é nada desfavorável.
Mas não mudou nada. A expectativa era que houvesse uma grande mudança.
Desculpe, mas se não tivesse mudado nada, o Governo não era do PS agora. Mas já não faço análise política há uns meses…
Tem saudades?
Desde os 16 anos tenho esta dupla componente na minha vida, tenho uma carreira profissional e ao mesmo tempo atividade política. Tenho uma carreira autónoma da atividade política e ao mesmo tempo tenho atividade cívica.
Participou na elaboração da moção do secretário-geral?
Não, mas li-a antes de sair.
Fez reparos?
O principal dos quais foi: belíssimo texto, muito bem feito não esperava outra coisa.
União: “Há uma desarmonia” nas posições da Comissão Europeia
Esperava um documento tão eurocrítico como o que apareceu?
Não é eurocrítico.
O PS era o partido mais europeísta e este documento é muito crítico da Europa atual. Concorda com o que lá vem escrito?
Temos uma diferença de opinião.
Posso citar-lhe o documento: “O diálogo europeu entre iguais foi substituído por uma constante negociação conflitual entre credores e devedores. O espírito de solidariedade parece substituído pela ditadura do risco moral e o esforço de coesão sustentado pelo império da austeridade”. Subscreve esta linguagem?
Sim, na medida em que isso tem a ver com a análise crítica da situação na Europa durante o programa de ajustamento e no momento imediatamente a seguir. Temos consciência das limitações da linha política dominante na Europa de 2010 a 2014 e das consequências que ela teve nos programas de ajustamento e na Grécia. Ter essa apreciação crítica, defender o fim da austeridade expansionista e a necessidade de novas política combinando estabilidade orçamental e crescimento, é a melhor forma de ser europeísta hoje. Esta apreciação só valida e corrobora o europeísmo do PS.
“Ditadura do risco moral”, o que está aqui escrito é que os países do Norte têm uma posição…
Não, o que está pressuposto é que em vários domínios e momentos, funcionários não eleitos e não de primeira extração, procuraram interpretar e, mais grave ainda, prescrever comportamentos políticos fundados numa ilegítima, improdutiva e injustificada aplicação de categorias morais a situações políticas e económicas.
Está a falar concretamente de quem?
Estou a falar daquilo que é normalmente designado de a troika.
Se excluirmos o FMI estamos a falar do BCE e da Comissão.
Estamos a falar de uma linha de conduta que aliás foi também muito criticada em termos que não estão muito longe desses como o presidente Juncker disse no seu primeiro discurso oficial.
Num relatório recente, a Comissão Europeia fala “no risco de um desvio significativo face ao ajustamento estrutural exigido a Portugal”. O país tinha tido a troika durante três anos e foi cumpridor. Mas a Comissão continua a colocar estes sinais de alerta. Porquê?
A Comissão, no princípio de junho, vai responder-nos a esta pergunta, porque há aqui uma desarmonia. A mesma Comissão que entendeu que o Governo estava a fazer o esforço que lhe era pedido ao longo do programa, diz — e bem — que o resultado dessa linha é negativo. Depois é preciso saber se estamos iguais ao que estávamos em 2013 e 2014. Não estamos. Houve medidas do programa de ajustamento que tiveram efeitos positivos: no saldo externo. Houve elementos negativos, o principal dos quais diz respeito ao principal indicador de saúde das finanças públicas que é a dimensão da dívida, que aumentou 30 pontos percentuais ao longo do programa da troika. O BCE interveio nos mercado secundários de dívida, para garantir que os juros se continha em valores aceitáveis e geríveis. Houve coisas que mudaram, houve efeitos positivos no programa de ajustamento e há negativos.
A Europa deve caminhar para aonde? Em que sentido devem ser alterados os tratados? O que é esse “impulso para a convergência” que aparece na moção?
Trata-se de tentar combinar políticas de consolidação orçamental e políticas de crescimento. Não há casos de consolidação orçamental duradoura em períodos de recessão económica. Não basta do ponto de vista da política económica seguir, na relação com a União Europeia, a velha política da coesão, do recurso a fundos comunitários que são dirigidos a países que precisam desse esforço de convergência. É preciso acrescentar a essas políticas de coesão, políticas de competitividade e de convergência. Capacitar o país para encontrar fontes de financiamento para a sua atividade económica, numa base competitiva.
Mas quem são os parceiros europeus do PS na Europa para conseguir isso?
Estou a falar de instrumentos como o Plano Juncker…
Que a moção diz que é insuficiente.
Porque ele implica que o acesso só se verifica a países que tenham saído já do procedimento do défice excessivo.
Deve ser também para países que ainda estão dentro do procedimento?
O que entendemos é que no caso português a questão não se põe porque vamos sair do procedimento por défice excessivo. Estaremos em condições de usar esse instrumento.
Sairemos mesmo mesmo do procedimento por défice excessivo? Não vai haver sanções?
Não sei, julgo que não haverá sanções porque seriam totalmente absurdas. Sairemos do procedimento. Temos todas as informações nesse sentido e sobretudo temos a nossa vontade de fazer tudo o que seja necessário para o conseguir, porque isso limita muito da nossa liberdade e nós temos de recuperar graus de liberdade.
Não há qualquer referência à NATO na moção de António Costa. Foi esquecimento ou uma opção deliberada para não chocar com os parceiros de esquerda?
Não, não há nenhuma nova orientação política que o PS venha a assumir nesse assunto.
Mas fala-se da CPLP e de muitas outras coisas que também não mudaram…
A maneira como o PS vê a pertença de Portugal à NATO, decorre da nossa declaração de princípios. Não é preciso estar a repetir todos os temas constantes sempre que se faz uma moção. Não vejo nos próximo dois anos nenhuma necessidade de revisitar a posição do PS em relação à NATO.
Geringonça: “Não tenho nada que me permita dizer que há hipótese da atual solução governativa ruir”
Quando olha para a geringonça … não sei se já adoptou a expressão…
Eu sinto-me parte de um Governo.
Mas quando olha para a solução de governação, o que a pode fazer ruir? É na questão europeia que está o calcanhar de Aquiles?
Se eu respondesse significaria que estaria a aceitar o pressuposto que ela pode ruir.
Mas tem calcanhares de Aquiles, certo?
O que é típico do calcanhar de Aquiles é que ele não é previsível.
Mas estava lá.
Sim mas Aquiles era filho de uma deusa e de um mortal e era ele próprio um mortal. A deusa não gostou e mergulhou Aquiles no lago da imortalidade, como agarrou o bebé no calcanhar, Aquiles foi imortal em todo o seu corpo, menos no calcanhar.
Mas qual pode ser a flecha de Páris que atinge Aquiles no calcanhar?
É como diria o grande Aristóteles: o acidente que fez cumprir a profecia. Se me fala em calcanhares de Aquiles eu, que sou muito humilde, digo que se nem Aquiles percebia que não era imortal no calcanhar, o que fará de nós. O que posso dizer é que nestes seis meses não vi da parte dos parceiros que apoiam o Governo nenhuma falha, também não vi nenhuma falha da parte de nenhum dos parceiros que apoiam o Governo no Parlamento, não vi da parte do Presidente Cavaco Silva nenhuma falha, não vi no atual Presidente nenhuma falha, não vejo da parte da opinião pública nenhum sentimento de repulsa do atual Governo, das forças sociais nenhuma atitude que não seja uma atitude extremamente colaborante. Portanto, não tenho nada que me permita dizer que há hipótese da atual solução governativa ruir.
Como político, analista, membro do núcleo duro do Governo, faz uma análise dos riscos e tenta antecipá-los. É isso que é política. Qual é a flecha de Páris deste Governo? De onde é que ela vem?
Se eu for um político analista, membro de um núcleo duro, minimamente competente nunca direi aqui quais são os riscos que esse núcleo duro identifica.
A moção do secretário-geral diz que os partidos socialistas foram afetados por um “vírus da fé excessiva na autorregulação dos mercados”. Também foi contaminado quando esteve nos governos de António Guterres e José Sócrates?
Os elementos de autocrítica que devo partilhar aqui são muito anteriores ao governo de António Guterres em que participei. A social-democracia não geriu bem a sua relação com a vaga da globalização e da liberalização dos anos 80. Nós não previmos que o grande problema da economia mundial foi no fim do século XX, a descolagem dos capitais financeiros face à economia produtiva. A social-democracia ainda tem dificuldade em dar uma resposta clara e positiva aos novos desafio colocados por essa globalização.
É uma linguagem diferente da usada na moção. Subscreveria esta fórmula?
Vírus de fé excessiva. Acho que é uma boa fórmula, que denota um autor católico [Pedro Silva Pereira], portanto é natural que um agnóstico escrevesse de outra maneira. É uma graça de amigos, somos muito amigos.
Apelo de Marcelo: “Há uma ideia tardo-corporativa segundo a qual se tem medo do debate democrático”
A cooperação institucional funciona melhor com Marcelo Rebelo de Sousa do que funcionava com o anterior Presidente, Cavaco Silva?
Depende do tempo. Houve um tempo de rutura entre o Presidente Cavaco Silva e o Governo da República. Houve outro tempo, no primeiro mandato de Cavaco Silva, em que a cooperação institucional entre o Presidente e o Governo foi também exemplar. Depende do tempo e das circunstâncias.
Não depende também da pessoa que está no cargo?
Também. Eu não sou hipócrita. Toda a gente sabia quem eu queria que fosse Presidente quando Cavaco Silva foi eleito, queria Mário Soares. Quem eu queria que fosse eleito quando Cavaco Silva foi reeleito? Queria Manuel Alegre. E quem queria que fosse quando Marcelo foi eleito? Queria que fosse António Nóvoa. Mas, uma vez eleitos, os presidentes são de toda a República. É um elemento muito característico da função. Desse ponto de vista, a cooperação institucional tem sido sem falhas. Quando fui ministro da Defesa, tinha proximidade com o então Presidente Cavaco Silva e tivemos uma relação exemplar.
Chegou a haver uma fase de relação exemplar do atual Governo com Cavaco Silva?
Sim, desde o dia 26 de novembro, em que tomámos posse, até ao dia 9 de Março, em que Presidente da República deixou de se chamar Cavaco Silva e passou a chamar-se Marcelo Rebelo de Sousa
Marcelo Rebelo de Sousa está a fazer um esforço para tornar o regime mais semi-presidencialista do que foi durante a presidência de Cavaco Silva?
Não tenho dados que me permitam responder positivamente e a essa pergunta.
Não acha que ele tem sido muito mais presente do que era costume num Presidente?
O Presidente pode ser presente e isso não querer dizer que o regime se tenha tornado mais presidencialista. O regime português tem tipicamente alguma tensão entre o seu lado parlamentarista e o presidencialista. Por isso há uma discussão dos teóricos do Direito Constitucional, mas os comuns mortais como eu, chamam-lhe semi-presidencialismo, para facilitar. No atual regime constitucional, são claras as referências básicas deste sistema. O Governo responde politicamente perante a Assembleia da República e só perante a Assembleia da República. O Presidente pode demitir o Governo se constar um irregular funcionamento das instituições e pode dissolver o Parlamento por um juízo político que é seu.
A moção de António Costa é clara ao dizer que o regime não é semi-presidencialista, mas sim de pendor parlamentarista.
Aí está a prova de que sou mais incompetente em matéria de Direito Constitucional do que o autor material dessa moção.
Também tem uma relação especial com Marcelo Rebelo de Sousa como parece ter o primeiro-ministro?
Uma relação especial?
Como ministro dos Negócios Estrangeiros. Há pouco falou da relação exemplar com Cavaco Silva…
Não. Tenho uma relação institucional. Para usar uma expressão de Weber — de afinidades eletivas –, há várias afinidades eletivas entre mim e o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Somos académicos, trabalhámos em conjunto algumas vezes, como no MBA em Gestão da minha universidade, onde eu coordenava um seminário de que o professor Marcelo Rebelo de Sousa também era docente. Até essa afinidade temos. Temos também afinidades de gosto. Por exemplo, nas nossas visitas oficiais acompanho com todo o gosto todos os segmentos culturais dessas visitas. Temos constatado alguma proximidade de gosto, em artes plásticas, música etc. Agora, essas afinidades eletivas são secundárias. Tornam uma relação mais fácil, mas são secundárias. Desempenhamos cargos políticos. O Presidente da República é o Presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros é o ministro dos Negócios Estrangeiros. Desse ponto de vista há uma relação institucional.
Já sentiu que o Presidente pudesse estar um passo à frente da linha que separa a condução da política externa, que pertence ao Governo?
Não.
Ainda esta semana ele defendeu a necessidade de estabelecer compromissos alargados de médio e longo prazo, em várias áreas de políticas públicas, Segurança Social ou Educação. O Presidente continua a insistir nesta necessidade de consensos. Há condições agora para isso, com o PSD e o CDS?
Sim, acho. Não é sentar à mesa. Basta sentarmo-nos todos nas respetivas bancadas no parlamento. Dou o exemplo da Educação: em 1986, num trabalho muito aturado feito a cinco, com o PRD, o PS, o PSD, o CDS e o PCP, foi possível construir uma lei de bases do sistema educativo, que orientou políticas educativas com diferentes matizes, mas inscritas numa continuidade que foi apenas rompida no ministério de Nuno Crato. Estamos a voltar a essa continuidade. Se somos a favor de consensos, a partir do momento em que são rompidos não podemos ser acusados de alterar o que levou a esse rompimento.
Acha que há ambiente para consensos alargados nesta legislatura?
Há uma ideia tardo-corporativa segundo a qual se tem medo do debate democrático e acha que deve haver consensos porque se deve esvaziar a política e evacuar a política, tirá-la para fora. Mas não é assim que se constroem consensos. O consenso que formámos na política externa implicou muito debate. A partir do momento em que foi estruturada, tem-se mantido nos momento essenciais. Só foi rompida na guerra do Iraque. Foi a única vez em que houve um desaguisado a sério, com o PS e o Presidente de um lado e o PSD e o CDS do outro.
Quando o Presidente pede consensos, insere-o nessa qualificação que estava a fazer?
Isso tem de perguntar ao Presidente. Não sou o porta-voz do Presidente.
É para esvaziar o debate?
Isso tem de lhe perguntar.
É possível estabelecer consensos com o PSD de Passos Coelho?
Não construímos consensos erradicando o debate político, apagando divergências, pelo contrário. Construímos consensos a partir do debate.
O debate ideológico tem sido muito vincado com a direita. Viu-se agora com as escolas com os contratos de associação.
Desde que em 2010 Passos Coelho apresentou o seu projeto de revisão constitucional, houve uma nova dissensão que nunca tinha surgido no debate português.
Mas ele não voltou a insistir nisso…
Mas voltamos ao mesmo ponto. A questão essencial é saber se o fundamento é haver uma obrigação da provisão da oferta pública à formação básica e secundária. Essa é uma questão que divide muito.
Autárquicas: “Compreendo que o debate político seja modelado entre os quatro partidos que assinaram o acordo parlamentar”
Concorda com o Presidente, que disse que há um antes e um depois das autárquicas.
Não foi isso que ouvi ao Presidente.
Ele disse que depois das eleições autárquicas ia avaliar a situação política porque já houve outros casos em que tinha havido consequências e leituras nacionais.
Só com o som ou com o papel à frente aceito que o Presidente tenha dito isso.
Qual é a sua opinião sobre isto?
A minha opinião é que as eleições autárquicas são um momento importante. O PS tem objetivos claros de ganhar as eleições, o que significa ganhar a presidência da ANMP. Também será um momento importante para perceber como o eleitorado se vai exprimir, mas as eleições autárquicas não podem ser extrapolados para o domínio do Governo.
O PS deve ter um pacto de não agressão com o PCP nas câmaras em que disputam o poder, de modo a não prejudicar a governação,?
Não consigo compreender a expressão de pacto de não agressão. Entendo que os partidos vão apresentar as suas propostas eleitorais. Entendo que as eleições autárquicas são muito importantes porque delas depende o governo local. Não faz sentido haver uma espécie de extrapolação direta para o plano parlamentar e governativo. Mas compreendo que o debate político seja modelado entre os quatro partidos que assinaram o acordo parlamentar, por serem subscritores de posições conjuntas.
O PS deve procurar coligações com o PCP nas câmaras que pode ganhar ao PSD?
Boa pergunta, mas não sou a pessoa mais indicada para responder. Começando pelo Porto, onde vivo, o PS deve apoiar uma recandidatura do dr. Rui Moreira se entender que deve recandidatar-se. O que significa logo uma geometria muito interessante, porque neste momento a câmara do Porto é governada por independentes, PS e CDS.
Mas sim ou não a coligações com o PCP?
Acredito que há aqui lições aprendidas: por exemplo, o PS e o Bloco aprenderam bem com a experiência de Caminha. Em Caminha, o PS e o BE chegaram a acordo, mas a direção nacional do BE vetou o acordo e o Bloco viu-se afastado de uma experiência autárquica que também poderia ter sido sua. Depende muito das localidades e das circunstâncias. A orientação pode ser esta: o PS fazer valer a sua implantação e força no panorama autárquico, a preservar candidaturas fortes e próprias. E não se esquecer na campanha que também tem acordos com o PCP e o BE. Depende de caso a caso. Em Braga, por exemplo, se houver alguma possibilidade de entendimento com o BE ou o PCP e movimentos de cidadãos, julgo que essa seria uma circunstância em que o PS poderia pensar em conquistar câmara à direita. Mas depois há outros concelhos no Sul do país, em que as duas forças que se opõem são o PCP e o PS.
José Sócrates disse numa entrevista recente que era o seu melhor amigo político do Governo. Concorda com as críticas que ele fez ao PS por não ter criticado o andamento do processo dele?
É meu amigo. Tem legitimidade para fazer essas críticas. Compreendo bem a posição dele. Julgo que a linha seguida pelo PS, aliás também a pedido expresso de José Sócrates em Novembro de 2014, é a linha certa. A linha que separa a atividade política do partido e uma questão judicial em curso. Cada um exprime a sua solidariedade, se o entender.
Mais tarde ele mudou de opinião.
Têm de lhe perguntar a ele.