Começou a explorar as redes sociais como forma de divulgar eventos na paróquia para angariação de fundos. Guilherme Peixoto é pároco em Laúndos e Amorim, na Póvoa de Varzim, e em 2009 iniciou-se na presença digital com o pretexto de ajudar a restaurar a Igreja Matriz. Se tudo começou pelo Facebook, hoje em dia já está também no Instagram e no TikTok, onde é seguido por milhares de pessoas – os números são mais expressivos na app de vídeos curtos, onde tem 236 mil seguidores.
Vê as redes sociais como canais de divulgação de eventos, mas também uma forma de ajudar a manter o contacto com os fiéis.
Conjuga as funções nas duas paróquias com a vida no Exército, onde é capelão militar. Mas tem outra atividade a preencher-lhe a vida: é DJ e tem já presença prevista para a JMJ no Parque Tejo. O segredo para conseguir conjugar tudo? “Os horários desfasados, que permitem durante o dia estar focado nas atividades militares e ao fim da tarde e ao fim de semana mais focado nas paróquias.”
Nas suas redes sociais é visível a atividade de DJ, com músicas que viralizaram no TikTok. Nos conteúdos mais recentes estão alguns ligados à Jornada Mundial da Juventude (JMJ), um evento que promete juntar 1,5 milhões de pessoas em Portugal na primeira semana de agosto. Na lista do seu Tour 2023 surgem três datas associadas à JMJ. “Eu vi bem? Parque Tejo? Mas vai mesmo passar som durante a JMJ 2023?”. As perguntas de uma seguidora merecem resposta do padre Guilherme com vários emojis com as mãos juntas (sinónimo de reza) e com velinhas (a sua tour chama-se #acendamvelinhas). E à pergunta, de mais um seguidor, se estará na JMJ como padre ou DJ a resposta é inequívoca: “as duas”.
DJ Padre Guilherme. Conselhos pastorais e deep house para alegrar os dias de isolamento
Da parte da Igreja, garante ao Observador que nunca sentiu “qualquer tipo de recriminação por ter redes sociais”. “O certo é que senti até mais dificuldade fora da Igreja”, partilha em conversa ao Observador. “Passei a ser olhado como o padre das redes sociais, quase como um padre de segunda. Senti mais recriminação a nível político do que propriamente a nível religioso. É uma coisa curiosa, não tem explicação.”
Já sentiu o outro lado da exposição online. “Houve parcerias que tinha nas paróquias que perdi”, lamenta. “Desde que comecei a aparecer nas redes sociais houve apoios para as paróquias que deixei de receber” – um dos que se esfumou era canalizado para os coros de jovens. Situações deste género tornaram-se mais frequentes nos “últimos dois, três anos”, sem que perceba, ainda, a razão disso. “Está a custar-me muito lidar com isto, com este sentir que as paróquias podem estar a ser prejudicadas por eu estar nas redes sociais.
A grande maioria das publicações do padre Guilherme ultrapassa os milhares de gostos. Não é o único sacerdote online, mas é um dos mais reconhecidos. No seu perfil do Instagram, há uma publicação que tem um lugar de destaque: um encontro com o Papa Francisco, em 2019. Nessa ocasião, ofereceu ao líder da Igreja Católica algumas lembranças do Ar de Rock Laúndos, o bar de uma das paróquias, que começou como “um espaço de angariação de fundos, em 2006” e onde deu os primeiros passos enquanto DJ. A música já era um amor antigo, que o acompanhou durante o seminário, onde chegou até a ter uma banda de pop rock.
O Ar de Rock Laúndos, criado com um grupo de voluntários, também era um sítio para o grupo de jovens da igreja poder cantar. “Para eles era muito bom, era um treino, ajudava a perder a vergonha de subir ao palco”, recorda o padre. Em alguns dos eventos para angariar fundos também havia karaoke. “Comecei a reparar que as pessoas escolhiam muitas músicas românticas e mais calmas. Entre as músicas, às vezes perdia-se o espírito de festa e era preciso acordar o pessoal.” Foi nesse momento, em 2006, que lhe “surgiu o bichinho do DJ”. Entre os momentos de karaoke, pegava no computador e começava a pôr as músicas de que gostava — “mas nada de música eletrónica, atenção”. Esse é um gosto mais recente, que até o levou a ter aulas para apurar a técnica.
Hoje em dia, um set do padre Guilherme enquanto DJ tem “música techno, mas com derivações, que vai buscar influência à música trance e à música tecnomelódica.” O sacerdote chama-lhe uma “viagem” e explica que procura “trazer muita música da igreja para o techno e música tradicional portuguesa” e uma mensagem de “harmonia, paz e tolerância”.
JMJ tem dezenas de voluntários para alimentar as redes sociais
“Em contagem decrescente”, responde o padre DJ a outra seguidora no Instagram ao ser interpelado: “quero muito te ver no Parque Tejo!” A Jornada Mundial da Juventude já está, também, em contagem decrescente. O evento da Igreja Católica, destinado aos jovens, nasceu em 1986, e vai realizar-se em Lisboa este ano entre 1 e 6 de agosto.
Mas o trabalho para as redes sociais já começou há muito tempo. Pelo menos desde 2020 que as redes sociais do evento aquecem o ambiente por forma a garantir que toda a gente recebe o “convite” para participar no encontro. Foi desta forma que, em dezembro do ano passado, quando o Observador visitou a sede da JMJ, o responsável pelo gabinete de comunicação explicou que uma boa parte do trabalho nas redes sociais passa por assegurar que não existe “ninguém em Portugal que possa dizer que não foi convidado para a JMJ”.
Com o passar dos anos, a lista de redes sociais onde a JMJ tem presença aumentou. No site oficial é visível a referência a pelo menos cinco plataformas: Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn e YouTube. A conta de Instagram para a edição em Lisboa foi criada de raiz, tal como aconteceu nas três últimas edições. Já o Facebook e o Twitter são os mesmos desde a criação, mas esta é a primeira JMJ “em que foi criada uma conta para cada uma das línguas oficiais” – português, inglês, francês, espanhol e italiano.
E o TikTok, uma das aplicações mais populares entre os jovens? “Não estamos a comunicar no TikTok, uma vez que estamos focados na diversidade que temos nas redes sociais existentes e em garantir que alimentamos todos os dias com conteúdos apelativos que cativem os jovens de todo o mundo a participarem na JMJ Lisboa 2023”, explica fonte da organização ao Observador.
As restantes redes sociais já requerem o trabalho de dezenas de voluntários há algum tempo, garante a organização. “Temos neste momento no Comité Organizador Local (COL) da JMJ em Lisboa 12 pessoas, uma voluntária de longa duração e cinco voluntários de média duração, das seguintes nacionalidades: Panamá, Colômbia, Argentina, Brasil, Polónia e Bangladesh.” Há ainda mais “cerca de 30 voluntários, que trabalham à distância” a partir de mais de 25 países.
Durante a primeira semana de agosto, quando se realiza a JMJ, o número de voluntários alocados às redes vai aumentar. A organização diz que recrutou e preparou “jovens de todo o mundo que possam representar os cinco idiomas oficiais e divulgar a JMJ Lisboa 2023 nas redes, fazendo chegar o encontro a todo o mundo.” Foram recrutados “mais de 60 voluntários” só para a semana do evento, que estarão alocados às redes sociais, para garantir que há transmissões em direto para quem não pode acompanhar o evento presencialmente. “Os eventos centrais da JMJ Lisboa 2023 podem ser acompanhados online, em streaming, através do site, YouTube e Facebook da JMJ”, explica a organização.
Organização atenta a perfis falsos nas redes sociais
Numa altura em que as atenções em torno do evento aumentam, a organização da JMJ garante que está a prestar atenção a possíveis perfis falsos nas redes sociais.
“Existem diversas páginas nas redes sociais de grupos, peregrinos, voluntários e mesmo entusiastas por este encontro”, é explicado. Uma pesquisa rápida no Instagram apresenta uma mão cheia de opções com o termo Jornada, todas com o logótipo do evento.
A organização salienta que, de qualquer forma, é fácil distinguir quais são as páginas nas redes sociais em que se deve confiar. “Os perfis oficiais da JMJ Lisboa 2023 são os únicos que têm o selo de verificação e, portanto, são facilmente reconhecidos pelos peregrinos e seguidores”, destaca. De qualquer forma, garante atenção “a quaisquer tentativas de usurpação de identidade e perfis falsos que possam surgir” nas redes sociais até ao evento.
Até à chegada dos peregrinos a Portugal fica prometida uma aplicação para smartphone. “A JMJ Lisboa 2023 vai ter uma aplicação para apoiar os peregrinos ao longo da semana do encontro e que será lançada mais perto do mesmo”, diz fonte da organização. A ideia é que seja “uma aplicação funcional e de fácil utilização”.
SMS, plataformas próprias, aplicações… O que é que já foi usado noutras edições?
A edição realizada em Sidney, na Austrália, em 2008, foi a primeira com um uso já massificado das redes sociais e a tirar partido do desenvolvimento das telecomunicações. O Facebook tinha então apenas quatro anos de vida. Mas, ness evento, não foi a rede social de Zuckerberg a ter destaque entre os peregrinos. Nessa edição, que juntou mais de um milhão de peregrinos na Austrália, foi a estreia de uma plataforma social chamada xt3.com, criada com o objetivo de ligar os jovens católicos antes, durante e após a edição de 2008. Uma plataforma que, hoje, já nem site disponível tem.
Os smartphones ainda andavam longe dos bolsos dos jovens e, por isso, a maior aposta era feita nas SMS (mensagens curtas). Os jovens registados na Jornada de Sidney receberam, ao longo dos dias do evento, mensagem de texto assinadas pelo Papa Bento XVI.
Na edição seguinte, em Madrid, em 2011, já foi rei o vídeo. Nesse ano, não só já havia mais redes sociais – o Facebook e Twitter tinham crescido – como também o YouTube já arrecadava muitos fãs. O El Mundo noticiou que, já em tempos do 3G, um autocarro, batizado de Bus 2.0, circulou pela capital espanhola para transmitir os principais momentos do evento para as redes sociais.
Também houve pelo menos duas aplicações para smartphone a fazer a estreia em Madrid. A aplicação oficial desse ano, a JMJ 2011, foi disponibilizada para Android e iOS, permitindo aos participantes partilhar a experiência no evento. Havia ainda outra aplicação, não oficial, chamada EMJ2011.
No Rio de Janeiro, em 2013, já com o Papa Francisco, os destaques passaram pelo Twitter. Foram feitos mais de 1,2 milhões de tweets com menções ao Papa e mais de 673 mil publicações foram marcadas com a hashtag #JMJ, detalhou o Twitter na altura. A conta do Papa em português, a Pontifex_pt, recebeu mais de 36 mil retweets durante o evento.
Agora, em Lisboa, Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn e YouTube estarão a garantir a presença da JMJ nas redes sociais. A menos de um mês da Jornada Mundial da Juventude o padre Guilherme já pensa na atuação em Lisboa, uma atuação na qual é certo não usará os auscultores que um dia ousou pedir ao Papa Francisco que os abençoasse. O sumo pontífice acedeu ao pedido com boa disposição, mas “nunca mais atuei com eles, estão abençoados e guardados em casa em cima dos meus vinis, num sítio especial.”