Não é o Papa Francisco, é Rui Rocha quem está em cima do palco. Mas o país ainda está no rescaldo da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa e a Iniciativa Liberal rumou ao Algarve para a rentrée do partido e ainda bafejada pela sorte da fé (aquela que Costa disse não ter). O presidente liberal está numa missão e tem dois recados para o partido e para o país: é preciso mudar Portugal sem medo e apressadamente — e para isso apresenta dez compromissos para dez anos e uma “solução de futuro”.
A praia ainda está cheia e as mesas já estão prontas na Fortaleza de Armação de Pêra, no Algarve. Os tons vermelho e branco das toalhas contrastam com as tendas azuis e com todo o merchandising que o partido tem à venda, desde t-shirts a garrafas de água reutilizáveis e fitas, e os detalhes não escapam nem no formato das mesas: um I e um L. O que deu mais trabalho ao responsável foi mesmo o ponto do I, uma mesa redonda para completar o símbolo liberal — e foi o próprio que fez questão de o acrescentar quando se percebeu do pedido especial.
10 compromissos para o futuro para ultrapassar a armadilha socialista do Portugal cansado pic.twitter.com/3X054dtsov
— Iniciativa Liberal (@LiberalPT) August 12, 2023
A banda The Keys acompanha a festa, os quase 200 lugares marcados estão cheios e muitos são os curiosos que vão parando para assistir ao concerto que continua noite dentro. Rui Rocha, que protagoniza a rentrée da IL pela primeira vez desde que é presidente, vai aproveitando para ser o anfitrião, mesa a mesa, distribui cumprimentos e recebe de volta elogios ao discurso que marca o arranque do ano legislativo.
Entradas servidas e, quando já todos esperavam pelo jantar, o apelo a que todos se levantem e coloquem em frente ao palco para esse que seria o momento alto da noite: “Aproximem-se para ouvirmos o discurso do Rui Rocha.” Foram mais de 20 minutos de recados para o país e para Portugal, para os próximos anos e para os desafios a curto/médio prazo, particularmente a Madeira e as Europeias. Várias críticas ao Governo, a “armadilha” de António Costa, e nem uma palavra para o PSD — ainda que esteja assumido o compromisso de ambos estarem disponíveis para um diálogo de alternativa à direita.
Os dez compromissos para dez anos
Rui Rocha quer que a IL seja um partido de respostas para o país (“É o dia de apresentar soluções para Portugal, não apenas o dia de criticar o que está mal e de dizer que muitas coisas que correm mal”) e procurou espelhar essa “solução de futuro para Portugal” com a apresentação de dez compromissos. Chama aos liberais a questão ambiental através de dois compromissos, um dedicado à água, agricultura e setor primário e outro sobre ambiente e energia, revelando que será apresentado um manifesto “nos próximos tempos”. “Não vamos estar fora da discussão do ambiente e energia, com soluções científicas, de investimento e progresso, contra o desígnio da esquerda, que é parar Portugal”, atacou o presidente da IL.
A educação surge também como uma das prioridades para os próximos anos, com a IL a pretender impedir que esta continue “na mão de burocratas e de políticos de Lisboa que decidem quando e quem recrutam, quem faz e quem não faz” e que passe a basear-se em decisões locais. “O elevador tem de ser um elevador social, não pode ser um elevador socialista“, alertou, reiterando a ideia de que a escola não pode ser decidida por um código-postal.
Do fortalecimento do Estado de direito (com uma referência à criação de um círculo de representação — “vamos propor uma alteração do sistema eleitoral porque não vamos querer que 670 mil votos fiquem sem representação”) à reforma do Estado, a IL pretende debruçar-se sobre o tema da habitação, criticando o pacote apresentado pelo Governo por “recorrer a mecanismos forçados de expropriação e por liquidar uma atividade como o alojamento local”.
Outra das grandes apostas vai estar no compromisso com os profissionais liberais, os trabalhadores independentes e as pequenas e médias empresas. Durante o discurso, Rui Rocha focou-se na ideia de que há em Portugal pessoas que “madrugam”, que “acreditam na sua ideia, no seu sonho” e que “é preciso ir à luta” e apoiá-las também para que os pequenos empresários possam ter a ambição de passarem a ter médias e grandes empresas.
Rocha destacou a saúde, com a defesa do SUA-Saúde, a lei de bases que o partido apresentou e que faz parte dos planos, bem como a luta constante pela “liberdade do mundo”, mas também um compromisso relacionado com os jovens, em particular com o seu rendimento. O presidente da IL alerta para uma “armadilha” proveniente da governação de António Costa e apela à necessidade de a IL ajudar os portugueses a “resistir” à ideia desistirem, ficando “zangados ou indiferentes“.
“Não podemos ter medo”
A principal missão de Rui Rocha é “clara”: “Falar para os portugueses ambiciosos e defendê-los, mas é também falar todos os dias com os portugueses zangados e com os que já não acreditam no seu país.” O presidente da IL está crente de que o partido que lidera é preciso para “transformar Portugal” e deixou um recado para cada um dos que empunhavam bandeiras ou vestiam camisolas liberais, mas também para todos os que acreditam nas ideias liberais: “Sejam também presidentes da IL.”
É aqui que entra a pressa e a união de “todos, todos, todos” (aquela que o Papa Francisco trouxe a Lisboa). O presidente da IL quer assentar o próximo passo do partido e pede a contribuição de todos para que, entre “amigos e família, pessoas que conhecem, pessoas do emprego”, passem a palavra e mais: “Não os deixem cair na zanga, na indiferença, falem da nossa vontade de transformar Portugal.”
“Não tenho nem espaço nem tempo para pensar que vou ser parte da geração que vai fazer com que Portugal seja um país pior para a geração dos meus filhos. Não temos tempo para ter hesitações, não temos tempo para ficarmos com esse ónus para as nossas vidas, não tenho nem esse tempo nem essa disponibilidade”, reforçou o presidente da IL.
E foi mais longe para dizer que é também necessário lutar contra o medo — “Não podemos ter medo.” Rocha disse que na Madeira sentiu que as pessoas tinham “medo de assumir as suas opções políticas” e recusou-se a viver num país em que isso aconteça: “Não podemos ter medo em Portugal, nem lado nenhum, em 2023.”
No mesmo sentido, confiante de que Nuno Morna vai ser eleito o primeiro deputado liberal na Madeira, recordou que os madeirenses foram “impedidos por Miguel Albuquerque e pelo PSD” de votar em mobilidade e de forma antecipada. “Não aceitamos que na Madeira ou em qualquer outro lugar haja portugueses de primeira e de segunda.”
No final do discurso, ainda houve gritos para “Rocha” entre os de “liberal” que todos entoavam — até porque Rui Rocha está há mais de seis meses no cargo de presidente e continua a trabalhar para alcançar os níveis de notoriedade que ainda não atingiu. Mas a noite culminou com o presidente da IL em cima do palco, com uma bandeira da IL na mão e a dar voz à música “Paixão” de Rui Veloso. Aí sim, Rocha tornou-se o rei da festa — e os gritos ao seu nome impuseram-se.