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epa08690742 A handout photo made available by Belta shows Belarussian President Alexander Lukashenko during an inauguration ceremony at the Palace of Independence in Minsk, Belarus, 23 September 2020. Lukashenko was inaugurated as President of Belarus, state media reported earlier in the day. The move comes after weeks of protests following an election that the opposition says was allegedly rigged.  EPA/ANDREI STASEVICH / BELTA HANDOUT  HANDOUT EDITORIAL USE ONLY/NO SALES
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ANDREI STASEVICH / BELTA HANDOUT/EPA

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Contra Lukashenko (como contra Putin, Erdogan ou o Rei de Marrocos), a Europa pode, mas pouco

A UE acreditou que era um soft power, capaz de agir com a força das suas instituições e o seu dinheiro. Agora, incapaz de ameaçar com hard power, é vista como um jelly power. Ensaio de Henrique Burnay

Alexander Lukashenko desviou um avião europeu que voava entre duas capitais europeias e sobrevoava o espaço aéreo da Bielorrússia, sequestrou 171 passageiros e raptou um opositor, o jornalista e activista Roman Protasevich, e a sua namorada, porque sabe que pode.

A União Europeia (UE) respondeu com uma sucessão de declarações, num quase concurso de adjectivos para definir repúdio, indignação e ameaça de consequências, e no fim anunciou um futuro agravar de sanções contra o regime de Minsk e os seus associados e a proibição de aviões bielorussos aterrarem em aeroportos europeus, porque não pode fazer muito mais. E, para os padrões da UE, nem foi assim tão pouco. Mas a Europa não está, por enquanto, nem nunca esteve, disposta a ameaçar usar a força para se impor.

As duas primeiras lições óbvias desta agressão são estas. A Bielorrússia, como a Rússia, a Turquia ou Marrocos, para dar exemplos recentes, faz o que faz porque sabe que pouco lhe pode acontecer. A União Europeia não faz muito mais do que ameaça fazer porque o poder só existe se houver a possibilidade de usá-lo e o poder europeu, por enquanto, começa e acaba em pouco mais do que sanções, a maioria delas pouco eficazes. Há, no entanto, outra lição deste episódio. Eventualmente mais consequente.

Quem é Roman Protasevich, “o primeiro jornalista terrorista” detido no avião que Lukashenko sequestrou?

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O voo Ryanair FR4978 fazia-se a bordo de um avião de um país membro da NATO, entre as capitais de dois Estados membros da NATO e ameaçou a vida de mais de uma centena de nacionais de países da NATO. E, no entanto, ninguém veio dizer que esta era uma afronta à Aliança Atlântica, que punha em causa a sua relevância e que a resposta devia ser dada no âmbito da organização — o mesmo o que imediatamente se disse sobre a União Europeia. E não é exactamente porque ninguém espera uma resposta militar. A explicação anda noutro lado. Há vazio de poder na Europa, e uma transformação que Minsk pode ter acelerado. Ao que parece, a maioria de comentadores, analistas e de quem se manifestou espera que a Europa seja mais do que um mercado interno. Só não concluem o quê, nem como. Mas pedem mais.

Sejamos claros, só se houver a ameaça, a possibilidade, de respostas militares em casos extremos é que a UE terá mais que soft power. Mas, para isso, os europeus teriam de se pôr de acordo sobre o que os ameaça e sobre o que estão dispostos a fazer para se defenderem e imporem respeito.

Dois anos antes da grande adesão de oito países da antiga Europa de leste (além de Malta e Chipre), em 2002, Romano Prodi, então presidente da Comissão Europeia, definiu a estratégia geopolítica da Europa à época num discurso em Bruxelas: “Quero ver um Círculo de Amigos à volta da União e dos seus vizinhos mais próximos, de Marrocos à Rússia e ao Mare Negro”.  No início do século, apesar do 11 de Setembro recente e da ameaça do Choque de Civilizações, antecipada por Samuel Huntington e que serviu para interpretar o ataque da Al-Qaeda às Torres Gémeas e ao Pentágono, o Presidente da Comissão acreditava que tinha para oferecer aos países em seu redor uma política de proximidade que “não começava com a promessa de adesão e que não excluía a eventual adesão”. E por que razão os vizinhos desejariam essa política de aproximação à Europa? Porque Prodi propunha que a UE viesse a partilhar com esse Círculo de Amigos “tudo menos as Instituições”. Começando nos fundos e acabando no acesso aos mercados. O optimismo europeu e a confiança no soft power da União Europeia eram enormes. Inabaláveis. Só a realidade os poderia derrotar.

O mundo, a começar pelos europeus, soube da notícia do sequestro do voo da Ryanair entre Atenas e Vilnius e olhou para Bruxelas à espera de uma reacção. Ursula von Der Leyen foi das mais contundentes. Disse que era um comportamento “ultrajante e ilegal do regime da Bielorrússia (que) terá consequências”. O primeiro-ministro polaco chamou-lhe “acto sem precedentes de terrorismo de Estado”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros português, menos enfático e rápido, considerou o acto “inaceitável e (merecedor de) firme condenação”. A NATO não foi mais contundente. Definiu a situação como “um incidente sério e perigoso que exige investigação internacional”. Adiante se verá aonde quer chegar.

“Escândalo”, “pirataria de Estado”, “sequestro”. As reações ao desvio do avião, a defesa da Bielorrússia e as sanções da UE

Ouvidas as declarações dos líderes europeus com cepticismo, à medida que os chefes de Estado e de Governo da União Europeia se iam preparando para a reunião do Conselho Europeu especial em Bruxelas, agendado muito antes, começou a estabelecer-se a primeira conclusão generalizada. A Europa não tem poder; não é geopolítica, como prometeu Von der Leyen; é irrelevante e inconsequente na cena internacional. Tudo isso é, pelo menos parcialmente, verdadeiro. Mas é preciso ser consequente no raciocínio e perguntar a quem o diz: então o que se quer?

Conseguirá a Europa fazer frente à Bielorrússia?

Todos os que dizem que querem mais estarão dispostos ao que isso implica? Mais o quê? Sejamos claros, só se houver a ameaça, a possibilidade, de respostas militares em casos extremos é que a UE terá mais que soft power. Mas, para isso, os europeus teriam de se pôr de acordo sobre o que os ameaça e sobre o que estão dispostos a fazer para se defenderem e imporem respeito. Quem admite a hipótese de usar armas tem de as pagar, e tem de saber que pode morrer a usá-las. Os europeus parecem pouco disponíveis para esse tipo de sacrifícios. Sobretudo porque, durante muitos anos, se habituaram a que esse preço fosse pago pelos americanos. Coisa que está a mudar.

epa08956717 European Commission President Ursula von der Leyen looks at artworks of the Portguese presidency prior a press conference after a video summit of the European Council members, in Brussels, Belgium, 21 January 2021. EU member countries' heads of states and governments agreed on keeping the intra-EU borders open although restrictions on non-essential travel are an option in order to combat the spread of the pandemic Sars-CoV-2 coronavirus and its variants.  EPA/OLIVIER HOSLET / POOL

Ursula von Der Leyen teve uma das mais contundentes. Disse que era um comportamento “ultrajante e ilegal do regime da Bielorrússia (que) terá consequências”

OLIVIER HOSLET / POOL/EPA

Os Estados Unidos, de Obama, Trump e Biden, consideraram que a atenção que têm de dar ao Pacífico e à China os obriga a desviar atenções e recursos do Médio Oriente e das fronteiras do Velho Continente. É por isso que insistem que os europeus têm de ser mais responsáveis e pagar mais pela sua segurança.  Ao mesmo tempo, a Europa descobriu que afinal o soft power não serve para muito. Mas também não quer usar o hard power, que tem pouco, mas tem. Acresce que os europeus não sentem como seus os problemas uns dos outros. Quantos telejornais pela Europa fora abriram com o desvio de um avião europeu entre duas capitais europeias? Certamente poucos. O nosso, não. Putin, Erdogan e Mohammed VI sabem isso, porque é que Lukashenko não havia de saber?

Bombardear Minsk ou assassinar o ditador bielorrusso não é uma das respostas viáveis ao que aconteceu. Para usar um exemplo extremo, quando se soube da responsabilidade líbia no atentado de Lockerbie, Tripoli não foi bombardeada nem invadida. Mas em 1999, oito anos depois de uma investigação e de terem sido emitidos dois mandatos de captura internacional, Kadhafi entregou dois cidadãos líbios para serem julgados, e um deles condenado, pelo atentado ao voo da Pan Am que explodiu sobre a Escócia a 21 de Dezembro de 1988. E isto foi com um avião americano que ia da Alemanha para os Estados Unidos, quando sobrevoava o Reino Unido.

Mais recentemente, nem o assassinato de Alexander Litvinenko, um ex-espião e cidadão russo a viver no Reino Unido, nem a tentativa de matar Sergei Skripal, também ex-espião e com dupla cidadania, russa e britânica, levaram a muito mais do que sanções por parte dos britânicos à Rússia.

A questão, portanto, não é de esperar, ou desejar, uma reacção militar. O problema é outro. Para que a Europa fosse percebida como um poder, teria de haver a possibilidade, mesmo que não fosse usada, de uma resposta que não se quer que a Europa dê e não se está disposto a suportar. Nem em homens, nem em orçamentos.  Assim sendo, não sobram muitos outros instrumentos. Não é possível querer que a Europa tenha relevância e poder sem dizer como.

Se a Europa quiser ter uma voz própria no mundo sem se afastar estrategicamente dos Estados Unidos, continua a ter de ser mais responsável pela sua segurança, mas deve fazê-lo no âmbito da NATO

A União Europeia não é um Estado nem uma aliança militar. Se tiver de responder como um ou como outro, tem de mudar de natureza. Se não querem que mude, e todos os não federalistas esperam que não mude assim, então têm de dizer como esperam resolver a quadratura deste círculo. Num tempo em que os Estados Unidos da América têm as prioridades distantes daqui, há duas hipóteses: ou com menos América e mais Europa, ou com menos América, mas mais NATO. Paga por nós.

Thierry Breton é o comissário francês que não tem de ser vice-presidente para ser poderoso. Acumula as pastas do mercado interno e da indústria, do digital e da defesa. Na cabeça de Emmanuel Macron, este triângulo é estratégico e tem dois objectivos: usar as necessidades da defesa para estimular a capacidade industrial da Europa e, partilhando tecnologia, desenvolver as condições para uma defesa europeia.

É neste contexto que tem de se perceber a discussão em curso na União Europeia, entre “autonomia estratégica aberta” e “autonomia estratégica numa Europa aberta ao Mundo”. Parece, mas não são meras questões de semântica. O conceito nasceu, precisamente, no âmbito da política externa e de segurança e tinha que ver com assumir mais responsabilidades pela sua segurança e fazê-lo de forma crescentemente independente dos Estados Unidos. Ao gosto de Macron e Breton, o conceito expandiu-se e chega agora ao comércio internacional, ao digital e à indústria. A diferença está entre a Europa assumir maior responsabilidade pelo seu destino, incluindo a sua segurança, mas alinhada com os Estados Unidos, ou assumir essa maior responsabilidade e traçar uma rota independente dos americanos. Num caso ou noutro, a dependência da força americana terá de se atenuar. Mas divergindo, ou não. O que, para esta história, é muito mais relevante do que parece.

Se a Europa quiser ser independente dos americanos, terá de ter capacidade de responder militarmente em conjunto e fora do contexto da Aliança Transatlântica. Mesmo que nunca o faça, tem de haver essa possibilidade. Se não quiser ser, precisa de assumir muito mais do custo europeu da NATO. Se a Europa quiser ter uma voz própria no mundo sem se afastar estrategicamente dos Estados Unidos, continua a ter de ser mais responsável pela sua segurança, mas deve fazê-lo no âmbito da NATO. Começando por contribuir com os 2% de que Trump falava. Tal como Obama.

Ursula von Der Leyen anunciou, no início do seu mandato, que ia ter uma Comissão geopolítica. Agora, de cada vez que a União Europeia tem um insucesso, é destratada ou manipulada internacionalmente pelos seus vizinhos, há imediatamente quem afirme que Von der Leyen falhou. Na verdade, não têm assim tanta razão. Pelo menos, não têm toda. Há uma diferença entre ser uma Comissão geopolítica e conseguir ser um actor geopolítico. Num caso, a União Europeia compreende que tem um papel próprio em todas as dimensões da política internacional. No outro, compreende isso, age em conformidade e é reconhecida. Manifestamente, ainda não passámos da primeira fase.

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O argumento de que uma reação dura da UE empurrará Lukashenko para os braços de Putin chega tarde. Mais ou menos submetido a Moscovo, o ditador de Minsk é já uma ameaça manifesta

MIKHAIL KLIMENTYEV/AFP via Getty Images

Voltando a Minsk, o que pode a União Europeia fazer que não seja uma mera prova de vida e de impotência? Alguma coisa. Pode começar por apoiar convicta e empenhadamente a oposição bielorrussa, que combateu umas eleições que não foram “nem livres nem justas”, como disse o Alto Representante da política externa da União Europeia, Josep Borrel. Pode fazer a Bielorrússia sair do Parceria Oriental, que inclui a Arménia, o Azerbaijão, a Geórgia, a República da Moldávia e a Ucrânia. Pode, além disso, usar de sanções muito mais duras. O argumento de que isso empurrará Lukashenko para os braços de Putin chega tarde. Mais ou menos submetido a Moscovo, o ditador de Minsk é já uma ameaça manifesta. Lukashenko e os seus oligarcas não terão o dinheiro nos bancos europeus à espera de ser congelado, mas dependem dos negócios com a Europa. Num país onde o regime abusa da população, temer que sanções provoquem mais miséria é capaz de ser o ângulo errado. Seja-se, então, duro nas sanções e abrangente nos visados. É certo que Putin pode ajudar, com dinheiro e eventualmente com uma ocupação, mas se por temer esse risco não se actua, então é como se ele tivesse acontecido. O seu efeito produziu-se. Putin não precisa de entrar pelas fronteiras bielorrussas adentro para nos parar. É a tal questão das possibilidades do poder. Sabermos que o pode fazer é suficiente para intimidar.

Acresce que qualquer resposta menos musculada pode dar ideias a outros regimes. Basta olhar para o mapa e perceber que, da China ao Irão, para começar pelos óbvios, não faltam aviões com eventuais opositores e activistas sob os seus céus destes regimes, e vontade para os parar.

A consciência de que o que aconteceu na Bielorrússia no domingo passado pode ter desencadeado um novo processo, pode ter lançado as bases do reforço da política externa em comum. Mas, para isso, voltamos ao começo. Era necessário que, mesmo sem nenhum português a bordo do voo Ryanair FR4978, nos sentíssemos tão ameaçados quanto os lituanos ou os polacos sentiram, mesmo os que não tinham ninguém conhecido a bordo. Por enquanto, e apesar das reacções cheias de adjectivos e determinação, não foi isso que aconteceu. Estamos chocados, mas não estamos com medo. E os húngaros parecem estar ainda mais longe disso.

Hoje em dia, Europa não é não é um soft power, e não é nem parece querer ser um hard power. É jelly.

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