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Contra tudo e contra todos, Boris Johnson está focado no Brexit — e nas eleições

PM sofre derrota "clara" com decisão histórica do Supremo Tribunal. Mas Boris não cede e prepara-se para eleições: só ele, dirá na campanha, pode combater as “elites” que querem travar o Brexit.

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“Tenho o maior respeito pelo nosso sistema judicial, mas não acho que esta tenha sido a decisão correta.” Foi assim que Boris Johnson reagiu na manhã desta terça-feira à decisão do Supremo Tribunal de considerar ilegal a prorrogação (suspensão) do Parlamento, pedida pelo Governo de Boris. O primeiro-ministro estava à porta de uma rápida reunião com empresários norte-americanos e — apesar de a mais alta instância do Reino Unido ter considerado uma decisão sua como “ilegal, nula e sem efeito” e a oposição se desdobrar em pedidos para que se demita — Johnson não deixou de ir ao encontro. Ali, aproveitou para se lamentar a propósito das tarifas impostas pela UE ao comércio entre britânicos e americanos, impedindo uns e outros de provar mais frequentemente o “sumo de laranja da Florida” ou “pedaços do borrego britânico”.

Business as usual, diriam os anglo-saxónicos. Ou, melhor dizendo, Boris as usual. Por um lado, a estratégia de seguir em frente, sem contemplar a possibilidade de atirar a toalha ao chão; por outro, aproveitar para atacar os adversários, sejam eles políticos ou até juízes. “Não há dúvidas de que há muita gente que quer frustrar o Brexit”, afirmou o primeiro-ministro britânico aos jornalistas, deixando no ar a crítica velada ao Supremo Tribunal. Apesar de estar sob fogo neste momento, o primeiro-ministro mantém a estratégia e os olhos na bola: tentar fazer de tudo para, numa futura eleição, conseguir capitalizar votos ao parecer o único que lutou pelo Brexit.

Boris Johnson pediu à Rainha que suspendesse o Parlamento durante cinco semanas — decisão agora considerada ilegal (Victoria Jones/WPA Pool/Getty Images)

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Nada que surpreenda quem conhece o primeiro-ministro. Ainda em jovem, teve a sua competitividade descrita assim, a propósito de um jogo tradicional do colégio de Eton — o violento Jogo da Parede — no jornal da escola: “Ele joga o Jogo da Parede como um equidna [animal parecido com um ouriço-caixeiro] no cio, seguindo a sua filosofia popular ‘Se se mexer, rosna-lhe. Se se mexer de novo, mata-o e rosna-lhe a seguir’”. O episódio é contado pelo biógrafo Andrew Gimson, em Boris: The Rise of Boris Johnson (sem edição em português, pode ser traduzido como Boris: A Ascensão de Boris Johnson) e é mais um exemplo do caráter de Boris. Não só pela agressividade e vontade de nunca desistir, como também pela capacidade de, ainda adolescente, já conseguir ter ares de terra-a-terra, apesar de ser aluno de um dos colégios mais privilegiados do país.

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Decisão do Supremo é “derrota clara” para o Governo

Keep Calm and Carry On é outro slogan britânico que Boris Johnson e o seu Governo estarão provavelmente a repetir para si próprios neste momento. A decisão do Supremo Tribunal foi clara, com a presidente Brenda Hale a afirmar que “a decisão de aconselhar Sua Majestade a suspender o Parlamento foi ilegal, porque teve o efeito de frustrar ou impedir o Parlamento de cumprir as suas funções constitucionais, sem uma justificação razoável”. Os 11 juízes do Supremo, que decidiram por unanimidade, foram ainda mais longe ao afirmar que o Parlamento continua em funcionamento e que o efeito da decisão de Boris Johnson sobre “as bases” da democracia britânica “foi extremo”.

Manifestantes à porta do Supremo Tribunal festejam a decisão que considerou ilegal a suspensão do Parlamento (WIktor Szymanowicz/NurPhoto/Getty Images)

NurPhoto via Getty Images

“É uma derrota clara”, resume ao Observador Simon Usherwood, professor de Ciência Política da Universidade de Surrey. “O Supremo Tribunal disse ao primeiro-ministro que ele agiu de forma ilegal para com a Rainha e para com o Parlamento. É o pior resultado de todos aqueles que ele poderia esperar.”

Assim foi. O Tribunal poderia ter considerado que a suspensão não é matéria judicial e que, portanto, não poderia ser julgada pelos tribunais, como fez o tribunal escocês na primeira instância. Mas, para os 11 juízes do Supremo, “os tribunais têm jurisdição para decidir sobre a existência e os limites do poder prorrogativo”. O Tribunal também poderia decidir que o tema é matéria para os tribunais, mas considerar que o Governo tinha cumprido a lei. Não foi o que aconteceu. Em vez disso, o Supremo declarou que o Governo tomou uma decisão ilegal, pela duração da suspensão (cinco semanas) e pela falta de justificação “razoável” para a decisão. A derrota foi, por isso, em toda a linha.

“Foi a pior decisão que o Governo poderia esperar, uma daquelas que só nos seus piores pesadelos”, resumiu a editora de Política da BBC, Laura Kuenssberg. “Em qualquer avaliação normal, esta seria uma terrível derrota para um primeiro-ministro, que pode fazer grande mossa à sua reputação. Mas lembrem-se: não estamos em tempos políticos normais”, avisou.

Pedido de adiamento do Brexit será capítulo decisivo na guerra entre Governo e Parlamento

A decisão de suspender o Parlamento durante cinco semanas, até 14 de outubro, foi considerada ilegal pelo Supremo, mas o primeiro-ministro não equaciona sequer que pode estar errado, dizendo mesmo que “a prorrogação foi usada durante séculos sem este tipo de desafio”. Garante que vai respeitar a decisão, mas pisca o olho à possibilidade de voltar a pedir uma suspensão para preparar o Discurso da Rainha: “É perfeitamente normal ter um Discurso da Rainha e é o que iremos fazer”, garante, não deixando claro se vai pedir a habitual suspensão antes ou não.

"É uma derrota clara. O Supremo Tribunal disse ao primeiro-ministro que ele agiu de forma ilegal para com a Rainha e para com o Parlamento. É o pior resultado de todos aqueles que ele poderia esperar.”
Simon Usherwood, professor de Ciência Política da Universidade de Surrey

Pela frente, por isso, pode haver um novo combate entre Governo e Parlamento no qual os tribunais podem ser chamados a intervir — ou então, como avançaram algumas fontes aos jornais britânicos, o Executivo pode tentar aprovar esta quarta-feira no Parlamento uma simples interrupção dos trabalhos, invocando o Congresso do Partido Conservador, marcado para a semana, como justificação. Os deputados, contudo, podem chumbar esse pedido.

Certo é que esta não é a primeira vez que o Governo de Boris desafia até ao limite os pedidos e ordens das outras instituições. Exemplo disso foi o debate em torno dos planos de contingência em caso de no deal, o chamado plano Yellowhammer: só quando os deputados votaram para obrigar que fossem tornados públicos é que os documentos — que preveem problemas na distribuição de medicamentos e subida dos preços alimentares — foram divulgados pelo Executivo. O Governo, contudo, recusou terminantemente que fossem divulgadas as comunicações entre Dominic Cummings, chefe de gabinete do primeiro-ministro, e os funcionários públicos do Governo responsáveis pelos planos. O número dois do Governo, Michael Gove, falou numa exigência “pouco razoável e desproporcional”.

Outro dos desafios anunciados à autoridade do Parlamento é a promessa de Boris Johnson de não cumprir exatamente a lei votada pelos deputados nos dias antes da suspensão. A lei Benn, que foi aprovada com votos de deputados conservadores entretanto expulsos, obriga o Governo a pedir um adiamento da data do Brexit se, até ao dia 19 de outubro, não houver um novo acordo de saída — de forma a impedir um no deal. Boris Johnson tem repetido que ainda é possível um acordo e que, caso tal não aconteça, se recusa a pedir o adiamento. “Preferia estar morto numa valeta”, sentenciou, de forma dramática.

Boris Johnson tem dado a entender que não irá cumprir a lei Benn, aprovada pelo Parlamento, para adiar o Brexit. "Preferia morrer numa valeta", disse (House of Commons/PA Images via Getty Images)

PA Images via Getty Images

Mas, por enquanto, tal não passam de palavras, relembra o professor Usherwood. “Há uma tendência natural dos governos para tentarem conseguir a maior margem de manobra possível. Boris Johnson tem sido bastante agressivo ao tentar conseguir essa margem de manobra, mas o verdadeiro teste será se, quando for obrigado a pedir um adiamento, irá ou não fazê-lo, como é exigido pela Lei Benn”, resume o académico. “A decisão desta terça-feira [do Tribunal] mostra que há limites às ações do primeiro-ministro.” Mas e se Boris Johnson cumprir a sua palavra e se recusar a pedir um adiamento do Brexit, como ficou inscrito na lei? “Aí sim, teremos uma crise constitucional bastante grave”, explica.

“Aquilo que aconteceu hoje foi que um exagero do Governo foi corrigido com um remédio. No caso de não cumprir a lei Benn, não faço ideia o que irá acontecer a Johnson”, confessa o professor. O Reino Unido ficaria, aí sim, mergulhado na maior incerteza e instabilidade do período pós-Brexit.

De olhos postos nas eleições, estratégia mantém-se: Boris ao lado do “povo” contra a “elite” que quer travar o Brexit

Esta quarta-feira, o Parlamento irá assim reabrir portas, como ordenado pelo Supremo Tribunal. E, ao que tudo indica, Boris Johnson estará disposto para ir à Câmara dos Comuns, já que decidiu antecipar o seu regresso de Nova Iorque, onde está a participar na assembleia-geral das Nações Unidas, para a noite desta terça-feira.

O primeiro-ministro bem pode reforçar que gostaria de ver um novo Discurso da Rainha — para carregar na sua estratégia de “matar e depois rosnar” —, mas os seus grandes objetivos são a longo-prazo. Por um lado, o Brexit. No ponto atual, já ninguém sabe exatamente se as negociações para um novo acordo irão levar a um entendimento à última hora ou colapsar. Mas o primeiro-ministro tem sido claro que, se essas negociações falharem, quer sair a 31 de outubro, mesmo que tal desafie a lei Benn. Ou seja, quer “conseguir o Brexit”, como reforçou esta terça-feira, a partir de Nova Iorque, perante os empresários a quem recomendou provar um pouco do “borrego britânico”.

“É por isso que a decisão do Supremo Tribunal de hoje não é necessariamente má notícia para Boris Johnson. Ajudou a reforçar a narrativa que ele tem tentado criar: a de que temos um Parlamento e tribunais que estão a agir contra a vontade do povo. (…) Muitas pessoas vão simplesmente ver um bando de juízes a colocarem-se no caminho do Brexit.”
Ross Clark, jornalista da Spectator

Por outro lado, porém, o objetivo mais desejado parece mesmo ser a ida às urnas. Isso mesmo o disse Boris Johnson: “Devíamos ir a eleições”, afirmou à saída do encontro com os empresários, colocando pressão sobre o Labour, que insiste na linha de ter eleições apenas depois de impedir um no deal a 31 de outubro.

Porque, no fundo, a decisão do Supremo Tribunal não mudou a estratégia de base do primeiro-ministro, como explica Simon Usherwood: “O veredito provavelmente não vai mudar a opinião de ninguém. Toda a gente vê o que quer ver: ou que o Governo foi travado pelo ‘sistema’ ou que houve uma correção ajustada da ação do primeiro-ministro pelos tribunais.”

Sabendo disto, Boris Johnson aposta na retórica que tem utilizado desde que chegou ao poder: a de que ele e só ele é capaz de conseguir o Brexit e respeitar assim a decisão do referendo. “É por isso que a decisão do Supremo Tribunal de hoje não é necessariamente má notícia para Boris Johnson”, aponta o jornalista Ross Clark na revista conservadora Spectator. “Ajudou a reforçar a narrativa que ele tem tentado criar: a de que temos um Parlamento e tribunais que estão a agir contra a vontade do povo. (…) Muitas pessoas vão simplesmente ver um bando de juízes a colocarem-se no caminho do Brexit.”

É essa a impressão da equipa próxima do primeiro-ministro, segundo assegura a editora de Política da BBC: “A de que ele é a única pessoa que está absolutamente determinada em conseguir o Brexit, custe o que custar”, resume Laura Kuenssberg. Mas a estratégia, aponta a jornalista, é mais do que arriscada.

Usherwood concorda. “Ele quer retratar isto como uma situação do povo vs. a elite, como se o Parlamento e os tribunais estivessem a tentar impedi-lo de retirar o Reino Unido da UE a 31 de outubro. Se aquilo que ele quer é uma eleição, esta pode ser uma estratégia que lhe serve”, aponta o professor, especialista em euroceticismo.

O estratega e conselheiro do PM, Dominic Cummings, tem sido apontado como responsável pelo plano de suspensão e tem havido pedidos para que se demita (Leon Neal/Getty Images)

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“Mas não quer dizer que resulte. Não nos podemos esquecer que, com notícias como a desta decisão do Supremo, também se vai criando uma imagem de caos e de problemas, que se reflete sobretudo nele. Boris Johnson até pode mudar os seus conselheiros, mas, no final de contas, este é o seu Governo e a sua responsabilidade”, afirma, referindo-se aos pedidos de alguns tories para que afaste o seu conselheiro e chefe de gabinete de facto, Dominic Cummings. É que, quanto mais tempo passa até às eleições, o capital acumulado do primeiro-ministro entre os Brexiteers pode ir-se gastando. E se Boris Johnson não tiver cuidado, até os rosnados dos tempos de Eton podem deixar de produzir efeito.

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