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São alterações substanciais e profundas às regras da contratação pública que o Governo quer introduzir rapidamente em nome da simplificação dos procedimentos, com o objetivo assumido de acelerar a execução de projetos financiados com os milhões vindos da Europa. E que originaram duras críticas do Tribunal de Contas, contribuindo para fazer subir a tensão entre aquela entidade e o Executivo.
As novas medidas não abrangem todos os setores, mas apenas aqueles que o Governo qualifica de prioritários. No entanto, a abrangência acaba por ser grande, uma vez que inclui projetos co-financiados com fundos europeus, além da habitação pública e/ou com custos controlados, a transição digital (o que envolve tecnologias de informação para o Estado e cidadãos), o Programa de Estabilização Económica e Social, a gestão de fogos rurais e a compra de bens agro-alimentares. As autarquias estão entre as beneficiárias deste pacote de flexibilização das regras e exigências na contratação de bens e serviços.
E como a pressa é o eixo fundamental destas alterações, que foram aprovadas na generalidade no Parlamento em julho, foram pedidos pareceres a várias entidades num prazo anormalmente curto, cerca de 10 a 11 dias, que terminaram na semana passada. O mais noticiado destes pareceres é o do Tribunal de Contas (emitido pela comissão permanente e sem seguir o percurso normal nestes processos) que acende a luz vermelha de alarme para os riscos que estas mudanças podem representar para a concorrência, para a disciplina e controlo da despesa pública, mas também por considerar que são um fator de potenciação de fenómenos de corrupção nos contratos do Estado e um recuo face à evolução legal dos últimos 12 anos.
Entre os 18 pareceres entregues sobre esta iniciativa legislativa, há muitas críticas e alertas, mas também recomendações e propostas de alteração ou eliminação de artigos. Algumas entidades não se pronunciam e há quem aponte aspetos positivos – como a Associação Nacional de Municípios – que, enquanto adjudicante, representa um dos setores mais beneficiados pelo agilizar de regras — e a associação de promotores culturais e de espetáculos — que aplaude a inclusão destes serviços no regime de exceção às regras da contratação pública. Do lado das críticas, são especialmente negativos os pareceres dos órgãos de controlo das contas do Estado, o Tribunal de Contas (externo) e a Inspeção Geral de Finanças (interno).
Numa intervenção feita no Parlamento, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros mostra a disponibilidade do Governo para promover um debate alargado e abertura para contribuir para benfeitorias na proposta a partir dos pareceres recebidos. Mas André Moz Caldas considera que se deve ir mais longe na simplificação administrativa e defende que o “debate não pode fazer-se de chavões, preconceções ou soundbites”, mas sim com “profundidade e com a consciência de que estamos a decidir com que ferramentas apetrechamos o Estado e outras entidades públicas para responder às necessidades coletivas”.
Tribunal de Contas. O parecer arrasador que aponta para risco ampliado de corrupção
As mudanças configuram uma “rutura com e evolução legal desde 2008” no que diz respeito a garantias, imparcialidade, transparência, igualdade, não discriminação, concorrência e custo/benefício. E entram em choque com orientações anunciadas em documentos públicos como a estratégia nacional de combate à corrupção que coloca o foco na prevenção. É ainda assinalado um retrocesso na harmonização das regras de contratos públicas, através da criação de regimes de exceção. E fica uma pergunta:
Porque é que os contratos relacionados com transição digital estão abrangida por este regime especial, enquanto os medicamentos ou equipamentos de saúde ficam de fora? Não só é negativo, mas pode também pôr em causa a Constituição, refere o documento que saiu da comissão permanente do Tribunal de Contas, presidida por Vítor Caldeira, naquele que terá sido a última intervenção sob a sua presidência.
Substituir concursos abertos por procedimentos fechados e limitados a convite de cinco entidades escolhidas pela entidade adjudicante é “negativo”. O que é agravado com a eliminação do limite de convites à mesma entidade, sobretudo se esta for uma micro-empresa ou uma pessoa. Se for aprovada, as entidades vão poder celebrar de forma continuada contratos com as mesmas entidades, criando relações que impedem o acesso de outros concorrentes com melhores propostas.
Não ignorando o contexto e a necessidade de responder à crise, o Tribunal avisa que opções que procuram favorecer nos contratos entidades locais ou regionais “são suscetíveis de potenciar más práticas com o privilégio de certas entidades que podem transformador o mercado em pequenos mercados regionais. Estas restrições à concorrência com critério geográfico podem pôr em causa regras de livre circulação de bens e serviços consagrados nos tratados europeus, sobretudo quando estão em causa fundos europeus.
A possibilidade dos procedimentos pré-contratuais serem limitados a um conjunto de entidades escolhidas pela entidade adjudicante poderá aumentar o risco de ocorrência de práticas ilícitas de concluio, cartelização e até mesmo da corrupção na contratação pública. Esta afirmação surge diversas vezes ao longo do parecer onde a palavra corrupção tem 13 referências.
Permitir que projetos de promoção de habitação pública deixem de estar sustentados numa análise de custo benefício é apontado como negativo, considerando que estão em causa valores avultados de vários milhões de euros e de longa duração (20 a 30 anos). É mais uma medida no sentido contrário à transparência, ao interesse público e sustentabilidade das contas públicas. E é transformar a exceção em regra ao possibilitar que a entidade adjudicante possa optar por lançar um procedimento que junte a conceção e a construção (em que o projeto é apresentado pelo empreiteiro). Entre os perigos destacados estão a alteração do mercado, do projetista para o empreiteiro, a limitação da concorrência, privilegiando as entidades de maior dimensão e condicionando a avaliação de propostas. Aumenta ainda o risco de conluio e distorção da concorrência. Em suma, é mais uma medida potenciadora de práticas de corrupção e infrações conexas.
Ajustes diretos por consulta a apenas uma entidade, em vez de pelo menos três, “é um retrocesso na proteção dos interesses financeiros do Estado”, e corresponde a risco acrescido de ilícitos de corrupção. Autarquias podem passar a celebrar contratos sempre com a mesma entidade, sem um limite de valor, o que representa um “retrocesso de nos interesses financeiros do Estado”.
Por fim, a abertura dada à possibilidade de se escolher uma proposta que exceda o preço base “gera aumento generalizado da despesa publica”.
Inspeção-Geral de Finanças. Mexidas não acautelam transparência e rigor no uso dos dinheiros públicos
A Inspeção-Geral de Finanças faz eco de algumas das preocupações, embora numa linguagem menos condenadora e com propostas variadas de alteração e eliminação das normas propostas que colidem com os “princípios que regem a atividade administrativa”, a contratação pública e até a legislação europeia.
A necessidade de agilizar procedimentos de contratação, meta assumida nestas alterações está frequentemente associada à “ausência ou deficiências em sede de planeamento no setor da contratação pública, levando a que os procedimentos sejam lançados tardiamente”, o que potencia desconformidades legais. A IGF assinala que, da experiência que colheu de auditorias, a falta de planeamento está na origem de grande parte das desconformidades”, defendendo que esta passo deve ficar assegurado no quadro legal.
A IGF defende que a realização da análise custo-benefício deve ser obrigatória na fundamentação de contratos de maior valor (acima dos cinco milhões de euros) em habitação e infraestruturas. E sublinha que as exceções a esta regra não são razoáveis. Estando em causa projetos financiados com fundos comunitários uma menor exigência de fundamentação, é “desproporcional a diferenciação consoante a origem do financiamento, pouco consentânea com exigências de rigor e transparência na aplicação de dinheiros públicos, sejam eles de fundos europeus ou do orçamento nacional”. No caso da habitação assinala que é essencial manter fundamentação de despesa pública avultada.
Tal como o Tribunal já tinha avisado, a IGF tem reservas às disposições que procuram valorizar a economia local e regional, considerando que restringem a concorrência, para além de serem discriminatórias face a outros estados membros.
Também generalização da exceção que permite integrar no mesmo contrato uma empreitada de conceção e construção é “uma solução que se considera não prosseguir o interesse público” porque o projeto de execução deve ser elaborado por entidade independente a quem vai fazer obra de forma as que as opções nele inscritas não fiquem condicionadas ao interesse dos empreiteiros, o que pode entrar em conflito com o rigor e a qualidade do projeto.
O parecer defende ainda que a mais do que duplicação para 500 mil euros do valor dos contratos aos quais deixa de ser exigida prestação de caução é “mais um passo na redução das garantias de salvaguarda do interesse público.
Autoridade da Concorrência. Medidas, apesar de “relevantes no atual contexto” reduzem concorrência
A Autoridade da Concorrência reconhece a relevância destas medidas no contexto atual, mas “não deixa de alertar para os riscos para a concorrência e eficiência dos procedimentos decorrentes do recurso facilitado ao ajusto direto ao invés de procedimentos mais participados. Isto é particularmente relevante dada a elevada representatividade, em Portugal, de contratos adjudicados via ajuste direto ou consulta prévia” .
A adoção mais alargada de procedimentos de consulta prévia e de ajuste direto simplificado para a celebração de contratos de valor inferior aos limiares europeus e com dispensa dos limites à contratação dos mesmos operadores económicos, poderá traduzir-se numa redução da concorrência nesses procedimentos. A ausência de oportunidade de potenciais interessados que não sejam convidados a participarem nos procedimentos resultará num menor número de propostas, bem como numa menor variedade de propostas. E destaca os riscos para a concorrência que poderão ter impacto na utilização ótima dos fundos públicos.
Também a possibilidade de reservar a participação de um candidato em contratos — em particular micro, pequenas ou médias empresas, e (ii) entidades com sede no território da entidade intermunicipal em que se localize a entidade adjudicante ou o serviço ou estabelecimento a que se destine o contrato a celebrar, merece reparos. A AdC considera que este tratamento pode resultar, “ainda que, inadvertidamente, numa menor concorrência e eficiência, ao reduzir o número de participantes num determinado procedimento”.
O regulador da concorrência deixa ainda proposta de alteração que passam por eliminar ou aprofundar algumas disposições que podem entrar em conflito com o quadro legal e diretivas comunitárias e várias recomendações. E no quadro de medidas que se apresentam como excecionais, alerta para a importância de garantir que o recurso ao procedimento de ajuste direto seja gradualmente reduzido e de assegurar que a adjudicação por ajuste direto apenas seja aplicável por motivos de extrema urgência.
Associação de construção. Mudanças limitam acesso a pequenas empresas
A associação entende que as novas regras limitam o acesso a pequenas empresas, em detrimento dos grandes operadores. E porquê? Explica a Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços (AECOPS): “Atualmente, o CCP só permite o recurso à modalidade da empreitada de conceção/construção em casos excecionais devidamente fundamentados”. Pelo contrário, a proposta de lei permite que as entidades adjudicantes “possam recorrer livremente a esta modalidade de empreitada (conceção/construção), sem necessidade de qualquer justificação”. Ou seja, no entender da associação, “perspetiva-se que esta modalidade de empreitada passe a ser a regra, o que (…) poderá ‘limitar’ a apresentação a concurso de empresas de construção que não sejam dotadas de meios técnicos e humanos afetos à conceção (arquitetos, etc)”.
A nova lei muda os procedimentos relativos à disponibilização do projeto de execução aos concorrentes. E isso até pode atrasar o concurso, contrariando o espírito das novas regras. Como? Até agora, nas empreitadas de construção, o projeto de execução – uma responsabilidade do Dono da Obra – era disponibilizado na plataforma eletrónica “a todos os interessados no procedimento”. A proposta de Lei agora em cima da mesa permite que nas empreitadas “o projeto de execução só seja disponibilizado/notificado aos candidatos após a realização da fase de qualificação (avaliação da capacidade económica e financeira e técnica). E só aos candidatos selecionados até ao envio do convite para apresentação das propostas”.
Ora, a associação considera que, desta forma, apenas numa fase mais tardia do projeto é que os candidatos selecionados podem considerar a obra desinteressante, decidindo assim “não apresentar proposta”.
“Corre-se o risco de se obter o efeito contrário ao pretendido (celeridade e de poupança de recursos)”, pois assim o concurso “ficará deserto ou com uma ‘resposta’ reduzida de empresas”. Pior. Pode ter repercussões na responsabilização dos empreiteiros, diz a associação, porque estes têm uma menor capacidade de detetar “erros e omissões” no projeto. Mas já lá iremos.
Em matéria de erros e omissões atribuíveis aos empreiteiros, a AECOPS diz que se verifica “um retrocesso inaceitável” na responsabilidade atribuída aos empreiteiros, que torna “imperioso” manter as regras atuais. E explica: a nova proposta “é claramente prejudicial para o empreiteiro” porque este passa a poder invocar “erros e omissões” apenas no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas. “Em rigor, a solução pretendida por este ‘novo’ legislador, para além de sobrecarregar os empreiteiros com uma responsabilidade que não é sua (carece de razoabilidade atribuir ao interessado — candidato ou concorrente — a responsabilidade pela exatidão e fiabilidade das peças patenteadas pela entidade adjudicante, numa solução de acordo com a qual, de uma forma simplista, se desresponsabiliza a entidade pública que as elaborou ou mandou elaborar), apresenta-se como contrária aos princípios enformadores da reforma em análise”. Ou seja, vai contra os princípios da simplificação e desburocratização.
A AECOPS também não entende o facto de a nova proposta não conter “critérios obrigatórios e uniformes” para o “preço ou custo anormalmente baixo”. Isto conduz a “a decisões discricionárias por parte dos donos de obra”. “Considera-se totalmente inaceitável a possibilidade de o júri vir a identificar propostas como sendo de preço anormalmente baixo, quando não previu qualquer critério para o efeito”.
Noutro ponto, a associação discorda com os prazos de entrada em vigor do diploma. “Num diploma com alterações tão relevantes, o prazo de entrada em vigor não pode, a nosso ver, ser inferior a 2 meses”, remata.
Associação Nacional de Municípios. Impacto positivo, mas também constrangimentos e necessidade de clarificação
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) elogia que haja medidas “suscetíveis de criar algum impacto positivo”, como a não obrigatoriedade de fundamentar a decisão de contratar com base numa análise custo/benefício, para os contratos de execução de projetos cofinanciados por fundos europeus.
A associação liderada por Manuel Machado considera, por outro lado, que “pode constituir um constrangimento” o facto de o emprego do ajuste direto simplificado para contratos de valor igual ou inferior a 15 mil euros tramitar “em plataforma eletrónica de contratação pública”.
Depois de, em 2017, terem sido encurtados os prazos para apresentação de propostas e candidaturas, a ANMP quer agora o “reajustamento” de outros prazos, como o de audiência de interessados ou de prestação de caução.
A proposta do Governo define que as entidades adjudicantes, como os municípios, devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos, que os operadores económicos “respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental, de igualdade de género e de prevenção e combate à corrupção, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional”. Mas a ANMP considera que seria “excessivo” imputar às autarquias estas “responsabilidades”, até porque poderia promover “eventuais conflitos de competências” com, por exemplo, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) ou a Autoridade Tributária (AT). Por isso, pede que sejam “devidamente elencadas” as orientações para colocar estas responsabilidades em prática sem que haja conflitos de interesses ou abuso de poder.
O diploma proposto pelo Executivo prevê que “nos casos em que o valor do contrato a celebrar determine a sua sujeição a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, o órgão competente para a decisão de contratar deve solicitar ao adjudicatário, salvo se este for uma pessoa singular ou uma micro, pequena ou média empresa, devidamente certificada nos termos da lei, a apresentação de um plano de prevenção de corrupção e de infrações conexas”. A ANMP quer seja clarificado o que constitui, ao certo, uma micro, pequena ou média empresa.
A ANMP considera que o recurso ao ajuste direto deve poder ser feito para todas as empresas “com sede no território onde a autarquia se situe, sem qualquer tipo de limites e sem que se tenha de verificar a composição societária”. “A valorização e promoção da economia local e regional não se consegue com normativos bloqueadores, mas sim através da criação de mecanismos que facilitem a contratação, pelo que importa reformular o articulado apresentado.”
CIP. Alterações constantes “não permitem a estabilidade”
O Código da Contratação Pública tem, critica a CIP, sofrido “uma alteração por ano” que são “por vezes inseridas em diplomas avulsos” e, por isso, “não permitem a devida estabilidade dos ‘sistemas’, com claros prejuízos para todos os operadores, sejam públicos ou privados”.
O Governo pretende ainda reduzir o prazo para apresentação de propostas e candidaturas em concursos públicos e concursos limitados por prévia qualificação, mas a CIP considera que o regime atual “prevê já um prazo mínimo de 6 dias de calendário para os procedimentos em causa cujo preço base seja inferior aos limiares comunitários, 0 qual é curto o suficiente”.
Na perspetiva da CIP, há matérias cuja regulação em sede de contratação pública “é relevante na área dos dispositivos médicos e que não estão consideradas no texto da proposta”, como sucede com a definição de preços separados nos contratos de aquisição de dispositivos médicos que envolvem a prestação de serviços.
O Governo define que as decisões de prorrogação do prazo fixado para a apresentação das propostas cabem ao órgão competente para a decisão de contratar e “devem ser juntas às peças do procedimento e notificadas a todos os interessados que tenham sido convidados”. A CIP aponta que a menção aos “que tenham sido convidados” está “incorreta”, já que não existem “convites nos procedimentos concorrenciais com exceção da consulta prévia ou nas fases seguintes dos procedimentos que preveem uma fase de qualificação prévia”. Além disso, “não se compreende a limitação aos interessados que tenham sido convidados”. O mesmo diz a ANMP: “Parece-nos que a designação “interessados” é mais abrangente, podendo referir-se quer as entidades convidadas, quer aos demais que manifestem interesse, através da sua inscrição, num determinado procedimento”.
Quanto à “reconfiguração” da fixação dos chamados “preços anormalmente baixos”, a CIP nota que, “desde a última alteração a este artigo” que as entidades adjudicantes deixaram de fazer referência ou de justificar quando é que se considera um preço anormalmente baixo. “Na ausência de critério e de justificação, procedimentos há em que são apresentados preços que divergem em cerca de 50 % da média dos restantes preços e não são considerados preços anormalmente baixos”. Por isso, defende, é necessário que haja “alguma definição de modo a evitar o livre arbítrio e, consequentemente, promover a sã concorrência”.
A CIP diz ainda que “não se justifica” a limitação do pedido de prorrogação à notificação da apresentação dos documentos de habilitação a um máximo de dez dias, considerando que o prazo geral que os operadores têm para apresentar a habilitação é variável de entre dois a cinco dias e que, entre a decisão de adjudicação e a outorga do contrato, “as entidades adjudicantes dispõem de um prazo de 30 dias”.
A nova formulação do código admite, no caso de ajuste direto simplificado, contratos com um prazo de vigência superior a um ano e até ao limite de três anos. “Com esta alteração, e existindo a possibilidade de celebração de contratos superiores a um ano, consideramos que, nos casos em que isto se verifique, deverá ser admissível a revisão do preço contratual de acordo com a inflação, sob pena de se estar a introduzir um fator de potencial desequilíbrio económico no contrato.”
Ordem dos Arquitetos. Mudanças visam “tornar a exceção como regra”
Segundo a Ordem dos Arquitetos (OA), embora “se compreenda a opção política que esteve por detrás da adoção de medidas, de natureza excecional e transitória, em determinados setores considerados prioritários” devido à pandemia, para a concretização do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), “0 mesmo não será possível afirmar relativamente a determinadas alterações, de carácter definitivo”. É que para a Ordem, as mudanças visam “tornar a exceção como regra”.
A nova lei admite a possibilidade de reduzir o prazo para apresentação de propostas e candidaturas em concursos públicos e concursos limitados por prévia qualificação. Os prazos de 30 e 25 dias passam a poder ser reduzidos, sem necessidade de fundamentação, respetivamente, para 15 e 10 dias, “o que poderá comprometer a qualidade das propostas atendendo ao diminuto tempo disponibilizado para a sua elaboração”, nota a Ordem.
A lei favorece, considera, os contratos de conceção-construção, “abrindo a porta, mais do que à simplificação, à própria extinção de procedimentos e fechando as janelas à transparência e livre concorrência”.
Com esta alteração, o empreiteiro, argumenta a Ordem, atuará apenas “motivado” pelo lucro: “(…) deixará de existir encomenda, em termos concorrenciais e transparentes, para os projetistas engenheiros e arquitetos, passando os mesmos a ser livremente designados pelo empreiteiro que atuará motivado apenas pelo seu fim societário de prossecução do maior lucro possível, não sendo tal escolha escrutinada pelo dono de obra público”.
Além disso, a proposta “seguramente” não consagra uma “boa prática existente na Europa”, que é a antecipação da entrada do empreiteiro no processo de elaboração do projeto a carga da equipa projetista para “gerar sinergias” entre os atores envolvidos e para que o dono da obra possa, sempre que o entender, escrutinar as opções tomadas.
Relativamente aos procedimentos de aquisição de estudos e projetos de arquitetura e engenharia, a lei deverá, defende a Ordem, deixar salvaguardado que “a respetiva adjudicação se efetua com base em critérios de qualidade e de adequação da equipa de projeto”.
Alterou-se ainda a exigência de uma maioria dos membros do júri com as mesmas habilitações profissionais específicas do que as que são exigidas ao concorrentes, para apenas um terço dos membros do júri. “Estando aqueles técnicos reduzidos à proporção de um terço num órgão colegial”, a Ordem considera que “não está assegurada esta exigência legal no CCP [Código da Contratação Pública] pois a sua expressão numérica é insuficiente para se assegurar a prevalência da análise técnica perante os demais”.
Além disso, a modalidade de concurso de concessão simplificado “não serve os superiores interesses da arquitetura”, sendo que “o procedimento pré-contratual concurso de concessão é o único do leque de procedimentos legais em que se avalia um trabalho”. “Quer isto dizer que, sempre que adotado, houve por parte da entidade adjudicante todo um esforço efetivo na respetiva preparação, foi desenvolvido um programa a que os trabalhos devem responder e construído um modelo de avaliação adequado”.
Assim, considera a Ordem que, nas mudanças propostas pelo Governo, “não se descobre qualquer passo em frente no que toca ao bom uso dos dinheiros públicos e combate à corrupção”.
Projetistas. Ganho de tempo anunciado é falacioso
Num parecer próprio a Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores (APPC) defende que juntar a conceção e construção no mesmo concurso não é uma boa solução e recomenda “vivamente que não se altere a legislação”. Avisa que o ganho de tempo pretendido é “falacioso” e ressalta que esta mudança vai implicar um aumento de gasto de recursos — todos os concorrentes terão de apresentar projetos — com potencial para aumentar a litigância.
A qualidade da solução ficará aquém da que existia num projeto de execução independente porque este deixa de ser a prioridade. E conclui que o tempo que em tese seria poupado perde-se com operações técnicas mais complexas, com inconvenientes para o cliente e projetista.
Ordem dos Engenheiros. “O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.
Para a Ordem dos Engenheiros, as sucessivas versões do CCP “mantêm um problema de génese”. Qual? A ordem não poupa nos termos: tem sido sempre um documento “de difícil utilização”, que “não acautela todas as situações e casos de obra“, que induz “quezília”, promove o “dumping salarial” e a prática de “preços desajustados”. “Em boa verdade”, sintetiza o documento, “não tem servido adequadamente os interesses de qualquer das partes interessadas”.
Mas se tem sido assim no passado, também não é na nova versão em análise que a situação fica melhor. “Apesar de mais este esforço continuaremos sem ter uma solução para um problema que já atravessou múltiplas legislaturas, sendo caso para dizer, parafraseando o povo, que “0 que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”. A Ordem propõe entre outras as seguintes correções ao documento.
Em primeiro lugar pretende “simplificar o entendimento e tornar ‘amigável’ o manuseamento de um Código que é um documento fundamental, mas extremamente complexo, difícil de utilizar e potencial punidor dos que não o conhecem e o dominam em detalhe“
O documento deve explicitar quais são as “competências inalienáveis dos Donos de obra”, quer no modelo tradicional – ou seja, os concursos em que a entidade adjudicante opta por incluir um projeto de execução no caderno de encargos – quer no caso em que a entidade adjudicante opta pelo lançamento de concursos de conceção-construção sem incluir um projeto de execução. Os engenheiros consideram que não é “curial que se faça recair sobre o adjudicatário toda a responsabilização dos diversos quesitos e fases de um investimento”. Mais: com este modelo os adjudicatários tornam-se “nos únicos agentes da cadeia de responsabilização“. Para sanar o problema, consideram “fundamental a criação da figura de um Gestor de Projeto que assegure a interlocução entre o Dono da Obra e o adjudicatário”.
“A formação dos preços base deve ser exaustiva, transparente, e demonstradora de que o Estado (contratante público) pretende pagar o preço justo e remunerar condignamente as diversas profissões que atuam na cadeia“. Sugerem, por isso, que seja obrigatória a publicitação da lista de salários que o Dono de obra “entende que são justos e adequados” e nos quais “se fundamentou para a fixação do Preço Base”. No entender da Ordem, esta prática “não desvirtua nem põe em causa a concorrência, mas demonstra a boa fé social do contratante público”.
O CCP (código da contratação pública) deve proibir “explicitamente a adoção de qualquer metodologia de avaliação de propostas que conduza, na prática, a que seja o preço o único parâmetro de avaliação”, salvo “ponderosas razões” e desde que justificadas; o preço Base dos concursos deve ser certificado por uma entidade independente, interna ou externa.
Os critérios de adjudicação e as definições dos limites de preços abaixo e acima do preço base “devem garantir de forma explícita e inequívoca” que o Estado não está a ser conivente na promoção de práticas salariais indevidas (dumping), nem de práticas distorcedoras do mercado (preços exageradamente baixos).
A última medida é também a mais complexa. Prende-se com as adjudicações, ou seja, quem ganha os concursos. A Ordem entende que estas devem pautar-se “pela maior transparência e distanciamento em relação a qualquer forma de pressão”, permitindo que os júris possam atuar em consciência e decidindo de acordo com o que entendem ser os melhores critérios. E depois lista condições essenciais para que isso se verifique:
- A revisão do diploma deve “inequivocamente fazer prevalecer a componente qualitativa das propostas” em detrimento do elemento financeiro. Ou seja, abandonar o critério da “proposta economicamente mais vantajosa”.
- A nova lei deve consagrar a possibilidade de apresentação das propostas em dois ficheiros (“envelopes”) separados: um relativo à parte técnica, outro relativo à valoração financeira da proposta. Devem ser enviados por via eletrónica para serem abertos pelos júris em fases e tempos distintos. A avaliação financeira apenas poderia ter lugar em momento posterior à avaliação técnica e qualitativa das propostas. Ou seja, depois de escolhidas as melhores propostas do ponto de vista técnico se passaria à avaliação financeira.
E conclui, sobre as adjudicações. “Esta Proposta de Lei podia ser uma boa ocasião para reparar o que continua errado, mas receamos que não vá ocorrer”. Isto porque “a adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa”. Ou seja, “o “fator preço” vai continuar a prevalecer, porque ninguém vai ter coragem de adjudicar a proposta que seja tecnicamente mais válida”.