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Quando, no sábado, o Governo português avançou com as primeiras medidas restritivas por causa do coronavírus — como o fecho de três escolas e universidades e a suspensão de visitas a hospitais, lares e prisões no Norte do país —, a ministra da Saúde sublinhou que aquelas decisões poderiam ser “alargadas e reforçadas nas próximas horas”. Vinte e quatro horas depois, a Direção-Geral da Saúde anunciou medidas mais drásticas: por ser naqueles concelhos o maior foco de infeção atualmente, todas as escolas públicas e privadas de Felgueiras e Lousada foram encerradas temporariamente, tal como espaços culturais e de lazer, como piscinas, bibliotecas, cinemas ou locais de eventos públicos.
Já nesta segunda-feira, o alastrar do surto de coronavírus levou a Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico do Porto a encerrar; os serviços prisionais a suspenderem as visitas aos reclusos durante os fins de semana; o Conselho de Escolas Médicas a recomendar o encerramento de todas as faculdades de Medicina do país; o Governo a admitir impor a quarentena forçada a doentes infetados com o coronavírus, e duas escolas de Portimão — onde foram confirmados dois casos positivos — a encerrarem, bem como todas as instalações desportivas e culturais do município.
Num comunicado enviado às redações, a DGS reconhece o incómodo que medidas como estas trazem à população, mas Portugal está ainda bem distante do que o governo italiano já fez: o encerramento completo do país — e já não apenas do Norte, onde se iniciou e se centra o maior foco da doença. Sessenta milhões de pessoas vão ficar proibidas de se movimentar e de ter acesso a vários locais públicos.
O modelo português é semelhante àquele que estão a seguir Espanha e França, que também têm aplicado medidas localizadas nas zonas mais atingidas pelo surto. Resta saber se o estão a fazer no tempo e na medida certos. Nos Estados Unidos, por exemplo, Trump está a ser acusado de ter reagido tarde demais e de ter deixado os norte-americanos impreparados para travar a dispersão da doença. E na China há 11 milhões de pessoas completamente isoladas desde 23 de janeiro e mais 56 milhões de quarentena obrigatória.
O caso português. Escolas e universidades fechadas, visitas a lares, prisões e hospitais suspensas
Primeiro caso: 2 de março
Pessoas infetadas: 39
Doentes com alta: 0
Mortos: 0
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
Mal foi conhecido o 21.º caso de contágio em Portugal, este sábado dia 7 (segunda-feira a contagem subiria para 39), a ministra da Saúde e a diretora-geral de Saúde anunciaram as primeiras medidas para conter a dispersão do Covid-19. Um estabelecimento de ensino do agrupamento de escolas de Idães, Felgueiras, a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e o edifício onde se encontra o departamento de História da Universidade do Minho vão fechar temporariamente — e a Universidade do Minho decidiu, entretanto, suspender todas as atividades letivas no Campus de Gualtar. Na noite desta segunda-feira, as Universidades de Lisboa e Coimbra suspenderam todas as aulas presenciais.
“O encerramento pró-ativo de alguns estabelecimentos deve acontecer numa fase em que o surto ainda está a começar”, explicou a ministra da Saúde, argumentando que é na fase em que se encontra Portugal que se deve tomar essa decisão. “O encerramento de escolas não deve ser encarado com alarmismo.” Marta Temido lembrou ainda que, neste momento, os objetivos principais são “a redução da propagação, atrasar ao máximo o pico da epidemia e a redução do número total de casos”.
Horas mais tarde, já no domingo, seriam anunciados novos encerramentos de escolas — e desta vez não na zona norte do país, onde se encontram internados 23 dos 31 doentes registados em Portugal nesse dia. Ao todo, de Portimão à Amadora, localidades onde entre domingo e segunda-feira se registaram novos casos de infeção associados à comunidade escolar, foram fechados quatro estabelecimentos de ensino. A saber: Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes e Escola Básica 2,3 Professor José Buísel, na cidade algarvia; e Escola Básica Roque Gameiro e Escola Secundária da Amadora, ambas naquele subúrbio de Lisboa.
Entretanto já tinham sido suspensas as visitas a hospitais, lares e prisões no norte do país. A ministra frisou que estas são medidas preventivas e com elas o Governo espera conseguir “adiantar-se aos acontecimentos”.
Coronavírus. São estes os hospitais e as prisões que têm as visitas suspensas
Mas este foi só o princípio. Graça Freitas tinha explicado que a possibilidade de medidas idênticas serem alargadas ao resto do país seria avaliada “dia a dia, minuto a minuto”, consoante o mapeamento que a Direção-Geral de Saúde fosse fazendo dos casos e de como cada um deles surge. Este domingo, foi dado outro passo para apertar o cerco ao contágio.
Em comunicado, a DGS fez saber que todas as escolas públicas e privadas dos concelhos de Felgueiras e Lousada seriam fechadas. É naqueles concelhos que está o maior foco da doença em Portugal e, por isso, também espaços culturais e de lazer — como cinemas, piscinas, bibliotecas, ginásios e locais de eventos públicos — estarão encerrados. Também em Portimão, onde estão neste momento confirmados dois casos de coronavírus, o município decidiu encerrar todos os equipamentos desportivos e culturais sob tutela da autarquia.
Já esta segunda-feira de manhã, foi a União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, que abrange a zona histórica e, por isso, mais turística do Porto, a avisar que todos os seus serviços vão estar encerrados até à próxima quinta-feira como “medida pró-ativa de prevenção”.
Restrições de movimentos
À população foi ainda pedido que se evitem as deslocações desnecessárias e a participação em “reuniões com elevado número de pessoas, de forma a reduzir o número potencial de pessoas contagiadas” — além do “distanciamento social” que é recomendado a todos, evitando contactos próximos e garantindo o cumprimento de cuidados como a lavagem frequente das mãos.
Logo no início do surto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros desaconselhou todas as deslocações à Província de Hubei e as viagens não essenciais à China, recomendação que entretanto estendeu às regiões italianas afetadas pelo novo coronavírus. Na noite desta segunda-feira, o governo português anunciou que irão ser suspensos os voos entre Portugal e as zonas afetadas pelo surto de coronavírus em Itália.
O caso italiano. Um país inteiro em quarentena
Primeiro caso: 31 de janeiro
Pessoas infetadas: 9.172
Doentes com alta: 724
Mortos: 463
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
No início do surto, as autoridades italianas começaram apenas por identificar as zonas de risco, isolar alguns locais e colocar de quarentena os contactos dos primeiros doentes. À medida que a doença se foi disseminando pelo país (já atingiu todas as regiões), as restrições foram-se agravando, levando agora à adoção de medidas drásticas.
https://observador.pt/2020/03/09/escolas-fechadas-em-felgueiras-e-lousada-primeiro-infetado-no-algarve/
Depois de, no fim de semana, o governo italiano proibir a entrada e saída da região norte da Lombardia — Milão incluído — e de outras 14 províncias próximas, para limitar a disseminação do coronavírus, o primeiro-ministro Giuseppe Conte foi nesta segunda-feira mais longe e anunciou uma medida de dimensões sem precedentes: todo o país está fechado.
“Toda a Itália será uma área protegida”, afirmou Conte, de acordo com o La Repubblica. “Toda a Itália deve ficar em casa. Os hábitos têm de ser alterados para o bem de Itália. Fiquem em casa. Em Itália, só serão permitidas deslocações por questões sérias de trabalho e por questões de saúde”, acrescentou.
Ao todo, 60 milhões de pessoas ficam abrangidas pela medida e impossibilitadas de se deslocar. A medida proíbe também quaisquer ajuntamentos. “Compreendemos a necessidade de sociabilização das pessoas, mas não podemos arriscar ter episódios de sociabilização que são também contagiosos”, disse o primeiro-ministro italiano.
Os transportes públicos continuarão a funcionar, porque poderá haver movimentos que justifiquem a saída de casa, como uma urgência de saúde ou de trabalho.
Os italianos devem por isso fazer um processo de “auto-certificação” para sair de casa, considerando que se justifica dar esse passo. “Mas se essa auto-certificação não se justificar, estaremos perante um crime”, assegura Conte. Ou seja, a decisão de sair de casa é individual, mas se as autoridades não considerarem a justificação para tal válida, poderá abrir processos judiciais contra essas pessoas.
Os centros comerciais só devem encerrar ao fim de semana, mas as escolas, desde as creches às universidades, vão estar fechadas até 3 de abril. A liga italiana de futebol, que para já está a realizar alguns jogos à porta fechada (ainda este domingo, antes do clássico Juventus-Inter de Milão, Cristiano Ronaldo brincou com a situação e apertou a mão a adeptos imaginários), admite suspender a competição.
Restrições de movimentos
Em todo o país, estão proibidos os movimentos internos e para fora de Itália. As exceções são poucas e apenas para quem “comprovadamente” tiver de se deslocar por motivos de trabalho ou por uma emergência de saúde. Para quem está de quarentena, a proibição de circulação é total.
O caso espanhol. Isolamento doméstico controlado pela Guardia Civil
Primeiro caso: 31 de janeiro nas Ilhas Canárias; 25 de fevereiro na Espanha continental
Pessoas infetadas: 1.223
Doentes com alta: 30
Mortos: 28
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
Em Espanha, as medidas têm sido tomadas região a região, à medida que têm sido conhecidas as zonas de maior contágio. Algo semelhante ao que parece estar a ser feito agora pelo governo português — que continua sem divulgar o plano de contingência para lidar com o surto.
A região da Rioja, onde um funeral, em Vitória, se tornou um dos principais focos da doença, com mais de 60 pessoas infetadas, adotou neste sábado “medidas excecionais“. A ideia é travar o surto na localidade de Haro, que tem cerca de 12.000 habitantes.
Segundo o jornal espanhol El País, o governo regional recomendou que as pessoas ficassem todas em isolamento doméstico, controladas pelas “forças de segurança”, e limitou o acesso ao centro de saúde local. Além disso, suspendeu todos os eventos na cidade, públicos ou realizados à porta fechada. A Guardia Civil vai fazer “uma vigilância discreta” aos locais onde a maioria dos moradores estão isolados, por receio de que a quarentena imposta não seja respeitada.
A nível nacional o governo espanhol ameaçou já a aplicar multas, que podem ir dos 3 mil aos 600 mil euros, a quem não cumprir as ordens de isolamento obrigatório.
Esta segunda-feira, segundo a agência EFE, a região de Madrid limitou as visitas aos lares de terceira idade para reduzir o risco de infeção dos mais idosos, que compõem um grupo de risco. Só poderão ser feitas as visitas “estritamente necessárias” — e ninguém poderá entrar com sintomas como tosse ou dificuldade respiratória. Também esta segunda-feira, as regiões de Madrid e de Vitória decidiram encerrar todos os estabelecimentos de ensino durante duas semanas, já a partir desta quarta-feira.
Na tarde desta segunda-feira, como escreve a imprensa espanhola, o Governo admitiu a existência de focos descontrolados de transmissão do vírus em várias regiões de Espanha, o que poderá levar à adoção de medidas mais extremas ao longo dos próximos dias.
Até agora, ainda não houve restrições de movimento nos transportes da capital, poucos eventos foram cancelados ou realizados à porta fechada nas zonas com mais casos — Madrid, Barcelona e Valência —, e mesmo numa das ilhas baleares, onde cerca de mil turistas estiveram 14 dias encerrados num hotel em quarentena, tudo voltou à normalidade. Além disso, as festividades da Páscoa, em Sevilha, vão manter-se, e todas as atividades da Quaresma têm sido realizadas.
O caso francês. Primeiras medidas começam na segunda, mas eleições municipais mantêm-se
Primeiro caso: 24 de janeiro
Pessoas infetadas: 1.412
Doentes com alta: 12
Mortos: 30
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
As primeiras medidas em França — país em que o ministro da Cultura também foi infetado com o coronavírus — foram implementadas esta segunda-feira em Oise e Haut-Rhin, com o fecho temporário, pelo menos por duas semanas, de “creches, jardins de infância, faculdades e escolas secundárias” nas duas zonas mais afetadas pelo novo coronavírus, anunciou o primeiro-ministro Edouard Philippe na sexta-feira, 6 de março. Nesses dois municípios também está limitada a maioria dos eventos. Na totalidade do país, são mais de 300 mil os estudantes sem acesso à escola, de acordo com a imprensa francesa.
Na região do Alto Reno, todos os eventos sociais com mais de 50 pessoas estão proibidos. A nível nacional estão proibidos quaisquer eventos com mais de mil pessoas, o que já levou ao cancelamento ou adiamento de inúmeros concertos e outros espetáculos culturais — incluindo os dois concertos da tour “Madame X”, de Madonna, agendados para esta semana.
Já houve também um jogo de futebol adiado, o Estrasburgo-PSG deste sábado. A maratona de Paris, prevista para 6 de abril, também foi adiada para 18 de outubro. O PSG-Borussia Dortmund, para a Liga dos Campeões, deverá ser jogado esta quarta-feira à porta fechada.
Esta segunda-feira, o museu do Louvre — o museu mais visitado do mundo — também cancelou a venda de bilhetes, para evitar as habituais multidões que se juntam no icónico museu parisiense. Só quem já tinha comprado bilhete, e quem habitualmente entra sem pagar, é que poderá entrar no museu a partir de agora.
Por enquanto, o adiamento das eleições municipais (agendadas para 15 e 22 de março) não está previsto. Porém, de acordo com o Le Monde, serão aplicadas medidas adicionais de segurança e de higiene em todas as assembleias de voto. As canetas usadas para votar serão frequentemente desinfetadas, bem como as máquinas de voto eletrónico, e as filas de voto serão geridas de modo a evitar proximidade entre as pessoas. Será dada, nas palavras do primeiro-ministro francês, uma “atenção especial” à possibilidade de voto por procuração das pessoas mais fragilizadas, idosas ou em quarentena.
O caso britânico. Menos contacto entre pessoas e incentivos ao voluntariado para “atrasar e mitigar a ameaça”
Primeiro caso: 31 de janeiro
Pessoas infetadas: 321
Doentes com alta: 18
Mortos: 5
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
Com 321 pessoas infetadas e cinco mortes, o Reino Unido publicou na semana passada o plano para lidar com o surto de coronavírus no país, incluindo uma descrição de tudo o que já aconteceu, para informação à população, e o que está previsto que aconteça, caso os números continuem a subir.
O ministro da Saúde, citado pelo Telegraph, diz que quer “garantir que o governo faz tudo o que pode para estar preparado para adiar e mitigar esta ameaça“. Entre as medidas que deverão ser aprovadas pelo parlamento estão a autorização para fazer audiências judiciais por telefone ou videoconferência e o apoio a quem deixe os seus trabalhos para, voluntariamente, ajudar nos serviços de saúde — garantindo que não perdem o emprego.
Esta segunda-feira, o primeiro-ministro Boris Johnson veio defender o plano britânico e sublinhar que o país se está a preparar para uma segunda fase de resposta, destinada a adiar ao máximo a propagação do vírus. “A contenção não deverá funcionar por si, e é por isso que estamos a preparar-nos para avançar para a fase do adiamento”, afirmou Johnson.
Nas próximas semanas, estima o Governo britânico, é possível que todas as pessoas que registem sintomas de gripe ou constipação tenham de se isolar em casa pelo menos durante sete dias.
O Governo britânico tem sido acusado de estar a reagir com menos força do que outros países europeus ao surto de coronavírus, mas Boris Johnson rejeita as acusações. “Estamos a fazer tudo o que podemos para combater este surto com base nos mais recentes conselhos científicos”, afirmou o primeiro-ministro, sublinhando que não pretende aplicar medidas “com nenhum benefício ou com benefícios limitados”.
Restrições de movimentos
Alterações já feitas à lei dão também poderes reforçados a médicos e polícias, que podem deter e encaminhar para quarentena pessoas que tenham sintomas ou sejam casos suspeitos. Quem tiver sido exposto à doença pode ainda ser proibido de estar em determinados locais públicos.
Para evitar a importação de novos casos, as tripulações de todos os aviões que se preparem para aterrar no Reino Unido têm de garantir que nenhum dos passageiros tem sintomas, 60 minutos antes da aterragem. O mesmo é exigido aos navios que se preparem para atracar nos portos britânicos.
Quanto a viagens, este domingo o Ministério dos Negócios Estrangeiros aconselhou os britânicos a limitarem as idas ao norte de Itália, viajando apenas quando for essencial e inadiável. “Os cidadãos britânicos continuam a poder sair de Itália sem qualquer restrição. Residentes de outras zonas de Itália [para além do Norte] podem sair das áreas de isolamento e voltar para casa”, diz a nota do MNE.
Medidas de racionamento
Depois de uma corrida que deixou vazias as prateleiras dos supermercados nos últimos dias, algumas das grandes cadeias britânicas resolveram racionar determinados bens, que consideram de primeira necessidade. A Tesco, por exemplo, limitou a compra de gel, toalhitas e sprays anti-bacterianos, massa, vegetais em lata, leite, água e medicamentos infantis a cinco unidades por pessoa, tanto nas lojas físicas como na online. Outros supermercados juntaram papel higiénico à lista dos produtos de compra limitada.
O caso americano. A ‘confiança’ de Trump fez com que os EUA demorassem a reagir
Primeiro caso: 21 de janeiro
Pessoas infetadas: 624
Doentes com alta: 15
Mortos: 22
Depois de desvalorizar o surto e de dar sinais contraditórios sobre os efeitos do novo coronavírus nos EUA — Trump chegou a afirmar que os norte-americanos eram fortes o suficiente para enfrentar o vírus —, chegou o momento da verdade. As autoridades de saúde do governo norte-americano avisaram que Trump deveria ser mais franco sobre a doença e o seu impacto porque “a perturbação da vida quotidiana podia ser grave“, segundo a responsável federal de saúde.
Nas palavras de Nancy Messonnier, responsável do Centro de Controlo de Doenças dos EUA, “já não é uma questão de se isto vai acontecer, mas uma questão de exatamente quando vai acontecer e quantas pessoas neste país vão ficar gravemente doentes“.
Donald Trump ficou preocupado com os alertas de que as escolas podiam ter que fechar, as conferências podiam ser canceladas, as empresas podiam ter de colocar os trabalhadores em casa, mas não quis alarmar a população e demorou a reagir, tendo tentado sempre desdramatizar o problema, garantido que a América estava preparada. As contradições entre Trump e as autoridades de saúde norte-americanas têm sido sublinhadas pela imprensa dos EUA.
De acordo com uma notícia avançada esta segunda-feira pela Associated Press, o presidente americano terá mesmo minado as autoridades de saúde ao impedir que uma recomendação do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) para que os cidadãos idosos e fisicamente mais debilitados evitassem viagens em voos comerciais fosse tornada pública.
Só com a queda das bolsas e as críticas a subir de tom começaram a surgir medidas. O número de casos e mortes na zona de Nova Iorque levou às primeiras restrições. E a Califórnia decretou mesmo o estado de emergência na última sexta-feira, dia 6.
Mas os sinais confusos do governo Trump terão deixado os americanos desprevenidos perante uma grave crise de saúde pública, sem que tivessem percebido a gravidade de um vírus que já se dispersou pelo menos por 34 estados, infetou mais de 600 pessoas e matou pelo menos 22.
Há ainda vários norte-americanos de quarentena em navios de cruzeiro, à espera de resgate que, agora, não chega. Porque os primeiros contágios terão partido precisamente de alguns resgatados de cruzeiros na Ásia.
Neste momento, uma das principais preocupações dos EUA é a cidade de Nova Iorque, onde perto de três mil pessoas estão sob quarentena. No estado de Nova Iorque, todas as pessoas que tiveram contacto próximo com alguém infetado, ou que passaram recentemente pela China, Irão, Coreia do Sul ou Itália, estão obrigadas a estar de quarentena. Quem estiver infetado tem de estar em isolamento obrigatório.
O governador do estado de Nova Iorque já disse que as autoridades de saúde irão fazer fiscalizações aleatórias para garantir que as obrigações são cumpridas; ao mesmo tempo, todas as pessoas que estão de quarentena ou isoladas terão de comunicar diariamente com as autoridades locais de saúde para confirmar que se encontram nas suas casas.
O caso chinês. 11 milhões fechados e 56 milhões de quarentena desde 23 de janeiro
Primeiro caso: O vírus foi identificado a 7 de janeiro, numa altura em que já existiriam mais de quatro dezenas de infetados
Pessoas infetadas: 80.739
Doentes com alta: 58.742
Mortos: 3.120
Encerramento de espaços e cancelamento de eventos públicos
Desde 23 de janeiro, a cidade de Wuhan, o epicentro do Covid-19, está naquilo a que se pode chamar uma quarentena severa. O aeroporto internacional, as estações de comboio e as linhas de autocarro continuam encerradas nesta cidade com cerca de 11 milhões de pessoas: ninguém pode entrar ou sair.
Mas Wuhan não é a única cidade chinesa que foi fechada. Até ao final de janeiro, as autoridades estenderam as restrições de transporte e movimentação a pelo menos outras 15 cidades da província de Hubei. No total, cerca de 57 milhões de pessoas estão sujeitas a esta quarentena que já dura há mais de um mês. Comparativamente, é como se estivesse isolada toda a Itália ou a Coreia do Sul.
Apesar de a quarentena também ter afetado outras grandes cidades como Guangdong, Xangai ou Pequim, foi em Wuhan, o foco principal do Covid-19, que as medidas atingiram níveis drásticos, para travar a dispersão da doença.
É já considerada a maior quarentena de sempre da história, mas questiona-se quanto mais tempo as pessoas aguentarão continuar isoladas. Um vídeo do jornal El Confidencial resume o que fez a China:
As (outras) medidas extremas que o mundo está a tomar para conter o surto
Este domingo, dia em que o número de casos confirmados no país subiu para 39, o primeiro-ministro israelita tornou pública a intenção de impor uma quarentena obrigatória de 14 dias a todos quantos entrem no território. “Chegámos à conclusão de que, se tomarmos mais medidas, elas terão de ser aplicadas a todos os Estados. É inútil fazer isto a uma escala mais reduzida“, explicou Benjamin Netanyahu.
Não foi sequer a medida mais polémica que anunciou: de acordo com a imprensa local, como crianças e jovens parecem ser menos afetados pelo vírus, o primeiro-ministro israelita manifestou ainda a intenção de criar equipas de desinfeção formadas por membros das forças de segurança e jovens. “Este vírus é sensível à lixívia, devemos agir de forma ordeira para desinfetar estações ferroviárias, estações de autocarros, etc. Para isso, durante o período de férias, que pode ser prolongado, mobilizarei os jovens, tanto nas escolas como nos movimentos juvenis, de forma muito meticulosa, para ajudar na desinfeção“, anunciou Netanyahu.
Entretanto, as autoridades moscovitas anunciaram a entrada em vigor de um “regime de alerta máximo” que prevê penas de até cinco anos de prisão para todos os cidadãos que, regressados à capital russa vindos de China, Coreia do Sul, Irão, França, Alemanha, Itália e Espanha ou que exibam sintomas “desfavoráveis” do novo coronavírus, não observem uma quarentena obrigatória de 14 dias.
De acordo com as autoridades de saúde de Moscovo, citadas pela Reuters, o controlo da quarentena vai ser assegurado pelas forças de segurança através da análise de imagens recolhidas pelas câmaras de videovigilância espalhadas pela cidade. Aos cidadãos em isolamento será permitido sair de casa para passear os animais de estimação — mas apenas em horários em que as ruas estejam mais tranquilas e sempre com os rostos protegidos por máscaras.
Até esta segunda-feira eram 20 os casos de infeção pelo novo coronavírus confirmados em todo o território russo.
Em Portugal, alguma destas medidas mais radicais pode ser aplicada?
Várias medidas tomadas em diferentes países podem vir a ser replicadas em Portugal, acredita o constitucionalista Paulo Otero. Ouvido pelo Observador, o professor da Faculdade de Direito sublinha que uma situação como a epidemia do coronavírus “põe à prova o modo normal de vida” de uma sociedade e é possível que medidas como as aplicadas em Itália possam também verificar-se em Portugal.
Seria possível, por exemplo, um isolamento total de uma região do país caso se verifique ali a esmagadora maioria dos casos e se acredite que é possível conter dessa forma o vírus.
“Há duas maneiras de enquadrar isto. Há a maneira constitucional, através da declaração do estado de exceção constitucional, do estado de emergência, existindo razões de saúde pública que justificassem essa exceção. Aí, podem adotar-se todas as medidas possíveis, excepto aquelas que violem os direitos do artigo 19.º da Constituição“, afirma Paulo Otero. Outro cenário, continua o constitucionalista, é o recurso ao estado de necessidade administrativa. Neste cenário, o Governo pode adotar medidas “necessárias e idóneas” para fazer face a uma emergência pública.
“Com duas regras: as medidas têm de ser necessárias e têm de se mostrar idóneas ou adequadas ao fim em causa. Por exemplo, em Itália, com a proibição de casamentos, funerais, espetáculos públicos. Desde que seja em zonas afetadas. Em França nem são admitidos ajuntamentos com mais de mil pessoas”, sublinhou o constitucionalista.
Joana Silveira Botelho, advogada coordenadora do Departamento de Direito da Saúde da Cuatrecasas, sublinha ainda a possibilidade de ser decretada a situação de calamidade pública. “Existe um enquadramento legal muito específico e muito concreto, sobre situações de emergência e saúde pública. Uma das medidas que está prevista que possa ser tomada pela ministra da Saúde é o isolamento de pessoas“, destaca a advogada, sublinhando a possibilidade, prevista na Lei de Bases da Saúde, da defesa sanitária das fronteiras.
Relativamente a medidas como a quarentena obrigatória, o controlo do isolamento pelas autoridades policiais ou até a obrigatoriedade de se manter a um metro de distância de outras pessoas em estabelecimentos públicos, tanto Paulo Otero como Joana Silveira Botelho concordam que a declaração de uma situação de exceção poderá permitir a sua aplicação. Porém, a possibilidade de aplicação de multas a quem não cumprir o isolamento levanta dúvidas à advogada. “Não estão previstas na legislação para situações específicas de saúde pública“, disse ao Observador, sublinhando que apenas se poderia aplicar uma pena pelo crime de desobediência.
A legislação portuguesa permite ainda que as autoridades de saúde, por ordem do Ministério da Saúde, sejam auxiliadas pelas forças de segurança na adoção de medidas excecionais. Incluindo, sublinha Paulo Otero, a possibilidade de atribuir aos profissionais de saúde um grau de autoridade semelhante às polícias — apenas em caso de declaração formal de estado de emergência — que lhes permita conduzir doentes à quarentena forçada.
O constitucionalista destaca, porém, que a declaração formal do estado de emergência tem também um lado negativo. Embora seja, “juridicamente, a forma mais sustentada” de aplicar uma série de medidas excecionais, tem um peso acrescido que provoca um grande alarme social. “A declaração de um estado de emergência significa que estamos à beira da rutura. É mais viável o estado de necessidade administrativa, porque é gradual. São adotadas medidas pontuais em função da necessidade, sem o peso social e político da declaração de emergência”.
Até uma medida como a mobilização dos jovens adotada em Israel pode, num cenário mais radical, ser aplicada em Portugal — mas sempre na ótica do voluntariado. A advogada Joana Silveira Botelho destaca que será possível “sensibilizar associações de jovens” para que se voluntariem e colaborem nos esforços de proteção civil, uma vez que as pessoas mais jovens são menos vulneráveis ao vírus.
Já relativamente ao racionamento de bens, também não é uma medida de afastar. Como a greve dos motoristas do último verão deixou claro, a legislação portuguesa permite que, por exemplo, os supermercados possam decidir como quiserem um eventual racionamento dos bens que vendem, fazendo a gestão dos seus stocks com base na legislação, que permite recusar a venda de determinada quantidade de produtos se estiver em causa a justa repartição desse bem entre os clientes.
Racionamento de bens é improvável, mas legal. E cada supermercado decide como quiser
Mas, numa situação como a do surto de coronavírus, pode chegar-se mais longe. Como sublinha o constitucionalista Paulo Otero, “o Estado pode intervir e dizer aos comerciantes ‘só vendem X produtos por cada pessoa’, e pode inclusivamente proibir o uso de dinheiro físico, por também ser um possível transmissor do vírus”.
“Para pessoas de mais idade, pode gerar-se grande complexidade. Terá efeitos económicos devastadores”, remata Paulo Otero. “Todo um modo normal de vida pode ser substancialmente alterado.”