Foi perante um grupo de deputados “bastante satisfeitos” — e aliviados q.b. — que António Costa, na pele de líder do PS, se apresentou esta quarta-feira para defender o Orçamento do Estado para 2024. Depois de meses de incerteza e de aumento do custo de vida, durante os quais se defendia internamente que era preciso dar um sinal forte na distribuição de rendimentos, os deputados elogiaram o documento — embora o caos na Saúde continue a preocupar — e ouviram António Costa provocar a oposição, que “já dá por perdidas as eleições de 2026”.
O argumentário de defesa do Orçamento para 2024 estava pronto: o documento assenta em três pilares — o reforço do rendimento das famílias, o reforço do investimento e a redução da dívida pública — e tenta alcançar esses objetivos recorrendo a uma estratégia de cautela e prudência, ou não tivesse reconhecido Costa que “a conjuntura internacional não é famosa” e, por isso, o documento tenta colocar o país num “porto seguro” para assegurar que continua a ser capaz de enfrentar tempos “adversos”.
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O país precisa, por isso — e “sabendo bem” o que acontece quando a dívida aumenta, frisou Costa –, de manter as contas certas, como argumentou em resposta aos críticos que defendem que o Governo deveria utilizar uma fatia maior do excedente orçamental para apoiar as famílias ou aumentar o investimento em áreas críticas.
E os deputados pareceram gostar do que ouviram — a começar pela prioridade dada ao reforço dos rendimentos. Logo que o Orçamento acabou de ser apresentado, o Observador já começara a ouvir de vários membros da bancada a “satisfação” com um documento que “acelera” os objetivos de redução de IRS para esta legislatura, mesmo que, como aponta a oposição, a carga fiscal aumente de outras formas. “É um Orçamento marcadamente social”, resumia um socialista, que dizia sentir o partido “muito confiante”.
Entre socialistas houve, de resto, um motivo central para satisfação: a ideia que impera no PS é que o Orçamento “passou bem” ao nível mediático — ou seja, que existe uma narrativa positiva à volta do documento e que a mensagem chegará às fatias de população (e eleitorado) a quem se destina (em tese, classes mais desfavorecidas e médias, jovens e pensionistas).
Foi aliás a esta última fatia que Costa se referiu especificamente durante a intervenção que fez diante dos deputados, para segurar um eleitorado que é fiel ao PS desde que fugiu à direita, durante o tempo da troika: “No ano passado acusaram-nos de tudo e mais alguma coisa, mas a verdade é que os pensionistas sabem que podem confiar no PS”. Nessa altura, o Governo travava a aplicação da fórmula de atualização das pensões e era acusado em outdoors do PSD de promover “austeridade socialista” e cortar centenas de milhões nas pensões. Agora, e corrigido o tiro, aproveita para responder e piscar o olho a um eleitorado que não lhe tem virado as costas.
Passada a apreensão com os pensionistas, ainda assim ouviram-se, na parte da reunião que foi fechada aos jornalistas, preocupações com o estado da Saúde e do SNS, apurou o Observador. Em resposta, explicações sobre o reforço — mais um — do orçamento do setor, e o regresso à tese que o PS mantém há anos: o problema na Saúde não é de falta de investimento, mas de má gestão dos recursos. Um problema que continua sem conseguir resolver, mesmo com o novo Orçamento, e que no PS se justifica dizendo que o OE “não tem uma varinha mágica” para acabar com os principais problemas que afligem os portugueses.
No geral, o tom do encontro no Parlamento foi “pacífico”, “sereno” e de “satisfação”, foram descrevendo ao Observador vários deputados. Costa levava, de resto, uma mensagem de confiança às hostes: apesar da tal conjuntura internacional que é preciso precaver, e que justifica ainda mais o empenho no mantra das contas certas, o PS está convencido de que já conquistou essa narrativa e que, conjugada com a bandeira da devolução dos rendimentos (mesmo que os impostos indiretos vão aumentar, contrabalançando a redução do IRS), a apresentação deste OE deixa a oposição desorientada.
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“Quando ouço alguns líderes da oposição dizer que este OE é eleitoralista é porque já desistiram de ganhar as eleições de 2026”, provocou Costa durante a reunião. Serão esses líderes que “estão preocupados com 2030″, uma vez que “já dão 2026 por perdido”. O PS apoia-se no Orçamento que, acredita, está a ser bem aceite — mas também no facto de continuar a ver o PSD “sem narrativa política” e, portanto, sem alternativa.
Com os deputados aparentemente bem dispostos, ainda houve espaço para um recado para dentro: sentado ao lado do ministro das Finanças, Fernando Medina, Costa lembrou que este Orçamento deixa de fazer depender as autorizações de despesa do Terreiro do Paço para permitir que cada ministro “gira de forma responsável” as verbas da sua área. Risos imediatos, num dos temas que mais desconfortáveis têm sido para o PS e para dentro do Governo (um dos deputados risonhos tinha, de resto, experiência no tema: tratava-se do ex-ministro Capoulas dos Santos).
Costa notou e fez questão de responder: ainda se “lembra” de quando ele e Capoulas eram ministros, tempos pré-Mário Centeno em que todos os ministros eram “responsáveis” pelos próprios orçamentos. Agora que a prática volta a ser essa, o primeiro-ministro gracejou e disse “esperar que fiquem todos tão felizes como estão neste momento”. É o que espera o PS, no Governo e na bancada também, se o Orçamento representar efetivamente e no dia a dia uma recuperação de rendimentos que faça o PS respirar de alívio.