A economia portuguesa deverá crescer 1,8% este ano o que coloca o crescimento médio até 2027 em 1,9%, de acordo com as novas projeções do Governo divulgadas esta segunda-feira. É “pobrezinho”, diz o economista Abel Mateus, que lamenta a “falta de medidas que façam a economia crescer mais”, sobretudo num contexto de fundos europeus abundantes. Do lado da inflação, o Governo está a antecipar uma descida rápida nos próximos meses que, aos olhos dos economistas, parece “otimista“.
“Como é que, com o aumento dos fundos estruturais que está previsto [o PRR], não há um aumento mais substancial do investimento?”. A pergunta é de Abel Mateus, economista e primeiro presidente da Autoridade da Concorrência. Para o período entre 2023 e 2027, o investimento deverá crescer 3,4% e o consumo público aumentará 2,6% – são, apesar de haver quem pedisse mais, dois fatores que irão impulsionar o crescimento da economia nos próximos anos. O outro fator é o das exportações, que se prevê crescerem 4,3%, em média, até 2027.
“Não é nada para nos entusiasmarmos”, diz o economista, ao Observador, admitindo que estes números podem traduzir alguma convergência com o crescimento médio na Europa – “mas, a haver, será uma convergência marginal”, o que “não surpreende porque não há mais medidas de política económica que façam acelerar mais o crescimento”. “É um programa coerente com um crescimento pobrezinho“, remata Abel Mateus.
João Borges de Assunção, professor da Católica School of Business, considera “razoável” que o Governo tenha revisto em alta a previsão que existia para 2023, de um crescimento de 1,3%. A previsão do Católica-Lisbon Forecasting Lab (NECEP), liderado por este ex-assessor económico de Cavaco Silva, está “centrada em 1,4%, o Governo acredita em 1,8%. Não me parece impossível dada a robustez dos dados do primeiro trimestre mas é, ainda assim, otimista, já que não sabemos se essa robustez se vai manter no resto do ano”.
O economista salienta que o aumento de 0,6% previsto para o consumo privado “mostra a fragilidade da economia portuguesa”, porque “em circunstâncias normais o consumo privado cresce em linha com o Produto Interno Bruto (PIB)”. Nesta fase, acrescenta João Borges de Assunção, o rendimento real [ajustado à inflação] está a diminuir, com as poupanças a amortecer parcialmente essa perda de rendimento real, mas é impossível prever quanto irá durar essa “almofada”.
Medina diz que já foi chamado "otimista" no passado
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Fernando Medina disse esta segunda-feira que, quando apresentou o Orçamento do Estado as projeções de um crescimento de 1,3% foram apelidadas como “otimistas” – agora, o Governo está confiante num crescimento de 1,8%.
O “contexto internacional mudou”, com maior estabilização e diminuição dos preços das energia, o que ajudou a “robustecer os elementos de resiliência da economia portuguesa”, disse o ministro das Finanças. O grande motor do crescimento, porém, é uma “dimensão benigna do dinamismo do setor exportador”.
Já o consumo privado vai manter-se com crescimentos inferiores ao de 2022, o que se explica pelo aumento das taxas de juro e o impacto que isso tem no rendimento disponível das famílias e a capacidade de investimento das empresas.
Para lá de 2023, o Governo aponta para crescimentos de 2% tanto em 2024 como em 2025, desacelerando depois para 1,9% em 2026 e 1,8% em 2027. É uma trajetória que, para Abel Mateus, mostra uma incapacidade da economia de crescer mais – isso só seria possível com “medidas de maior estímulo ao investimento privado”. João Moreira Rato, outro economista, diz ao Observador que este crescimento é “pouquíssimo”: “para a produtividade da economia portuguesa convergir com a Europa tínhamos de estar a crescer mais na ordem dos 3%”.
“O facto de crescermos menos de 2%, quando estamos em pleno emprego, mostra que a capacidade de crescimento da economia portuguesa é muito débil“, acrescenta João Moreira Rato.
Economia vai crescer mais do que o previsto em 2023. Banco de Portugal projeta crescimento de 1,8%
Mas mesmo estes 1,9% de crescimento previstos pelo Governo – 2% em 2024 e 2025 – podem considerar-se “ambiciosos, já que organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI) têm projeções muito inferiores para o produto potencial de Portugal nos próximos anos”, em torno de 1%. “O FMI também poderá estar a ser demasiado pessimista, mas neste momento, dadas as incertezas que existem e as cicatrizes da pandemia, o mais cauteloso seria apontar para crescimentos na ordem dos 1,5%” nos próximos anos, diz João Borges de Assunção.
Inflação média de 5,1% em 2023? Previsão não convence economistas
Mais do que as previsões do crescimento, os economistas ouvidos pelo Observador mostram duvidar da previsão de uma taxa de inflação de 5,1% em 2023 (média ao longo do ano). Tendo em conta que o ano começou com dois meses de inflação acima de 8% (só em março baixou para 7,4%), é preciso assumir uma correção muito rápida da taxa de inflação homóloga para que o ano feche com uma média de pouco mais de 5% – eventualmente chegando a dezembro com uma inflação de 3% ou perto disso, calcula João Borges de Assunção.
“A dificuldade aqui é prever qual será a evolução dos preços dos produtos energéticos, que nesta fase até já estão a contribuir de forma negativa para a inflação homóloga”, diz o líder do NECEP, salientando que nas previsões do Governo “está subjacente uma ideia de otimismo face à evolução dos preços” que não é impossível que se concretize mas que tem um elevado grau de risco.
“Se fosse verdade (que chegávamos a dezembro com taxas de inflação de 3%), já não haveria necessidade de o BCE subir muito mais as taxas de juro”, acrescenta Borges de Assunção, considerando que “aí também há um bocadinho de otimismo”. Abel Mateus aposta numa média de inflação, no final de 2023, superior a 6% e João Moreira Rato concorda: “Provavelmente a inflação ficará mais alta do que a previsão e, por essa via, vai continuar a ajudar as contas públicas“.
O Governo projeta para 2023 um défice de 0,4%, o que Fernando Medina disse ser uma estabilização do défice orçamental entre 2022 e 2023. No Orçamento do Estado para este ano apontava-se para um défice maior, de 0,9%, mas em 2022 ficou nos 0,4%.
O Governo acredita que, depois da inflação média de 5,1% em 2023, os preços vão estar a subir a um ritmo de 2,9% em 2024 mas irão atingir um nível mais coincidente com o objetivo do BCE (2%) a partir de 2025.
Os investidores nos mercados de taxas de juro não estão tão otimistas de que haverá a tal “aterragem suave” na subida dos preços e é por isso que, como o próprio Governo admite, ainda há a expectativa de que as taxas Euribor irão aproximar-se dos 3,8% mesmo no prazo a três meses – um dos prazos usados em Portugal para indexar prestações de crédito à habitação. A Euribor a três meses segue abaixo dos 3,2%, mantendo-se nos níveis mais elevados do ano (ao passo que na Euribor a 12 meses os valores têm-se afastado dos máximos fixados no início de março).
Apesar destas dúvidas dos economistas, o Conselho de Finanças Públicas considerou as projeções do Programa de Estabilidades “globalmente enquadradas” com as previsões e projeções mais recentes conhecidas para a economia portuguesa. “Trata-se assim, com base na informação disponível (…) de um cenário provável para a evolução da economia portuguesa nos próximos cinco anos, sendo os riscos predominantemente de natureza externa à economia portuguesa“, afirma o organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral.
Ainda assim, também o CFP reconhece que os principais riscos são de que a economia cresça menos do que o previsto pelo Governo e, por outro lado, que a inflação seja mais gravosa do que se prevê, “em especial para o ano de 2023, em que a projeção para o crescimento da atividade económica se situa no limite superior das projeções das outras instituições consideradas e em que a projeção para o ritmo de crescimento do IHCP [inflação harmonizada a nível europeu] é inferior”.
Antes mesmo que o Governo divulgasse o Programa de Estabilidade (o documento oficial, mais do que a apresentação pública), o Conselho de Finanças Públicas levantou o véu sobre os componentes que irão levar à aceleração prevista pelo Governo para o crescimento em 2024. Antecipa-se, para esse ano, uma duplicação do crescimento de 1,3% no consumo privado – uma rubrica que continua a crescer uma décima por ano até aos 1,6% de 2027.
Em sentido contrário deverá evoluir o investimento, que sobe de 3,4% em 2023 para 5,3% em 2024 mas, depois, cai sempre: 4% em 2025, 3,1% em 2026 e 1,2% em 2027. O consumo público também tende a desacelerar: o crescimento em 2023 é de 2,6% mas baixa para 1,2% em 2024, 1% em 2025 e 2026 e 0,7% em 2027.
Governo prevê petróleo mais barato (e Euribor desce… devagar)
O Programa de Estabilidade 2023-2027, que o Governo disponibilizou ao final da tarde desta segunda-feira, define, entre as principais hipóteses para o enquadramento internacional, uma descida consistente dos preços do petróleo nos próximos anos.
Depois do preço médio de 98,60 dólares por barril em 2022, ano em que começou a guerra na Ucrânia, a expectativa do Governo é que ao longo de 2023 o preço do petróleo (Brent, negociado na ICE de Londres) oscile em torno de uma média de 74,80 dólares. Neste momento, o preço está em 81,75 dólares por barril.
A tendência, depois, é para continuar a baixar – 70,50 dólares em 2024, 68,50 dólares em 2025, 66,90 dólares em 2026 e 65,5 dólares em 2027.
O Governo já tinha indicado, na apresentação da manhã, que antecipava uma estabilização da taxa de juro mas em níveis elevados. No Programa de Estabilidade mostra-se que a redução dos indexantes de crédito será relativamente lenta – mesmo em 2027 a Euribor a três meses estará em 2,7%, antevê o Governo.
Depois de uma média de 0,3% em 2022, ano em que os juros começaram a subir (vindos de valores negativos), a Euribor terá em 2023 uma média de 3,4%, segundo o Governo. Deve cair, depois, mas a queda não será rápida: 3%, em média, em 2024, 2,8% e 2025 e 2,7% tanto em 2026 como 2027.
Estas são as perspetivas para a Euribor a três meses, atualmente na casa dos 3,1%, que é um dos indexantes mais utilizados em Portugal para o crédito à habitação. Mais utilizados, porém, são os indexantes a seis e a 12 meses, que tendencialmente oscilam em valores um pouco mais elevados.
Despesa com juros vai subir até 3.000 milhões de euros mais do que se previa, até 2026
O Governo diz, no Programa de Estabilidade, que “as taxas de juro das novas emissões da República continuam a ser inferiores às taxas das Obrigações do Tesouro, Bilhetes do Tesouro e Empréstimos Oficiais que se vencerão em 2023 e 2024” – ou seja, a dívida nova continua a ser mais barata do que a dívida “antiga” que o Estado está a ter de reembolsar na íntegra (mais juros) nos próximos tempos. “Ainda assim, a subida generalizada das taxas de juro terá um impacto materialmente relevante na despesa a suportar nos próximos anos“, pode ler-se no documento.
Em concreto, diz o Governo, “face ao esperado em abril de 2022, antecipa-se uma revisão em alta do encargo com juros durante o período temporal do presente do Programa de Estabilidade”, que vai até 2027. “O custo adicional com juros deverá alcançar em 2026 um encargo 3.000 milhões de euros superior ao previsto“, quantifica o Ministério das Finanças.
Por outro lado, tal como Fernando Medina tinha indicado de manhã, se não houvesse uma redução do rácio de dívida pública – se se mantivesse nos 113,9% no horizonte do Programa de Estabilidade, e mantendo-se constantes as restantes hipóteses – “a despesa com juros em 2027 seria cerca de 2.000 milhões de euros superior à do cenário de base”.
“Em termos acumulados, entre 2023 e 2027, teriam sido despendidos mais 5.900 milhões de euros“, afirma o Ministério das Finanças, que aponta para uma redução da dívida/PIB para menos de 100% em 2025 e 92% em 2027.