Falta de democracia interna, maioria de bloqueio e inexistência de escrutínio interno. As queixas vêm de dentro da própria Iniciativa Liberal e são dirigidas essencialmente à Comissão Executiva e aos mais altos cargos do partido. O auge da crispação ocorreu no último Conselho Nacional, já depois de alguns dos envolvidos não terem escondido o descontentamento na Convenção da IL. A direção defende-se, fala num número reduzido de vozes dissonantes e aponta a questões “normais num partido jovem”.
No dia 24 de abril, a Iniciativa Liberal reuniu o Conselho Nacional pela segunda vez desde as eleições legislativas em que o partido passou de um deputado único para um grupo parlamentar de oito deputados. No ponto cinco da Ordem de Trabalhos da reunião estava a “avaliação dos órgãos executivos, Comissão Executiva e Núcleos Territoriais”, que levou à entrega de um documento com várias perguntas dirigidas à Comissão Executiva. Ao que o Observador apurou, as questões em causa focavam-se em seis áreas: política, Parlamento, Europa, gabinete de estudos, membros do partido e questões financeiras.
O ponto de discussão chegou ao órgão máximo entre convenções pelas mãos de 10 conselheiros, o número mínimo definido pelos estatutos da IL — sendo que a maioria faz parte da lista D, onde se encontram duas das vozes mais críticas do funcionamento do partido, José Cardoso e Rui Malheiro.
O ponto acabou por não ver a luz do dia, por ter sido recusado pela maioria dos conselheiros, com sete votos contra, 34 a favor e seis abstenções. José Cardoso, um dos conselheiros proponentes, contactado pelo Observador, sublinhou que se perdeu uma oportunidade para aumentar a democracia interna. Na opinião do liberal, “não existe um método para se fazer um escrutínio”, o que o levou a pedir a discussão do tema e a enviar as perguntas ao Conselho Nacional.
“Enviei perguntas com antecedência para não trabalharmos em perguntas em aberto, porque poderíamos ficar ali muito tempo. A mesa disse-me que tinha de haver um tema e pareceu-me que o mais interessante seria o modelo de escrutínio”, explicou em declarações ao Observador.
Mais do que isso, José Cardoso aponta que a Comissão Executiva da IL tem demasiado peso no Conselho Nacional: “Tem 25 votos em 75 do, é muito difícil fazer o escrutínio de um órgão que vota em si mesmo.” Ainda sobre a reunião, “se tirarmos aos 34 votos a favor os 25 da Comissão Executiva provavelmente haveria um novo nível de discussão e de riqueza democrática”, realçou o membro da IL, frisando que “é um gesto muito pouco liberal não se aceitar o debate sobre um tema, independentemente de agradar ou não”.
Outro crítico ouvido pelo Observador acusa a IL de “se recusar a crescer democraticamente internamente” ao criar uma “maioria de bloqueio para que não exista escrutínio interno”.
O “partido jovem” que começa a sofrer dores de crescimento
Em resposta ao Observador, a Iniciativa Liberal recusa a ideia de falta de escrutínio: “São afirmações que não têm adesão à realidade do que acontece nos conselhos nacionais.” “Surgem por vezes questões por parte de alguns membros do Conselho Nacional que são normais num partido jovem, no entendimento dos procedimentos, do necessário cumprimento estatutário e das funções de cada órgão”, explica o partido.
A Iniciativa Liberal argumentou que, no entendimento dos membros do Conselho Nacional, “o ponto cinco carecia de âmbito na sua formulação, o que impedia um debate proveitoso e conclusivo e uma reunião produtiva, e que a avaliação da Comissão Executiva já se faz em cada ponto específico”.
“O ponto cinco era demasiado genérico, extensíssimo no âmbito, redundante com outros pontos da reunião e já é uma competência permanente do Conselho Nacional e presente em todos os pontos”, começa por justificar o partido, argumentando que “muito do que se pretendia no ponto cinco foi respondido pela Comissão Executiva no seu ponto específico da Ordem de Trabalhos, com esclarecimentos políticos e operacionais”.
Um dos conselheiros da Comissão Executiva ouvidos pelo Observador admite a existência de um “ambiente de crispação generalizado” com os membros em causa, não pela força que têm no partido, mas pelo “histórico” de situações idênticas, acusando-os de “quererem mais visibilidade e sensação de poder” e de não contribuírem para a “discussão política”, mas sim para o confronto.
Certo é que a votação não agradou aos membros mais distantes do órgão de cúpula do partido — que veem na recusa da discussão uma tentativa de “bloqueio” a quem não está alinhado com a direção do partido — mas as críticas não começaram agora.
As vozes dissonantes que se fizeram ouvir na Convenção
A Convenção da Iniciativa Liberal, que se realizou antes das eleições legislativas, ficou marcada pelas primeiras aparições de vozes dissonantes. José Cardoso e Rui Malheiro à cabeça. As agulhas estavam prontas para tricotar o leque de acusações, desde um “Conselho Nacional capturado e incapaz de representar” os membros do partido à “falta de liberdade [que] castra a energia individual das pessoas”.
José Cardoso apontava que a direção “não promove o debate de ideias internas”, que “decide tudo” e que leva a “atropelos de órgãos”, instando a que seja feito dentro “do partido aquilo que defendemos para a sociedade”.
“A falta de liberdade castra a energia individual das pessoas e leva a resultados inferiores. Em dois anos, ao nível das regras e transparência, fizeram uma revisão estatutária que foi um passo contrário ao liberalismo”, apontou na altura.
“O problema desta Comissão Executiva é isto: falam durante uma hora e meia, e os membros têm dois minutos. Falam mais do que ouvem.” A frase foi proferida em cima do palco do Centro de Congressos de Lisboa por Rui Malheiro, um dos liberais que apontou a existência de “muitos problemas internos” dentro da IL e a necessidade de “descentralizar as estruturas do partido”.
Numa entrevista ao Observador no dia antes dessa mesma Convenção da IL, João Cotrim Figueiredo deixava uma garantia: “Se há coisa que gosto de ter na Comissão Executiva são vozes dissonantes e pessoas com sentido crítico.” Agora, com um partido em crescimento, com mais deputados na Assembleia da República e com uma estrutura mais pesada, os liberais começam a confrontar-se com as habituais dores de crescimento.