Índice
Índice
Chegaram de mansinho: primeiro com vídeos de protótipos de novos formatos e depois já com lançamentos a piscar o olho aos consumidores mais aventureiros – e com carteiras mais recheadas. Os smartphones foldable, dobráveis em português, são a coqueluche da indústria desde 2019. Do lado das marcas, são descritos como provas de inovação e esforço hercúleo de engenharia, muito pelas dificuldades inerentes ao seu desenvolvimento. Do lado do consumidor, embora exista já alguma curiosidade, os preços destes equipamentos continuam a fazer com que se mantenha o estatuto de nicho de mercado.
Da Samsung até às marcas chinesas, como a Huawei, Xiaomi e a Oppo, a grande maioria das empresas de smartphones tem apostado neste novo formato. Até a Motorola “ressuscitou” um dos seus sucessos de vendas, o Razr, mantendo o formato de concha mas substituindo o teclado por um ecrã que ocupa o interior do smartphone.
No entanto, ao contrário da indústria mais disposta a arriscar, há quem tenha ficado de fora deste campeonato – e logo a Apple, a segunda marca mais vendida do mundo. Embora órgãos de comunicação como a Bloomberg e alguns analistas apontem desde o início de 2021 que a empresa está a trabalhar num conceito, os eventos e apresentações da empresa liderada por Tim Cook têm-se mantido pelo formato de telefone mais “tradicional”.
O que leva a Apple a ficar fora da experiência de novos formatos?
Para Francisco Jerónimo, vice-presidente de dados e analítica para a Europa da consultora IDC, há uma razão clara para a Apple ainda não se ter aventurado neste segmento. “A Apple não é propriamente conhecida por lançar categorias novas – a não ser que já tenha a certeza de que há mercado”, explica em conversa com o Observador. “Os foldable representam menos de 1% das vendas mundiais do trimestre”, cerca de “menos de dois milhões” de unidades, notando que, além de serem um “mercado de nicho, têm também preços muito elevados”. Os smartphones deste segmento têm com frequência preços que ultrapassam largamente a fasquia dos mil euros.
“É uma tecnologia que ainda não está muito madura ao ponto de ser uma experiência semelhante à do telefone normal. São equipamentos mais pesados, mais grossos, porque são dois ecrãs juntos, e em que a bateria também não dura tanto como um telefone normal”, acrescenta. Por isso, neste momento, a dona do iPhone poderá preferir ficar a assistir e a ver como é que o mercado se desenvolve. “A Apple deixa que os outros fabricantes testem primeiro o mercado, aprende com os erros e vê o crescimento das vendas. Vão lançar algo no momento em que sentirem que o mercado está preparado para este produto”, antecipa este especialista.
Afinal, conforme vinca Francisco Jerónimo, o facto de não haver novidades sobre um dobrável da Apple não é necessariamente sinónimo de que “não esteja a desenvolver ou a investigar” alguma coisa. “Vão continuar a assistir, a fazer desenvolvimentos internos de forma confidencial.” Afinal, “ainda é muito pouco evidente o que estes equipamentos podem trazer para levar as pessoas a deixar” equipamentos como o iPhone, exemplifica.
Para Francisco Jerónimo, a questão tecnológica que ainda se prende com a utilização do ecrã dos telefones dobráveis e dos constrangimentos com a duração da bateria poderá também estar a limitar a entrada da Apple nesta área. “Qualquer produto em que a tecnologia não esteja suficientemente madura vai afastar a Apple – há um nível de qualidade a que a marca está associada”, diz.
O registo da empresa aponta justamente nesse sentido, o de aproveitar a oportunidade numa categoria apenas quando antecipe que possa vir a representar um espaço confortável para a Apple. Foi o que aconteceu com o smartphone, ainda nos tempos de Steve Jobs – o iPhone não foi o primeiro smartphone do mercado (na verdade, o primeiro smartphone data de 1994, o Simon da IBM) mas soube ganhar espaço ao concentrar várias ferramentas num só equipamento. A situação com o iPad foi semelhante – também não foi o primeiro tablet do mercado, mas a Apple conseguiu “oferecer algo diferente e criar a necessidade entre os utilizadores”, recorda Jerónimo.
E, por isso, nos telefones dobráveis, o especialista acredita que para a Apple é mais “simples esperar dois, três anos, até a categoria ter um peso de 10 ou 15% [nas vendas]”. “É a questão da certeza e da maturidade da tecnologia”, diz, recordando que, “no passado, foram poucas as categorias em que a Apple entrou e que não foram bem sucedidas”.
Existe o risco de um dobrável “canibalizar” o negócio da Apple?
James Manning Smith, analista sénior da CCS Insight, também não tem dúvidas de que a Apple pode estar a trabalhar num equipamento dobrável. “Como sempre, a empresa tem mantido o silêncio sobre o projeto”, aponta o analista desta consultora, um especialista no mercado dos telefones dobráveis. “Não vamos ouvir grande coisa além de rumores e especulações sobre um iPhone dobrável até que a Apple tenha um produto altamente refinado. Mas acredito que um smartphone dobrável pode dar um impulso à posição de mercado” da Apple, admite.
Embora refira que a “Apple tem uma excecional equipa de engenharia”, a empresa também é conhecida “por já ter feito alguns erros, como por exemplo o falível mecanismo borboleta nos teclados dos Macbook”, diz Manning Smith. “Qualquer produto dobrável lançado pela Apple vai passar por um incrivelmente rigoroso processo de controlo de qualidade até que a empresa se sinta mais confortável para fazer uma grande mudança de design na sua linha de produto joia da coroa”.
Ainda assim, os resultados positivos do negócio do iPhone, mesmo sem um foldable para enfrentar a concorrência, poderão dar “à Apple a sensação de que não precisa ainda de apostar tudo nos smartphones dobráveis”, avança James Manning Smith. E, tal como refere Francisco Jerónimo, da IDC, também o analista da CCS Insight salienta que a tecnológica americana “raramente revela alguma coisa até que esteja pronta para fazer estrondo com um lançamento de produto”. “Quando avistarmos um produto dobrável da Apple, é expectável que surja como uma surpresa de mais um momento ‘one more thing’”. Foi justamente com esta frase que Steve Jobs, o fundador da Apple, deu início a uma prática que se tornou um clássico da narrativa da empresa – deixar os produtos mais importantes ou surpreendentes para o final do evento. Em 2007, quando tirou do bolso o primeiro iPhone, foi justamente com essa expressão que Jobs descreveu a concentração de um iPod, um telefone e uma máquina fotográfica num único equipamento.
Existe ainda outra hipótese que os dois analistas mencionam que possa estar a afastar a tecnológica de Cupertino de um telefone dobrável – e não é apenas o risco de lançar no mercado um equipamento que fique aquém da fasquia a que habituou os consumidores. “Se conseguirem oferecer um produto em que, ao ser desdobrado, seja possível ter um mini iPad ou um iPhone maior também poderia, de certo modo, canibalizar o negócio”, reconhece Francisco Jerónimo. O atual iPad mini tem um ecrã de 8,3 polegadas. Quando está aberto, o mais recente Fold da Samsung tem um ecrã de 7,6 polegadas, aproximando-se da dimensão de um pequeno tablet.
Também James Manning Smith reconhece este cenário, mas aponta que os possíveis ganhos poderiam pesar mais do que os riscos. “Embora exista um risco de um iPhone dobrável poder afastar alguns consumidores da gama de tablets de menores dimensões, como o iPad mini, os potenciais ganhos de lançar um iPhone dobrável e aumentar a linha de smartphones hiper-premium da Apple poderão potencialmente ultrapassar qualquer possível canibalização.”
Se, por um lado, aparentemente a Apple está numa posição de desvantagem na engenharia de hardware dos telefones dobráveis, poderá ter vantagem noutro “campeonato”: o software. Na ótica de Manning Smith, a companhia liderada por Tim Cook “tem uma vantagem em relação à concorrência devido à bem-sucedida linha do iPad e ao desenvolvimento interno do sistema operativo iPad OS.” “O desenvolvimento de um software com um interface de utilizador para os dobráveis é tão importante quanto o hardware”, frisa. “A experiência da Apple ao desenvolver o iPad OS poderá ser vantajosa quando mudar o iOS para o ecrã de maiores dimensões dos dispositivos dobráveis.”
Francisco Jerónimo, da IDC, reconhece que a experiência de usar um foldable não é a mesma que um telefone normal também devido ao comportamento do software. Mas acredita que isto “não será um fator inibidor a longo prazo” na adoção dos dobráveis. “Ainda há ajustes, mas isso são questões que são ultrapassadas rapidamente”, acredita. “Não é uma questão que vá limitar a adoção do produto.” E aqui recorda também um exemplo da Apple: “quando o iPad foi lançado nem todas as aplicações estavam adaptadas à dimensão do ecrã”, lembra. A vontade de desenvolver aplicações adequadas a cada tipo de dispositivo está muito mais do lado dos programadores, diz Francisco Jerónimo, recorrendo a um exemplo forte: apesar de o iPad e o Instagram coincidirem há vários anos, em 2022 continua a não existir uma versão da aplicação da rede social disponível para o iPad.
Risco dos dobráveis é “muito menor” para Samsung do que para a Apple
↓ Mostrar
↑ Esconder
O risco é uma das palavras-chave no lançamento de produtos tão desafiantes como os telefones dobráveis. E, nesse campeonato, a Apple tem mais a perder do que a Samsung na hora de correr riscos, acredita Francisco Jerónimo, da IDC.
“A Samsung tem sempre de abrir caminho em novas tecnologias e correr riscos” para concorrer com outras marcas, defende este especialista. “O risco para a Samsung é muito menor do que para a Apple”, até porque, enquanto a Apple tem uma boa parte do negócio dependente do iPhone, a empresa sul-coreana tem outras fontes de receita.
O risco de criar novas categorias já compensou para a Samsung no passado, relembra Jerónimo. “O Note correu bem, foi a categoria que criou os phablet [equipamentos de maiores dimensões, um híbrido entre um telefone e um tablet]. Acredito que os dobráveis vão ser uma categoria de mercado de massas nos próximos anos. A ideia de abrir um telefone e ter um ecrã de tablet é bastante interessante.”
Quem é que já aposta nos dobráveis – e a que preços?
A Samsung foi a primeira entre as marcas mais vendidas a fazer chegar um equipamento dobrável ao mercado – o Fold, anunciado no início de 2019, que revelou sérias fragilidades. Em abril, quando as primeiras unidades de teste chegaram às mãos dos jornalistas e críticos, foram realçados problemas com o ecrã do telefone. A empresa recolheu todos os equipamentos e adiou o lançamento do telefone, que só chegou às mãos dos consumidores no último trimestre de 2019.
Durante os primeiros meses após adiar o lançamento, a Samsung teceu comentários pontuais sobre o tema, mas, em julho de 2019, DJ Koh, na altura presidente executivo do setor de comunicações móveis da marca, admitiu que tinha havido uma falha no produto. “Assumo que me escapou alguma coisa”, disse num evento com a imprensa, na Coreia do Sul, onde o Observador esteve presente.
Líder da Samsung sobre EUA e Huawei: “Digo à minha equipa para não se aproveitarem disso”
Arrumados os contratempos da primeira geração do Fold, três anos depois a Samsung vai já na quarta geração de equipamentos dobráveis e com dois formatos. Enquanto o Fold é estilo um livro, o Flip aposta no conceito de concha. Os equipamentos mais recentes, apresentados este mês, são o Galaxy Z Fold 4 e o Galaxy Z Flip 4. No que toca a preços, o Flip 4 arranca nos 1.149 euros, enquanto o Fold 4 tem um preço recomendado a partir de 1.859 euros, com chegada às lojas marcada para 26 de agosto.
Samsung apresenta a quarta geração de telefones dobráveis. Fold 4 ultrapassa fasquia dos 1.850 euros
A tecnológica sul-coreana pode ter sido a pioneira entre as grandes marcas a ter um dobrável, mas não foi a primeira a fazer chegar o conceito ao mercado. Em janeiro de 2018, um ano antes da Samsung, a chinesa Royole apresentou no Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, um telefone dobrável, o Flexpai. Este equipamento podia ser aberto para revelar um ecrã de 7,8 polegadas.
Voltando às marcas de maior dimensão no mercado, a Huawei é outro exemplo de aposta nesta categoria de smartphone. Em 2019, a empresa apresentou o Mate X, o seu primeiro dobrável, que assumia um formato de livro aberto “ao contrário”, com preços de 2.300 euros. Este ano, em Milão, revelou mais um equipamento deste género para o mercado europeu, o Mate XS 2, depois de ter feito a apresentação do equipamento primeiro na China. Este modelo é o sucessor de apostas como o Mate X 2 ou do P50 Pocket, este último já com um formato concha. Em Portugal, o P50 Pocket custa cerca de 1.700 euros, embora existam já algumas promoções, que conseguem baixar o preço do equipamento até perto dos 1.500 euros.
Huawei. Experimentámos o smartphone com ecrã dobrável que custa 2300 euros
Uma vez que devido às sanções aplicadas pelos Estados Unidos a empresa não tem nem serviços da Google nem acesso a alguns componentes, o mais recente Mate XS 2 peca por não ter conetividade 5G, atualmente uma carecterística já habitual nos equipamentos premium, até pelo preço que ronda os 1.999 euros em alguns mercados europeus, como a Alemanha, que foi o primeiro mercado do velho continente a ter o anúncio, em maio deste ano, da disponibilidade do equipamento. Portugal ficou de fora da lista.
Numa vertente mais nostálgica, no final de 2019, a Motorola, marca que atualmente é controlada pela chinesa Lenovo, lançou o Razr 5G. Em jeito de homenagem a um dos modelos mais icónicos do início dos anos 2000, a marca manteve o formato concha, mas dotou o equipamento de um ecrã de dimensões generosas quando o telefone está aberto. Parte deste ecrã ocupa o espaço onde, no modelo original, fica o teclado alfanumérico do modelo original. À semelhança de outros modelos do género, este equipamento foi anunciado com preços na ordem dos 1.300 euros.
O Motorola Razr está de volta. Dobra, mas custa 1500 dólares
A Xiaomi também tem feito lançamentos de equipamentos dobráveis – este mês apresentou na China o Mix Fold 2, depois de se estrear em 2021 com um dobrável, o Mix Fold. Não há ainda indicação sobre quando é que este equipamento mais recente poderá chegar ao mercado europeu e em que faixa de preços.
As marcas chinesas são as que mais têm apostado nos telefones dobráveis, ainda que muitos desses lançamentos tenham ficado concentrados no mercado doméstico. Em dezembro de 2021, a Oppo (marca que chegou em abril de 2020 a Portugal), apresentou o Find N, um equipamento dobrável, que quando está aberto conta com um ecrã de 7,1 polegadas. A Honor, outrora uma marca pertencente à Huawei, que foi vendida para “escapar” às sanções dos EUA, desenvolveu o Magic V, apresentado em janeiro deste ano.
A TLC, também ela uma marca chinesa, tem feito algo ligeiramente diferente. Desde 2019 que Stefan Streit, gestor global de marketing da marca, tem falado com a imprensa sobre novos formatos de telefones dobráveis e, inclusive, demonstrado alguns conceitos de diferentes formatos. Mas até agora isso não se materializou num equipamento disponível no mercado. Streit tem demonstrado a vontade de fazer chegar ao mercado um dobrável abaixo dos mil euros o que, dado a gama de preços destes telefones, seria algo diferenciador. Em entrevista à PCGuia, em março deste ano, o gestor deixou no ar a possibilidade do anúncio de um dobrável em outubro deste ano.
Veja na galeria alguns dos modelos de smartphones dobráveis.
Quais as projeções de venda globais para os dobráveis?
As principais consultoras dedicadas ao mercado de smartphones são unânimes: ainda há um caminho a desenvolver até os dobráveis passarem de categoria de nicho a produto de massas. James Manning Smith, da CCS Insight, nota que o segmento de telefones dobráveis continua a ser uma franja de mercado porque é uma categoria ainda “limitada pelo pequeno número de modelos disponíveis à venda globalmente e pelo apetite limitado do consumidor devido aos preços super-premium”.
Além disso, enquanto no mercado asiático há um maior leque de produtos disponíveis, “os consumidores nos mercados principais da América do Norte e da Europa ocidental na verdade só têm duas opções neste momento – a linha Z Fold da Samsung e a Flip.” Na ótica deste analista, a partir do momento “em que a Apple se junte a este mercado, vamos ver a procura a crescer, mas até agora, o potencial de crescimento dos telefones dobráveis será limitado”.
A juntar à disponibilidade de modelos – ou à falta dela – este analista reconhece que a compra de um equipamento do género ainda é uma “decisão algo arriscada para os consumidores, particularmente pela faixa de preços destes dispositivos”. Em comparação com os modelos ditos mais “tradicionais”, os dobráveis ainda são uma “inovação recente e com isso podem surgir algumas dores de crescimento, à medida que os fabricantes aprendem o que funciona tanto em termos de hardware como de software”.
Para Francisco Jerónimo, da IDC, o crescimento deste segmento poderá ser acelerado a partir do momento “em que os ecrãs se tornem mais finos e as baterias tenham maior durabilidade”. Aí, acredita, será “muito mais fácil perceber a vantagem de um dobrável”. A IDC, consultora onde trabalha, apontou para um total de 7,1 milhões de unidades de telefones dobráveis vendidas globalmente em 2021 (tanto com os formatos “fold” como “flip”). Feitas as contas, representa um crescimento de mais de 264% face às 1,9 milhões de remessas de 2020. As estimativas da IDC – que Francisco Jerónimo assume serem “algo conservadoras” – apontam para um mercado de 27,6 milhões de unidades em 2025.
Também a consultora CounterPoint Research partilhou este mês projeções para o mercado de smartphones dobráveis. Este ano, esta companhia antecipa remessas de 16 milhões de unidades, o que representaria um crescimento homólogo de 73%. Para 2023, as projeções desta consultora antecipam que o mercado de foldables possa atingir as 26 milhões de unidades.
A análise da CounterPoint inclui também a quota de mercado das empresas que têm equipamentos disponíveis: no primeiro semestre, a Samsung dominou, com 62%, que poderá “chegar aos 80%” no segundo semestre, devido à chegada às lojas dos novos modelos. A companhia sul-coreana é seguida pela Huawei, com uma quota de 16%, e pela Oppo, com 3%. As restantes marcas com equipamentos dobráveis têm uma fatia do mercado de 18%.
É a febre dos dobráveis: o ano em que Barcelona dobrou os smartphones