Três anos e meio. Nunca um líder do Partido Popular (PP) espanhol tinha durado tão pouco tempo no cargo e nem que o estado de negação de Pablo Casado se prolongasse durante mais alguns dias faria qualquer diferença: Mariano Rajoy esteve 14 anos como presidente, José María Aznar, antes dele, tinha estado 13. Apesar de ainda não se ter demitido, a única dúvida é saber se deixa a liderança do partido ainda esta quarta-feira, como reclamam alguns dos “barões” do PP, ou apenas na próxima terça-feira. “Tem de demitir-se hoje, tudo o resto é um inferno desnecessário para ele”, disse esta quarta-feira ao El Mundo um dos cinco barões com cargos de governação. “Pode fazê-lo antes das 20h ou comunicar-nos durante a reunião”, acrescentou ainda, em referência ao encontro marcado para o início da noite e que ainda estará a decorrer.
Há cerca de 24 horas, Pablo Casado ainda acreditava que o desfecho poderia ser outro que não a saída da presidência do PP. “Fora da realidade” foi o mais brando que disseram esta terça-feira sobre o ainda líder os barões do partido, após serem chamados, um a um, ao número 13 da Calle Génova. Apesar de todos os acontecimentos das últimas semanas, e apesar da sua recusa em demitir Teodoro García Egea, mesmo quando todos no partido pediam a sua cabeça, Casado era ainda “um líder com um sopro de esperança”, descreveram ao El Mundo. Acreditava que, pelo menos, poderia “aguentar até ao congresso” do partido.
Problema: nessa altura, o afastamento do secretário-geral — “tóxico” foi o que Alberto Núñes Feijóo, presidente do governo da Galiza e o presumível senhor que se segue, lhe chamou — já não era o único sacrifício exigido ao líder. O momento de responsabilizar Egea pelos excessos da investigação a Isabel Días Ayuso — “cruel ataque político” foi o que a presidente da comunidade autonómica de Madrid preferiu chamar-lhe — já tinha passado, agora também ele ia ter de cair. “Se chegares até amanhã, vai ser um milagre, Pablo”, disse-lhe um dos seus interlocutores — ferido de morte, sim, mas a verdade é que chegou.
Não sem comoção — o El Mundo fala em pelo menos um dinossauro do partido em lágrimas e diz que todas as fontes que auscultou garantiram lamentar o “pesadelo pessoal” em que estava imerso o “amigo” —, esta terça-feira, todos os presidentes regionais do PP retiraram o apoio a Casado. Só ficou Ana Beltrán, líder do partido em Navarra e porta-voz do grupo parlamentar no Senado. “Estou chocada e profundamente ferida. Abandonaram-no um a um”, disse esta quarta-feira em entrevista à rádio Cope.
Antes do meio do dia, um deputado próximo de Casado telefonou-lhe e avisou: a liderança do Grupo Parlamentar Popular ia pedir a demissão de Egea e um congresso extraordinário para eleger um novo líder. “Solicitamos a destituição imediata do secretário-geral do PP”, dizia a carta, assinada por uma série de deputados, incluindo Pablo Hispán, o ex-diretor de gabinete de Casado, e Adolfo Suárez Illana, que em 2019 foi o número dois da lista eleitoral por Madrid.
Sem o apoio dos barões, dos deputados e dos altos cargos do PP, e ao mesmo tempo em que Egea apresentava publicamente a demissão do partido (sem, ainda assim, assumir quaisquer culpas: “Não me vou embora porque fizemos algo de errado, vou-me embora para facilitar um congresso”, disse em entrevista televisiva ao início da noite), Pablo Casado não teve outra opção senão atirar finalmente a toalha ao chão. Esta terça-feira, às 18h15, anunciou que ia convocar, para o mesmo dia da semana seguinte, uma reunião do Conselho Nacional para marcar o congresso extraordinário que há de eleger o novo líder do partido.
Não é crível que venha a recandidatar-se, como esta quarta-feira sugeriu Edmundo Bal, o porta-voz adjunto do Ciudadanos no Congresso, já depois de o líder do PP ter marcado presença na sessão de controlo parlamentar ao governo e de ter abandonado a sala sozinho, sob aplausos da sua bancada, logo depois de colocar a sua questão ao primeiro-ministro.
Eis como se deu a queda do liberal conservador, dono de um “currículo ‘inchado’”, que no verão de 2018, com apenas 37, ascendeu à presidência do PP e que, até há bem pouco tempo, permaneceu firme no cargo. Tudo começou há menos de duas semanas — e o início do fim começou, justamente, com a vitória de Ayuso em Madrid, com as eleições antecipadas que lhe deram uma quase maioria e a catapultaram para o Olimpo do PP.
O princípio do fim: a “vitória mais amarga” em Castela e Leão
Cavalgando a “onda Ayuso” – que, nas eleições antecipadas de 4 de maio de 2021, não só ficou à beira da maioria absoluta, passando de 30 para 65 deputados e afastando de vez o Ciudadanos do governo da comunidade autonómica de Madrid, como até somou mais votos do que os três partidos de esquerda juntos —, o chefe do governo de Castela e Leão anunciou no fim de dezembro que ia dissolver o parlamento.
Em causa, acusou Alfonso Fernández Mañueco, também presidente do PP naquela região, estavam as “faltas de lealdade” do Ciudadanos, seu parceiro de coligação — que idealmente deixaria de o ser após as eleições, convocadas para 13 de fevereiro deste ano.
Acontece que, ao contrário do que conseguiu Isabel Díaz Ayuso em Madrid, Mañueco não foi além dos 31 deputados eleitos, mais dois apenas do que nas eleições anteriores — e menos 10 do que precisaria para alcançar a maioria absoluta.
Com o Ciudadanos, que passou de 12 para 1 deputado e ficou arredado da discussão e da geometria do poder, estava criado um problema ainda maior para o PP, com a investidura pendente de dois cenários praticamente impossíveis: a coligação com o Vox, que trilhou o caminho inverso ao do partido de Inés Arrimadas, passando de 1 para 13 deputados, e podendo pela primeira vez fazer parte de um governo regional no país; ou com o PSOE, que elegeu 28 deputados e não se opôs à coligação, mas impôs uma condição.
Pedro Sanchèz deixou claro que, para dar indicação ao PSOE de Castela e Leão de que se devia abster e viabilizar a investidura de Mañueco, o PP tinha de rasgar os acordos parlamentares firmados com o partido de Santiago Abascal em Madrid, Murcia e Andaluzia — o que, por seu turno, poderia pôr em causa a governação do PP nessas regiões. Mas Sanchèz queria mais: além de terminar os acordos em vigor, o PP teria de se comprometer em criar um “cordão sanitário” em torno do partido de extrema-direita e garantir que o rasgar de acordos é “para sempre” e “em todos os territórios”.
Em vez de estabilidade e de uma possível catapulta em direção ao Palácio da Moncloa, Pablo Casado recebeu com estas eleições, ainda para mais naquele que sempre foi considerado um feudo histórico da direita, a “vitória mais amarga” da sua carreira, escreveu o El País logo a 13 de fevereiro, longe ainda de saber que estava dado o tiro de partida para o fim de Casado à frente do partido — e todas as convulsões por que ainda haveria de passar antes disso.
Ainda assim, Casado manteve-se firme na intenção de não dar a mão ao Vox e ordenou a Castela e Leão que não encetasse quaisquer negociações com o partido de Abascal. Do outro lado da barricada, Isabel Díaz Ayuso, com o cuidado de não mencionar o Vox e fazendo questão de garantir que não quer o lugar de Casado, optou pela estratégia oposta e pediu a Mañueco que formasse governo “contra este projeto totalitário que está a destruir a Espanha”: “Não nos interessa o que a esquerda pensa sobre os nossos pactos”.
Suspeitas e detetives: a investigação a Ayuso e o contra-ataque da mulher-forte do PP em Madrid
Há exatamente uma semana, dia 16 de fevereiro à noite, foi detonada a primeira explosão, ainda controlada pela cúpula do PP, que confirmava as notícias tornadas públicas sobre uma pretensa investigação a Isabel Díaz Ayuso.
Sim, a líder da comunidade autonómica de Madrid estava a ser investigada desde outubro, a propósito de um contrato de um milhão e meio de euros para a compra de máscaras FFP2 e FFP3. Um negócio que envolvia o seu irmão, que teria recebido uma comissão de cerca de 300 mil euros, assumiu a direção nacional do partido.
De acordo com as notícias veiculadas pela imprensa espanhola, o partido estava a investigar o negócio e não colocava de parte a hipótese de expulsar Ayuso, caso se confirmasse que Tomas Díaz Ayuso tinha sido favorecido num contrato público pela irmã. “Vamos ver o que aconteceu. Se tiver havido um crime, vamos investigá-lo, Pablo Casado exige exemplaridade”, disse ao El País fonte do número 13 da Calle Génova nessa mesma noite.
O pior — que é como quem diz, as explosões não controladas — viria depois: além da investigação formal, que chegou a incluir a audição de Ayuso, o PP teria contratado os serviços de detetives privados para tentarem aceder a informação bancária e a dados fiscais de Tomas Ayuso, revelou entretanto a imprensa espanhola.
Em conferência de imprensa, Teodoro García Egea, o secretário-geral do partido, desde esta terça-feira demissionário, começou por negar e avançou mesmo que o PP ponderava avançar com um processo judicial contra Ayuso.
Mas as notícias seguintes, reveladas pelo El Mundo, vinham acompanhadas de gravações em que se ouvia Álvaro González, presidente da EMV, empresa municipal na dependência do Ayuntamiento de Madrid, presidido por José Luis Martínez-Almeida, que também esta terça-feira se demitiu do cargo de porta-voz nacional do PP, a contactar pessoalmente um detetive para tentar encomendar serviços espionagem — e o jogo virou definitivamente.
Isabel Díaz Ayuso acusou a direção do partido de acometer um “cruel ataque político” contra si, ainda para mais “sem provas e envolvendo” a sua família. E, na passada segunda-feira, decidiu entregar ao Ministério Público toda a documentação sobre o dito negócio.
Celebrado com a chinesa Priviet Sportive em 2020, numa das fases mais dramáticas da pandemia, o contrato foi fechado por intermédio do irmão, que há décadas trabalha no setor da saúde como intermediário de negócios do género — mas aquilo que Tomas recebeu, garantiu também Ayuso em comunicado, foram honorários de trabalho e não uma comissão. O valor cobrado, para um contrato de 1,5 milhões de euros, não rondou os 300 mil euros, mas foi estabelecido em 55.580 euros mais IVA, acrescentou.
“A fatura à Priviet Sportive não é uma comissão por ter obtido um contrato com a administração, mas antes a cobrança de negociações para conseguir material na China e trazê-lo para Madrid, o que é diferente”, pode ler-se no texto enviado pela líder do governo de Madrid às redações.
Antes do fim de semana, no seio do PP, já tinham começado a soar os alarmes e Pablo Casado tinha sido fortemente pressionado para deixar cair Teodoro García Egea, o responsável pela investigação na cúpula do partido. A partir deste momento, também a sua cabeça começou a ser exigida.
Efeitos da crise devidamente medidos: pela primeira vez, sondagem deu liderança ao Vox
Foi a primeira vez que aconteceu e, na hora de analisar os resultados da sondagem contratada à SocioMétrica, o El Español não teve dúvidas: a “guerra interna” Casado-Ayuso está a ter “consequências catastróficas para o PP”.
Tornada pública no passado domingo, dia 20, a sondagem deu vantagem ao Vox sobre o histórico PP: 20,9% contra 20,1% das intenções de voto. Uma ultrapassagem quase sem margem (mas inédita) pela direita, que também deu vantagem ao PSOE, que obteve 25,8% — se as eleições fossem agora, Pedro Sánchez voltava a vencer e com 106 deputados, mais três que em 2019.
No dia seguinte, segunda-feira, um grupo de militantes, votantes e simpatizantes do PP punha a circular um manifesto, “Em defesa de um PP à altura de um grande País”, a exigir a convocatória urgente do comité executivo nacional, “para nomear uma liderança provisória que se encarregue dos assuntos ordinários do partido até à realização de um congresso”.
Tenemos que estar a la altura de nuestro país. Se lo debemos a nuestros militantes y a todos los españoles. pic.twitter.com/OJo1SLCFkO
— Adrián Pardo (@adrianpardo_es) February 21, 2022
Nesse mesmo dia, Alberto Núñez Feijóo, o líder do PP na Galiza, que já em 2018 tinha sido apontado como sucessor natural de Rajoy, defendeu publicamente que Pablo Casado devia tomar “decisões que não serão fáceis, serão decisões complexas, mas devem ser urgentes” e reconheceu o elefante no meio do partido: “Estaríamos a mentir se disséssemos que o problema está resolvido”.
Um dia antes, ao telefone com Casado, terá sido ainda mais direta a mensagem que deu ao líder do partido: “Tens de renunciar já.”
Uma vez que Ayuso garante que o seu caminho não é por aí — “O meu lugar é em Madrid e tenho um compromisso com o povo madrileno. Cidadãos que nunca votaram no PP votaram em mim e confiaram em mim, não posso abandonar esse compromisso”, já disse em várias ocasiões —, deverá ser mesmo Alberto Núñez Feijóo, 60 anos, o próximo a ocupar o número 13 da Calle Génova.
“Feijóo ainda não tomou a decisão e ainda não há nenhum plano ou nada organizado, mas desta vez as hipóteses de ele aceitar são de pelo menos 50-50″, dizia esta terça-feira ao El País um dirigente do PP próximo do barão do partido. Se assim for, contará com o apoio de três grandes, avançava o mesmo jornal: Alfonso Fernández Mañueco, Juan Manuel Moreno, presidente da Andaluzia, e a própria Isabel Díaz Ayuso.