Quando se cruzou com ela na zona de maquilhagem dos estúdios da SIC, em Carnaxide, na passada quarta-feira, dia 10 de janeiro, António Manuel Ribeiro demorou a reconhecer a amiga de há mais de 15 anos. “Vi uma pessoa sentada na maquilhagem, estava com aquele ar professoral, demorei a pensar: ‘Espera lá, isto é a Teresa!’. Ela não é assim, é muito menos produzida”, conta o vocalista dos UHF ao Observador.
Teresa Paula Marques ia entrar em direto no programa Queridas Manhãs, com Júlia Pinheiro e João Paulo Rodrigues, para promover a estreia, nesse domingo, de SuperNanny; António Manuel Ribeiro ia gravar um programa para a SIC Internacional, com José Figueiras.
Não conseguiram conversar mais do que cinco minutos: “Disse-me que já estava a ser difícil andar na rua, que a cara dela estava em todo o lado, até em autocarros, e que as pessoas iam falar com ela. Não vi o programa, mas confesso que fiquei um bocadinho com urticária quando ouvi dizer que era um reality show com crianças. Parece-me um enquadramento perigoso, não via a Teresa a embarcar numa coisa destas. Já para não dizer que ela não é assim, parece uma mandona, mas é uma pessoa muito afável, aquilo é um boneco”.
Desde que o primeiro episódio foi para o ar, no horário nobre do passado domingo, na SIC, a vida de Teresa Paula Marques, 52 anos no próximo dia 31 de janeiro, nunca mais foi a mesma. Elogiada por alguns, criticada por muitos mais — Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), Instituto de Apoio à Criança (IAC), Unicef Portugal e Ordem dos Psicólogos incluídos –, a psicóloga desde 1992, licenciada no ISPA (Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida), remeteu-se ao silêncio, terá apagado fotografias e vídeos das redes sociais e recusa dar entrevistas.
Antes disso, por telefone, ao Observador, questionada sobre se a exposição a que os menores estão sujeitos no programa pelo qual dá a cara não constitui uma violação ao código deontológico que está obrigada a cumprir, respondeu de forma seca: “Não estou no programa como psicóloga”. A polémica surge num momento particularmente delicado da sua vida: no próximo dia 29 de janeiro faz a defesa da tese de doutoramento, que começou em 2008.
[Veja no vídeo as polémicas de Supernanny nos outros países]
Do Tramagal a Júlio Isidro, passando pela Guiné
Nascida no Tramagal, Abrantes, em 1966, segunda filha de Cecília e Lúcio Oliveira Marques, Teresa Paula tinha apenas 3 meses quando seguiu com o resto da família e a reboque do pai, oficial do exército, para a Guiné, onde viveria até 1975.
Na biografia publicada no site da SIC, pode ler-se que foram nove anos “passados em constantes viagens entre África e Portugal”, durante os quais chegou a mudar, num período de apenas quatro anos, oito vezes de escola. “Da sua infância guarda memórias muito felizes”, diz o texto, que passa diretamente do regresso à zona de Lisboa, no pós-guerra colonial, para a entrada no ensino superior, em 1987. Sobre o facto, divulgado entretanto pela TV Guia, de que terá pago os estudos universitários trabalhando como modelo, não há qualquer referência. A mesma revista revelou que o pai e o irmão, quatro anos mais velho, morreram durante a década de 80, ainda antes de ela entrar na universidade.
Júlio Isidro, que apadrinhou a entrada de Teresa Paula na televisão (“O Júlio Isidro lança toda a gente, lança cantores e até lança psicólogos!”, brinca o apresentador ao telefone com o Observador), também não se recorda de qualquer ligação à moda.
Foi em 1995, no programa da TVI Dar que Falar, que a conheceu: “Era muito novinha, simpática, bonita e elegante, mas não a contratámos como modelo! Tinha terminado o curso há pouco tempo, alguém me falou dela, já nem me lembro quem, e convidei-a para o naipe de comentadores que tinha no programa. Fazíamos ali uma tertúlia interessante, sobre questões de caráter social, e ela falava sobre a parte da psicologia. Era muito tranquilizadora e até muito madura para a idade que tinha”.
Na altura, a psicóloga já colaborava com algumas revistas — começou com a Teenager, logo em 1992, onde respondia às dúvidas dos adolescentes; continuou gradualmente e assinou em títulos mais ou menos sonantes como Mariana, TV Mais, Caixa Activa, Ageless, Certa, Professor +, Flash, Viver com Saúde, Abarca, Correio da Manhã e Pais & Filhos. Só faltava uma coisa: escrever um livro. Ou dois, ou três, ou cinco.
Quando foram apresentados, por uma amiga comum, no início dos anos 2000, José Borges Marques percebeu logo que Teresa Paula tinha um nível de ambição acima da média. A dar consultas de psicologia, em consultório e numa escola, na zona de Sobral de Monte Agraço, já era autora de “Cada Jovem é um Caso” (Editora Teenager, 1996), mas queria mais.
“Era uma pessoa simples, normalíssima, mas muito ambiciosa, queria subir na sua vida profissional, tinha o objetivo de ir mais longe e de procurar novos voos”, recorda o então responsável editorial da Garrido, editora com sede na Chamusca e gráfica em Alpiarça. “Fomos conversando sobre o que ela queria publicar até que chegou a possibilidade de fazer o trabalho. Ela era uma pessoa inteligente que gostava de ler e de escrever, o livro foi publicado sem cortes nem censuras”, recorda José Borges Marques.
“Como lidar hoje com os filhos” foi publicado em 2002. “Eu é que li os originais, já na altura era muito atual, estava muito bem feito”, avalia Joaquim Garrido, proprietário da entretanto extinta editora. “Ela ainda era uma bebé quando apareceu para publicar e eu acreditei nela. Foi distribuída a nível nacional e a edição desapareceu quase toda”, garante. Só não consegue precisar exatamente quantos exemplares foram publicados: “Na altura tanto fazíamos contratos com 500, como com 1000, como com 2000…”.
Como professora é exigente, perfeccionista e autoritária
Na realidade, Teresa Paula Marques não seria assim tão nova: tinha 36 anos e mantinha-se, como hoje, solteira e sem filhos, focada na carreira, por seu turno cada vez mais centrada nas crianças e jovens. Para trás já tinha ficado mais uma experiência em televisão, como psicóloga residente do programa da SIC para adolescentes Muita Lôco. Dava aconselhamento a pais, fazia sessões de esclarecimento em escolas. Depois do mestrado e de uma pós-graduação em Avaliação e Intervenção Psicológica em Contexto Educacional, estava prestes a iniciar o doutoramento em Psicologia da Educação, sob o tema “Estar Online, Viver Offline — riscos e oportunidades criadas pelo Facebook para os jovens da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e Macau”.
Também dava aulas de Psicologia do Desenvolvimento, na Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, em Lisboa, a estudantes do primeiro ano de Enfermagem. Entre os alunos tinha fama de ser exigente, perfeccionista e autoritária. “Gostava muito que seguíssemos a maneira de pensar dela. Era boa professora, mas pouco disponível quando as ideias não eram bem as dela, não dava para discutirmos pontos de vista, como fazíamos com outros professores”, recorda uma ex-aluna do curso de 2006, hoje enfermeira, que prefere não ser identificada.
“Uma vez tive de fazer um trabalho sobre crianças que roubam. Ela tinha a teoria de que todas as crianças o fazem conscientemente e eu encontrei vários artigos que diziam o contrário. Gerou-se ali um conflito, chegou até a haver discussão, porque não aceitava o outro ponto de vista. Claro que acabou por levar a dela avante e a minha nota foi mais baixa do que as do resto da turma, já não me lembro se tive 15 ou 16.”
Sempre foi assim, de forma assertiva e segura, já bem menos sorridente e descontraída do que nos tempos em que falava sobre bebedeiras e depressões infantis no Muita Lôco, que Teresa Paula Marques se apresentou nas televisões nos últimos anos, convidada regularmente para comentar casos da atualidade.
Sobretudo na CMTV e na SIC, a psicóloga interveio a propósito de tudo um pouco, desde questões relacionadas com luto a casos de infanticídio, passando por episódios de extorsão sexual na Internet ou de crianças presas a cadeado pelos pais no quintal.
Como explicou à revista Sábado, dias antes da estreia de SuperNanny, o primeiro programa onde em vez de como psicóloga surge como “educadora”, está habituada a defender as suas ideias e não teme que discordem dela: “Vai haver polémica. Haverá pessoas que gostam e outras que não, por exemplo os mais permissivos vão discordar. Estou preparada. Eu respeito as críticas desde que sejam construtivas. Mas não tenho a ilusão de agradar a toda a gente”.
Não agrada. Nem sequer aos próprios amigos. “Aquilo não é, parece-me a mim, a Teresa. Se calhar, para dar um ar, não digo de autoridade, mas que imponha mais respeito… No seu dia-a-dia a Teresa é uma pessoa muito mais simpática e empática”, diz Marcelo Teixeira, fundador da Parsifal e editor da psicóloga na Oficina do Livro (“Ninguém me Entende!”, 2006, e “Clínica da Infância”, 2011).
De Teresa Paula Marques, com quem falou pela última vez há cerca de dois meses, por telefone (“Disse-me que estava envolvida num novo projeto, estava entusiasmada”), recorda a capacidade de trabalho e empenho, nos livros como no doutoramento, e a extroversão: “O lançamento de um dos livros foi na Fnac do Colombo, com casa cheia. A Teresa é uma pessoa extraordinária”.
Apesar de garantir que não assistiu ao primeiro episódio de SuperNanny, Marcelo Teixeira estranha que a psicóloga tenha acedido participar num formato que compara a programas como Big Brother ou Casa dos Segredos. “São programas que pisam um bocadinho o risco para ter audiências e que considero um pouco abjetos, mas a verdade é que são uma tendência mundial… A Teresa sempre teve uma grande preocupação com as crianças, acredito que tenha ponderado muito bem, mas que genuinamente não tenha visto alguns aspetos negativos, caso contrário não se teria metido nisto”, conclui.
Cinema, doces, ciganos e seropositivos
A leveza com que a própria se apresenta num dos vídeos promocionais de SuperNanny pode até ser prova disso mesmo. A propósito de um programa onde irrompe, acompanhada de várias câmaras, pelas casas de pais e filhos menores para avaliar e expor o comportamento dos mesmos, sem caras tapadas nem vozes distorcidas, Teresa Paula Marques partilha com os telespectadores alguns dos seus hobbies. “Gosto de fazer doces, gosto de ir ao cinema, gosto de escrever. Se não fosse psicóloga certamente seria jornalista”, enumera pausadamente.
Na versão escrita da biografia, no site da SIC, surgem outros detalhes: “Depois de terminar o seu curso, trabalhou dois anos num bairro com famílias de etnia cigana, seguindo-se o desafio de trabalhar com pessoas seropositivas e respetivas famílias, às quais dava apoio psicológico e aconselhamento”.
Nas aulas que até 2011 deu a estudantes de enfermagem, nunca falou destas experiências, preferia relatar os exemplos práticos que trazia do consultório, já muito centrada nas questões das crianças e da parentalidade, recorda a ex-aluna entrevistada pelo Observador. Terá sido exatamente por causa dessa especialização que Júlio Isidro se lembrou de a chamar para uma edição comemorativa do Dia da Mulher em 2015, na RTP Memória. Lista de convidadas: Maria de Belém, Raquel Varela, Inês Pedrosa, Fernanda Lapa, Eugénia Mello e Castro, Simone de Oliveira e Teresa Paula Marques.
“Foi um dia inteiro a fazer entrevistas a mulheres, das mais variadas atividades, foram para aí umas 12 horas, gosto dessas maratonas. Mais do que de notoriedade, que na minha opinião é uma coisa que vale o que vale, registei um grande progresso em termos de trabalho por parte da Teresa. Quando a conheci, estava a começar, agora era uma pessoa lançada na vida“, lembra o apresentador.
Faltava (pelo menos) mais um salto. Depois de todas as críticas, comunicados e ações legais contra o programa, a que a CPCJ, em articulação com o Ministério Público, já deu ordem para retirar do ar, resta saber como aterra desta vez a SuperNanny.