Índice
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Após uma série sobre a história dos frutos e seus nomes…
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 1: Dos limões-pomposos às pêras-jacaré
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 2: Melões valencianos e pepinos-serpente
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 3: Maçãs de algodão e sicofantas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 4: Ratos vegetais e bagas peludas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 5: Cerejas-dos-lobos e maçãs-das-bruxas
…e de uma série similar sobre legumes….
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 6: Abóboras-do-cambodja e narco-alfaces
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 7: Pêssegos-dos-lobos e maçãs-insanas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 8: Nabos-suecos e erva-dos-pardais
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 9: Maçãs-do-diabo e pêras-da-terra
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 10: Feijões-de-porco e ervilhas-quadradas
…esta é a última de sete partes sobre a história das especiarias e ervas aromáticas e da sua nomenclatura, cujas partes anteriores podem ser lidas aqui:
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 11: Grãos-do-paraíso e bafo-de-dragão
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 12: Ninhos de fénix e as ilhas do Maluco
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 14: Oito cornos e a maratona do Funchal
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 15: Ninfas assediadas e dragõezinhos mongóis
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 16: A essência da vulgaridade e o mosto ardente
Cacau
O cacau é obtido das sementes do cacaueiro (Theobroma cacao), uma árvore de clima tropical que tem a peculiaridade de os seus frutos, que, quando maduros, pesam cerca de 500 gramas, brotarem directamente dos troncos e não das extremidades dos ramos jovens, como é usual noutras árvores de fruto. O cacaueiro é originário de uma vasta área que se estende do sudeste do México até à bacia amazónica e terá sido “domesticado” na América Central por volta de 1600 a.C.
Os maias e aztecas tinham uma longa tradição de consumo de bebidas preparadas a partir de cacau, ainda que com características bem diferentes das bebidas de cacau que depois se tornaram populares no Ocidente: tinham gosto pungente, aspecto espumante e eram encaradas como “bebidas energéticas”, estando por vezes o seu consumo associado a contextos cerimoniais. O hábito de beber cacau foi importado para a Europa, mas foram precisos muitos anos para que a bebida mudasse de natureza, e mais anos ainda para que alguém se lembrasse de converter o cacau num alimento sólido – o chocolate.
Quando, em 1753, Carl Linnaeus atribuiu nome científico ao cacaueiro deve ter tido presente as lendas maias e aztecas e deu ao género a designação “theobroma”, que significa “alimento dos deuses”. Na maior parte das línguas do mundo, o cacau tem uma designação menos grandiloquente e que é similar à portuguesa. A origem está no “kakawa” dos olmecas e no “kakaw” dos maias, que deu origem ao “cacahuatl” do nahuatl (a língua falada pelos aztecas) e, por sua vez, ao “cacau” dos espanhóis – o inglês converteu-o em “cocoa”, por influência de “coco”.
Também a designação do “chocolate” é muito semelhante em quase todas as línguas e terá origem no espanhol “chocolate” – até numa língua tão remota quanto o japonês (“chokorēto”) – embora haja alguma polémica em relação à origem desta. É usual que se credite o nahuatl “xocolatl”, que provirá de “xococ” (amargo) + “atl” (água), mas há quem aponte que esta palavra não existia no léxico nahuatl, em que a bebida de cacau era conhecida pelo mesmo nome que a semente de cacau (“cacahuatl”), e sugira que a palavra “xocolatl” foi cunhada pelos espanhóis, a partir do maia “chokol” (quente) e do azteca “atl” (água) – é de registar que os maias tinham o hábito de tomar a sua bebida de cacau quente, enquanto os aztecas a preferiam fria.
O apreço azteca pelas bebidas de chocolate deu também origem à palavra portuguesa “xícara”, que provém, através do espanhol “jícara”, do nahutal “xicalli”, que designava os recipientes usados pelos aztecas para tomar essas bebidas.
Baunilha
A combinação de baunilha e chocolate tem já meio milénio e começou por ser praticada pelos aztecas, que, após terem submetido o povo totonaca, que habitava na costa oriental do México central, descobriram que as tradicionais bebidas aztecas com cacau ganhavam em ser aromatizadas com baunilha, uma especiaria que os totonacas obtinham através da cura e secagem das vagens da Vanilla, um género de orquídea que crescia nessa região.
Consta que terá sido Hernán Cortés, que conquistou o Império Azteca em 1521, a trazer a baunilha para a Europa e não tardou que os espanhóis seguissem o exemplo azteca de casar baunilha e cacau. O uso da baunilha como especiaria espalhou-se pela Europa, mas o mesmo não se passou com a planta, que, fora do México, não produzia fruto. Só em 1837 o botânico belga Charles Morren compreendeu que a polinização da Vanilla dependia em exclusivo de uma espécie mexicana de abelhas, que desenvolvera com a baunilheira uma relação simbiótica.
A tentativa de introduzir a abelha nas plantações de baunilha fora do México não teve sucesso e só em 1841 um jovem escravo negro na ilha de Reunião descobriu que a planta podia ser polinizada manualmente – método laborioso que, na falta de melhor alternativa, continua a ser o usado actualmente.
Embora a baunilha possa ser obtida das vagens de uma vintena de espécies do género Vanilla, a que tem hoje mais significado comercial é a V. planifolia. A V. pompona é relevante na América Central e do Sul e a V. tahitiana parece ser, não uma espécie autónoma, mas um cultivar da V. planifolia.
O sabor e aroma característicos da baunilha provêm sobretudo da substância vanilina, que foi isolada em 1858. 26 anos depois, foi descoberto na Alemanha um processo industrial para a sintetizar e a vanilina artificial (que hoje é obtida por uma via diferente, de base petroquímica) tem largo emprego na indústria alimentar, ainda que a baunilha natural seja tida em maior apreço e reservada para os usos mais nobres (sendo, como é óbvio, bem mais cara).
A produção de baunilha é liderada por Madagáscar e Indonésia (37% e 29% do total mundial, respectivamente), surgindo o seu país de origem num distante 3.º lugar, seguido pela Papua-Nova Guiné.
Os aztecas chamavam à baunilheira “tlilxochitl”, que significa “flor negra”, o que é incongruente, já que a flor é branca e são as vagens que, quando secam, se tornam negras. Nem o nome dado pelos aztecas nem o dado pelos primeiros cultivadores da planta, os totonacas – “caxixanath” – foram adoptados pelos espanhóis, que preferiram chamar-lhe “vainilla”, diminutivo de “vaina”, palavra espanhola que tanto designa “vagem” como “bainha”, no sentido de bainha de espada (o que também assenta bem à vagem alongada e curva da baunilheira), e que tem, por sua vez, origem no latim “vagina” (que em português se desdobrou também em “bainha” e “vagina”).
Como foram os espanhóis a revelar ao mundo a baunilha, todos os povos os seguiram: do inglês “vanilla” ao húngaro “vanília”, passando pelo francês “vanille”, pelo croata “vanilija” e pelo basco “banilla”.
Café
As bagas produzidas por alguns arbustos do género Coffea, após serem submetidas a torrefacção, servem para preparar uma bebida que conquistou o mundo: o café. A espécie mais cultivada de cafeeeiro é a Coffea arabica, originária da Etiópia e Somália, secundada pela Coffea robusta (ou Coffea canephora), originária das regiões central e ocidental da África sub-sahariana. A Coffea robusta requer, como o nome indica, menos cuidados, é mais resistente a doenças e pragas, produz café com teor de cafeína mais elevado, é dominante nas plantações do Sudeste Asiático e do Uganda e representa 40% da produção mundial.
A Coffea arabica foi introduzida na Península Arábica – que ficou inscrita no seu nome científico –, mais precisamente no Yemen, que durante séculos deteve praticamente o monopólio da produção de café e o exportava através do porto de Mocha. Após o café ganhar popularidade na Europa, no século XVIII, o cultivo do cafeiro acabou por difundir-se por várias regiões tropicais do planeta e a produção no Yemen entrou em acentuado declínio, pelo que a presença deste país no mundo do café dos nossos dias está circunscrito à terminologia. Do porto yemenita de Mocha vêm a designação de “café moca” (português, espanhol), “mocaccino” (italiano, francês), “caffè mocha” (inglês), aplicada a uma bebida de café, chocolate e leite; e a designação de “cafeteira moca”, aplicada a um recipiente destinado a preparar café inventado pelo engenheiro italiano Alfonso Bialetti em 1933.
A designação do café – que se aplica quer às sementes quer à bebida com elas preparada – é uniforme por toda a Europa, do “coffee” inglês ao “kofe” russo, do “kahvi” finlandês ao “kahve” turco, do “kaffia” basco ao “kohv” estónio. Provém do antigo reino de Kaffa ou Kefa, no sudoeste da Etiópia, através do árabe “qahwah, e terá entrado na maioria das línguas europeias através do “caffè” italiano.
Italiana é também alguma da terminologia do café-bebida: “capuccino” alude à semelhança de cor entre esta mescla de café e leite e os hábitos dos frades capuchinhos (cujo nome provém, por sua vez do capuz que fazia parte da sua indumentária); “macchiato” significa, literalmente, “manchado”, aludindo à “mancha” de leite adicionada ao café; “espresso” alude à sua forma de preparação, que usa pressão para forçar a água próxima do ponto de ebulição a passar por uma camada de grãos de café finamente triturados; “latte” refere-se ao leite que é adicionado ao café na proporção de 3:1.
Em Portugal, surgiram duas designações alternativas para o café-bebida, “bica”, que provém da tubagem por onde o líquido é vertido a partir da máquina de café; e “cimbalino”, de uso restrito à região do Porto (e a cair em desuso), a partir da marca de uma máquina de café de fabrico italiano, La Cimbali, comum nos cafés da cidade a partir da década de 1950.
Chá
No sentido estrito, chá designa a bebida preparada com as folhas secas e curadas do arbusto Camellia sinensis, ainda que se empregue também o termo chá no sentido lato para infusões de outras folhas, ervas, cascas de frutos ou raízes, da hortelã ao limão, passando pela camomila e pelo gengibre.
A Camellia sinensis é originária do sudoeste da China e norte da Birmânia e foi na China que o consumo de chá teve início – segundo reza a lenda graças a Shennong, uma figura mítica que é vista como o pai da agricultura e da medicina tradicional chinesa e a quem é creditada a invenção do calendário e das principais utensílios de lavoura e a revelação à humanidade dos benefícios e utilidade de incontáveis espécies de plantas. Em 2437 a.C. (data assaz precisa para uma figura com a consistência do fumo), estava Shennong a ferver água para beber sobre um lume de ramos de planta de chá quando a corrente ascensional de ar quente fez tombar no caldeirão algumas folhas de chá. Estava inventada a bebida que se tornaria na mais consumida a nível global e que desempenharia papel crucial na marcha da história.
Os historiadores situam o início do consumo regular de chá bem mais tardiamente, no início da dinastia Tang (618-907 d.C.). Chegou rapidamente à Coreia e ao Japão, mas manteve-se confinado ao Extremo Oriente: o mundo islâmico manteve-se apegado ao “chá” de hortelã e a Europa só descobriu o chá quando os portugueses começaram a visitar a costa chinesa, no início do seculo XVI.
O caracter chinês para “chá” – cujo primeiro uso ocorre no tratado O clássico do chá, redigido por Lu Yu c.760-62 d.C. – tem duas pronúncias distintas, “te” no dialecto min e “tcha” em cantonês e mandarim, levou a que o resto do mundo se dividisse na designação a dar à nova bebida: parte delas deriva do holandês “thee”, pois os holandeses, que desempenharam papel pioneiro na difusão do chá na Europa, comerciavam chá na região de Fujian e Formosa, onde dominava a pronúncia “te”. E assim surgiram nas línguas europeias o espanhol “té”, o italiano “tè”, o francês “thé”, o inglês e holandês “tea”, o alemão e finlandês “tee”, o dinamarquês, norueguês e sueco “te”, ou o húngaro “tea”.
Já os portugueses, que também foram pioneiros no comércio europeu do chá, mas que se abasteciam em Macau e Cantão, onde dominava a pronúncia “tcha”, adoptaram a designação “chá”. O som “tcha” prevaleceu também no japonês, coreano e vietnamita, embora não por influência portuguesa, pois estas regiões já conheciam o chá antes de os portugueses terem chegado à Ásia.
Uma terceira forma terá resultado da difusão do chinês “tcha” através da Ásia Central, convertendo-se no persa “chay” (pronunciado como “tchai”), que deu origem ao árabe “shay”, ao urdu “chay”, ao hindi “chāy”, ao russo “chay” e ao turco “çai”, com este último a influenciar a zona dos Balcãs, gerando o grego “tsái”, o albanês “çaji”, o romeno “ceai” ou o croata “čaj”.
As únicas línguas que não caem num destes três grupos são as da região de origem do chá, que, por o conhecerem há muito, não ficaram dependentes da influência chinesa. E também o polaco “herbata” e o lituano “arbata”, que derivam do holandês “herba thee”.
Uma pseudo-etimologia da palavra inglesa “tea” pretende que esta representa as iniciais de “Transporte de Ervas Aromáticas”, identificação que teria sido impressa nas caixas com chá que Catarina de Bragança teria levado para Inglaterra como parte do dote de casamento.
Existem vários tipos de chá – branco, amarelo, verde, ulung (ou oolong), preto – mas todos eles provêm da Camellia sinensis, o que difere é o tipo de folhas colhido e o processamento, com o grau de oxidação a aumentar do chá branco, feito com botões e folhas imaturas que são colocadas a secar naturalmente, ao sol, para o chá preto, em que, após a secagem, as folhas são esmagadas e deixadas “fermentar” (na verdade oxidadas em condições controladas de temperatura e humidade) e novamente secas. O chá oolong, que tem um grau de oxidação intermédio, tem designação proveniente do chinês “wūlong”, que significa “dragão negro”, embora hoje seja mais conhecido na China por “qingcha” (chá verde-escuro).
Desempenhando a China papel tão central na história do chá, é natural que tenha influenciado também o vocabulário dos utensílios associados à bebida: assim, “chávena” provém do malaio “chavan”, que, por sua vez, provém da designação do recipiente em mandarim: “chawan”. Há, todavia, uma diferença fundamental entre os recipientes para beber chá da China e Japão e do mundo ocidental: os primeiros não têm asa, pois nesses países o chá é bebido a temperaturas relativamente baixas – que são aquelas que melhor permitem apreciar as qualidades organolépticas da bebida – enquanto na Europa se ganhou o hábito de beber o chá tão quente quanto possível, o que faz com que se esbatam as diferenças entre os chás mais requintados e os mais vulgares e adulterados.
Já o “bule” e o “pires” provêm do malaio “buli” e “piring”, respectivamente. Os ingleses chamam “saucer” ao pires, a partir do francês medieval “saussier”, por sua vez com origem no latim “salsarium”, que designava um recipiente para molhos. O francês moderno “saucière” mantém o significado de recipiente para molhos e usa “soucoupe” (“sob a taça”) para designar o pires.
A China é hoje o maior produtor mundial de chá, seguida pela Índia e, a maior distância, pelo Quénia e Sri Lanka – os quatro países representam 75% do total mundial.
Açúcar
Durante milénios, a únicas fonte relevante de açúcar concentrado na dieta humana foi o mel, embora nalgumas regiões fossem extraídos xaropes de algumas espécies vegetais. Mas no Sudeste Asiático, há cerca de 10.000 anos, houve quem descobrisse que do caule da cana-de-açúcar (Saccharum sp.) podia obter-se um líquido rico em açúcar. Por esta altura, o uso alimentar dado à cana-de-açúcar era rudimentar e passava por chupar secções do caule cru.
Existem diversas espécies de cana-de-açúcar, crendo-se que a que tem hoje mais relevância agrícola, a S. officinarum, terá origem na Nova Guiné, tal como a S. edule, enquanto a S. barberi será originária da Índia, embora as distinções geográficas tenham sido esbatidas pelas trocas comerciais. Terá sido na Índia que se desenvolveram processos de cristalização e refinação da seiva açucarada, tornando-a numa mercadoria facilmente transportável.
A palavra portuguesa “açúcar”, tal como a espanhola “azúcar”, provém da designação da substância em sânscrito, “sárkarā”, através do persa “shakar”, do árabe “sukkar” (com eventual passagem pelo grego clássico “sákkharis”) e do árabe hispânico “as-sukkar”. O árabe “sukkar” converteu-se no italiano “zucchero”, que deu origem ao francês “sucre” e este deu origem ao inglês “sugar”. As restantes línguas europeias tomam caminhos similares: de “sukker” em dinamarquês a “suhkrud” em estónio, de “sokerit” em finlandês a “zucker” em alemão (o fundador e proprietário do Facebook é, portanto, uma “montanha de açúcar”, ainda que cada vez mais gente ache que o império cibernético do Sr. Zuckerberg ainda nos dará muitos amargos de boca).
A aparente divergência nalgumas línguas da Europa de Leste – “cukor” em húngaro e eslovaco, “cukier” em polaco, “cukr” em checo – dissipa-se se atendermos a que o “c” inicial se pronuncia “ts”. A Europa pode divergir em quase tudo, mas até o Grupo de Visegrád está de acordo sobre o que é doce.
O “sheqer” albanês, tal como “șeker”, em turco, vêm do persa “shakar” e o “zahar” albanês também, através do intermediário grego “záchari” (do grego clássico “sákkharis”).
Confeitaria sortida
O termo inglês “candy”, que designa qualquer artigo de confeitaria que tenha açúcar como ingrediente principal, radica no sânscrito “khanda”, que designava os torrões de açúcar que resultavam da fervura do suco da cana-de-açúcar, passando pelo árabe “qandi” e pelo francês medieval “candi”.
O caramelo, obtido através do aquecimento do açúcar a c.170ºC, provém do espanhol “caramelo”, por sua vez com origem no provençal “calamelus”, a partir do latim “calamelus”, que poderá ser entendido como um diminutivo de “calamus” = cana (de-açúcar), ou equivalente a “canna mellis” (cana de mel, isto é, cana-de-açúcar).
As restantes línguas europeias – bem, como o turco – usam designações muito semelhantes, do “karaméla” grego ao “karamell” húngaro.
O algodão-doce é uma criação relativamente recente: foi inventado em 1897 por William Morrison, um dentista de Nashville, Tennessee, que os espíritos mal-intencionados acusarão de estar assim a assegurar um fornecimento de futuros clientes para o seu consultório. O algodão-doce teve a sua grande estreia na Exposição Universal de 1904, em St. Louis, com o delicioso nome de “fairy floss”, ou seja “seda das fadas”, que caiu em desuso e deu lugar a “cotton candy” (“candy floss” no Reino Unido). A combinação de algodão e doce prevalece no espanhol “algodón de azúcar”, no alemão “zuckerwatte”, no polaco “wata cukrova”, no checo “cukrová vata”, ou no húngaro “vattacukor”, enquanto a ideia de “açúcar fiado” domina no italiano “zucchero filato” em italiano, no holandês “zuickerspin” ou no norueguês “sukkerspinn”; os franceses preferem realçar a semelhança com uma veneranda barba: “barbe à papa”.
A confeitaria, arte que seria difícil de conceber sem o açúcar, provém do termo italiano “confetto”, que designa genericamente doces à base de açúcar e provém, por sua vez, do latim “conficere” = “cum” + “facere”, isto é juntar, preparar.
O “confeito” português acabaria por fazer uma longa viagem até ao Japão, onde se converteu em “konpeitō” – o processamento e uso culinário do açúcar estava ainda num estado incipiente no Japão, o que permitiu que, em 1569, o missionário jesuíta Luís Fróis usasse um frasco de confeitos como moeda de troca para obter autorização do poderoso daymio Oda Nobunaga para as acções de evangelização da Companhia de Jesus.
A origem italiana do vocábulo explica-se por, a partir do século XV, Itália se ter tornado num dos principais centros de confeitaria da Europa – Veneza tinha fama pelas esculturas em açúcar, Génova pela fruta cristalizada, Cremona pelo nogado branco, Cologna Veneta (região que fazia então parte da República de Veneza) pelo nogado castanho.
Foi também na Itália do final da Idade Média que surgiu o hábito de, nos corsos carnavalescos, os foliões se bombardearem mutuamente com doces (os nobres) e fruta e ovos podres (a populaça). As autoridades acabaram por interditar o arremesso de ovos, mas o hábito dos nobres de arremessar doces persistiu – a partir do século XVIII, os projécteis doces mais comuns eram sementes de coentro recobertas de açúcar, conhecidas como “coriandolo” (o nome do coentro em italiano). Estando interditos os ovos, os pobres, que, apesar de o açúcar se ter tornado mais barato, não podiam dar-se ao luxo de o usar como projéctil, passaram a atirar bocados de giz, mas estes foram crescendo em dimensão e acabaram por causar estragos, pelo que também foram proibidos. Em 1875, Enrico Mangili, um astuto negociante milanês, comercializou para fins lúdicos carnavalescos um sub-produto sem préstimo – pequenas rodelas de papel provenientes da perfuração das folhas usadas para forrar as caixas dos bichos-da-seda, então uma relevante indústria local: os foliões sem posses passaram a atirar uns aos aos outros papelinhos coloridos, que, por afinidade com o objecto que pretendiam substituir, receberam o mesmo nome: “confetti”. Com diferenças mínimas, é este o seu nome em todo o mundo, excepto (como tantas vezes acontece) no país de origem, onde é denominado “coriandoli”, reservando-se o termo “confetti” para o seu significado original, de sementes revestidas a açúcar.
Próximo do confetti italiano está a dragée francesa, termo que designa uma amêndoa envolta em açúcar e mel endurecidos (receita criada em 1220 por um boticário de Verdun) e que provém do grego “trágēma” (guloseima, doce comido no final da refeição).
A designação “dragée” ganhou adeptos pela Europa (é designada por “dragée” ou algo similar em inglês, alemão, holandês, dinamarquês, norueguês, sueco, estónio ou esloveno), mas em Portugal drageia está hoje sobretudo associada ao significado de pílula farmacêutica, pelo que alguns poderão interrogar-se porque razão uma das personagens principais do bailado O quebra-nozes (1892), de Tchaikovsky, tem o nome de Fé Dragée (Fada Drageia), quando o imaginário da obra envolve brinquedos e guloseimas e a acção decorre no palácio de Confiturenburg, no Reino das Delícias.
[“Danse de la Fée Dragée”, de O quebra-nozes, pela Orquestra Sinfónica de Londres]
O praliné, um doce de origem francesa que consiste numa amêndoa torrada envolta em açúcar (que não deve ser confundido com o doce belga de amêndoa e chocolate com o mesmo nome), provém, como nas outras línguas, do francês “praline”, por ter sido inventado por Clément Jaluzot, cozinheiro-chefe do marechal César de Choiseul, conde de Plessis-Praslin (1598-1675). Ficou imortalizado no léxico o patrão, não o cozinheiro, pois os chefs estavam então longe de desfrutar do prestígio que hoje têm e que supera o de qualquer marechal, caudilho ou condottiero.
Nogado, uma mescla sólida de açúcar (ou mel), amêndoas e nozes (no sentido lato do termo), terá vindo do francês “nougat”, por sua vez com origem no provençal “pan nougat”, a partir do latim “panis nucatus” (bolo de nozes), ainda que o conceito pareça ter surgido independentemente na Ásia Central. A maioria das línguas europeias emprega vocábulos similares para o “nogado, com excepções como o italiano “mandorlato” (de “mandorla” = amêndoa), que tem eco no grego “mantoláto”.