Tecnicamente, não é possível chamar-lhe “crise dos 30”, mas a angústia e frustração que atinge quem passa por esta fase é real. Não é necessariamente uma banalidade, nem tampouco um exagero de quem não está habituado às adversidades da vida. E antes que culpemos apenas a geração dos Millennials pela “crise”, vale a pena recordar um artigo do The New York Times sobre exatamente o mesmo assunto, publicado a 9 de maio de… 1977. Este artigo em particular conta a história de pessoas que há 41 anos celebravam os 30 a fazer coisas diferentes que até então nunca tinham experimentado: como cortar as longas madeixas negras e furar as orelhas pela primeira vez ou inscrever-se num mestrado por acharem o trabalho atual pouco desafiante. Convenhamos, esta não é uma conversa sobre instabilidade financeira, precariedade laboral ou pressões sociais — disso já antes falámos –, mas de uma transição nem sempre pacífica.
Aos 30, as decisões são disruptivas
Na casa dos 20, celebrar um aniversário é relativamente arbitrário. Os 21, 22 e 23, por aí fora, remetem todos para o mesmo: “Somos jovens, temos a vida pela frente”, explica ao Observador a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva. Não é que uma pessoa de 30 anos possa ser considerada velha, nada disso, mas a chegada a esta década é para muitos o realizar de que não somos eternos. Se aos 20 o desafio era descobrir o que gostamos de fazer, aos 30 a vida coloca-nos uma pergunta bem mais desafiante: tirado o curso e iniciada a carreira profissional, afinal, quem somos?
“Obviamente que isto não é exclusivo dos 30. De uma forma global, algures entre os 27 e os 33 notamos que este desafio mais existencial surge”. A partir do momento em que os primeiros guiões pré-definidos acabam — escola primária, básica, secundário e faculdade, por exemplo –, e à medida que se começa a ter dinheiro para tomar decisões, surgem as primeiras perguntas. “Que contributo estou a dar ao mundo?”, “Faço mesmo aquilo que me concretiza”, “Sou feliz?”, enumera a psicóloga. É provável que até muito tarde se tenha apontado o dedo a pais e professores pelas coisas que foram acontecendo. Agora, chega a altura de assumir responsabilidade pelas decisões tomadas e suas consequências. “Cheguei aos 31. Vou apontar o dedo a quem?”, pergunta retoricamente Filipa Jardim da Silva. “A apropriação da nossa vida e das nossas escolhas é essencial”, diz, referindo-se, por oposição, ao medo que existe em assumir as consequências e em estar “por nossa conta num mundo infinito de possibilidades”.
Nesta fase pode também existir dificuldade em lidar com o que não é possível controlar e a consciencialização da finitude à medida que se chega aos 30 desponta uma urgência maior. Não é à toa que a psicóloga se refere a esta fase como a “era do empoderamento pessoal”, no sentido em que, para muitos, os 30 são marcados por decisões disruptivas. Isto é, relações amorosas de longa data que terminam, relações de amizade que mudam significativamente e até carreiras que tomam percursos particularmente distintos. Filipa Jardim da Silva aconselha a refletir sobre as inquietações mais importantes durante algumas semanas para não tomar decisões a mando da impulsividade. “Ajuda se fizermos um trabalho interior paralelo. É preciso perceber quais são os nossos valores e perceber o que isso significa concretamente para nós”, diz.
A ideia é semelhante à do psicólogo consultado pela publicação norte-americana e semanal New Scientist, que apelida esta fase mais conturbada de “crise do quarto de vida”, que se ocupa sobretudo de pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 35 anos. Para Oliver Robinson, da Universidade de Greenwich, em Londres, isto acontece quando alguns jovens adultos dão por si num trabalho do qual não gostam ou numa relação que não os satisfaz. No artigo datado de 2011, o psicólogo diz que fingir que está tudo bem não é resposta e pode estar na origem de uma maior ansiedade ou até de problemas mentais. Mas para perceber exatamente o que acontece durante esta “crise”, Robinson e um colega entrevistaram 50 pessoas que passaram por esta situação e determinaram 5 fases:
- Sensação de se sentir preso tendo em conta as escolhas de vida tomadas; sensação de que se vive em piloto automático;
- Sentimento crescente de querer abandonar o barco; sentimento de que se pode mudar de vida;
- Abandonar o trabalho, a relação ou qualquer coisa que faça a pessoa sentir-se presa e embarcar num período de “time out”, que permita experimentar coisas novas;
- Refazer a vida;
- Desenvolver novos compromissos mais sintonizados com o interesse e aspiração individuais.
“É importante aceitar a nossa realidade”
Não dá para voltar atrás. Pode parecer que ainda ontem o espelho refletia um adolescente de 13 anos, mas a verdade é que o tempo passou e a vida aconteceu. Daí que o nem sempre fácil exercício de aceitar o passado e seguir em frente seja particularmente importante. Na prática, é uma questão de perspetiva. “À medida que nos aproximamos dos 30 há uma fase de maior serenidade e maturidade emocional que permite que olhemos para trás de forma mais introspetiva. É aí que conseguimos valorizar, por exemplo, aspetos da dinâmica familiar nos quais ainda não tínhamos reparado. O exercício da aceitação é dos mais desafiantes que existe e vai acompanhar-nos sempre”, diz Filipa Jardim da Silva. Já a nostalgia que se pode sentir, acrescenta a psicóloga Cláudia Morais, tem que ver com a incerteza que as pessoas sentem quando alcançam esta faixa etária. “É natural que haja alguma saudade por antecipação, como se esta idade de maior responsabilidade implicasse ter de abdicar de muita coisa.”
A questão da aceitação não implica apenas olhar para trás, mas também conviver bem com o presente. Num artigo do britânico Metro, de abril de 2017, também ele focado na crise dos 30, lê-se que muitas mulheres imaginam o que querem ter aquando da chegada desta década, o que tende a chocar com a realidade. A noção dos 30 é, no imaginário infantil, ser-se adulto, estar casado, ter filhos e ter uma casa e um trabalho perfeitos. É preciso não só aceitar o que não se tem, como também a possibilidade de ainda não se saber o que se quer. “Aos 30 anos há um conjunto de expetativas da própria pessoa e também em termos sociais. Se uma pessoa estiver a viver em casa dos pais, mesmo que não haja pressão da família, ela vai questionar-se. Em relação às mulheres, essa angústia surge mais frequentemente associada às expetativas por cumprir do ponto de vista profissional e familiar, tendo em conta o ter ou não ter filhos”, diz Cláudia Morais.
Curiosamente, um artigo da Forbes de 2015 faz uma comparação entre noções desatualizadas e outras bem mais recentes do que é fazer 30 anos — o autor do artigo apresenta o mesmo exercício para quem faz 40 ou 50 anos. Se antes fazer 30 significava estar com alguém há cerca de uma década a construir uma família, hoje o paradigma é totalmente diferente: “Estás a começar a perceber quem és enquanto adulto e estás grato por não teres ficado preso às escolhas feitas na década anterior”. Segundo a Forbes, em cada uma destas fases da vida — 30, 40 e 50 — estamos a reinventarmo-nos enquanto pessoas, ao invés de continuarmos numa trajetória estável e ascendente. “O que tens agora, em cada fase, é uma rara oportunidade para criar o tipo de vida que é fiel às tuas esperanças, sonhos e valores. Tens liberdade sem precedentes.”
“É importante aceitar a nossa realidade, o que não significa que não vamos fazer nada para a mudar. Também é normal que queiramos coisas antagónicas. Aceitando as nossas necessidades tornar-se mais fácil encontrar respostas”, assegura Cláudia Morais, que incentiva as pessoas a evitar fazer comparações com os outros. “Quando faço comparações com aqueles que estão à minha volta estou a desviar a atenção do que é essencial, menos atenção vou dedicar à minha vida e às minhas circunstâncias.”
“Existe dificuldade em escolher um caminho e em tomar uma decisão. Mas os jovens têm de começar a aprender a errar. Esta geração sempre foi muito criticada pelo erro, mas errar é fantástico, permite-nos saber o que realmente queremos”, assegura o neuropsicólogo Fernando Rodrigues ao Observador, embora errar pareça ir contra ao que a sociedade proclama. Um artigo de opinião do The Guardian explora precisamente essa ideia, ao admitir que a nossa cultura dá um significado “pouco racional” à idade em causa. “Graças à televisão e aos filmes, continuo a acreditar que as mulheres de 30 anos são supostas ser ultra bem-sucedidas, viver em casas imaculadas e usar saltos altos muito caros. São supostas estar casadas e ou ter crianças ou começar a planeá-las.”
“Cada geração tem os seus desafios”
O mundo em que vivemos cresce a olhos vistos, pelo que, numa primeira análise, os nossos horizontes também se expandem, o que pode ser estimulante e desorganizante. “As pessoas vivem com mais intensidade e com menos foco no futuro”, assegura o neuropsicólogo Fernando Rodrigues, referindo-se à mutação geracional que separa, por exemplo, os Millennials dos seus pais, os Baby Boomers. A geração que anda agora na casa dos 30 é descrita como tendo mais parceiros de vida e um maior número de pessoas na esfera social — mas nem aqui a quantidade se pode traduzir em qualidade. “Estamos a tornar a nossa sociedade mais focada no eu. Os vínculos são cada vez menores.”
Embora diga que os Millennials foram educados a pensar que a vida seria mais fácil, Fernando Rodrigues não associa momentos de angústia e frustração unicamente a eles e fala ainda numa “crise dos 40” vivida pela geração anterior. “Cresci a ouvir falar da crise dos 40, a propósito da geração dos meus pais”, conta também a psicóloga Cláudia Morais. “Falava-se nisso porque nessa fase esta geração já tinha a vida estabilizada — emprego, casa, filhos. Era quando surgiam as primeiras questões. Associava-se a crise aos Porsches e às amantes”, continua. A geração dos pais de Cláudia Morais chegou aos 30 anos casada, o que não é normativo nos dias que correm. “Antes, as pessoas achavam que tinham de se casar. Na maior parte das vezes, a decisão pode não ter sido tão consciente”, diz, referindo que atualmente não existe tanto automatismo. “Cada geração acaba por ter os seus desafios. Mas as necessidades são comuns.”
Os 30 são mesmo os melhores anos?
Não é difícil encontrar referências na cultura popular de como os 30 são os melhores anos, tal como esclarece um artigo do The Huffington Post. Por esta altura é mais provável do que nunca termos encontrado estabilidade financeira — ainda que os Millennials enfrentem de momento desafios socioeconómicos — e segurança pessoal. Há estudos que sugerem que a melhor idade é os 35 e outros que apontam que é aos 33 que as pessoas são mais felizes.
“É preciso encarar a crise dos 30 com respeito e com um grande marco de desenvolvimento pessoal e não banalizar, como se fosse uma crise existencial que vai passar. É de aproveitar aquilo que surgir sempre num sentido construtivo”, assegura Filipa Jardim da Silva. Na verdade, ainda se vai a tempo de muita coisa. Seja disso exemplo o artigo da The Atlantic que revela que grandes avanços são feitos na carreira já depois dos 30. Ou a investigação de 2012, que mostra que 70% dos britânicos inquiridos com mais de 40 anos afirmam não foram realmente felizes antes dos 33. E ainda o estudo conduzido pelo The Huffington Post e pelo YouGov que dá a entender que o melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional chega aos 34 anos e que a “verdadeira satisfação” — seja ela qual for — aos 38. Certo que não há grande dificuldade em encontrar estudos para todos os gostos mas, assim de repente, está tudo em aberto e, afinal, não nos faltam oportunidades.