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Vasco Pedro é cofundador e presidente executivo da Unbabel
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Vasco Pedro é cofundador e presidente executivo da Unbabel

Paustorch.com

Vasco Pedro é cofundador e presidente executivo da Unbabel

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Despedimentos de 2020 foram "necessários para o momento bom que se está a viver na Unbabel", diz fundador

Se voltasse atrás "comprava bitcoin", mas não mudava a decisão de despedir 90 pessoas no início da pandemia de Covid-19. Em entrevista, o líder da Unbabel fala também da aquisição da Lingo24.

Vasco Pedro, presidente executivo e cofundador da Unbabel, uma startup portuguesa que alia a inteligência artificial com pós-edição humana à tradução automática, decidiu em março de 2020 despedir cerca de 35% dos funcionários, como noticiou o Eco. A tecnológica, que, poucos meses antes, anunciava um investimento de dezenas de milhões de euros, justifica a decisão como necessária para “garantir a continuidade e a sustentabilidade da empresa”.

O caso tornou-se mais mediático após um artigo do Expresso, que revelou mais pormenores sobre a situação, revelou mais pormenores sobre a situação, citando, nomeadamente, trabalhadores que acabaram dispensados e, segundo os próprios, sem acesso a apoios sociais. Em junho de 2020 ainda era tida como a principal baixa da Covid-19 no ecossistema do empreendedorismo português. Mais de um ano depois, mas com a pandemia ainda bem presente, a startup revela ao Observador que comprou a Lingo24, uma concorrente britânica ligada ao marketing. Tudo foi “necessário” para dar a volta, diz o empreendedor.

[Veja abaixo a entrevista na íntegra a Vasco Pedro]

Na entrevista, Vasco Pedro fala desta aquisição, mas assume que não esquece “os momentos difíceis”, lembrando os cerca de 90 despedimentos. “É importante aprender e marcar na nossa história os momentos difíceis e não tentar ultrapassá-los e fazer de conta que não existem”, responde a uma das questões sobre este caso que dizer estar “completamente” resolvido.

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Unbabel vai despedir 35% dos funcionários. São mais de 80 pessoas

Quanto ao futuro da empresa, a startup fundada em 2013 volta a falar de unicórnios e alicórnios, como acontecia em 2019. “Ser um unicórnio, entrar em bolsa, isso vão ser coisas que vão fazer parte da história da Unbabel”. Porém, isso é “um bocadinho menos revelante”. Apesar de não revelar números quanto à atual valorização da empresa, nem quanto à percentagem que os fundadores ainda detêm, é a aquisição da Lingo24 que entusiasma o empreendedor de 45 anos: “[a compra] abre uma série de fronteiras”, diz.

[Ouça aqui a entrevista]

Unbabel. CEO mantinha decisão: despedir 90 pessoas

Vasco Pedro é presidente executivo e co-fundador da Unbabel, uma startup que alia a inteligência artificial com pós-edição humana à tradução automática. Estou a dizer bem?
Sim, no fundo, a Unbabel surge de um problema que não vai desaparecer. As pessoas falam línguas diferentes. Isso significa que, quando uma empresa começa a crescer e a tentar escalar para outros mercados, o que acontece, cada vez mais frequente, é encontrar problemas de linguagem. Acreditamos que estamos rapidamente a caminhar para um futuro onde as empresas vão atacar estes problemas tendo a inteligência artificial no seu cerne, no cerne das soluções. Inteligência artificial por si só não é suficiente. Ainda é preciso uma componente humana muito forte e haver um feedback positivo, mas é para aí que o mundo caminha.

A última vez que falámos foi em 2019. Covid-19 era uma palavra que ainda não fazia parte do nosso léxico. O mundo mudou muito desde então, mas já falava de ideias muito futuristas. Hoje, o principal motivo que o traz cá não é uma ideia tão futurista, é algo muito simples: uma aquisição. Compraram a Lingo24, uma empresa britânica.
Sim. É a nossa primeira aquisição, estamos super entusiasmados. Acho que, se pensar no ponto de vista da história da Unbabel, os primeiros três, quatro anos foram, sobretudo, a tentar provar que a nossa plataforma — digamos, a construir a infraestrutura — e que esse sistema híbrido de ligação entre inteligência artificial e tradução humana funcionavam. E que fazia aquilo que dizíamos. A seguir, há a fase de focarmo-nos no primeiro caso de uso, que foi o serviço de apoio ao cliente: como é que permitimos que uma empresa faça um serviço de apoio ao cliente em várias línguas de maneira fácil? Mas a nossa visão é, no fundo, criar uma plataforma de language operations que tenha IA [inteligência artificial) no seu core e a aquisição da Lingo24 é um grande salto nesse sentido. Há, neste momento, uma aceleração rápida para o futuro que estamos a criar. É super entusiasmante.

Mas é a aquisição de um concorrente vosso? 
Sim e não. É um concorrente, do ponto de vista em que também faz tradução e é uma empresa de tradução. Mas estão focados num caso de uso que é bastante diferente do nosso. O foco deles é marketing, enquanto o nosso é o serviço de apoio ao cliente. Depois, a nossa tecnologia é muito diferente. A Unbabel é uma empresa eminentemente tecnológica. Eles têm uma expertise enorme na produção de tradução com qualidade de nível muito alto para casos de uso de marketing. Desde websites, a marketing cultural, a catálogos de produtos… uma série de marcas muito interessantes.

Estamos a falar de que valor nesta aquisição?
Infelizmente, não estamos a falar de valores publicamente. Mas posso dizer que a Lingo24 tem 135 pessoas. Nós, neste momento, estamos com 205 pessoas. Portanto, é relativamente comparável com a Unbabel. O valor de receitas vai praticamente duplicar.

Não me consegue dar nenhum número? 100 mil? 1 milhão?
É mais de um milhão, isso posso dizer.

Mais de um milhão?
Sim, sem dúvida.

Vasco Pedro cofundou a Unbabel em 2013

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Em 2019, quando falámos da última vez, dizia que queriam ser um alicórnio (um unicórnio com asas). Cada vez mais se fala em unicórnios: temos seis com ADN português [a entrevista foi feita dois dias antes do anúncio do sétimo, a Anchorage Digital]. Em março, numa entrevista à Exame Informática, dizia que estava quase a chegar o momento em que íamos ouvir essa notícia da Unbabel. Até agora, ainda não houve. Está para perto? Não está? O que é que falta para isso acontecer? 
Bem, no fundo, isso é difícil prever, não é? Ou seja, o que vejo é o que, para mim, é fundamental na Unbabel: Estamos a resolver um problema grande. E, para isso, há espaço para criar uma empresa grande. No caminho da criação dessa empresa há momentos chave e há momentos que fazem parte da história. Ser um unicórnio, entrar em bolsa… serão coisas que vão fazer parte da história da Unbabel. Se acontece agora ou para o ano é, genuinamente, um bocadinho menos relevante. Sei que é mais mediático, mas, para mim, é muito mais importante a aquisição da Lingo24 — que nos abre uma série de fronteiras e acelera a plataforma de language operations —, do que evaluations [valorizações]. Isso são momentos mais externos. Aquilo que sinto, e essa tem sido a parte genuinamente fascinante, é que cada vez mais a visão da Unbabel se transforma numa realidade concreta e executável. Isso vai ver-se muito ao longo do próximo ano.

E sustentável também? Já chegaram ao break-even [ponto de equilíbrio]? Com esta aquisição, estão a fugir dessa meta também importante? 
Acho que no mundo das startups o break-even é algo que normalmente não acontece tão cedo. Porquê? Porque nós, acima de tudo, estamos a reinvestir, estamos a investir muito em desenvolvimento e investigação. O que conseguimos trazer para o mercado a nível de investigação, desde patentes — submetemos a primeira com o Comet –, número de papers que estamos a publicar, tecnologia que trazemos para os nossos clientes, ainda é um investimento muito grande. Esse é o nosso foco mais do que a sustentabilidade.

Mas são sustentáveis ou não? Isto é uma pergunta que, presumo, vários investidores vos façam — como é que está a sustentabilidade da empresa?
Por acaso, nenhum investidor nos pergunta isso. Pelo contrário. A única coisa — não é a única coisa, mas diria que é a coisa mais importante — que qualquer investidor pergunta é: quão rápido estamos a evoluir com a nossa visão, que, tipicamente, é mais avaliado pelo grau de crescimento. Essa é a medida. Há uma métrica um bocado básica do Paul Graham, que é “are you building something people want?” [estão a construir alguma coisa que as pessoas queiram] Esse “something people want“, como é que se mede isso? O que é este grau de crescimento? Sim, há métricas de negócios, que mostram que estamos a vender um produto que as pessoas estão a comprar por uma margem que faz sentido. Mas a sustentabilidade, diria, ficaria muito surpreso se algum dos unicórnios portugueses fosse sustentável.

De todos os seis com ADN português? 
Não porque conheça pessoalmente, mas, simplesmente, porque não é esse o objetivo nesta fase. Quero dizer, uma Farfetch é diferente, já é uma empresa cotada e tem uns objetivos diferentes. Mas numa fase de crescimento rápido o objetivo é isso — provar que aquilo que estamos a criar tem de facto espaço para crescer no mercado.

Portuguesa Unbabel compra concorrente britânica Lingo24

Há uma pergunta que é inevitável fazer pelo que passaram no ano passado, pelo despedimento de dezenas de pessoas, cerca de 90. Hoje em dia, se voltasse atrás, a decisão era a mesma?
É uma excelente pergunta. Foi um momento difícil na Unbabel. Acho que estávamos confrontados com uma situação que nenhum de nós tinha vivido. Foi a preparação e a antecipação daquilo que podia ser pior. Costuma dizer-se hindsight 20/20, ou seja, é fácil refazer o passado quando se sabe o que vai acontecer. Mas, dadas as condições que conhecíamos, as decisões que fizemos acho que foram as certas. Tanto é que, agora, estamos num momento fantástico da Unbabel. Foi preciso tomar as decisões difíceis para que, agora, estivéssemos numa posição de crescimento, de aquisição. De, no fundo, transformar essa visão em realidade e continuar a trazer cada vez mais valor aos nossos clientes.

"Foi preciso tomar as decisões difíceis para que, agora, estivéssemos numa posição de crescimento, de aquisição. De, no fundo, transformar essa visão em realidade e de continuar a trazer cada vez mais valores aos nossos clientes."

Até queixas na ACT tiveram. Todos os processos ficaram resolvidos?
Todos.

Tudo resolvido? 
Tudo resolvido.

Voltaram a contratar alguma dessas cerca de 90 pessoas? 
Boa pergunta. Curiosamente, acho que — mesmo que tivéssemos –, na grande, grande maioria dos casos… Não tenho dados precisos, mas, na grande maioria dos casos, mesmo se quiséssemos contratar as pessoas elas já estavam contratadas. As pessoas da Unbabel são constantemente assediadas por ofertas de trabalho. É incrível. Aliás, está neste momento a viver-se — não só na Unbabel, mas a nível de empresas tecnológicas — um entusiasmo do mercado laboral que é uma coisa incrível. Na Unbabel contratamos um 1% das pessoas. Contratamos o topo. Essas pessoas têm emprego praticamente garantido em qualquer altura. Aliás, no geral, têm sempre três ou quatro ofertas de emprego em qualquer momento.

Mesmo assim foi um momento difícil para estas pessoas…
Claro, claro.

Houve muitos ex-funcionários vossos que falaram e, inclusivamente, criticaram. Foi uma situação mediática. E, com hindsight 20/20, é sempre fácil olhar para trás, como estava a referir. Mas, mesmo assim, e sabendo o que sabe hoje, e a pandemia — sendo horrível — não foi a calamidade económica que se adivinhava na altura, e da qual se falava, não fazia nenhuma alteração? Não mudava mesmo nada?
Sabendo o que sei hoje? Se soubesse o futuro?

Exatamente.
Comprava bitcoin.

Mas, relativamente as estas pessoas que ficaram sem emprego, havia outras soluções que podiam ter feito? Podiam ter reduzido os salários, poderiam ter… Como é que fizeram na administração, tiveram alguma reestruturação, mudaram?. Não havia nada, nenhuma outra medidas que fizesse? 
Pelo que sabíamos na altura tomámos as decisões que tínhamos de fazer para pôr a empresa na melhor posição e estamos a ver isto consistentemente neste momento nos resultados que estamos a ter e nos movimentos que estamos a conseguir fazer. Não teria sido possível se não tivéssemos agido rapidamente.

Esse assunto são águas completamente passadas? 
Sim, completamente. Acho que é importante não esquecer a história. Quem esquece a história está condenado a repeti-la. E, portanto, é importante aprender e marcar na nossa história os momentos difíceis e não tentar fazer de conta que não existem. Acho que foi uma situação difícil para a empresa. Foi uma situação difícil para as pessoas que a passaram. É preciso respeitar isso e não tentar minimizar, mas também é preciso contextualizar aquilo que aconteceu num percurso da empresa que agora está a passar um momento muito bom e de sucesso.

Que era o mesmo discurso que tinha em 2019. Que tinha até cerca de três semanas antes, em 2020, quando tudo rebentou (vamos chamar assim, em relação à pandemia). E faz-vos chegar a este discurso otimista que está agora a ter. Mas, mesmo assim, estão a fazer esta aquisição e há provavelmente outras adversidades que vão passar. Por isso pergunto, em à administração, vão fazer alguma alteração? Estão a pensar fazer futuramente nalguns dos vossos órgãos de topo? 
Não explicitamente. Acho que numa empresa de rápido crescimento… Se formos a ver, pegando em qualquer startup de high growth, nem digo em Portugal, digo, por exemplo, uma Revolut. No geral, a volatilidade ou o tempo médio de uma pessoa numa empresa de alto crescimento é relativamente menor do que outro tipo de empresas. Isso acontece, de certa maneira, até mais quanto mais sénior é a posição. Falamos de tempos médios de dois, três anos no máximo. Porquê? Porque o crescimento é tão grande que uma empresa com 100 pessoas não é a mesma de uma empresa com 200 ou 500. E isso é muito difícil de acompanhar. Ou seja, haver mudanças nas equipas não quer dizer sinal de problemas. Pelo contrário, às vezes quer dizer sinal de crescimento muito rápido. Em que, às tantas, é preciso trazer pessoas que tenham experiência numa fase diferente.

Dito isto, no nosso caso não temos planos concretos de fazer isso. Mas, de facto, as coisas evoluem muito rapidamente. E é preciso reagir rapidamente. Não consigo prever o futuro. Consigo olhar para o passado e perceber: ok, o que é que aprendi. E preparar-me o mais possível para o que pode vir. Mas é como a pandemia, ninguém conseguia prever que ia acontecer e que está acontecer, ainda não acabou. Há eventos que são um bocado… enfim, que afetam. E, numa startup, acho que a agilidade é essencial. E, portanto, a tendência de adaptação é talvez mais rápida por necessidade do que noutras empresas.

"Há eventos que são um bocado... enfim, que afetam. E, numa startup, acho que a agilidade é essencial. E, portanto, a tendência de adaptação é talvez mais rápida por necessidade do que noutras empresas"

Tentando fechar este assunto há uma pergunta que ainda queria fazer quanto ao poder que ainda detém na sua empresa juntamente com os outros cofundadores. São cinco ao todo, se não estou em erro. 
Sim.

Vasco, João, Bruno, Hugo e a Sofia.
Exatamente.

Quanto da empresa é que vocês ainda detêm em termos de percentagem. 
Também é um número que não podemos dizer.

Mas isso quer dizer que pode ser um número menor do que 50%?
Sim, sim. Isso não é incomum.

Não é, mas também pode significar que… Todas as decisões continuam a ser totalmente suas ou tem uma pressão maior da administração, de quem detém realmente a outra parte da empresa?
Uma startup de sucesso nunca se constrói sozinha. Há uma equipa. Seja uma equipa de liderança, seja uma equipa de administração, uma equipa de investidores. Qualquer empresa de sucesso tem em conta várias perspetivas. Acho que é um mito o fundador ditador, que diz ‘as coisas são assim’. O que vejo na prática não é tanto isso. Acho que há muito mais uma atitude colaborativa para enfrentar os desafios e as questões a ultrapassar.

Em relação aos fundadores, quatro continuam na Unbabel. A Sofia saiu em 2013. Está ótima. Entretanto, começou outra startup com o marido. Chama-se CareRev. São uma espécie de Uber para enfermeiros em que os hospitais são os clientes. E, na pandemia, como podem imaginar, cresceu exponencialmente. As coisas estão a correr muito bem. Também correu muito bem.

Pergunto isto da decisão para fechar este assunto de 2020. Foi uma decisão totalmente sua ou foi de mais pessoas?
Este tipo de decisões… Quero dizer, em última análise sou o responsável. Portanto, as decisões estratégicas da empresa cabem ao CEO [presidente executivo]. Não acho que devo tentar fugir à responsabilidade das decisões. Sobretudo porque estou convicto que as decisões foram necessárias para o momento bom que se está a viver na Unbabel e para o sucesso que estamos a ter. Mesmo que não fosse o caso. Quando uma pessoa toma uma decisão, e fá-lo com os dados que tem na altura, acho que é importante assumir a responsabilidade das decisões. Não quero dizer com isso que não há advisors, que não há opiniões diferentes, experiências diferentes. Mas, em última análise, o poder de decisão em questões estratégicas é meu.

Sem dúvida que há um número enorme de problemas por resolver [em inteligência artificial]. Por isso é que a expectativa de que vamos chegar a uma solução perfeita é um caminho. It’s the journey, not the destination

Indo para outro tópico, em relação à vossa concorrência e desafios que têm para o futuro. Quem é o vosso maior concorrente? É uma Google? Ou ainda são os tradutores tradicionais, as pessoas com quem trabalham? 
É muito interessante porque o mercado tem evoluído ao longo dos últimos anos. Ou seja, há três anos, o que víamos a nível de competidor, sobretudo na área de apoio ao cliente, era o status quo. Era contratar pessoas que falam várias línguas de maneira a poder fazer serviço de apoio ao cliente em várias línguas. Isso continua a ser, se virmos estatisticamente, o maior, mas já se começa a ver concorrentes nesse mercado, em particular de motores de tradução automática, tipo Google Translate e afins. Agora, à medida que nos expandimos para outros casos de uso — como marketing, por exemplo, agora com a aquisição da Lingo24 –, vamos começar a ver uma competição direta de players mais tradicionais de tradução. Pelo menos essa é a minha expectativa. Diria que, ainda é um bocado um greenfield. Só na Europa há para aí 100 mil empresas de tradução. Há relativamente poucas, cerca de 150, mais ou menos, que faturam acima dos 10 milhões. O mercado é muito fragmentado e há poucos players com dimensão muito grande.

Se pensar do ponto de vista de posicionamento estratégico, a grande diferença que está a acontecer é a inteligência artificial. Para mim é difícil ver a longo prazo como é que empresas tradicionais que não têm um ADN tecnológico vão conseguir competir no futuro com empresas com a Unbabel, que são, na sua génese, criadas a partir de inteligência artificial.

Fala de inteligência artificial porque o seu produto continua a ser o mesmo. Mas, agora, pelo que estou a perceber desta conversa, também está a mudar. Estão a aumentar esta oferta. Mais uma vez, indo buscar a conversa de 2019, dizia-me que o futuro da inteligência artificial em tradução passava por telepatia e não por uma coisa como a máquina do Star Trek que traduz automaticamente.
Sim, mas acho que isso estamos a falar a 20 anos, 25 anos. Não sabemos. É um long, long term. Quando falamos da próxima fase da Unbabel, no curto/médio prazo — portanto, nos próximos dois, três anos — a pergunta que às vezes me faço é: não seria fantástico poder utilizar tradução nas várias áreas diferentes de uma empresa de uma maneira fácil? E que permitisse: ‘epá, agora estou a fazer marketing’. Pum. ‘Posso fazer marketing em várias línguas’. ‘Agora estou a fazer serviço de apoio ao cliente’. ‘Epá, consigo fazer através da tradução fazer isso em várias línguas’. ‘Tenho um produto, uma app, um website, e consigo pôr isso em várias línguas’. E que tudo isto fosse fácil e on-demand.

Essa é, no fundo, o que a plataforma de languages operations vai permitir. Porque cada vez mais a tradução está a mudar do conceito de um projeto de uma coisa para traduzir (um documento), para a produção de conteúdo — seja a nível de website, seja a nível de serviço de apoio ao cliente. Temos streams de conteúdos constantemente a serem produzidos e o que precisamos é de um stack que permita que a tradução também aconteça constantemente. É um stack que permite que a infraestrutura a nível de linguagem de uma empresa, seja, de facto, moderna e permita que isto seja fácil.

Há aqui uma parte muito simples que é tornar um problema complicado fácil. Hoje em dia, a tradução é um problema complicado. Queremos traduzir um website, por exemplo, e é uma grande dor de cabeça. Queremos ter as coisas em várias línguas. Sobretudo quando se passa de ter duas ou três línguas para ter 10, 20, 30 línguas e é exponencialmente mais complexo. Como é que tornamos isso super fácil?  Esse é o objetivo da plataforma de language operations.

Mas quando é isso vai acontecer? Dizem que têm cerca de 87% de eficácia. Com humanos chega a 95%. Acho que o ideal é chegar aos 100%, não? Porque, senão, nada vai funcionar, não é?
Não. Se compararmos com a capacidade e eficiência do ser humano, nenhum ser humano traduz com 100% de eficácia. O 100% é pouco realista. E não é necessário. Nem a escrever na sua língua nativa uma pessoa escreve de forma perfeita. Há sempre revisões e necessidades de corrigir e capacidade de melhorar. A tradução também tem uma parte criativa.

Agora, quando é que isso vai acontecer? Em serviço de apoio ao cliente já está a acontecer. É fácil. Usar a Unbabel é super simples. No próximo ano vai acontecer em marketing. Esse vai ser o próximo caso de uso. Acho que a partir do momento em que começamos a ter vários casos de uso este conceito de language operations plataform começa a ficar muito forte. Para mim essa é a parte realmente entusiasmante.

Mas esta eficácia, chamemos-lhe de 99%, mais do que a dos humanos, é uma coisa que quer alcançar?
Sim. Acho que é possível. Quando se junta inteligência artificial com seres humanos acho que é um exemplo de um mais um igual a três.

O que é falta? Tem vários algoritmos. Inteligência artificial é um conceito muito, muito abstrato quando se começa a falar não sendo tão técnico. Há realmente problemas para resolver e sobre os quais não se sabe se vai algum dia haver resposta.
Aqui estamos a falar de narrow AI. Não estamos a falar de general artificial intelligence. Não é isso que estamos a tentar resolver na Unbabel. Estamos a falar de uma aplicação vertical de inteligência artificial em problemas específicos que permitam: ou resolver os problemas ou parte; ou ajudar os seres humanos a resolverem os problemas de maneiras mais eficiente.

No caso da linguagem há vários problemas. É fácil falar de tradução automática porque todos podemos usar o Google Translate e perceber. Mas há uma espécie de outros subproblemas que são, talvez ou igualmente, mais complexos. Por exemplo, se pensarmos numa coisa tão simples como um agente que escreve uma mensagem num serviço de apoio ao cliente. Recebe uma mensagem e faz uma resposta. Essa mensagem escrita, que é a fonte da tradução, muitas vezes tem imensos problemas em si só. As pessoas escrevem à pressa. Não usam os melhores termos, escrevem com erros. Não dizem as coisas de maneira clara. Quanto mais legível for a fonte melhor é a tradução também. Como é que se torna uma fonte mais legível? A Grammarly, por exemplo, faz só isso para inglês. E, neste momento, vale o quê? 10 mil milhões? E a única coisa que faz é melhorar o inglês. Agora, se quisermos fazer isso para 30 línguas, só isso é um problema gigantesco. Só o melhorar a fonte. E há uma série de outros subproblemas que, por si só, são enormes.

Sem dúvida que há um número enorme de problemas por resolver. Por isso é que a expectativa de que vamos chegar a uma solução perfeita é um caminho. It’s the journey, not the destination, como se costuma dizer.

Falou de vários problemas o que me leva a falar dos vossos concorrentes. Falou da Grammarly, que não é um vosso concorrente direto mas que será em breve. Pelo caminho vão criar ferramentas que permitirão concorrer com empresas como esta? 
Ou então criar parcerias com empresas como esta. A Grammarly pode ser um parceiro mais à frente. Não há nada neste momento em negociação, mas é o tipo de empresa que podia ser um parceiro para a Unbabel. Acho que tem de haver uma conjugação de integração vertical de soluções e também de um ecossistema de parcerias que permitam aumentar essas soluções. Agora, uma das coisas que acho que é importante aqui é que não é necessária a solução perfeita para trazer valor. Uma solução que traga valor não precisa de ser perfeita. Precisa de tornar as coisas mais eficientes, mais fáceis e, depois, haver uma constante evolução.

Isso acontece em todos os níveis de tecnologia. Não é preciso ter um carro perfeito para uma pessoa começar a usar um carro. Começa-se numa certa altura e isso já traz valor e vai-se aumentando. Qualquer tecnologia começa assim. A partir do momento em que começa a ser criado valor pode começar a usar-se. Isso claramente já é o caso com a Unbabel de uma maneira altamente demonstrável pelos clientes que temos. Um tradutor fora da Unbabel traduz 300 ou 400 palavras por hora. Dentro da Unbabel traduz três mil palavras por hora. Até as ferramentas que os ajudam tornam esses tradutores muito mais eficientes. E isso vê-se a todos os níveis do serviço de apoio ao cliente.

Pegamos na Logitech, um dos nossos clientes. Durante a pandemia tinham um problema enorme que era toda a gente estar a comprar câmaras web. De repente, aumentaram em 300% o número de pessoas a tentarem falar com o serviço de apoio ao cliente. No caso deles muitas vezes contratam engenheiros, o que é muito difícil fazer em escala numa altura de pandemia. E, por isso, o que fizeram foi: usaram a Unbabel. Com isso não só conseguiram lidar com esses 300% de aumento, como reduziram o tempo de resolução dos casos de 48 horas para 12 horas. Na prática, o que se vê é que os clientes deles tiveram uma experiência muito melhor. O problema foi resolvido muito mais rapidamente. O que significa que a satisfação do cliente subiu. Isso é uma medida de valor real, das pessoas estarem a ter um benefício real da aplicação desta tecnologia num caso específico.

Falou sempre em parcerias para o vosso futuro, como é que têm pensado nisso? O caminho passará sempre por parcerias ou há um possível exit [como vender a empresa] no futuro da história da Unbabel? 
Isso é uma excelente pergunta. A prognosticação é muito difícil. Eu não penso numa saída [exit], penso em resolver um problema e é isso que me move, resolver um problema grande que existe no mundo: como é que permitimos às empresas que consigam funcionar facilmente em mercados diferentes. Acredito 100% que, ao fazer isto, há um espaço para criar uma empresa enorme. O que é que isso significa? Se houver uma IPO [oferta pública inicial] ou uma exit… Tipicamente, uma IPO, ou uma exit para investidores, é considerada uma saída, mas a empresa continua a ser independente. Se é, de todo, impossível que apareça uma empresa e, a dada altura, seja óbvio que chegar a esse objetivo é mais fácil com essa empresa do que sem, não é impossível. Mas não é esse o objetivo. Não é isso que estamos à procura. Estamos à procura de continuar a desenvolver a Unbabel e seguir o nosso caminho.

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