886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

FREDERIC J. BROWN/AFP/Getty Images

FREDERIC J. BROWN/AFP/Getty Images

Dietas detox. Que febre é esta de querer limpar o corpo?

Fraude, desequilíbrios, riscos de doenças graves. Não é nada disto que associa quando ouve falar de "dieta detox"? Especialistas alertam para dietas de limpeza do corpo.

    Índice

    Índice

“Adira a um programa de desintoxicação para se libertar das toxinas a que está exposto todos os dias, para ingerir os nutrientes necessários para recuperar a sua energia e saúde e para perder os quilos que o incomodam.” O anúncio é fictício, mas poderia facilmente estar escrito num qualquer site de vendas de produtos detox.

Há planos detox para todos os gostos. Três dias, 20 dias, 100 dias. Só com água, só com sumos, com sopas incluídas ou com suplementos herbais e produtos laxantes. Feitos em casa, comprados ou em forma de comprimido. É à vontade do freguês. O problema é que, do outro lado, pode não estar um profissional de saúde a avaliar o que cada pessoa precisa mesmo de eliminar e os potenciais riscos que pode correr se tomar uma ou outra opção.

Perder 10 quilogramas em duas semanas ou beber sumos durante três dias para limpar todas as “asneiras” que se fez no último mês, são uma demonstração das soluções rápidas procuradas pelas pessoas. Que, na opinião de Gustavo Tato Borges, médico de Saúde Pública, não são uma boa opção. “Batidos, sumos ou superalimentos, são bons e devem ser incluídos na dieta na medida do possível, mas não vão resolver os desequilíbrios.” A verdade é que não existem curas rápidas para estilos de vida pouco saudáveis.

“Para que a pessoa tenha saúde, não há necessidade de fazer dietas restritivas ou com desvios do que é normal.” 
Lèlita Santos, directora da Unidade de Nutrição e Dietética do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Se quer realmente desintoxicar-se terá de deixar de fumar, beber álcool ou tomar drogas, evitar beber refrigerantes e café, reduzir a ingestão de doces e gorduras, fazer algum exercício físico e, claro, manter uma dieta saudável, que significa diversificada e equilibrada. Não se esqueça de beber água — é importante manter-se hidratado —, mas como em tudo, não entre em excessos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Para que a pessoa tenha saúde, não há necessidade de fazer dietas restritivas ou com desvios do que é normal”, diz Lèlita Santos, directora da Unidade de Nutrição e Dietética do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “Uma alimentação saudável, variada, com boas quantidades de frutos, saladas e legumes, fibra e com redução das gorduras, sal e doces, nas quantidades recomendadas, é a melhor forma de prevenir as doenças.”

Brigid Delaney, uma jornalista australiana, foi convidada a fazer uma dieta altamente restritiva e a escrever sobre a sua experiência. “Já o fiz, posso dizer que o que acontece ao nosso corpo e não é agradável”, escreveu no jornal The Guardian. Os efeitos da dieta de 101 dias que não conseguiu levar até ao fim incluíram: cheirar como carne putrefacta, sonhar constantemente com comida ou lamber comida, porque não a podia ingerir. Brigid Delaney sobreviveu sem sequelas, mas nem sempre acontece assim.

O milagre da água que acabou numa penitência

Em outubro de 2001, Dawn Page, uma britânica de 52 anos, começou a Incrível Dieta da Hidratação (The Amazing Hydration Diet), bebendo grandes quantidades de água e reduzindo a ingestão de sal, contou a BBC. Não tinha passado sequer uma semana, quando Dawn Page foi levada para o hospital com uma convulsão epilética grave. Diagnóstico: hiponatrémia ou intoxicação pela água.

A hiponatrémia resulta da ingestão exagerada de água ou líquidos, diluindo o sangue e fazendo com que a água entre dentro das células. No cérebro, as células incham aumentando a pressão dentro do crânio, o que pode levar ao aparecimento de dores de cabeça ou mesmo a convulsões. Tudo o que Dawn Page queria era perder peso, mas acabou por perder capacidades cognitivas, o emprego e, provavelmente, ficará dependente de terceiros para o resto da vida.

O veneno depende da dose. E a mais inofensiva água, em determinadas doses, pode provocar efeitos adversos”, justifica Duarte Torres, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP).

A Direção-Geral de Saúde recomenda a ingestão de um litro e meio a dois litros de água por dia, de forma regular e em pequenas quantidades. Se quer aumentar o consumo de água para aumentar a capacidade de excreção, lembre-se de recorrer a um profissional de saúde. Um período de ingestão exclusiva de água vai conduzir a grande carência de ácidos gordos essenciais e vitaminas, alerta o nutricionista. Além disso, pode levar à excessiva eliminação de nutrientes essenciais ao bom funcionamento do organismo.

Roda dos alimentos com os grupos de alimentos e as porções recomendadas. A água está no centro da roda — Alimentação Inteligente/DGS

Cada pessoa é única, mas as dietas são iguais para todos

“O meu marido e eu tentámos uma dieta detox em conjunto e tivemos efeitos dramaticamente diferentes, apesar de estarmos a fazer o mesmo programa”, contou Kate, uma leitora britânica, num comentário publicado pela BBC. “O meu marido sentiu-se mal logo após o primeiro dia, mas eu senti-me bem.” A leitora justificava as diferenças com as características de ambos: ele magro e com metabolismo acelerado, ela com excesso de peso e metabolismo lento.

“Um dos perigos das dietas detox é serem iguais para todas as pessoas”, confirma Gustavo Tato Borges, membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. “Do outro lado [a pessoa que vai fazer a dieta] pode estar alguém que precisa de nutrientes específicos.”

“Um dos perigos das dietas detox é serem iguais para todas as pessoas."
Gustavo Tato Borges, membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

E existe um conjunto de pessoas que não deve mesmo fazer este tipo de dietas restritivas, como os doentes renais crónicos (com problemas de rins), pessoas com insuficiência hepática (com problemas de fígado), pessoas de baixo índice de massa corporal, atletas de alta competição, grávidas e mães a amamentar e crianças. “Igualmente, quem toma medicação crónica deve ter cuidado devido à possível modificação do metabolismo dos medicamentos durante esta dieta e os eventuais efeitos secundários”, alerta Lèlita Santos, médica internista.

O organismo precisa de ajuda para desintoxicar?

Uma mulher de 47 anos fez uma dieta detox baseada na ingestão de água e de vários remédios herbais. Depois de um período de confusão e de ranger dos dentes, a mulher colapsou e sofreu uma convulsão, conforme contam os médicos que a assistiram num artigo na British Medical Journal – Case Reports. Mais uma vez, o diagnóstico foi hiponatrémia — níveis muito baixos de sódio no organismo —, mas, segundo a família, a mulher não estaria a ingerir quantidades anormais de água. A culpa poderia ser de um dos componentes usados: a raíz de valeriana, que pode ter acelerado a situação.

A água, os sumos e os chás (ou outros produtos à base de ervas) até podem aumentar a ação do fígado, rins e intestinos — os órgãos responsáveis pela desintoxicação do organismo —, mas isso não é necessariamente bom. Um rim que esteja a eliminar mais urina, pode levar à eliminação de sais minerais importantes ao bom funcionamento do organismo, conduzindo à hiponatrémia. Um fígado que esteja a trabalhar mais ou que tenha a sua ação alterada, pode estar a eliminar compostos que sejam importantes para o bom funcionamento do corpo, incluindo medicamentos que a pessoa esteja a tomar.

É também importante perceber que o fígado e os rins não são esponjas que absorvem as toxinas do nosso corpo e as acumulam, precisando de ser limpos. O fígado é como uma fábrica que transforma as toxinas em substâncias que podem ser eliminadas pela bílis no estômago, por exemplo. Já os rins funcionam como um filtro que limpa o sangue e elimina as toxinas e outros produtos rejeitados na urina.

“Usar a designação ‘detox’ é uma alegação de saúde que não é permitida."
Conceição Calhau, investigadora no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde

“Os principais responsáveis pela “desintoxicação” diária do nosso organismo, fazem-no de uma forma muito eficiente. Desde que a alimentação e hidratação diárias sejam as adequadas, estes órgãos funcionam em pleno”, garante Lèlita Santos. Se não conseguíssemos eliminar as toxinas que ingerimos ou que o nosso corpo produz, o mais provável era que morressemos disso ou, no mínimo, tivéssemos um problema mais grave do que um inchaço abdominal.

Conceição Calhau, investigadora no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis), vai mais longe: “Usar a designação ‘detox’ é uma alegação de saúde que não é permitida. É uma fraude”. A nutricionista diz que a ingestão de mais frutas e hortícolas até “pode ter um efeito benéfico, mas nunca no exagero”. E no exagero estão as pessoas que nunca ingerem hortofrutícolas e que, de vez em quando fazem dietas detox, consomem todos os produtos verdes que deviam ter comido ao longo do ano.

Mas afinal de que toxinas estamos a falar?

“Apesar de me alimentar de forma saudável, sentia que estava a precisar de fazer uma limpeza”, conta Mafalda Sena, criadora do Senasaudáveis. “Precisava de me limpar da poluição ambiental.”

https://www.instagram.com/p/BdLi3zMF8Jl/

Os poluentes ambientais, no ar e na água, mas também aqueles que podem estar nos alimentos, são apontados como os alvos das dietas detox. No entanto, as “toxinas” que os planos de desintoxicação prometem eliminar, aparecem como um conceito demasiado genérico e mal definido, não havendo referência aos compostos que realmente pretendem eliminar. Mais, o processo de eliminação destas toxinas também nunca é referido.

Primeiro, o local onde se acumulam difere consoante a toxina, por exemplo os poluentes orgânicos persistentes acumulam-se no tecido adiposo, o mercúrio no sangue ou o chumbo nos ossos. Depois, cada toxina é um composto químico diferente que terá mais ou menos afinidade por determinados compostos, logo, poderá ou não ter afinidade pelas moléculas libertadas na digestão dos alimentos detox. E mesmo que haja ligação entre a “molécula-detox” e a “toxina”, não há garantia de que isto promova a sua eliminação. Assim, se houver toxinas acumuladas no tecido adiposo, estas podem ser libertadas na corrente sanguínea graças à dieta pobre em calorias, mas depois não serem devidamente eliminadas do organismo.

“A indústria do detox opera com base no princípio de que qualquer nível de um químico estranho no organismo deve ser alvo de preocupação, mesmo que esta noção não tenha sustentação”, afirmam os autores de artigo de revisão sobre dietas detox publicado na Journal of Human Nutrition and Dietetics. Há poluentes, como o chumbo, que apresentam riscos, independentemente do nível em que se encontrem no organismo; outros, como o mercúrio, que são identificados na maior parte das pessoas, mas geralmente em níveis que não se demonstrou terem impacto na saúde; outros ainda foram identificados como um problema, mas o seu uso foi tão reduzido que não se sabe se a atual exposição afeta a saúde humana ou não, explicam os autores.

Outra das alegações é que, além das toxinas, as dietas detox também ajudam a eliminar microorganismos patogénicos que estão escondidos no nosso organismo. Se para a eliminação de toxinas existem poucas evidências, para a eliminação de microorganismos as evidências são inexistentes. Tirando o VIH (vírus da imunodeficiência humana), que se esconde nas células T CD4 do sistema imunitário, ou a bactéria que causa a tuberculose, que pode ficar “adormecida” no organismo, o médico Gustavo Tato Borges, não conhece outros microorganismos que fiquem escondidos. Logo, numa pessoa saudável, são as próprias bactérias do nosso organismo que os combatem, ou então o sistema imunitário. Se não for saudável, então não deve mesmo fazer uma dieta detox.

A alimentação pode influenciar a resposta do sistema imunitário. “Uma alimentação desequilibrada vai deixar o sistema imunitário mais fragilizado”, diz o médico. Mas a alimentação não consegue só por si eliminar bactérias ou outros microorganismos. Lèlita Santos concorda: “Não há forma de interferir diretamente com as doenças infecciosas”.

Como se sabe que a dieta detox está a funcionar ou não?

“É incrivelmente fácil vender a banha da cobra. Eu sei, porque já o fiz. Em 2014, ajudei a criar e vender “The Right Detox”. Isto era um programa de desintoxicação falso que propunha melhorar o bem-estar de qualquer pessoa e, talvez, curar doenças. Eu era a cara do golpe”, conta Britt Marie Hermes, uma ex-naturopata, num blog que pretende “proteger os doentes de práticas perigosas e incompetentes” da sua antiga profissão.

Os sumos de fruta são ricos em açúcares, mas não têm proteínas nem gorduras — Getty Images/iStockphoto

Getty Images/iStockphoto

A primeira pergunta que se coloca é: Como é que sabe que precisa de fazer um detox? Como é que sabe que tem toxinas acumuladas no organismo? Depois: Que toxinas são essas e de que forma vão ser eliminadas? Estas perguntas não são respondidas pelos promotores dos programas detox, nem tão pouco existem trabalhos científicos que dêem respostas conclusivas sobre o assunto.

Além de não serem específicos sobre as toxinas que pretendem eliminar — vamos assumir que são “todas” —, os programas não prevêem qualquer tipo de monitorização do que foi eliminado, excepto, em alguns casos, o peso.

Não se pode dizer que não tenha havido tentativas de demonstrar a eficácia dos programas detox, mas dificilmente se poderá falar em “demonstrar cientificamente”, uma vez que os artigos publicados falham em alguns pressupostos da metodologia científica, como explicam A.V. Klein e Hosen Kiat, investigadores na Faculdade de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade Macquire (Austrália). E não, o facto de serem vendidos na farmácia ou de serem promovidos na televisão, não lhes confere essa validade científica.

Quando se quer fazer alegações sobre o efeito na saúde, seja de um fármaco, de uma terapia ou, neste caso, de um regime alimentar, é preciso recorrer a ensaios clínicos em humanos. Os ensaios clínicos, para poderem ser validados e terem conclusões significativas devem, por um lado, ser feitos com um grande número de pessoas, mas, sobretudo, devem ter um grupo controlo e serem duplamente cegos.

Usemos como exemplo os ensaios clínicos com fármacos. Um grupo de pessoas vai testar o fármaco, outro grupo de pessoas (em tudo semelhante: idade, género, estado de saúde) vai tomar um placebo (algo semelhante ao fármaco, mas sem princípio ativo). Primeiro, cada pessoa deve ser colocada num ou noutro grupo ao acaso. Depois, cada pessoa não deve saber se está a fazer o fármaco ou o placebo à partida, nem deve perceber isso durante a experiência — por exemplo, se o fármaco for injetável, o grupo placebo também receberá uma injeção; se o fármaco obrigar a meia hora de repouso depois da toma, o grupo placebo também deverá repousar meia hora depois da toma do placebo. Chama-se a isto um ensaio cego, os voluntários não sabem aquilo que estão a tomar. Se for duplamente cego, o médico ou pessoa que contacta com os voluntários também não sabe quem está a tomar o fármaco ou quem está a tomar placebo. Desta forma elimina-se o risco de o operador ter um comportamento diferente com um ou com outro grupo.

É certo que as experiências de alimentação com humanos têm dificuldade em controlar todos os parâmetros, como é possível fazer numa experiência com ratos em laboratório, mas estas limitações devem ser assumidas e os resultados devem ser interpretados à luz destas limitações. Assumir as limitações não é o mesmo que não ter grupo controlo, ou ter um grupo controlo que não é sujeito ao mesmo tipo de ações — por exemplo, se o grupo em teste é pesado todos os dias, o grupo controlo também deve ser. Além disso, análises qualitativas (baseadas no que as pessoas dizem sentir) não permitem tirar o mesmo tipo de conclusões que as análises quantitativas (como o peso ou as análises ao sangue, fezes e urina).

Pode não fazer bem, mas também não faz mal. Ou faz?

“Depois de três dias de sumos, uma quebra de tensão, e um dia inteiro no sofá a ver todos os filmes que consegui, ainda tenho o rabo assim Darlings! Não há milagres em três dias”, confessou a atriz Jessica Athayde, no Instagram, depois de uma dieta detox que não a fez sentir-se bem.
“Foi um pontapé para voltar a comer bem.”

https://www.instagram.com/p/Bd8VBOVhP5m/

Se não existem trabalhos científicos suficientes para demonstrar a eficácia dos programas detox, também não existem trabalhos conclusivos que atribuam problemas de saúde às dietas detox. O que não quer dizer que as pessoas estejam livres de risco — e não apenas os já referidos doentes crónicos, grávidas e crianças.

“Os programas detox podem desencadear alguns efeitos nefastos no organismo, geralmente passageiros nos programas de curta duração, como fraqueza, dores musculares, cefaleias (dor de cabeça) e obstipação ou diarreia”, diz a médica Lèlita Santos. As dores de cabeça, por exemplo, pode dever-se à falta de glicose, de vitamina B1 e de magnésio. Depois, o cérebro começa a adaptar-se à falta de glicose, diz Conceição Calhau, professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

O artigo de revisão de Klein e Kiat apontam como principais riscos das dietas detox a carência de proteínas e vitaminas, o desequilíbrio dos eletrólitos (iões), acumulação de ácido láctico no corpo e, mesmo, a morte. Estes riscos estão relacionados com a restrição calórica severa e com uma alimentação inadequada em termos nutricionais. Ainda assim, uma dieta de três ou cinco dias não terá grandes impactos negativos.

“Os programas detox podem desencadear alguns efeitos nefastos no organismo, geralmente passageiros nos programas de curta duração.”
Lèlita Santos, directora da Unidade de Nutrição e Dietética do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Do outro lado, o excesso de consumo de certos produtos, como os hortofrutícolas, podem provocar toxicidade no fígado, diz Conceição Calhau. “Um outro exemplo, o chá verde, que está associado à prevenção de doenças, pode levar a problemas hepáticos graves quando tomado em excesso.”

Além disso, os alimentos podem interferir com a absorção e metabolização de medicamentos. “No caso das dietas detox a eventual alteração da biodisponibilidade dos medicamentos poderá condicionar a sua acumulação ou, pelo contrário, a redução das suas concentrações”, explica Lèlita Santos.

A dieta detox ajuda a perder peso?

“Há uns anos fiz uma dieta detox extrema. Durante duas semanas não comi nada, só bebi umas ervas chinesas de sabor desagradável. Perdi 14 quilogramas que voltei a ganhar nos dois anos seguintes”, contou a jornalista Brigid Delaney no jornal The Guardian. Nem sequer foi preciso comer muito, confessa, bastou voltar à alimentação normal.

A revisão feita por Klein e Kiat diz que “nenhum trabalho científico [pelo menos até 2015] tinha investigado a eficácia das dietas detox comerciais na perda de peso”. No entanto, para Gustavo Tato Borges, é natural que haja perda de peso, porque há perda das reservas de hidratos de carbono e de água. “Os hidratos de carbono são a melhor reserva que temos e com estas dietas estamos a perder boas reservas.” O grande objetivo de quem quer perder peso deve ser, no entanto, perder gordura. “E para eliminar gordura precisamos de fazer exercício”, lembra o médico.

“A comida inquietava-me mais do que nunca. Passava muito tempo a pensar nas várias refeições que tinha desfrutado no passado. Lambia comida em segredo em casa e depois deitava-a no lixo”, disse a jornalista Brigid Delaney.

Quem quer perder peso, e mantê-lo depois disso, deve ingerir proteína de alta qualidade. Primeiro, porque a proteína ajuda na sensação de saciedade eliminando a necessidade de ingerir outros alimentos. Depois, os aminoácidos presentes ajudam na formação de massa muscular que queima muito mais energia do que a massa gorda. “No jejum perde-se primeiro a massa muscular, porque gasta mais calorias e o organismo tenta preservar as reservas [tecido adiposo]”, acrescenta Conceição Calhau.

Este é, de facto, um fator que dificulta a perda de peso. Durante a evolução “os animais e os humanos desenvolveram mecanismos de proteção contra a perda de peso, porque passar fome podia levar à perda de fertilidade ou mesmo à morte”, escrevem Klein e Kiat. A restrição do consumo de calorias também tem outro efeito no organismo, estimula o apetite, reduz o ritmo metabólico e o gasto de energia. Daí que a partir de um certo limite, as pessoas não consigam perder mais peso. E depois existem outros efeitos: não comer ou não comer sólidos pode colocar a pessoa em stress e o stress estimula o apetite.

“A comida inquietava-me mais do que nunca. Passava muito tempo a pensar nas várias refeições que tinha desfrutado no passado”, confessou Brigid Delaney. “Ver uma imagem de uma pizza no Twitter fazia-me sentir tanto desejo que não conseguia dormir. Parava do lado de fora dos restaurantes e ficava a ver as pessoas a comer. Lambia comida em segredo em casa e depois deitava-a no lixo. Sentia falta de mastigar.

Mafalda Sena admite que sente falta do movimento de mastigar e do tempo que passa a comer, mas não sente fome. Para contornar esta necessidade, trata os sumos detox como se fossem uma sopa. “Os batidos têm tanta textura que chego a virá-los numa taça para comer à colher. Às vezes até ponho frutos secos por cima como topping.” E a sensação de saciedade vem do que é incluído nos sumos: além das frutas e legumes, os batidos que Mafalda Sena toma têm cereais e frutos secos, logo uma quantidade de calorias maior do que o que acontece em grande parte dos sumos destes programas.

“No jejum perde-se primeiro a massa muscular, porque gasta mais calorias e o organismo tenta preservar as reservas [tecido adiposo].”
Conceição Calhau, investigadora no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde

Perdendo muito ou pouco peso, o fim do ciclo de dieta pode levar a um aumento de peso novamente, porque não há uma reeducação alimentar. “O programa é rápido, mas é pouco sustentável, porque não leva a uma alteração de comportamentos alimentares a longo prazo”, diz Duarte Torres, professor da FCNAUP. Lèlita Torres concorda: “A população e os profissionais de saúde devem estar conscientes de que as boas práticas para a saúde recomendam uma alimentação saudável e exercício físico”.

Uma alimentação saudável e equilibrada todo o ano, exercício físico regular e sete horas de sono diárias, são requisitos essenciais na vida de Mafalda Sena, que dá workshops de alimentação saudável e gestão de tempo. Mesmo assim, todos os meses faz uma semana de detox. “Acabo os cinco dias de dieta com menos apetite, o que para mim é importante, já que tenho tendência para engordar.”

As dietas detox ajudam a aliviar o inchaço abdominal?

Se não houver ingestão de alimentos sólidos, forma-se menos matéria fecal, logo o intestino tem de trabalhar menos para a expelir. A quantidade de água e fibras consumidas e a inibição de ingestão de alimentos obstipantes, como as bebidas com gás, ajudam naturalmente à eliminação da matéria fecal. Do mesmo modo, quanto mais líquidos ingerir, maior a quantidade de urina produzida.

Ainda assim, há programas detox que recomendam o uso de clisteres para limpar o conteúdo do intestino. Um dos motivos apresentados pelos promotores destes programas é que servem para eliminar placas de fezes comprimidas que ficam agarradas às paredes do intestino durante meses ou anos. Estas placas permitiriam, alegadamente, que as toxinas voltassem ao nosso sistema. No entanto, estas placas nunca foram encontradas em nenhum doente.

Um intestino a funcionar menos pode estar associado à sensação de bem-estar referida por vários testemunhos nas páginas dos vendedores de programas detox. Como não tem de estar tão dedicado aos processos de digestão, o fluxo sanguíneo pode ser menos intenso no intestino e ser reencaminhado para outras áreas do organismo, o que pode levar a esta sensação de bem-estar, explica Gustavo Tato Borges.

Mas o nosso organismo está preparado para ter um sistema digestivo em funcionamento e isso não é problema. Além disso, os clisteres podem trazer alguns problemas como “cólicas intestinais, meteorismo (muito gás no intestino), náuseas e vómitos e, em casos mais extremos, desidratação e perda de iões (sódio e potássio, por exemplo)”, diz o nutricionista Duarte Torres.

“Fico surpreendido que pessoas com formação em saúde façam recomendações que não trazem benefícios.”
Gustavo Tato Borges, membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

Porque é que as pessoas têm necessidade de recorrer a dietas detox?

“O poder sedutor das dietas detox está, presumivelmente, na promessa de purificação e redenção, que são ideais enraizados na psicologia humana”, escrevem os autores do artigo de revisão das dietas detox. “Infelizmente, equacionar a comida como pecado, culpa e contaminação, pode provavelmente criar uma relação doentia com a comida.”

“Tudo se resolveria se as pessoas passassem a ter uma relação normal com a comida”, diz Conceição Calhau. Mas admite que a correção dos planos alimentares é difícil, as pessoas não aderem facilmente aos planos convencionais. Talvez a palavra “detox” ajudasse as pessoas a aderir a um plano equilibrado, mas não com o conceito enganador com que é usado.

Para os especialistas contactados pelo Observador não existe necessidade de recorrer a dietas detox para limpar o organismo, até porque não existem demonstrações científicas da eficácia destes programas. Da mesma forma não entendem como é que nutricionistas, médicos ou outros profissionais de saúde podem recomendar este tipo de dietas. “Fico surpreendido que pessoas com formação em saúde façam recomendações que não trazem benefícios”, diz Gustavo Tato Borges, que conhece quem defenda estas dietas alegando os benefícios, mas sem prestar atenção aos riscos.

Duarte Torres vai mais longe: “Promover ou aconselhar este tipo de programa cujos benefícios não estão devidamente comprovados é algo condenável eticamente”. Para quem se sentir enganado por um nutricionista a quem tenha recorrido ou que tenha sofrido prejuízos com o plano alimentar recomendado, Conceição Calhau incentiva a entrega de uma denúncia no Conselho Jurisdicional da Ordem dos Nutricionistas, do qual faz parte.

E se quer mesmo fazer um “reset” — que no fundo é o mesmo que reiniciar os computador quando este bloqueia —, não precisa de fazer jejum ou de uma dieta muito restritiva. Assim como também não precisaria de desligar o computador da corrente durante três dias. Basta que diminua os excessos e modere a ingestão de calorias, que faça uma dieta equilibrada, sem alimentos processados, rica em vegetais e de sabores suaves. E, claro, um pouco de exercício físico.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.